Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JORGE MARTINS RIBEIRO | ||
Descritores: | CESSÃO DE CRÉDITO PRESTAÇÕES DE REEMBOLSO DE CAPITAL E JUROS | ||
Nº do Documento: | RP202407105793/23.4T8PRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I – A cessão (total ou parcial) de crédito não carece do consentimento do devedor, exceto nos casos previstos na parte final do art.º 577.º, n.º 1, do Código Civil, C.C.: cessão interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor. II – Aos contratos de mútuo cujo cumprimento é composto de diferentes prestações, englobando reembolso do capital e pagamento de juros, aplica-se o prazo prescricional de 5 anos, previsto no art.º 310.º, al. e), do C.C., e não o ordinário de 20 anos, constante do art.º 309.º do C.C. A tal não obsta o disposto no art.º 781.º do C.C se, em consequência do contrato, a falta de pagamento de uma prestação importar o vencimento de todas. III – É inconsequente a comum afirmação de inconstitucionalidade de uma norma (e, por vezes, até de um entendimento legal constante de uma decisão judicial…) por, alegadamente, a norma contender com uma norma ou com um princípio constitucional sem a mínima concretização do fundamento da invocada desconformidade da norma ao quadro jusconstitucional. IV- Não há nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, C.P.C., por o tribunal a quo ter observado a lei – a regra da prejudicialidade, prevista no art.º 608.º, n.º 2, do C.P.C. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO N.º 5793/23.4T8PRT-A.P1
SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do C.P.C.): ……………………………… ……………………………… ……………………………… - Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo Relator: Jorge Martins Ribeiro; 1.º Adjunto: António Mendes Coelho e 2.ª Adjunta: Anabela Mendes Morais.
ACÓRDÃO I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de embargos de executado são embargantes AA, titular do N.I.F. ......, e BB, titular do N.I.F. ......, residentes em Rua ..., ..., ... ..., e é embargada a exequente “A..., S.A.”, titular do N.I.F. ......, com sede na Av. ..., ..., ... Lisboa. - Procedemos agora a uma síntese do processado relevante para a decisão a proferir, objeto do presente recurso. - 1) Aos 04/05/2023 os embargantes deram entrada em juízo à sua petição inicial. Muito em suma, referem que celebraram em 2002 um contato de crédito com o “Banco 1..., S.A.” mas que não conhecem a exequente “A..., S.A.”, dado que nunca foram informados de qualquer cessão de crédito e que não consentiram nela e que, por tal, seria ineficaz. Referem que a dívida (garantida por uma livrança com data de vencimento no dia “28/03/2003”), emergente de contrato celebrado aos 30/04/2002 está prescrita. Sustentam a sua posição em diversa jurisprudência, incluindo no acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, isto quanto à aplicabilidade do prazo de prescrição de cinco anos previsto no art.º 310.º, al. e), do Código Civil, C.C., quanto à divida de capital e na al. d) do mesmo artigo quanto aos juros. Alegam, ainda, que não foram abrangidos pelo “Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)”. Concluíram nos seguintes termos: “- JULGAR PROCEDENTE POR PROVADA EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA DE FALTA DE INTEGRAÇÃO EM PERSI, ABSOLVENDO DOS EXECUTADOS DA INSTÂNCIA; - JULGAR PROCEDENTE POR PROVADA A PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA DE CAPITAL; - JULGAR PROCEDENTE POR PROVADA A PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA DE JUROS”([1]). - 2) A exequente contestou os embargos no dia 01/09/2023. Defendeu a improcedência dos embargos. Muito em suma, alegou que: – “Estipula o art. 577.º, n.º 1 do CPC que «[o] credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do [devedor]»”([2]). – Não ser aplicável o regime do PERSI por “[n]os termos do artigo 39º do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro, para que os clientes bancários se encontrem no âmbito de [aplicação] teriam à data da entrada em vigor do Diploma se encontrar em mora. [A] data de entrada em vigor do Diploma foi a 1 de Janeiro de 2013, nos termos do seu artigo 40º, aplicando-se retroactivamente só aos contratos que não ainda não estavam resolvidos. [Pelo] que, uma vez que no caso em apreço não se verificava mora à data de entrada em vigor, mas sim resolvido, uma vez que foram remetidas as cartas de resolução a 17/03/2003 tendo as mesmas sido recepcionadas como consta dos avisos de recepção a 24/03/2003 junto no requerimento Executivo como Doc. 8”([3]). – A dívida de capital não está prescrita por se aplicar o prazo ordinário de prescrição, 20 anos, e que se declare que a dívida de juros está apenas parcialmente prescrita (nos termos que concretiza). – E, por fim, que seja “considerada inconstitucional a norma presente no artigo 310º al. e) do Código Civil, na sua interpretação de aplicação a este credito por violar os princípios constitucionais da proporcionalidade, igualdade de armas, razoabilidade, e tutela efetiva dos credores”, “violando até basilares princípios constitucionais previstos nos art. 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 e 62°, n° 1, todos da Constituição da República Portuguesa”. - 3) Aos 19/10/2023 foi proferida a decisão([4]) objeto deste recurso, o despacho saneador sentença. Do dispositivo da mesma consta o seguinte: “Pelo exposto, julgo os embargos procedentes e, em consequência, determino a extinção da execução e o cancelamento das penhoras que tenham sido realizadas nos autos de que estes são apensos. Custas pelo embargado”. - 4) Aos 21/11/2023 a embargada deduziu o requerimento de interposição de recurso, formulado as seguintes conclusões([5]): “A. A B..., S.A. no exercício da sua atividade comercial, celebrou com os Embargados e Recorridos, a 30 de abril de 2002, um «Contrato de Crédito», contrato esse com o n.º ..., constituído por «Condições Gerais» e «Condições Particulares». B. Nos termos do suprarreferido contrato, a Recorrente acordou com a B... em financiar a aquisição de um automóvel de passageiros usado, como não dispunha do montante teve necessidade de recorrer a crédito… C. Tendo nessa sequencia, os Embargados/Recorridos se confessado devedores do montante de € 9.988,80 (nove mil e novecentos e oitenta e oito euros e oitenta cêntimos), o que comportava o valor da totalidade do crédito concedido, juros e demais encargos previstos contratualmente. D. Sequencialmente e como garantia contratual e bancária assinado livrança em branco a ser preenchida somente se e quando houvesse resolução contratual. Sucede que, E. Começaram a verificar-se incumprimentos no pagamento das prestações e, o contrato de crédito acabou resolvido pelo banco mutuante, com fundamento no incumprimento definitivo da Recorrida da obrigação de pagamento das prestações acordadas. F. Nos termos do incumprimento, foi o veículo financiado entregue ao Banco e vendido pelo valor € 2.593,75 (dois mil e quinhentos e noventa e três euros e setenta e cinco cêntimos), tendo o valor sido imputado ao valor em dívida. G. Por essa razão, procedeu a B... ao preenchimento da livrança pelo valor de € 5.662,83 (cinco mil e seiscentos e sessenta e dois euros e oitenta e três cêntimos), com vencimento em 28 de março de 2003, nos termos da das «Condições Gerais» do contrato. H. Operada a resolução extrajudicial pela B..., esta não só preencheu como apresentou à execução a livrança-caução subscrita pela Recorrida que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Processo: 21198/03.0TJPRT, Juízos Cíveis do Porto – 1º Juízo – 1ª Secção, Execução Ordinária, já extinta! I. Os Recorridos/Embargante foram citados em 28/01/2004, tendo por isso nos termos do art. 323.º, n.º 1 do C.C. sido nessa data interrompida a prescrição. J. Apesar de várias instâncias para liquidação foi forçada a propor nova acção executiva considerando que não era possível entendimento extrajudicial, tendo como título executivo o determinado no art. 703.º, n.º 1 alc) do CPC, ou seja, a livrança como documento quirografo sendo que foi demonstrada a relação subjacente. K. Pelo que, promoveu a proposição em prazo da nova execução sumária em 17/03/2023, tendo ocorrido citação prévia, nessa senda, tal como considera o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil L. Logo houve nova interrupção prescrição em 22/03/2023. M. Livrança essa que enquanto permaneceu em branco, não constituía um título executivo pelo que, nos termos do n.º 1 do art.º 311.º do Código Civil, o direito sujeito a prazo mais curto do que o prazo ordinário de prescrição, fica sujeito a este último (20 anos) se sobrevier sentença ou título executivo que reconheça o direito. N. O título executivo consubstanciado na livrança, não existia na data de vencimento das prestações acordadas e sobreveio com a resolução contratual, logo o prazo prescricional aplicável ao valor inscrito na livrança é de 20 anos Não obstante, O. O contrato aqui em riste é um contrato de consumo celebrado entre as partes, que se traduz exatamente num empréstimo de dinheiro, um contrato que pressupõe uma obrigação global, cujo pagamento se encontra escalonado no tempo que se traduz numa obrigação única para os devedores Embargante, correspondente ao capital mutuado e aos respetivos juros remuneratórios. P. Portanto trata-se de um único contrato, celebrado com os Embargante, em que existe uma dívida previamente fixada, dívida esta que irá ser paga parcialmente, fraccionadamente, em diversas prestações previamente estipuladas. Q. As prestações fraccionadas transmutaram-se numa única obrigação sujeita ao prazo prescricional ordinário. Ou seja, foram destruídas pelo vencimento antecipado, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos e os juros ao de cinco anos. R. Não se enquadrando o capital no prazo prescricional da alínea e) do art.º 310º C.C. S. Tampouco no art.º 309º C.C., uma vez que o prazo prescricional ordinário (20 anos) não iniciou ao dia 28.03.2003 (data vencimento da livrança), mas sim, em 28/01/2004 aquando da citação dos executados, ora Recorridos. T. Por conseguinte, deveria o Tribunal ad quo ao receber os presentes embargos considerá-los improcedentes, atendendo que o prazo de 20 anos de prescrição não operou aquando da entrada da nova acção executiva não cabendo assim na previsão legal alegada pelos Embargante. U. Se assim não for entendido, isto representaria uma clara desprotecção do credor que nem sequer vê o valor do capital mutuado e já vencido passível de ressarcimento constituído, tal facto, uma desproporcional aplicação do direito do devedor em detrimento do credor o que ataca o princípio da segurança jurídica, violando até basilares princípios constitucionais previstos nos art. 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa. V. A aplicação imediata da uniformização de uma nova corrente de pensamento e aplicação juridica dos prazos de prescrição aos contratos de mútuo, quirografos e demais títulos executivos sem uma disposição transitória que gradue temporalmente essa aplicação é uma medida desproporcional que afeta o princípio constitucional da Proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição. W. Sendo Excessiva, Inadequada e Desnecessaria face ao principio já consagrado no art. 310.º, n.º 1 al. d) C.C. e a protecção que o mesmo dá aos devedores. Isto considerando a fundamentação implícita no Ac. Uniformizador de Jurisprudência. X. Enferma para tal de inconstitucionalidade a norma presente no artigo 310º, alínea a e) do CPC, por violação dos princípios constitucionais, da proporcionalidade, segurança jurídica e proteção jurídica, assim como de igualdade de armas num Estado de Direito. Em suma, o despacho proferido violou, entre outras, as seguintes estatuições legais: - Da Constituição da República Portuguesa - Arts 12.º n.º 2 18.º n.os 1, 2 e 3, 20.º Assim como é inconstitucional a norma presente no artigo 310º, alínea e). Assim, nestes termos e nos melhores em Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de Vossa Exa., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, com as legais consequências”. - 5) No dia 19/12/2023 os embargantes apresentaram as suas contra-alegações e interpuseram recurso subordinado. Formularam as seguintes conclusões([6]): “A. Em 19 de Outubro de 2023 foi pelo Tribunal a quo proferido despacho saneador (saneador-sentença) julgando totalmente procedentes os embargos deduzidos pelos aqui Recorridos. B. No humilde entendimento dos Recorridos, o Tribunal recorrido não analisou a excepção dilatória de falta de integração em PERSI que vinha mencionada na matéria a decidir pelo que decisão será nula, na parte, porquanto houve omissão de pronúncia, nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), nulidade que expressamente se invoca. C. Como alegado pelos Recorridos aquando da dedução de embargos, não demonstrou a Exequente que tenha sido dada possibilidade aos Executados de integração em PERSI. D. Não constam dos factos provados que a Exequente tenha procedido conforme determinado no Decreto-lei nº 227/2012, de 17/10. E. Sendo a integração em PERSI obrigatória, a omissão constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. F. Pelo que deveria o Tribunal a quo decidir pela verificação da invocada excepção de falta de integração em PERSI que culminaria na absolvição dos Executados da instância. G. Não obstante, o Tribunal a quo acabou por reconhecer a total procedência dos embargos deduzidos pelos ora Recorridos tendo em consideração a matéria dada como provada (para a qual se remete por uma questão de economia processual) e a verificação da prescrição da dívida reclamada. H. É certo que nos encontrarmos perante um contrato de mútuo celebrado entre um consumidor e uma instituição de crédito, no ano de 2002, cujo vencimento ocorreu em 28 de Março de 2003. I. Pelo que a factualidade dos autos se subsume, desde logo, na alínea e) do art. 310.º do Código Civil, o qual determina o prazo de prescrição de 5 anos para dívidas desta natureza. J. Prescrição que de resto foi declarada pelo Tribunal a quo. K. Sendo a prescrição extintiva do direito carece de fundamento a acção proposta pela Exequente, uma vez que a prescrição da obrigação fundamental acarreta a extinção da obrigação cambiária. L. Considerou, pois, e bem a nosso ver, o Tribunal recorrido que dúvidas não podem subsistir que tendo a dívida tido vencimento em 28.03.2003 e dado entrada a acção execução em juízo em 23.03.2023, há muito se esgotara o prazo de prescrição da dívida de capital e juros de cinco anos tal como previsto no art.º 310.º, als. d) e g), do Código Civil. M. Alicerça o Tribunal a sua decisão no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº6/2022, in DR, Iª Serie DE 22-09-22, onde se refere que: «O prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol.106/112ss.) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89.º/328, justificando o prazo curto com o facto de "proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, (…)». N. Tal como ocorreu no processo em análise no Acórdão supra referido também a aqui Recorrente pretende vir alegar que por força do art. 781.º do Código Civil o prazo de prescrição aplicável ao caso em análise seria de vinte anos. O. Em total desconsideração pelos trabalhos preparatórios do Código Civil, isto é, a vontade do legislador, assim como o vertido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº6/2022, ao qual sempre se terá de atender. P. Pelo que, em nosso humilde entendimento, carece de todo e qualquer fundamento o alegado pela Recorrente que pretende ver aplicado ao caso sub judice o prazo prescricional ordinário de vinte anos, quando pretendeu o legislador proteger o devedor contra a acumulação de dívidas, aplicando às mesmas um prazo mais curto. Q. Ainda que, assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese de raciocínio admite, aquando da citação dos Executados, em 19 Abril de 2023 – referência 35484677 (dos autos principais) e tendo tido a dívida vencimento em 28 de Março de 2003, já haviam decorrido mais de 20 anos sobre o vencimento da mesma. R. Acontece que, apesar da acção ter dado entrada em Março de 2023, apenas no dia 14 de Abril de 2023 procedeu a Recorrente à junção do original do título executivo – conforme ponto 12 dos factos considerados provados. S. Pelo que mesmo aplicando o prazo ordinário de vinte anos também por força do art. 323.º n.º 1 e 2 do Código Civil, sempre teria de concluir o Tribunal que a dívida se encontrara prescrita, considerando o decurso do prazo ordinário. T. Por fim, deixamos uma breve referência quanto ao processo executivo instaurado no ano 2003, com n.º 21198/03.0TJPRT, instaurado contra os Executados e que correu termos nos Juízos Cíveis do Porto – 1º Juízo – 1ª Secção. U. Omite, propositadamente, a Recorrente a causa da extinção do processo, o qual foi extinto por deserção, nos termos do artº. 281º, nº. 5, do CPC - dada a inércia da Exequente. V. Pelo que, em nosso humilde entendimento, nunca se poderá conceber que houve interrupção da prescrição como alegado pela Recorrente, aquando da citação dos Executados numa acção que foi a própria Exequente que deu causa à extinção por falta de impulso processual. W. Sendo a consequência legal de tal inércia a propositura de nova acção com o cumprimento de todos os formalismos legais, nomeadamente, a ocorrência de nova citação dos Executados, tal como ocorreu no presente processo. X. Em suma, corroboramos o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo quanto ao prazo de prescrição mais curto, de cinco anos, veiculado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº6/2022, ao qual cremos V. Exas. doutamente irão atender da análise do caso sub judice. Y. Sendo certo que a decisão proferida não viola quaisquer princípios constitucionais, por ser fiel à vontade do legislador. Z. Assim, em nosso humilde entendimento, deverá o recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, por infundado, sendo mantida a decisão recorrida. TERMOS EM QUE DEVERÁ SER NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DETERMINANDO-SE, A EXTINÇÃO DO PROCESSO EXECUTIVO QUER PELA VERIFICAÇÃO DA EXCEPÇÃO VERIFICADA DE FALTA DE INTEGRAÇÃO EM PERSI, QUER PELA VERIFICADA PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA DE CAPITAL E DE JUROS”. - 6) O recurso principal foi corretamente admitido por despacho de 17/01/2024 e o subordinado por despacho de 08/02/2024. - O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.). Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação. Assim, do recurso principal, as questões (e não todas as razões ou argumentos apresentados, pois que o tribunal não é obrigado a discuti-los especificadamente) a decidir são se: 1) A cessão do crédito é inválida por não ter sido consentida pelos devedores. 2) No presente caso (em que foi mutuada aos embargantes uma determinada quantia cujo pagamento – abrangendo o vencimento de juros remuneratórios – estava sujeita a um plano de pagamento a prestações) o prazo de prescrição aplicável é o ordinário, de 20 anos, previsto no art.º 309.º do Código Civil (C.C.), ou o de 5 anos, previsto no art.º 310.º, al. e), do C.C., (e se tal prazo é aplicável igualmente às prestações que sejam de considerar vencidas nos termos do disposto no art.º 781.º do C.C.). 3) Se o art.º 310.º al, e), do C.P.C. (ou a interpretação normativa constante do acórdão uniformizador de jurisprudência, A.U.J. n.º 6/2022 – pois a redação utilizada nas conclusões é algo ambígua…) padece de inconstitucionalidade. Consoante as respostas, se não estiver prejudicado o conhecimento do recurso subordinado (tendo em conta o disposto no art.º 608.º, n.º 2, do C.P.C.), saber se se verifica, in casu, a “exceção dilatória inominada” de os executados embargantes não terem sido sujeitos ao “Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) [ao abrigo do disposto no([7])] artigo 18.º, n.º 1, do D.L. n.º 227/2012, de 25/10” – o que levaria à sua absolvição da instância, defendem – e se por tal não ter sido declarado ocorre a nulidade da omissão de pronúncia, prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.C. - II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos provados relevantes para a decisão:
Na decisão recorrida([8]) foram considerados provados os seguintes factos, com relevo para a decisão do mérito da causa[9]: “1. O exequente deu à execução como titulo executivo o seguinte titulo de credito: Doc. 9 anexo ao requerimento executivo 2. A B..., S.A em 17/10/2007, por alteração ao pacto social, mudou-se a firma social de B..., S.A. para Banco 1..., S.A. 3. Por Contrato de Cessão de Créditos assinado no dia 18 de Maio de 2012, em Lisboa, o Banco 1..., S.A., cedeu à sociedade C..., S.Á.R.L., ora Requerente, os créditos que detinha sobre os ora Executados, incluindo capital, juros, indemnizações e quaisquer outras obrigações pecuniárias. Doc 1 e 2 anexos ao requerimento executivo. 3. O Banco 1... remeteu carta Registada com A/R aos executados, datada 02.07.2012, nos termos da qual «Pela presente, vimos notificar V. Exa., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 583.º do Código Civil, que os créditos que o Banco 1..., S.A. (´Cedente`) detinha sobre V. Exa., emergentes das operações identificadas em assunto, foram cedidos à sociedade designada C..., S.à r.l. (´Cessionária`, sociedade constituída ao abrigo das leis do Luxemburgo, com sede em ..., Luxemburgo». Deste modo e após esta notificação, qualquer informação ou pedido de esclarecimento relacionados com os créditos cedidos, deverão ser dirigidos à Cessionária, através da sociedade D..., S.A, («D...») através dos contactos seguintes: Telefone: ... E-mail: ..........@..... Morada: ..., Rua ..., ... Lisboa Assim, todos os pagamentos referentes a este contrato deverão ser efetuados para a conta com o NIB ..., junto do Banco 2.... Qualquer pagamento efetuado para conta diferente ou a outra entidade, não será imputado ao pagamento da dívida resultante do contrato supra. Informa-se, adicionalmente, que, serão transmitidos à D... dados pessoais que lhe dizem respeito, sendo que, nos termos da legislação aplicável, são garantidos, sem encargos adicionais, os direitos de acesso, retificação e atualização dos seus dados pessoais, mediante pedido por escrito dirigido à D... para os contactos acima descritos. Por último, informamos que a Cessionária está disponível para chegar a um acordo para a resolução imediata deste processo, sugerindo que para tal nos contacte imediatamente por forma a evitar quaisquer outras consequências negativas- doc 3 anexo ao requerimento executivo. 5. Posteriormente, em 16 de março de 2021, foi celebrado um contrato de cessão de créditos, entre C..., S.À.R.L, na qualidade de cedente e, A..., S.A., na qualidade de cessionária, - conforme Documento N.º 4 anexo ao requerimento executivo. 6. Contrato pelo qual foram transmitidos os créditos e as garantias que a cedente detinha sobre os Executados, conforme Documento N.º 5 tendo sido esta cessão essa notificada ao Executado, nos termos do artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil – conforme Documento Nº 6. 7. A Cedente primária, no âmbito da sua actividade, celebrou com os ora Executados, o contrato, ao qual foi atribuído o n.º ..., conforme Documento N.º 7 anexo ao requerimento executivo 8. O referido contrato, teve por objecto: 9. O exequente remeteu aos executados a seguinte carta, dirigia para a morada dos mesmos: - Documento N.º 8 e N.º 9 anexos ao requerimento executivo. 10. Nos termos da clausula 11ª das condições particulares do contrato, 11. A execução entrou em juízo sob a forma ordinária em 23.03.2023 12. O exequente apenas procedeu à junção do original do titulo em 14.04.2023.- vide refª 35367507 13. A carta de citação foi expedida a 17.04.2023”.
O Direito aplicável aos factos:
A matéria objeto de recurso é apenas de Direito. Quanto à primeira questão, a de saber se a cessão de crédito carece de consentimento do devedor, nada temos a acrescentar ao decidido pela primeira instância, pois que a lei não podia ser mais clara. Assim, e como resulta inequivocamente do disposto no art.º 577.º, n.º 1, do C.C., a cessão, total ou parcial, de crédito não carece do consentimento do devedor, exceto nos casos aí previstos a final: cessão interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor. Não se verificando nenhuma das exceções, as cessões do crédito foram válidas e eficazes, quer a primeira (facto provado n.º 3, aos 18/05/2012), quer a segunda (facto provado n.º 5, aos 16/03/2021) – à ora exequente e embargada. Quanto à segunda questão, relativa ao prazo de prescrição aplicável, se o de 20 anos (prazo ordinário, previsto no art.º 309.º do C.C.), se o prazo curto de 5 anos, previsto no art.º 310.º do mesmo Código. Citando Mota Pinto, “[o] tempo é um facto jurídico não negocial, susceptível de influir, em muitos domínios do direito civil, em relações jurídicas do mais diverso tipo. Os problemas mais importantes colocados pela repercussão do decurso do tempo no mundo dos efeitos jurídicos refere--se à prescrição extintiva e à caducidade”([10]). Como explica o autor, “[s]e o titular de um direito o não exercer durante certo tempo fixado na lei, extingue-se esse direito. Diz-se, nestes casos, que o direito [prescreveu]. O beneficiário da prescrição, completada esta, pode recusar o cumprimento da prestação ou pode opor-se ao exercício do direito prescrito. [A] prescrição extintiva, possam embora não lhe ser totalmente estranhas razões de justiça, é um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade. [Diversamente] da caducidade, a prescrição arranca, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá- -lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito, em harmonia com velho aforismo «dormientibus non succurrit jus»”([11]). Segundo o disposto no art.º 301.º do C.C., “[a] prescrição aproveita a todos os que dela possam tirar benefício, sem excepção dos incapazes”, tem de ser invocada, como previsto no art.º 303.º do C.C., resultando do que já dissemos que, e como disposto no art.º 304.º, n.º 1, do C.C., “[c]ompletada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”, começando o decurso do prazo quando o direito puder ser exercido (isto nos termos do art.º 306.º, n.º 1, do C.C.). A prescrição é uma exceção perentória por extinguir o direito que se pretende fazer valer, sendo de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 576.º, n.º 3, e 579.º do C.P.C., sem prejuízo de ter de ser invocada (como foi) por o tribunal não poder declará-la oficiosamente, como disposto no art.º 303.º do C.C. A data de incumprimento do contrato de mútuo (crédito ao consumo) considerada na sentença foi a alegada pela exequente (veja-se a carta enviada aos executados, no facto provado n.º 9, datada de 17/03/2003, considerando o incumprimento do contrato, vencendo-se definitivamente aos 28/03/2023 – data limite para o pagamento por Multibanco), tendo esta ação executiva sido intentada aos 23/03/2023. Está em causa, inquestionavelmente, um contrato de crédito em que foi convencionado pelas partes o reembolso em prestações da quantia mutuada e dos juros calculados desde a celebração do mesmo até pagamento integral, de acordo com o plano de pagamento estipulado. A decisão recorrida baseia-se no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2022, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça([12]) aos de 30/06/2022, e publicado no D.R. n.º 184/2022, de 22/09/2022([13]). Como consta do relatório desse acórdão, “[o] entendimento do acórdão recorrido, de considerar aplicável no caso o prazo prescricional de cinco anos nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, se mostrar consentâneo com o posicionamento que este tribunal tem vindo reiteradamente a defender em situações similares às dos presentes autos, dado estarem em causa contratos de mútuo onerosos em que a obrigação de restituição do capital mutuado foi fraccionada (prestações) o que consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), não relevando para o enquadramento em termos de prescrição a circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento. Mais se entendeu que, nesse sentido, o que releva para efeitos de enquadramento do regime prescricional não é a forma por que a obrigação exequenda se mostra titulada, mas a estrutura do direito de crédito da Embargada decorrente do facto de estar em causa uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos. Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito”. Para efeito de determinação do prazo de prescrição aplicável não é relevante o disposto no art.º 781.º do C.C., no tocante ao vencimento imediato das prestações subsequentes à verificação do incumprimento, pois que tal (o montante em dívida) nada tem a ver com o prazo de prescrição, ou seja, dentro do prazo aplicável, o de 5 anos, o credor pode exercer o seu direito de crédito na íntegra, no que se incluem as prestações consideradas vencidas por força da referida norma. Como referido no já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.)([14]), “[a] natureza da obrigação não se altera perante o vencimento imediato com a perda do benefício do prazo, ou seja, o regime de prescrição estabelecido na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, mantém aplicação atenta a circunstância do direito de crédito se encontrar vencido na totalidade em consequência do incumprimento contratual” – neste mesmo sentido, o parecer do Ministério Público em tal acórdão, no sentido de dever fixar-se a seguinte jurisprudência: “[p]erante o vencimento imediato de todas as quotas de amortização do capital, com perda do benefício do prazo, nos termos do artigo 781.º do CC, ao respetivo crédito aplica-se o regime de prescrição de cinco anos estabelecido na alínea e) do artigo 310.º, do Código Civil”. Este parecer foi acolhido pelo S.T.J., como referido em II da fundamentação de Direito, “[p]ara efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas. [Como] se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explícita opção legislativa, o artigo 310.º alínea e) do Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis”([15]). E, na parte IV da fundamentação de Direito, tal é reiterado, ao afirmar--se que “[p]ode [apontar-se] unanimidade nas apontadas decisões, em vista de afastar a aplicação do prazo prescricional ordinário, do artigo 309.º do Código Civil, à quantia resultante do vencimento antecipado das prestações, por via do exercício do direito a que se reporta o artigo 781.º do Código Civil. Nesse sentido, pode também dizer-se que o Supremo Tribunal de Justiça tem aceite que: - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo «a quo» na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”([16]). A final, é fixada a seguinte uniformização de jurisprudência: “«I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação». II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo «a quo» na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas"([17]) – não podíamos estar mais de acordo. Como referido no acórdão desta Secção proferido na apelação n.º 4413/22.9T8MAI -A.P1([18]), “[a]os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência o legislador não atribuiu a força obrigatória geral de que gozavam os Assentos em função do primitivo artigo 2º do Código Civil, que foi revogado, mas têm os mesmos um valor reforçado já que emanam do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça sendo o seu não acatamento pelos tribunais motivo para recurso, nos termos do artigo 629º, nº 2, al. c), do Código de Processo Civil . O Juiz estará assim, em princípio, vinculado à doutrina fixada pelos acórdãos uniformizadores de jurisprudência que visam manter a segurança e a certeza e do sistema jurídico. Doutro modo, estaria esvaziado de sentido prático e de qualquer utilidade o recurso destinado a fixar jurisprudência uniforme, que não tem outro desiderato que o de evitar a incerteza que surge quando sobre uma mesma questão se prolatam sucessivamente e contraditoriamente decisões que acolhem duas ou mais correntes jurisprudenciais. Não vemos nos presentes autos, qualquer razão que justifique um desvio à regra de aplicação do AUJ referido com cuja fundamentação concordamos”. Ou seja, estamos perante a aplicabilidade de um prazo de prescrição excecional, curto([19]), de 5 anos, constante da al. e) do art.º 310.º do C.C, não 20, que é o prazo ordinário de prescrição, previsto no art.º 309.º do C.C. Assim sendo, a dívida exequenda está, há muito, prescrita. No atinente à terceira questão, da afirmada inconstitucionalidade do art.º 310.º, al. e), do C.C. (ou, como referimos já, do entendimento constante do citado A.U.J.). Ressalvando o devido respeito por diferente entendimento, tendo em conta a – de muito longa data – reiterada e uniforme jurisprudência do Tribunal Constitucional, afigura-se-nos inconsequente a comum afirmação de inconstitucionalidade de uma norma (e, por vezes, até de um entendimento legal constante de uma decisão judicial…) por, alegadamente, uma norma contender com uma norma ou com um princípio constitucional, mas sem que seja expendida a mínima concretização do fundamento da invocada desconformidade da norma ao quadro jusconstitucional (pois não basta a afirmação, é necessária a construção jurídica, a argumentação, sendo por isso manifestamente insuficiente a alegação que viola a “proporcionalidade, segurança jurídica e proteção jurídica, assim como de igualdade de armas num Estado de Direito. Em suma, o despacho proferido violou, entre outras, as seguintes estatuições legais: - Da Constituição da República Portuguesa - Arts 12.º n.º 2 18.º n.os 1, 2 e 3, 20.º”). Neste sentido, e por todos, a título de exemplo, citamos o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 494/2023, de 07/07/2023, “[a] este propósito, pode ler-se, no Acórdão n.º [633/08], o seguinte: [«sendo] o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo). Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de «aplicação» a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão [recorrida]». É, pois, transparente que não está colocada no recurso a sindicância da compaginação das normas legais perante as normas constitucionais, mas, apenas e somente, impulso impugnatório que aborda o Tribunal Constitucional como se de uma instância de controlo e de revisão das decisões jurisdicionais adotadas se tratasse. Temos por isso que o recurso interposto é inidóneo face à ausência de carácter normativo do seu objeto”([20]). E, como dissemos, assim é no nosso caso, pois que, como afirmámos, a recorrente quedou-se por uma afirmação sem sequer a fundamentar, o que desde logo impossibilita este Tribunal de efetuar qualquer juízo valorativo, na medida em não lhe compete “adivinhar” hipotética fundamentação e, muito menos, violar o princípio da separação de poderes. Ainda a propósito, afirmamos que, quando muito, um tribunal comum pode recusar a aplicação de uma norma por a considerar não constitucional (desconforme ao padrão jusconstitucional), do que cabe recurso obrigatório para o Ministério Público para o Tribunal Constitucional – mas apenas a Este Tribunal compete declarar a inconstitucionalidade de uma norma… Quanto à justeza da solução normativa (art.º 310.º do C.C.) e jurisprudência fixada no A.U.J. n.º 6/2022, e a propósito da invocada desproteção das entidades bancárias e afins, prejuízo para a estabilidade do sistema bancário e financeiro, bem como da alegada afetação do princípio da segurança jurídica, três notas mais. A primeira é que não é esta solução jurídica que as desprotege; antes cabe às mesmas cumprirem a lei e agirem atempadamente contra os devedores, observando o prazo de prescrição aplicável ao caso concreto, tanto mais que estas sociedades são constituídas por autênticas estruturas administrativas as quais incluem, na maior parte das vezes, secções de contencioso – realidade que é um facto notório, que não carece de alegação ou de prova, nos termos do art.º 412.º do C.P.C. A segunda nota respeita à própria natureza, e dinâmica, inerente aos contratos de cessão de créditos entre tais entidades, que assentam estruturalmente na análise das diferentes componentes do crédito a ceder, numa análise de risco, como sejam, por exemplo, o montante em dívida, a situação económica do devedor (se, por exemplo, se tornou, ou não, insolvente), o tipo de garantia associada ao crédito (pois, novamente a título de exemplo, não é a mesma coisa um crédito garantido por hipoteca ou apenas por uma livrança, pior ainda se esta não incorporar um aval), e outros fatores relevantes, como seja o do tempo disponível para tentar recuperar o crédito, no que se insere a prescritibilidade do mesmo. Ora, em função de todo o contexto negocial, ambas as partes, cedente e cessionária, tomam as suas decisões quanto à formação do contrato de cessão, no que se inclui o preço – pois o preço da cessão não é, na esmagadora maioria dos casos, o montante nominal em dívida. Ou seja, e outra vez a título de exemplo, um crédito com o valor nominal de 100 poderá ser cedido, em função do que antes enunciámos, e pelo acordo formado pelas partes, pelo de 40, caso em que contabilisticamente o cedente assumirá um prejuízo de 60 por ter recebido 40 pela cessão (melhor do que, eventualmente, nada vir a receber); já o negócio do cessionário consistirá no recebimento de qualquer montante que exceda os 40 por que adquiriu o crédito (tentativamente, o valor de 100), sendo a possibilidade de nem os 40 receber o risco associado (e assumido) ao negócio. Por fim, a terceira nota, e por ter sido invocada a tutela da segurança jurídica, oferece-se-nos dizer que a tal reporta-se não o instituto da prescrição, mas sim o da caducidade. Como, a título de exemplo, observa Manuel de Andrade, “[o] fundamento específico da caducidade é o da necessidade de certeza jurídica. Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteràvelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre, com o transcurso do respectivo prazo. Em que se distingue a caducidade da prescrição extintiva? 1 – Pelo fundamento, que já sabemos onde reside. 2 – Pelo próprio objecto sobre que versa: a prescrição extintiva é própria dos direitos subjectivos; a caducidade é própria dos direitos [potestativos]”([21]).
Pelo exposto, improcedem todas as conclusões da recorrente exequente – do que decorre que o conhecimento do recurso subordinado fica prejudicado, nos termos do art.º 608.º, n.º 2, do C.P.C., porquanto não faz sentido, no caso, estar a apreciar-se se se verifica a exceção dilatória inominada, conducente a uma absolvição da instância, quando decidimos já por mais, pela verificação de uma exceção perentória que implica a absolvição do pedido. Para terminar, uma última nota: como é patente, do que acabámos de dizer, o tribunal a quo não cometeu nenhuma nulidade de omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.C.; limitou-se a cumprir o disposto no art.º 608.º, n.º 2, do mesmo Código.
III – DECISÃO
Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso principal de apelação interposto pela embargada e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida, considerando-se prejudicado o conhecimento do recurso subordinado interposto pelos embargantes. Custas pela recorrente embargada. - Jorge Martins Ribeiro,Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos: Mendes Coelho Anabela Morais _________________ [1] Maiúsculas no original (o que em nada ajuda a leitura). [2] Interpolação nossa; aspas no original. [3] Interpolação nossa. [4] Cujo teor integral damos por reproduzido. [5] Aspas, negrito e itálico no original. [6] Negrito, itálico, aspas e sublinhado no original. [7] Interpolação nossa. [8] Cujo teor integral damos por reproduzido, incluindo a motivação da decisão de facto – não sendo esta objeto de recurso. [9] Erro de numeração dos factos e aspas no original. [10] Cf. Carlos Alberto da Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 3ª edição atualizada, 1989, p. 637 (itálico no original). [11] Cf. Carlos Alberto da Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 3ª edição atualizada, 1989, pp.373-376 (Interpolação nossa; itálicos e aspas no original). [12] No seguimento do decidido em muitos outros acórdãos (Ac.) do Mesmo Tribunal (S.T.J.), como sejam os seguintes: Ac. S.T.J. 29/9/2016, revista n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego) cit. e também nos Acs. S.T.J. 8/4/2021, revista n.º 5329/19.1T8STB-A.E1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 9/2/2021, revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), S.T.J. 14/1/2021, revista n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 (Tibério Nunes da Silva), S.T.J. 12/11/2020, revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado), S.T.J. 3/11/2020, revista n.º 8563/15.0T8STB-A.E1.S1 (Fátima Gomes), S.T.J. 23/1/2020, revista n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 27/3/2014, revista n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves) – relatores indicados entre parênteses. [13] O acórdão está acessível em: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/6-2022-201354551 [27/06/2024]. [14] Ainda no relatório. [15] Interpolação nossa. [16] Interpolação nossa e aspas no original. [17] Aspas no original. [18] Relatado por Ana Olívia Loureiro, sendo primeira adjunta Anabela Mendes Morais (aqui segunda adjunta) e segundo adjunto o ora relator. [19] Na terminologia de, entre outros, Manuel de Andrade; cf. Manuel de ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II (reimpressão), Coimbra, Livraria Almedina, 1992, p. 450. [20] Relatado por Ascensão Ramos. O acórdão está acessível em: https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20230494.html [27/06/2024 (itálico no original; interpolação e negrito nosso)]. [21] Cf. Manuel de ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II (reimpressão), Coimbra, Livraria Almedina, 1992, p. 464 (interpolação nossa e itálicos no original). |