Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1176/21.9T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: PROVA
TEMAS DE PROVA
DOCUMENTO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RP202309111176/21.9T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 09/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A prova a produzir num determinado processo tem como destino a demonstração da realidade dos factos da causa relevantes para a decisão (artº 341º, do Código Civil), sendo que a demonstração que se pretende obter se traduz na convicção subjetiva a criar no julgador.
II - Com vista à obtenção de tal objetivo, cabe ao tribunal pronunciar-se sobre as provas propostas e emitir, sobre elas, um juízo de admissibilidade, não só de legalidade mas, também, de pertinência sobre o seu objeto: a prova de factos, controvertidos, da causa, relevantes para a decisão. E podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção). Havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) – arts 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil.
III - É de rejeitar o requerimento probatório de junção de documento, apresentado na fase da audiência de julgamento, tendente à obtenção de meio de prova para o apuramento de factos da causa não indicados e formulado sem justificação para a junção naquele momento, requerimento esse inadmissível (ilegal e impertinente) e inoportuno (cfr. nº3, do art. 423º, do CPC).
IV - Pese embora não seja admissível requerimento de proposição de provas é, contudo, lícito o exercício do direito de resposta a requerimento probatório que foi atendido com concessão de prazo para pronúncia quanto ao valor probatório.
V - Com efeito, tendo sido admitida a junção de meios de prova - gravação vídeo e fotografia satélite - e concedido, pelo juiz, à parte contrária o referido prazo de resposta sobre eles, é admissível, face ao despacho proferido nos autos, transitado em julgado, que o permitiu, e ao abrigo do princípio do contraditório consagrado no nº3, do art. 3º, do CPC, materializado ao nível da prova, no nº1, do art. 415º, de tal diploma legal, e concretizado, designadamente para a prova documental, em subsequentes disposições (v. art. 427º), pronúncia sobre os mesmos.
VI - E nada impede que, no exercício do direito do contraditório e em efetiva materialização do mesmo, em mais concretizada, detalhada e ilustrada expressão da posição manifestada, para efeitos de bem ser apreendida pelo julgador e de vir a ser objeto de uma adequada interpretação, com ela sejam apresentados desenhos, esquemas, plantas ou outras representações, a espelhar a posição assumida, nada obstando a que sejam anexados “frames” do vídeo junto aos autos (imagens dele) e imagens/representações do local, elementos conhecidos nos autos, contemplando/ilustrando as referências trazidas no escrito apresentado.
VII - Requerido o incidente probatório da contradita, regulado nos arts 521º e 522º, do CPC, e não confessados, pela testemunha, os (novos) factos alegados, pode a matéria alegada como fundamento do incidente (factos acessórios) ser comprovada por documentos juntos em audiência de julgamento, a fazer valer uma exceção probatória contra a força probatória de testemunho acabado de produzir.
VIII - Terminado o depoimento da testemunha e alegado pela parte contrária à que a ofereceu o facto da apresentação, pela mesma, de planta topográfica a demarcar o seu prédio de modo diferente do que aquela referiu em audiência e não o confessando a testemunha, é admissível a junção de documento a comprovar tal facto, com vista a atacar a credibilidade da testemunha, a fé que ela possa merecer.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1176/21.9T8LOU.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Lousada

Relatora: Des. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Des. Joaquim Moura
2º Adjunto: Des. António Mendes Coelho

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: o Réu, AA
Recorridos: os Autores, BB, CC e DD

AA, Réu na presente ação declarativa com forma de processo comum em que são Autores BB, CC e DD, apresentou recurso de apelação, pugnando por que sejam revogados os despachos proferidos nas sessões de julgamento de 13/04/2023 e 17/04/2023 a admitir junção de documentos e substituídos por outro que considere inadmissível a junção aos autos dos documentos 1 a 6 apresentados pelos AA nos requerimentos de 24/02/2023 e requerimento ditado para a ata na sessão de julgamento de 17/04/2022 ordenando-se a sua devolução aos mesmos, com as demais consequências legais, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1- Por despacho proferido em 13/04/2023 (refª91783805) admitiu o tribunal a junção aos autos os docs. 1 a 5 juntos pelos AA. no requerimento com a refª 44828804 apesar dos mesmos não terem alegado, qualquer facto impeditivo da sua junção com a petição inicial.
2- Sendo que, a parte tem de alegar e provar os requisitos necessários à pretendida junção de documentos, só devendo ser relevadas, razões das quais resulte a impossibilidade do requerente, num quadro de normal diligência, ter tido conhecimento anterior da situação ou da existência do documento.
3- No caso dos autos os AA não alegaram, qualquer facto impeditivo da sua apresentação junto com a petição inicial. Pelo que a sua junção tardia, por extemporânea é inadmissível, pelo que não podia o Tribunal “a quo” tê-los admitido.
4- O que é manifestamente inconstitucional uma vez que contende com os princípios do dispositivo, contraditório, do Estado de Direito Democrático, da Proporcionalidade e das Garantias de Processo Justo e Equitativo, conforme os arts. 2º, 18º, n.º 2 e 20º, n.º 4, da CRP-Constituição da República Portuguesa e art. 6º, n.º 1, da CEDH-Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
5- Violou o Tribunal “a quo” o princípio do dispositivo, do contraditório, do estado de direito democrático, da proporcionalidade e garantias de processo justo e equitativo, conforme art.º 2, 18 nº2 e 20 nº 4 da Constituição da República Portuguesa e art.º 6 nº1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o disposto no artº 423º do CPC. Tal decisão é nula por força do disposto nos artºs 3º, nº3, e 195º do CPC o que deve ser declarado com as demais consequências legais.
Acresce,
6- A coberto de um “incidente de contradita” vieram os AA requerer a junção do DOC.6 (já anteriormente rejeitado) que foi admitido pelo Tribunal, o que não se aceita.
7- Com efeito, visa este incidente questionar a credibilidade da própria testemunha, pondo em causa a sua isenção e não diretamente a veracidade do seu depoimento (embora indiretamente, pois que procedendo este incidente, esta possa ficar inquinada pela falta de credibilidade ou isenção da testemunha em causa).
8- No seu requerimento de 17/04/2022, os AA requereram a junção deste documento alegando fazê-lo “na sequência do depoimento de uma testemunha”, mormente a testemunha EE, uma vez que este teria indicado como fazendo parte da sua propriedade um pedaço de terreno que os AA alegam ser seu, para contraprova do afirmado, supostamente para demonstrar que tal não é verdade!...
9- Ora, é esta pretensão bem diversa da contradita.
10- Não pretendem os AA. com a junção deste documento, alegar que por razões não mencionadas pela testemunha (parentesco, amizade, inimizade, interesse na causa ou outro), esta não é uma testemunha isenta, nem credível, não devendo o seu depoimento merecer qualquer fé ao tribunal.
11- Pretenderam antes, juntar aos autos documento que, na sua ótica, contraria o teor do depoimento desta testemunha o que não é o mesmo que a contradita da testemunha.
12- Assim a pretensão dos AA. de junção de documentos alegando como fundamento dessa junção contraprova do invocado na sequência do depoimento de testemunha na sessão de julgamento, não se integra no incidente de contradita.
13- Assim sendo, tal documento nunca poderia ser admitido no âmbito do incidente de contradita, só podendo ser admitido, nos termos previstos no artº 423º do C.P.C.
Porém,
14- a junção de documentos após a fase prevista no nº1 e 2 do C.P.C., é admissível apenas quando a sua apresentação não tenha sido possível nos dois momentos anteriores, ou se tornem necessários apenas por virtude de ocorrência posterior.
15- Neste caso, a parte que pretende a junção de documentos fora dos casos previstos nos nºs 1 e 2 do C.P.C. deve alegar e demonstrar a impossibilidade da sua junção ou que a mesma só naquele momento se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.
16- Ora, no seu requerimento os AA. não cumpriram este ónus que lhes era imposto, uma vez ultrapassados os prazos previstos nos nºs 1 e 2 do referido preceito legal. Alegaram apenas que pretendia a junção deste documento na sequência do depoimento da testemunha para “contraprova do invocado” para contrariar a razão de ciência da mesma. Não invocaram que a oportunidade de junção deste documento surgira apenas por via de ocorrência posterior, ou sequer que considerava como ocorrência posterior o depoimento da referida testemunha.
17- Deveria o tribunal considerar inadmissível e extemporânea a junção do referido documento, mandando-o desentranhar e devolver aos AA condenando-os em multa.
18- Ao não proceder dessa forma, violou o tribunal disposto nos artºs 423º, 521º, 527º nº1 do Código do Processo Civil, 7º, 8º e 27º nº1 do Regulamentos das Custas Processuais, e bem assim, o princípio do dispositivo, do contraditório, do estado de direito democrático, da proporcionalidade e garantias de processo justo e equitativo, conforme art.º 2, 18 nº2 e 20 nº 4 da Constituição da República Portuguesa e art.º 6 nº1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
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Foram apresentadas contra-alegações a pugnar por que sejam mantidos os despachos recorridos, onde são formuladas as seguintes
CONCLUSÕES:
I. Os documentos apresentados no requerimento do dia 24-02-2023 referência citius 8591670, estão sustentados no exercício do contraditório concedido aos Autores e consagrado no artigo 3º nº3 do C.P.C., no princípio da igualdade entre as partes consagrado no artigo 4º do mesmo diploma.
II. O despacho recorrido ao admitir a junção aos autos dos documentos 1º a 5º juntos com o aludido requerimento do dia 24-02-2023, fez uma correta materialização do princípio do contraditório e uma correta aplicação da lei.
III. Indeferir a junção dos aludidos documentos apresentados pelos AA. com o requerimento aludido, como é defendido pelo R. nas alegações ao presente recurso, seria obstar à materialização plena do contraditório que fora concedido pelo Tribunal a quo no despacho proferido em audiência de julgamento do dia 14/02/2023 aquando da junção pelo R. do vídeo e da fotografia de satélite.
IV. De igual modo não merece censura o despacho proferido na sessão de audiência de julgamento do dia 17 de abril de 2023, nos termos do qual o Tribunal a quo, na sequência do incidente de contradita, admitiu o documento (certidão da planta na sequência do incidente de contradita, admitiu o documento (certidão da planta topográfica apresentada pela testemunha EE processo de obras particulares nº ... da C.M. ... em que demarcou o seu prédio pelo lado norte pela linha limite da parede norte dos anexos que construiu no seu prédio).
V. Este documento mandado elaborar pela testemunha, que não se retratou, abala decididamente a sua credibilidade, uma vez que contradiz o que a testemunha declarou ao tribunal no seu depoimento.
VI. A junção do documento é admitida pelo artigo 522º, nº3 do C.P.C. até ao momento em que deva ser proferida decisão sobre os factos da causa, tendo o Tribunal a quo feito no despacho, que admitiu o documento, uma correta aplicação da lei processual no que concerne ao incidente da contradita.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1ª. Da inadmissibilidade de junção dos documentos em audiência de julgamento;
2ª. Da inadmissibilidade de junção do documento apresentado a coberto de incidente de contradita de testemunha.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados com relevância para a decisão constam já do relatório que antecede, acrescentando-se que:
1. Na sessão da audiência de julgamento de 14/2/2023, o Réu, tendo em conta as declarações do autor, requereu a junção aos autos de um documento e de um vídeo e os autores, que se não se opuseram á junção de tais documentos, embora sem prescindirem do prazo de exame dos mesmos, requereram, também, a junção aos autos de 3 documentos, a cuja junção o Réu se não opôs.
Após, o Mm. Juiz de Direito proferiu o seguinte:
DESPACHO
“Atentas as posições assumidas, o Tribunal admite a junção probatória requerida pelas partes, concedendo às mesmas o prazo de 10 dias, contados desde a disponibilização da documentação no Citius, para se pronunciarem quanto ao seu valor probatório. (…)”.
2. Pronunciaram-se os Autores, em 24/2/2023, sobre a gravação vídeo e a fotografia de satélite apresentadas pelo Réu, nos seguintes termos, juntando os 6 documentos:
Conforme resulta dos “frames” do vídeo apresentado pelo R. que se destacaram daquele mesmo vídeo é possível visualizar a borda do prédio do mesmo, e a máquina de terraplanagem, a cortar as terras (desaterro) do prédio dos AA, tudo conforme "frames" legendados que se numera de 1º a 3°
Dito de outro modo, o vídeo confirma que o R. entrou no prédio dos AA. no sentido nascente poente, amputando-lhe, pelo menos a parcela de terreno que resulta da P.I.
A borda que se visualiza nos ditos "frames" é compatível com a orografia do local conforme planta orográfica que se junta como documento 4°.
De acordo com a linha assinalada a cor azul e pontos nela assinalados com os números 1 a 4, (linha limite do prédio dos AA.) há um descaimento que se inicia na linha orográfica de 198m até à linha de 192m, ou seja, numa distância de cerca de 32 metros (entre os pontos 1 e 4) existe um decaimento de 6 metros, ou seja, 18,75% ((6/32) x100).
Finda a linha que os AA. definem como limite do seu prédio e a linha mais alta identificada na planta orográfica, assinalada como ponto 5, há uma borda de 4 metros de desnível numa distância inferior a 10 metros. Neste caso o declive é de 40% ((4/10) x100).
Neste concreto ponto a planta orográfica é compatível com frame que se visualiza nas imagens 1º, 2º e 3º, onde se identifica a borda do prédio do R. bem acima da cota do prédio dos AA.
Quanto à fotografia de satélite onde está impressa um segmento de reta a cor amarela, impõe-se dizer que a linha limite de ambos os prédios não é a que resulta dessa linha amarela, mas antes a que resulta da linha vermelha da fotografia de satélite cuja cópia se junta. (doe. 5°)
Essa mesma linha (vermelha) é compatível com o limite norte da parcela destacada do prédio da testemunha EE, e que resulta do respetivo processo camarário, que é atualmente propriedade da testemunha FF. (cf doe. 6°)
Impõe-se ainda dizer, admitindo a hipótese da existência próximo do local de outros locais de represamento de águas, que aquela que os autores sempre se referiram era uma pequena represa que se encontrava debaixo de uma ramada e que ia até próximo das carvalhas que eram a linha divisória de ambos os prédios”.
3. Em 13/4/2023, foi proferido o seguinte
DESPACHO:
Foi aqui suscitada a questão da admissibilidade da junção pelos autores de um conjunto de documentos trazidos à lide na reação destes ao vídeo apresentado pelo réu na presente instância. Com efeito, a disciplina da junção de documentos está prevista no art.º 423 do C.P.C., sendo a regra contida no seu nº1, e que prevê a sua junção juntamente com o respetivo articulado. A pronúncia que foi trazida pelos autores surge no exercício do contraditório à junção do referido documento, exercício esse legitimado e previsto desde logo no art.º 3º do C.P.C e também previsto no despacho antecedente. Todavia, a legitimidade da junção dos documentos deve ater-se à própria relação que esses documentos têm com o exercício do referido contraditório e, no caso em apreço, constata-se que os primeiros três documentos são frames do vídeo apresentado pelo réu e que mereceram por parte dos autores uma apreciação especifica. Nessa medida, entende o tribunal que a sua junção é pertinente, porquanto serve unicamente para ilustrar a posição dos autores em contraponto com o documento junto pelo réu, não trazendo qualquer elemento novo ao processo. O mesmo se pode dizer relativamente ao documento nº 4 e 5 que não é mais do que reflexo dessa posição assumida pelos autores, agora em resposta ao vídeo e fotografias apresentadas pelo réu, e que encontram até no processo elementos de similar natureza.
Já no respeitante ao documento junto como doc. 6, entende o Tribunal que esta vai para além do exercício do contraditório respeitante ao documento junto, constituindo elementos novos que já poderiam ter sido apresentados na lide e que, considerada a posição do réu, o tribunal entende não poderem ser apresentados nesta fase processual, atento o disposto no art.º 423 nº3 do C.P.C., determinando-se assim a sua retirada dos autos e devolução aos autores”
4. Na sessão da audiência de julgamento de 2023-04-17:
- pelo mandatário dos autores foi requerido: “Face ao depoimento prestado pela testemunha EE, os autores, nos termos do art.º 521 do C.P.C. deduzem incidente de contradita, pretendendo através deste incidente processual abalar a sua credibilidade da testemunha com a junção de certidão do levantamento topográfico relativo aos terrenos que o mesmo demarcou como seus no âmbito do processo de obras nº ... da C.M. ..., onde resulta a linha de demarcação da estrema norte das parcelas de terreno que a testemunha era proprietário à data que apresentou o referido levantamento junto do aludido processo de obras. A aludida certidão encontra-se ainda junta ao processo judicial que corre termos nesta comarca com o nº 1722/21.8T8LOU e pretendem os autores, uma vez que a testemunha mantem a versão de que um metro de terreno para além da parede lhe pertence, abalar a credibilidade da mesma oferecendo a certidão e devendo o mesmo ser instado a pronunciar-se sobre a mesma”;
- pelo mandatário do réu foi dito “… no requerimento apresentado nada foi alegado quer quanto à afetação da ciência invocada quer quanto à diminuição de que ela possa merecer. Acresce que, embora se entenda, numa análise, neste momento, que o documento ora junto, o que quer que se pretenda retirar dele, não irá nunca afetar a credibilidade da testemunha que depôs segundo aquilo que é o seu conhecimento fáctico e até teve o cuidado de referir as razões porque, de alguma forma, este processo que decorre na CM... foi feito que de forma do seu entendimento assim o foi. Assim, entende-se, não se ver verdadeiramente a pretensão que se visa com o incidente, o mesmo deverá ser indeferido”;
- pelo Sr. Juiz de Direito foi proferido o seguinte:
DESPACHO
“Entende o Tribunal que efetivamente a questão suscitada é pertinente, uma vez que, numa primeira aparência, o traçado dos limites norte da propriedade da testemunha que aqui se arrolou proprietário, é distinto na planta junta daquele que a testemunha descreveu nesta audiência, referindo a existência de pelo menos um metro para além da parede que, a norte, rodeia a habitação de terreno que ainda lhe pertence.
Consequentemente, sendo este elemento suscetível de pôr em causa a credibilidade da testemunha, o Tribunal admite a contradita e a sua junção, nos termos do art.º 521 e 522 nº 2 e 3 do C.P.C. (…)”
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II.B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1ª- Da inadmissibilidade legal de junção do documento em audiência de julgamento: intempestividade e impertinência.
Insurge-se o Réu contra o despacho que, a requerimento dos Autores, efetuado em fase de audiência de julgamento, admitiu a junção aos autos de documentos oferecidos, sem que indicada tivesse sido a prova a que os mesmos se destinavam e sem indicação da razão de junção, apenas, nesse momento.
Analisemos da admissibilidade – pertinência e legalidade – da junção de tais meios de prova.
A proposição e a produção da prova em juízo visam demonstrar a realidade dos factos relevantes para o processo[1], sendo que regras existem, para a balizar, de direito probatório material, de natureza substantiva, a regular a admissibilidade e força probatória, inseridas no Código Civil, e de direito probatório formal, a regular os procedimentos probatórios, e que têm sede no Código de Processo Civil.
O artigo 410º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, com a epígrafe “Objeto da instrução”, estatui que “A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”.
Deste modo, quando tenha havido enunciação dos temas da prova (o que se verifica no processo comum de declaração, nos termos do art. 596º, a menos que ocorra revelia operante (art. 567, nº2), termo do processo no despacho saneador (art. 595º) ou decisão do juiz no sentido da dispensa, em ação de valor não superior a metade da alçada da Relação (art. 597º, c))), são os próprios temas da prova o objeto da instrução[2], neles se incluindo os factos, quer os essenciais quer os instrumentais, sobre que a prova incide, pois que o real e efetivo objeto da instrução é sempre matéria fáctica, nos termos dos arts 341º e segs, do Código Civil.
Assim, enunciados temas da prova - para, no final da instrução, o juiz decidir, na sentença, os factos que considera provados e não provados -, correspondendo um deles a um facto, tem de ser o mesmo objeto direto da instrução, não estando, contudo, as partes inibidas de produzir prova sobre factos instrumentais ou circunstâncias que indiciem ou revelem aquele. Nos temas de prova de formulação mais genérica é objeto de instrução toda a factualidade pertinente para a sua concretização, tendo em conta a previsão normativa de que depende o resultado da ação, aí se incluindo a livre discussão dos factos em relação de instrumentalidade[3].
Destarte, havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova, densificados pelos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) – arts 410º, do CPC e 341º e segs, do Código Civil.
E é garantida ampla liberdade, em sede de instrução, no sentido de permitir que, na produção de meios de prova (máxime, prova testemunhal, pericial ou por depoimento de parte), sejam averiguados os factos circunstanciais ou instrumentais, designadamente aqueles que possam servir de base à posterior formulação de presunções judiciais, sendo que a instrução da causa “deve ter como critério delimitador o que seja determinado pelos temas da prova erigidos e deve ter como objetivo final habilitar o juiz a expor na sentença os factos que relevam para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito”[4].
Sendo as diversas fases do processo a proposição, a audiência contraditória e a admissão (ou rejeição), com vista à produção das provas e decisão, podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa, não deve ser permitido seja objeto de instrução aquilo que se apresenta como irrelevante para a concreta causa, tal como desenhada se mostra.
Assim, para a apreciação da prova, que tem lugar na fase da sentença, só são admitidos os meios de prova propostos, após audiência da parte contrária, que relevem de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito.
Tem, pois, de ser olhado o objeto do litígio, que se define pelo pedido formulado e respetiva causa de pedir, para se aferir dessa relevância, nenhuma a podendo ter se nem sequer cabe apreciar a concreta questão a que a prova em causa pode interessar.
E para além da relevância/pertinência tem de se analisar da admissibilidade legal, só sendo de admitir um meio de prova se legalmente admissível.
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Conheçamos, pois, da legalidade e da pertinência dos meios de prova – documental - requeridos na fase de audiência, objeto do despacho recorrido.

Relativamente à prova por documentos, com a epígrafe “Momento de apresentação”, dispõe o art. 423º, do Código de Processo Civil, em matéria de oportunidade de junção:
“1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.
Assim, quanto à junção de documentos, em 1ª instância, este diploma permite a junção em três momentos distintos (cfr art. 423º):
i) com o articulado, sendo essa a regra geral (nº1);
ii) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com a cominação de multa, exceto se a parte alegar e demonstrar que os não pôde oferecer antes (nº2);
iii) até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas, neste caso, somente daqueles cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior (nº3).
Deste modo, sendo rígida[5] a imposição legal, os documentos destinados a provar os fundamentos da ação e da defesa (factos principais), bem como os factos instrumentais que constituam a base duma presunção legal ou facto contrário ao legalmente presumido, devem ser apresentados com o articulado em que os mesmos sejam alegados, sendo que, embora não um ónus (salvo quando o documento é essencial[6]) é um dever e a violação do mesmo com apresentação ulterior, permitida se efetuada sem ultrapassar o limite referido em ii), é punida com multa.
Ultrapassado o limite referido em ii) não podem mais ser juntos documentos pelas partes em primeira instância[7], apenas sendo admitida apresentação, e até ao encerramento da discussão em 1ª instância (que se dá com o termo das alegações orais – v. al. e), do nº3, do art. 604º e cfr., ainda, art. 425º), dos documentos:
1) cuja junção não tenha sido possível até àquele momento, por se ter verificado um impedimento que não pôde ser ultrapassado em devido tempo;
2) que sejam objetiva ou subjetivamente supervenientes (apenas produzidos ou que vieram ao conhecimento da parte apresentante depois daquele momento);
3) cuja apresentação se tenha revelado necessária em virtude de “ocorrência posterior”, esta a determinar casuisticamente, como é o caso de se verificar o facto transmissão de direito litigioso, determinante de habilitação da parte (art. 357º) ou de facto novo oficiosamente cognoscível[8], nunca sendo o caso depoimento prestado por testemunha arrolada pelas partes[9] e, como tal, mera produção de um meio de prova proposto.
Assim, nunca pode uma parte estar à espera do que vai dizer uma testemunha arrolada para decidir da conveniência da junção de documentos destinados à instrução da causa, sendo que as necessidades de prova são as já existentes nos autos e já conhecidas das partes quanto a factos já verificados (não factos/ocorrências posteriores).
Pacífico vem sendo, na Doutrina e na Jurisprudência[10], que “ocorrência posterior” que legitima a entrada de documentos no processo não respeita a factos que constituem o fundamento da ação ou da defesa (factos essenciais – art. 5º), pois que alegados se mostram nos articulados ou têm de o ser na sequência de despacho de aperfeiçoamento (art. 590º, nº4), nem a factos supervenientes, pois que a alegação de tais factos deve ser acompanhada dos documentos (art. 588º, nº5), respeitando, sim, a factos instrumentais ou a factos relativos a pressupostos processuais[11] [12].
Como refere Lebre de Freitas “O facto (“ocorrência”) posterior a que se refere o nº3, do art. 423º não é um facto principal, pois este só pode ser introduzido na causa mediante alegação em articulado superveniente, caso já coberto pela norma do nº1 do artigo; a previsão do nº3 respeita a factos instrumentais relevantes para a prova dos factos principais ou factos que interessem à verificação dos pressupostos processuais. Sendo a ocorrência posterior, o documento que a prova não pode deixar de ser formado, também ele, posteriormente; mas a esta situação há que assimilar os casos em que o facto (ainda que principal e como tal alegado) tenha ocorrido antes da preclusão do art. 423º-2, fazendo já parte do processo, mas o documento que o prova (contendo, por exemplo, uma declaração confessória extrajudicial) só posteriormente se tenha formado”[13] [14].
Assim, o depoimento da testemunha arrolada nenhum facto/ocorrência posterior constitui, a justificar a apresentação de documento em audiência de julgamento, bem tendo a parte de com ele contar e de oferecer, com a antecedência imposta em relação à data da audiência e respeitando o rigor pretendido pelo legislador, os documentos com que pretenda fazer prova ou contraprova dos factos da causa.
Cabe ao requerente, apresentante do meio de prova documental, que se apresenta a exercer o direito à junção, o ónus de alegação e o da prova de que não foi possível apresentar o documento até àquele momento ou de ocorrência posterior a tornar necessária a junção.
E nada tendo, sequer, sido alegado pelos apresentantes, não poderia deixar de ser indeferido o requerimento que formulado fosse com vista a obtenção para os autos de meio de prova documental.
Neste conspecto, por não ser legalmente admissível a junção em audiência de julgamento, já que os pressupostos de tal junção não foram alegados e provados, acrescendo, ainda, a irrelevância dos mesmos para a decisão da causa, por de nenhum substrato probatório relevante para prova ou contraprova dos factos em causa nos autos serem dotados, sequer vir invocado pelos apresentantes, não poderiam os mesmos deixar de ser rejeitados.
Destarte, apontando o preceito em causa para um sistema rígido, associado ao princípio da autorresponsabilização das partes, que, contudo, tem de ser “compatibilizado com outros preceitos ou com outros princípios que justificam a iniciativa oficiosa do tribunal na determinação da junção ou requisição de documentos que, estando embora fora daquelas condições, sejam tidos como relevantes para a justa composição do litígio, à luz, pois, de um critério de justiça material, cabendo realçar em especial o princípio do inquisitório consagrado no art. 411º e concretizado ainda no art. 436º (acerca do necessário equilíbrio entre a autorresponsabilidade das partes e a oficiosidade do contraditório”[15] [16], no caso, por, além de os documentos terem sido apresentados depois de ultrapassado o momento oportuno de apresentação de documentos, o terem sido sem qualquer justificação (sendo, também, impertinentes), não poderia a junção dos mesmos ser admitida.
Contudo, o despacho, proferido em 13/04/2023, a admitir a junção aos autos dos docs. 1 a 5 juntos pelos AA. em nada contende com a lei constitucional ou ordinária, não violando princípios como os “do dispositivo, do contraditório, do Estado de Direito Democrático, da Proporcionalidade e das Garantias de Processo Justo e Equitativo, conforme os arts. 2º, 18º, n.º 2 e 20º, n.º 4, da CRP-Constituição da República Portuguesa e art. 6º, n.º 1, da CEDH-Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, sequer “o disposto no artº 423º do CPC”, nenhuma nulidade processual tendo sido cometida pelo Tribunal a quopor força do disposto nos artºs 3º, nº3, e 195º do CPC”, precisamente por os mesmos terem sido oferecidos em mero complemento e explicitação da resposta apresentada, de verdadeiros novos elementos de prova sequer se tratando.
Com efeito, os documentos apresentados pelos Autores com o requerimento do dia 24-02-2023, estão sustentados no exercício do contraditório conferido por lei e que foi concedido aos Autores pelo julgador no seu despacho proferido e 14/2/2023, consagrado no artigo 3º, nº3, do C.P.C., e no princípio da igualdade das partes, estabelecido no artigo 4º do mesmo diploma, face à admissão da junção, pelo R., da gravação vídeo e da fotografia de satélite.
Como refere o Tribunal a quo, os documentos em discussão foram trazidos à lide pelos Autores, em mera reação ao vídeo e fotografia apresentados pelo réu surgindo, sendo que:
- os documentos nº1 a 3 são meros “frames” do vídeo apresentado pelo réu, e por isso, imagens de umas partes dele, que mereceram por parte dos autores uma apreciação especifica, servindo unicamente para ilustrar a posição dos autores em contraponto com o documento junto pelo réu, não trazendo qualquer elemento novo ao processo, mas mera resposta e específica análise do constante do vídeo;
- os documento nº 4 e 5 são reflexo, em materialização gráfica, dessa posição assumida pelos autores, em resposta ao vídeo e a fotografia apresentada pelo réu, encontrando-se no processo elementos de similar natureza, expressando uns e outros as, assumidas, divergentes posições em litígio.
Assim, os documentos 1 a 5 apresentados traduzem mera materialização, especificada, da resposta apresentada a documentos juntos pelo Réu, no exercício do contraditório e no do assegurar da igualdade das partes, em garantia de um processo justo e equitativo, bem tendo sido determinado ficassem nos autos.
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2ª - Da admissibilidade de junção de documento no âmbito de incidente de contradita de testemunha.

Insurge-se o Réu contra o despacho que admitiu a junção de documento a coberto de um “incidente de contradita” sustentando pretenderam os Autores juntar aos autos documento que, na sua ótica, contraria o depoimento da testemunha que referem e que tal não é a contradita da testemunha. Conclui que o documento nunca poderia ser admitido no âmbito do incidente de contradita só podendo ser admitido, nos termos previstos no artº 423º, mas tal é inadmissível e extemporâneo.
Os Apelados sustentam bem ter o Tribunal, na sequência do incidente de contradita, admitido o documento (certidão da planta topográfica apresentada pela testemunha EE no processo de obras particulares nº ... da C.M. ... pelo qual demarcou o seu prédio do lado norte pela linha limite da parede norte dos anexos que construiu no seu prédio), sendo que este documento mandado elaborar pela testemunha, que não se retratou, abala a sua credibilidade, uma vez que contradiz o que a mesma declarou ao tribunal no seu depoimento e a junção do documento é admitida pelo nº3, do artigo 522º.
No requerimento em que deduzem o incidente de contradita de EE, admitido, os autores afirmam, a abalar a credibilidade da testemunha em causa que o referido EE demarcou, de modo diverso, o que lhe pertencia no âmbito do processo de obras nº ... da C.M. ... e uma vez que a testemunha não confessa tal facto, novo, oferece, a abalar a credibilidade da mesma, a referida certidão, para prova do alegado no incidente.
Começa por se referir que estando o incidente probatório da contradita sujeito a decisão, que pode ser de admissão ou de rejeição, impugnável nos termos gerais, não admite, contudo, recurso interlocutório (cfr. art. 644º, nº2, à contrário)[17].
O artigo 521º, do CPC, prevê que “A parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afetar a razão da ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer”.
Deste modo, “… a parte que requeira a contradita pode alegar contra a testemunha qualquer facto que lhe possa diminuir o crédito…”[18], fazendo “valer uma exceção probatória (…) contra a força de prova do testemunho acabado de prestar”[19]. Trata-se de “invocar novos factos (acessórios) que, sendo exteriores ao depoimento, ponham em causa a razão de ciência invocada pela testemunha ou a que ela possa merecer, destruindo ou enfraquecendo o depoimento prestado (…) no juízo que fará sobre a prova dos factos que dele foram objeto”[20].
Assim, “a contradita há-de assentar em factos não relatados pela testemunha, em relação aos quais é exigido, como único requisito, a sua susceptibilidade para abalarem a credibilidade dessa testemunha, seja quanto à razão de ciência invocada, seja quanto à fé que a mesma possa merecer”[21].
Podendo ser invocado como fundamento de contradita qualquer circunstância que prejudique a razão de ciência invocada pela testemunha ou que afete a sua credibilidade, entre esses “fatores capazes de afetar a fé ou a credibilidade da testemunha encontram-se a vida e costumes da pessoa, o interesse no pleito, o parentesco ou o relacionamento com as partes que tenham sido omitidos durante a inquirição”[22].
Ataca-se a da testemunha quando, por exemplo, se alegue que ela é habitualmente mentirosa, que usa depor nos mais variados processos, que recebe dinheiro para o fazer ou até que já foi condenada por falsidade de testemunho(…)” [23].
“O incidente da contradita não visa o depoimento prestado, mas a própria testemunha, não questionando diretamente o que a testemunha disse, mas a sua credibilidade”[24]. A contradita assenta “em factos não relatados pela testemunha, em relação aos quais é exigido, como único requisito, a suscetibilidade de abalarem a credibilidade, seja em função da razão de ciência invocada, seja quanto à fé que a mesma possa merecer”[25].
A contradita não é o meio processual próprio para contrariar o conteúdo do depoimento de uma testemunha”[26], bem se analisando neste Acórdão:
A contradita encontra-se regulada entre os incidentes da inquirição de testemunhas, ou seja, incidentes típicos do decurso de produção da prova testemunhal: impugnação, contradita e acareação.
De entre estes, apenas a acareação visa directamente o conteúdo do depoimento, em suma, a verdade ou mentira das afirmações produzidas. Pelo contrário, os restantes dois são-lhe alheios: a impugnação visa obstar a que a testemunha preste depoimento[1] e funda-se em qualquer uma das razões pelas quais o mesmo depoimento poderia ter sido recusado pelo juiz, enquanto a contradita é o incidente desencadeado pela parte contrária (à que ofereceu a testemunha) com o fim de, partindo de circunstâncias exteriores ao depoimento abalar a credibilidade dela (nosso sublinhado).
Abalar a credibilidade, colocando em causa a razão de ciência invocada ou o crédito que o depoimento merece, com fundamento em razões que afectam características de relação, carácter ou interesse da pessoa da testemunha.
Por isso que o incidente [da contradita] pode atacar a pessoa do depoente – a sua fé ou credibilidade – ou a razão de ciência por ele invocada, mas não o depoimento em si mesmo (com o fundamento, p. ex., de ser notoriamente falso ou fantasiado um dos factos referidos pelo depoente)[3] (nosso sublinhado).
A questão é pacífica na doutrina e tem sido afirmada pela jurisprudência, muitas vezes em casos similares àquele que agora nos ocupa.
Para além dos Autores citados, a sempre esclarecida lição de Alberto dos Reis refere[4]: pretende-se, pois, com este incidente fornecer ao julgador determinados elementos que o ponham de sobreaviso na apreciação da força probatória do depoimento. A alegação de quem contradita a testemunha é esta; a testemunha não merece crédito por tais e tais razões; ou então, nos casos menos graves: a força probatória do depoimento deve considerar-se diminuída e prejudicada por tais e tais razões.
Estas razões, que indicam desmerecer crédito o depoimento, não assentam na demonstração de que o mesmo não corresponde à verdade, mas antes de que quem o presta se encontra numa situação que infirma a sua ciência ou imparcialidade/isenção.
Assim o tem entendido a jurisprudência, sem discrepâncias, limitando-nos a referir os mais recentes arestos desta Relação e Secção[5]. Assim, os acórdãos de 6 de Dezembro de 2017, proferido no processo 3410-12.7TCLRS-A.L1-6 (Cristina Neves) e de 8 de Fevereiro de 2018, proferido no processo 207/14.3TVLSB-B.L1-6 (António Santos)”.
Pretende-se com este incidente munir o julgador de factos acessórios que constituam um alerta na apreciação da força probatória do depoimento, visando “questionar a credibilidade da própria testemunha e não a veracidade do depoimento, aspeto a que se ajusta a acareação (art. 523º) nem a capacidade para depor, que é avaliada pelo incidente de impugnação (art. 515º )”[27].
Nas circunstâncias do caso, apresentam-se os Autores a atacar as qualidades da testemunha que poderiam merecer uma valoração positiva do depoimento produzido, indicando razões a desmerecer o crédito, a indicar que quem presta a depoimento nessas circunstâncias se encontra numa situação desmerecedora de credibilidade, infirmando a sua isenção, e junta, a abalar o depoimento de tal testemunha, certidão da planta topográfica apresentada pela mesma no processo de obras particulares nº ... da C.M. ... em que, ela mesma, demarcou o seu prédio, do lado norte, pela linha limite da parede norte dos anexos que construiu no seu prédio.
Alegada divergência com o traçado dos limites norte da propriedade na dita planta topográfica, tal circunstância, exterior ao depoimento da testemunha, novo facto (acessório) invocado, é suscetível de pôr em causa a credibilidade da testemunha, a fé que ela possa merecer, bem tendo o Tribunal admitido a junção do documento, nos termos do art.º 521º e nº2 e 3, do art. 522º, no âmbito do incidente deduzido.
Não confessando a testemunha a matéria alegada em sede de contradita (que efetuou a referida demarcação, na planta topográfica, de diversa forma), “a parte pode comprová-la por documentos” (nº2, do art. 522º), podendo os documentos ser oferecidos “até ao encerramento da discussão, isto é, até ao termo das alegações orais do art. 604-3-e; embora uma interpretação literal do nº3 pudesse levar a entender que poderiam ser ainda juntos depois desse momento…”[28], sendo, assim, evidente que, junto o documento em audiência de julgamento, se não verificou a preclusão do direito de o apresentar.
Neste conspecto, deduzido o incidente probatório de contradita, não tendo os factos sido confessados pela testemunha, é admissível e tempestiva a junção do documento apresentado em audiência de julgamento para abalar a credibilidade da testemunha em causa.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 11 de setembro de 2023
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Joaquim Moura
António Mendes Coelho
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[1] Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, vol. I, 2017, Almedina, pág 420
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª edição, pág 205
[3] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 482
[4] Ibidem, pág 483
[5] “Com a inovação do n.º 2 do artigo 423.º, do CPC, decorrente da última reforma do processo civil, que impõe como limite para a junção de documentos o prazo de «20 dias antes da data em que se realize a audiência final», o legislador visou evitar surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de um qualquer documento, com consequências negativas traduzidas, nomeadamente, no arrastamento e no adiamento das audiências, obrigando as partes a uma maior lisura e cooperação processual na definição das suas estratégias probatórias” Ac. RP de 7/1/2019, proc. 3741/17.0T8MTS-A.P1, in dgsi.pt.
[6] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 239, onde se esclarece não haver contradição entre o ónus de provar os factos alegados como fundamento da ação e da defesa e o dever de apresentar o documento que os prove com o articulado em que a alegação é feita (sem prejuízo do dever de colaboração para a descoberta da verdade) mantendo a parte liberdade de observar o ónus que sobre ela impende, até 20 dias antes da data da audiência final, tendo, porém o dever, quando queira observar o ónus da prova de o fazer no ato de alegação do facto probando.
[7] Só em caso de recurso de apelação volta a ser admitida a apresentação de documentos, e, ainda assim, somente quando a apresentação não tenha sida possível até esse momento (art. 425º) ou quando se trate de documento superveniente (art. 662º, nº1).
[8] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Edição, pág. 520 e seg.
[9] Ibidem, pág. 521 e Acs. aí citados da RL de 6/12/2017, proc. 3410/12 e de 8/2/2018, proc. 207/14, in dgsi.
[10] Cfr. jurisprudência de todas as Relações, designadamente, acessíveis in dgsi.pt os seguintes:
- Ac.s da RP de 17/1/2022, proc. 1172/20.3T8VLG-A.P1, onde se sumaria “I - Pretendendo a parte juntar documentos após o limite temporal estabelecido no n.º2, do art.º 423.º do CC, ou seja, socorrendo-se do disposto no n.º3, é-lhe exigível que justifique e deixe demonstrado porque razão faz a apresentação nesses termos, nomeadamente: i) se não lhe foi possível apresenta-los pelo menos até 20 dias antes da data de realização da audiência final, qual a razão dessa impossibilidade; ii) se a junção se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, qual o facto que consubstancia essa ocorrência e o fundamento dessa necessidade. II - Nada tendo sido alegado para fundamentar a junção de documentos já depois de iniciada a audiência final, não podia o Tribunal a quo admitir a sua junção, pese embora considerasse serem eventualmente pertinentes para a decisão, por tal não ter cobertura no regime definido no art.º 423.º do CPC. Nessas circunstâncias, apenas se impunha indeferir o requerimento, rejeitando a admissão dos documentos que o autor pretendia juntar”.
e de 2/7/2020, proc. 285/14.5TVPRT.P1, onde se refere: “I- A junção de documentos no decurso da audiência pressupõe, além do mais, a existência de uma ocorrência posterior fundada. II- Não integra esse fundamento a necessidade de confrontar uma testemunha com esses documentos, pois os factos carecidos de prova são fixados em momento anterior. III- Todavia regulamentação do art. 424º, do CPC não impede a aplicação de normas especiais ou princípios gerais. IV - Por causa disso, os documentos devem ser juntos ao abrigo do princípio do inquisitório se o interesse destes para a decisão da causa for superior às desvantagens provocadas na sua tramitação, e afectação do direito de defesa da parte contrária. V- A utilização desse poder dever não afecta a independência do tribunal, pois, este desconhece e é alheio aos efeitos concretos da decisão; exerce um poder dever e visa carrear para os autos todos os elementos para uma decisão conforme com a realidade”,
- Acs da RL de 12/10/2021, proc. 5984/18.0T8FNC-B.L1-7, onde se decidiu “A tempestividade de um documento apresentado com a audiência final a decorrer implica a alegação e a prova de que a apresentação anterior não foi possível ou de que a apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior” e “Não se verifica uma ocorrência posterior para efeitos de apresentação de documentos com fundamento na parte final do nº 3 do artigo 423º do Cód. Proc. Civil, quando uma testemunha alude a um facto, ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante dos documentos, se se tratar de um facto essencial anteriormente alegado nos autos”
e de 25/9/2018, proc. 744/11.1TBFUN-D.L1-1 “I. O art.º 423º do CPC regula tão só e apenas o direito que assiste às partes de fazerem juntar ao processo documentos, independentemente da sua pertinência, da sua relevância e da apreciação do seu valor probatório; II. Ele não invalida que a junção dos mesmos documentos possa ser ordenada pelo juiz ao abrigo dos poderes inquisitoriais previsto no art.º 411º do CPC; III. É, aliás, essa possibilidade que afasta eventuais objecções de inconstitucionalidade, por violação da garantia do processo equitativo (fair trial), da norma do nº 3 do art.º 423º do CPC; IV. As circunstâncias que tornam admissível a apresentação de documentos depois dos 20 dias que antecedem a audiência final têm de ser alegadas e provadas pela parte que pretende a junção do documento; V. A impossibilidade da prévia apresentação haverá de ser apreciada segundo critérios objectivos e de acordo com padrões de normal diligência; VI. A necessidade de apresentação deve surgir de uma circunstância posterior, ou seja, de uma circunstância que ocorra depois do vigésimo dia anterior à audiência final; VII. O grau dessa necessidade não tem de ser significativo, bastando que a apresentação do documento se revele útil como meio de prova; VIII. A ocorrência posterior deve ser relacionada com a dinâmica do desenvolvimento do próprio processo, designadamente tendo em vista a dialéctica que se desenvolve durante o processo de produção de prova no julgamento da causa, e consistirá, na generalidade dos casos, na revelação de factos instrumentais, complementares ou concretizadores;
- Ac. da RE de 25/6/2020, proc. 3013/11.3TBLLE-H.E1, onde se considerou “A admissão dos documentos apresentados no decurso da audiência final segue o regime inserto no artigo 423.º/3 do CPC, pelo que depende da invocação e demonstração de factos donde resulte afirmado que, num quadro de normal diligência, foi impossível ao apresentante ter tido conhecimento anterior da existência daqueles documentos, que revelam terem sido produzidos antes dos momentos indicados nos n.ºs 1 e 2 da mencionada disposição legal”.
[11] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, idem, pág 520 e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Idem, pág. 241
[12] José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª Edição, Gestlegal, pág. 290 e seg.
[13] Ibidem, pág. 291.
[14] Cfr. Ac. RL de 31/9/2019, proc. 27/18.6T8ALQ-A.L1-6, in dgsi.pt, onde sumariado vem “(…)A admissão de um documento implica a verificação de dois requisitos cumulativos: pertinência e tempestividade.
III) A pertinência de um documento decorre de entre ele e os factos que constituem o objecto da instrução se estabelecer a relação funcional indicada no artigo 341.º do Código Civil: as provas têm por função a prova da realidade dos factos.
IV) Constituem objecto de instrução quaisquer factos de que o juiz possa conhecer: factos essenciais que integram a causa de pedir ou as excepções opostas, factos instrumentais que resultem da discussão da causa ou factos que resultem da instrução e que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado.
V) A tempestividade de um documento apresentado com a audiência de julgamento em curso implica a prova de que a apresentação anterior não foi possível ou de que a apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.
VI) Constitui ocorrência posterior justificativa de apresentação de documento, fora dos tempos legalmente previstos, o depoimento que afirma um facto novo de que o juiz pode conhecer, não aquele em que a testemunha se refira a factos anteriormente alegados nos autos…”.
[15] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, idem, pág. 521, onde citada vem obra do segundo Autor e o Ac. RL de 25/9/2018, 744/11.
[16] V. ainda Ac. RP de 7/1/2019, proc. 3741/17.0T8MTS-A.P1, in dgsi.pt, onde se considera “Na interpretação da lei processual, o julgador deve ter sempre em conta a unidade e a coerência do sistema jurídico (artigo 9.º/1 do CC), sopesando os princípios em presença, não esquecendo o princípio da verdade material, estruturante de todo o processo civil, revelando-se juridicamente insustentável, no contexto processual referido, a simples rejeição de toda a prova documental da recorrida, sobre a qual recai o respetivo ónus”.
[17] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 595.
[18] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág. 406.
[19] Ibidem, pág. 406.
[20] Ibidem, pág. 406.
[21] Ac. da RL de 31/1/2008, proc. 9179/2007-2, in dgsi.pt.
[22] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, idem, pág. 594
[23] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág. 407.
[24] Ac. RL de 15/4/2021, proc. 3355/18.7T8LSB.L1-2, in dgsi.pt
[25] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, idem, pág. 594
[26] Ac. RL de 26/9/2019, proc. 27/18.6T8ALQ-A.L1-6, in dgsi.pt
[27] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, idem, pág. 593 e seg.
[28] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág. 409.