Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PINTO DOS SANTOS | ||
| Descritores: | INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA ABERTURA DO INCIDENTE NATUREZA DO PRAZO | ||
| Nº do Documento: | RP20251212267/25.1T8AMT-G.P1 | ||
| Data do Acordão: | 12/12/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Só existe nulidade de um despacho [que não seja de mero expediente] ou de uma sentença ao abrigo da 1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC se ocorrer absoluta falta de conhecimento/apreciação de determinada(s) questão(ões) suscitada(s) pelas partes ou que seja(m) de conhecimento oficioso. II - O prazo estabelecido no art. 188º nº 1 do CIRE é perentório, só admitindo, a título excecional [desde que se verifiquem os pressupostos aí fixados], o alargamento previsto nos seus nºs 2 e 3. III - O não exercício do direito previsto no nº 2 daquele art. 188º [pedido de prorrogação do prazo para abertura do incidente de qualificação da insolvência] dentro do prazo perentório nele fixado acarreta, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 298º do CCiv., a respetiva caducidade, cuja apreciação é de conhecimento oficioso, como estabelecem os arts. 333º nº 1 do CCiv. e 579º do CPC [está em causa matéria excluída da disponibilidade das partes]. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. 267/25.1T8AMT-G.P1 – 2ª Sec. (apelação em separado) Relator: Des. Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Maria Eiró Des. Anabela Andrade Miranda * * * Acordam nesta secção cível do tribunal da Relação do Porto:I. Relatório: Nestes autos de insolvência em que, por sentença de 24.02.2025, foi declarada a insolvência da sociedade por quotas A..., SA, com o NIPC ..., foi, em 08.09.2025, o seguinte despacho: «Ref.ª 10670798: o credor B..., Lda, veio arguir a nulidade do despacho proferido em 29.6.2025, que decidiu não conhecer da nulidade da decisão que qualificou a insolvência como fortuita. Considera a credora que, o facto de a C... S.A. ter desistido dos pedidos por si efetuados, incluindo o pedido de concessão de prorrogação de prazo para eventual abertura de incidente de qualificação da insolvência, não pode justificar o não conhecimento da nulidade do despacho que qualifica a insolvência como fortuita, uma vez que havia aderido ao requerimento da referida C..., SA. A nulidade suscitada é uma nulidade processual, uma vez que diz respeito à falta de cumprimento de uma formalidade. Com efeito, conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13.10.2022 STJ disponível in www.dgsi.pt “As nulidades previstas nos art. 186º e seguintes do CPC versam sobre vícios processuais determinantes da nulidade do processo, respeitando ao cumprimento de formalidades cuja observância a lei adjetiva postula como principal/essencial ou de natureza secundária para a correta tramitação do processo, para que se possa lograr o fim último do mesmo, a mais conscienciosa e justa decisão . Ora, mostra-se suscitado que o Tribunal não conheceu do pedido de adesão da credora B..., Lda. ao requerimento apresentado pela credora C... SA de pedido prorrogação do prazo para alegar quanto à qualificação da insolvência. Da análise dos autos, verifica-se que assim foi. Assim sendo, verifica-se a nulidade procedimental suscitada, impondo-se o seu conhecimento. O que se faz desde já. Posto isto: Compulsados os autos, verifica-se que: .- previamente à notificação do relatório, a credora C.... SA, pediu prorrogação do prazo para alegar. .- o tribunal qualificou a insolvência como fortuita, sustentado no facto de não ter havido alegações quanto à qualificação da insolvência; .- a credora C.... SA, suscitou a nulidade da decisão, por não ter sido apreciado o pedido de prorrogação do prazo; - o Tribunal concedeu o contraditório quanto à possibilidade de conhecer da questão suscitada; .- no prazo do contraditório, a credora C... SA veio desistir dos pedidos de nulidade e de prorrogação do prazo para alegar; .- em face dessa desistência, o tribunal não conheceu a questão e manteve a qualificação da insolvência como fortuita; .-na data em que a credora C... SA desistiu dos seus pedidos, a credora, B..., Lda, veio informar que aderia ao pedido de nulidade e de prorrogação do prazo para alegar junto aos autos pela credora C... SA. Quid iuris? Dispõem os números 1 e 2 do artigo 188.º do CIRE que: “1-O administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes. 2 - O prazo de 15 dias previsto no número anterior pode ser prorrogado, quando sejam necessárias informações que não possam ser obtidas nesse período, mediante requerimento fundamentado do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, e que não suspende o prazo em curso. …” Ora, como acima referido, o prazo para alegar é perentório, apenas podendo ser objeto de prorrogação. A credora B..., Lda. veio aderir ao requerimento apresentado pela credora C... SA em data muito posterior ao prazo que detinha para formular o pedido de prorrogação do prazo para alegar. Com efeito, efetuada a junção aos autos do relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE em 4.4.2025 e notificado tal relatório às partes em 23.4.2025, a credora tinha 15 dias para agir em conformidade, ou seja, para apresentar Parecer de qualificação, ou para pedir prorrogação do prazo para o fazer. Sucede que, notificada desse relatório a credora nada disse, vindo a aderir ao pedido oportunamente efetuado pela credora C... SA na data em que esta desistiu dos mesmo, ou seja, apenas em 29.5.2025, pelo que muito para além do prazo acima mencionado. Ora, quando a credora B..., Lda foi notificada para se pronunciar quanto à nulidade suscitada não foi para beneficiar de novo prazo para alegar ou para pedir prorrogação de prazo para alegar, mas sim para exercer o contraditório quanto ao conhecimento da nulidade. Tal significa que, quando veio aderir ao requerimento oportunamente formulado pela credora que dele veio a desistir, fê-lo extemporaneamente. Assim sendo, em face do prazo perentório a que alude o art.º 188.º do CIRE, acima exposto, o Tribunal não pode conceder a prorrogação do prazo para a credora B..., Lda alegar quanto à qualificação da insolvência, porquanto o pedido foi efetuado para além do prazo perentório acima referido. O que se decide. Notifique.». Inconformada com este despacho, interpôs a credora B..., Lda o presente recurso de apelação [admitido com subida imediata, em separado e efeito devolutivo], cujas alegações culminou com as seguintes conclusões: «1. Existe omissão de pronúncia sempre que o tribunal seja confrontado com um pedido de uma parte e não o conheça, exceto se prejudicado por solução dada a outra. 2. Além disso há situações em que, mesmo não requerido por uma das partes, o tribunal está obrigado a conhecer, especialmente se o resultado for inaceitável tendo em conta os princípios do regime jurídico, se afeta a boa administração da justiça, os direitos das partes ou se é essencial para manter a integridade do processo. 3. A abertura do incidente de qualificação de insolvência depende da existência de indícios no processo que permitam qualificar a insolvência como culposa, podendo o juiz fazê-lo por sua iniciativa. 4. Se o juiz não o fizer com a prolação da sentença, salvo melhor opinião, não está impedido de o fazer adiante no processo, desde que confrontado com os ditos indícios, mesmo que ninguém o requeira ou emita parecer nesse sentido. 5. Tendo por base o teor do relatório da ilustre administradora de insolvência e após os esclarecimentos solicitados por um credor, indiciando vários indícios elencados no artigo 186 do CIRE, o tribunal a quo podia e deveria tê-lo feito. 6. O que não podia fazer era coartar esse direito aos credores e eventualmente à ilustre administradora de insolvência ao não prorrogar o prazo legalmente previsto na lei para que os interessados emitissem o seu parecer após as averiguações que se impunham. 7. Um credor pediu prorrogação de prazo para, na posse de mais informações, poder apresentar um parecer sustentado em informações que deveriam constar do relatório da ilustre administradora de insolvência ou que se impunham em virtude do mesmo, sendo que o tribunal a quo, ao não se pronunciar – deferindo ou indeferindo – cometeu nulidade por omissão de pronúncia, seja no prazo legal estipulado, seja posteriormente. 8. Igual nulidade comete quando não se pronuncia quanto à adesão requerida porquanto a considera inútil face à impossibilidade de cumprimento do prazo que não decidiu sobre se seria ou não para prorrogar. 9. Um pedido de uma parte tem o mesmo valor que um pedido de terceiro à qual se aderiu e fez seu, pelo que o facto de quem o apresenta, um ou os aderentes ou subscritores perder o interesse no mesmo não obsta à sua pendência e à obrigação do tribunal em conhecer, especialmente se é matéria de conhecimento oficioso. 10. Perante um pedido de adesão, o tribunal só pode averiguar se o mesmo é tempestivo e se o seu apresentante tem legitimidade, o que se afere, num primeiro momento, se a causa ainda não está decidida – como não pode estar face à nulidade verificada e ainda não decidida pelo tribunal – e num segundo momento, confirmando que os aderentes são litisconsortes de quem apresentou o pedido inicial. 11. Em suma, ao não decidir o pedido que lhe foi submetido no prazo previsto na lei, ao reconhecer num dado momento a existência da nulidade por omissão de pronúncia e a deixar decorrer o prazo perentório sem decidir, acabando por decidir que a decisão seria inútil, para depois, em singelo, concluir não existir nulidade sem invocação de qualquer fundamento, mesmo sem deferir ou indeferir o pedido de prorrogação submetido em tempo e ao qual a recorrente aderiu, violou o disposto nos artigos 313 e 615 do CPC, bem como o artigo 188 do CIRE, verificando-se nulidade de conhecimento oficioso por omissão de pronúncia (que se mantém) e nulidade de conhecimento oficioso por total ausência de fundamentação. (…) FACE AO EXPOSTO DEVE SER PROFERIDO ACÓRDÃO ADMITINDO A ADESÃO DA RECORRENTE AOS PEDIDOS DE PRORROGAÇÃO E DE ESCLARECIMENTOS APRESENTADOS NOS AUTOS.». A insolvente apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões: «A) O prazo de 15 dias a que alude o artigo 188, nº1 do CIRE, no caso dos autos e porque inexistiu assembleia para apreciação do relatório, tem o seu termo inicial na data em que for apresentado o relatório a que alude o artigo 155 do CIRE. B) A Senhora AJ apresentou o aludido relatório no citius no dia 04.04.2025 (referencia 10461540), não tendo dado parecer no sentido de abertura do incidente de qualificação de insolvência, resultando do relatório que, no entender da senhora AJ, inexistiria fundamento para tal. C) De notar que, apesar de a lei o não impor, tal relatório foi ainda notificado às partes (incluindo credores) por email da mesma data remetido pelo escritório da Senhora AJ para os respetivos mandatários associados aos credores na plataforma citius. D) Assim, o prazo para qualquer credor (e o MP) alegarem matéria suscetível de qualificar a presente insolvência como culposa terminou no dia 22.04.2025. E) Exceção feita ao credor C..., nenhum outro credor (ou o MP), em tal prazo, sindicou o relatório apresentado ou alegou qualquer matéria tendente à qualificação da presente insolvência como culposa. F) O Credor C..., não obstante, formulou nos autos requerimento pedindo esclarecimentos e mais solicitando a prorrogação do prazo para apresentar alegações por 60 dias (saber se, nos termos em que o fez, tal pedido se deveria em qualquer caso considerar fundamentado para efeitos do que dispõe o artigo 188, nº 2 do CIRE é matéria sobre a qual não nos ocuparemos). G) Decorrido o prazo de 15 dias contados da data da apresentação do relatório, nenhum credor, nem o MP, alegou ou requereu seja o que for. H) Decorre da lei que a apresentação de pedido de prorrogação do prazo a que alude o artigo 188 do CIRE, não suspende o prazo de 15 dias em curso. I) No prazo legalmente previsto (que não foi suspenso nem prorrogado), nenhum credor alegou seja o que for para efeitos de qualificação de insolvência. J) Tal prazo decorreu, o direito a requerer a qualificação da insolvência como culposa caducou. K) Sendo insuscetível de prorrogação um prazo que já transcorreu integralmente… L) Sendo ainda certo que a credora C..., de resto, por requerimento de 29/05/2025 veio prescindir daqueles esclarecimentos e do pedido de prorrogação do prazo que apresentou, em qualquer caso. M) E em face também de tudo quanto invocado supra, são absolutamente impertinentes os requerimentos de adesão ao requerido pela C..., muito para lá de qualquer prazo legal, apresentados pela credora B... (apresentados aos 29.05.2025). N) Em primeiro lugar porque a pretensão da C... seria sempre insuscetível de adesão – o prazo para apresentação de alegações para a qualificação de insolvência como culposa é um prazo perentório no qual nenhuma daquelas credoras manifestou seja o que for nos presentes autos. O) Em segundo lugar porque a referida C... prescindiu já de tais pretensões, pelo que não é possível àquelas credoras aderirem a uma pretensão que foi abandonada por quem originariamente a formulou. P) E daqui decorre, ressalvado o devido respeito, a falta de interesse em agir do credor B... para apresentação do presente recurso. Q) Limitou-se a aderir (tardiamente e depois de ultrapassados todos os prazos para o efeito, como visto) a uma pretensão da credora C... – pretensão de que esta acabou por desistir – desistência devidamente homologada por sentença de 29.06.2024 (sendo que, nesta parte, tal despacho transitou em julgado dado que ninguém dele recorreu). R) Ora, tendo a C... desistido da sua pretensão, automaticamente cai também a pretensa adesão por parte da B..., sob pena de se lograr, através deste expediente, eternizar os prazos de que as partes dispõe para praticar atos processuais sujeitos a prazos legais perentórios! S) E por ser assim, porque a Recorrente nada requereu, autonomamente, falta-lhe o necessário interesse processual para agir – isto é para autonomamente promover a apresentação do presente recurso – o que aqui se deixa alegado para os devidos efeitos legais. T) Nem a senhora AJ nem o MP produziram parecer com vista à qualificação da insolvência como culposa. U) Nenhum credor, em prazo, alegou seja o que for quanto a esta matéria. V) O credor C... desistiu do pedido de prorrogação de prazo formulado e da nulidade arguida. W) O Tribunal a quo ordenou que a Sr. AJ prestasse todos os esclarecimentos solicitados pela C.... X) E ordenou que a Sr. AJ prestasse todos os esclarecimentos solicitados pela própria B... aos 29.05.2025. Y) Ora, ressalvado o devido respeito, só poderia a B... ter interesse em agir e recorrer da decisão do Tribunal a quo caso este, quanto à matéria suscitada por tal credor, omitisse pronúncia – isto é se não conhecesse do pedido de esclarecimentos solicitado por esta aos 29.05.2025. Z) Mas o Tribunal a quo, de facto, conheceu de tal pedido, ordenou fossem prestados tais esclarecimentos, e assim, atendeu à pretensão manifestada pela B.... AA) Caducou o direito de abrir incidente de qualificação de insolvência como culposa. BB) A matéria suscetível de enquadrar o incidente de qualificação de insolvência e a abertura deste incidente não são de conhecimento / decisão obrigatória, dependendo de alegação por algum interessado (credor) e ulterior apresentação de parecer por parte do AJ ou do MP. CC) Pelo que improcedem in totum as alegações apresentadas. Termos em que e nos demais de direito doutamente supridos deve ser mantida a decisão recorrida, improcedendo as alegações de recurso apresentado». Foram colhidos os vistos legais. * * * II. Questões a decidir:Face às conclusões das alegações da recorrente – que fixam o thema decidendum deste recurso, de acordo com o estabelecido nos arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 als. a) a c) do CPC [salvo o surgimento de questões de conhecimento oficioso] – as questões a decidir consistem em saber: - Se a decisão recorrida padece da nulidade invocada pela recorrente; - Se o pedido de adesão, apresentado pela recorrente em 29.05.2025 [em que aderiu aos requerimentos da credora C... SA, com as referências 10473260 e 10560740], deve ser admitido, com as consequências por ela pretendidas. Importa esclarecer que o dever de apreciar/decidir todas as questões suscitadas pelas partes, a que se refere o nº 2 do mesmo art. 608º, aqui aplicável ex vi do art. 663º nº2, ambos do CPC, não compreende nem se confunde com o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas por elas invocados, pois estes nenhum vínculo comportam para o Tribunal, conforme decorre do estabelecido no nº 3 do art. 5º do CPC [neste sentido, i. a., António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª ediç. atualiz., 2022, Almedina, pg. 136 e Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., pgs. 677-688 (neste caso, ao abrigo dos equivalentes arts. 660º nº 2 e 664º do CPC revogado pela Lei nº 41/2013), bem como a unanimidade da jurisprudência dos tribunais superiores, de que são exemplo os Acórdãos do STJ de 03.07.2024, proc. 3832/21.2T8VLG.P1.S2, de 23.11.2023, proc. 779/20.3T8VFR.P1.S1 e de 08.10.2020, proc. 361/14.4T8VLG.P1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj e Acórdão do Tribunal Constitucional de 20.12.2022, proc. 645/2022-1ª S, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc]. * * * III. Materialidade a ter em consideração:Do histórico eletrónico do processo principal e do apenso E [recurso em separado] resulta demonstrado o seguinte circunstancialismo fáctico: 1- A Sra. Administradora da Insolvência [abreviadamente, AI] juntou aos autos, em 04.04.2025, o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, bem como os respetivos anexos. 2- Na mesma data, a AI remeteu cópia, por correio eletrónico, de tal relatório e anexos, aos ilustres mandatários da insolvente e dos credores que, até então, haviam apresentado reclamação de créditos. 3- Por requerimento de 09.04.2025, a credora C..., SA requereu a notificação da AI para que prestasse diversos esclarecimentos e informações [que expressamente indicou] e requereu, ainda, que o tribunal prorrogasse, por 60 dias, o prazo para [eventual] abertura do incidente de qualificação da insolvência, em função do que viesse a resultar dos esclarecimentos e informações solicitados. 4- Em 23.04.2025, a secção de processos procedeu à notificação do relatório e anexos indicados em 1 à devedora, ao MP e a todos os credores reclamantes. 5- Até à data indicada no número seguinte, nenhum outro credor/interessado, além da referida em 3, se pronunciou sobre o referido relatório e respetivos anexos apresentados pela AI, nem nada foi por eles requerido quanto à abertura do incidente de qualificação da insolvência. 6- Em 15.05.2025, o tribunal proferiu decisão a declarar, designadamente, encerrado o estabelecimento, nos termos do art. 156º nº 2 do CIRE, a ordenar o prosseguimento dos autos para liquidação dos bens apreendidos e a notificação da AI para prestar os esclarecimentos pedidos pela credora C..., SA. Mais decidiu não determinar a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declarando-a como fortuita. 7- A credora C..., SA, por requerimento de 16.05.2025, veio referir que a decisão indicada em 6 não se pronunciou quanto ao pedido de concessão de prazo que havia formulado e que, sendo proferido despacho a conceder-lhe tal prazo, deverá, no mesmo, dar-se sem efeito a qualificação da insolvência como fortuita, sob pena de a credora não ter alternativa senão recorrer do mesmo. 8- Em 22.05.2025, em resposta ao requerimento da C... acabado de referir, foi proferido o seguinte despacho: «Ref.ª 10560740: A questão suscitada pelo credor, C... SA, impõe uma alteração do segmento decisório. Tal situação está vedada no âmbito de um incidente de simples retificação. Cremos, contudo, que o requerimento apresentado poderá ser interpretado como a arguição de uma nulidade processual por omissão, uma vez que o juiz proferiu decisão de qualificação sem que se tenha pronunciado quanto ao pedido de prorrogação de prazo pedido pela identificada credora. Neste caso, tratando-se de omissão de pronúncia, e sendo a decisão passível de recurso, a única forma de atacar a sentença seria através daquele mecanismo, o que não sucedeu (ainda que a credora esteja em prazo para o fazer). Sucede que, a decisão padece de lapso ao ter decidido que a insolvência é qualificada como fortuita por não terem sido apresentadas alegações no prazo legal. O tribunal não pode retificar a sentença, mas entende-se ser de lançar mão do disposto no art.º 6.º do CPC que impõe que o juiz deve dirigir ativamente o processo e, ouvidas as partes, adotar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. Assim sendo, notifique a Sra. AJ, a devedora, os credores, e os afetados pela decisão, para informarem se deduzem oposição a que o Tribunal retifique a decisão, passando a julgar a nulidade processual supra e, consequentemente, os atos subsequentes, e com a advertência de que nada dizendo se concluirá negativamente. Prazo: 10 dias.». 9- Notificada, a credora B... Lda apresentou, em 29.05.2025, requerimento com o seguinte teor: «1. A título prévio, subscreve e adere aos requerimentos da credora C... SA, com as referências 10473260 e 10560740, fazendo também seus os pedidos ali mencionados. 2. Não se opõe à retificação da decisão com a referência 98642219». 10- Na mesma data, a credora C..., SA apresentou requerimento a dizer que «perdeu o interesse nos pedidos formulados no seu requerimento de 10/04/2025, pelo que o retira e, concomitantemente, renuncia ao direito a interpor recurso do despacho proferido em 15/05/2025». 11- Todos os demais credores/interessados que se pronunciaram sobre o despacho referido em 8 informaram que não se opunham à retificação da decisão nos termos nele propostos. 12- Em 30.05.2025, a AI juntou aos autos requerimento [acompanhado de dois documentos] com prestação dos esclarecimentos solicitados pela C..., SA, mencionados em 7. 13- Em 29.06.2025, o tribunal homologou a desistência e a renúncia mencionadas em 10 e declarou, ainda, o seguinte: «(…) Cremos que, a desistência do recurso, bem como do pedido de pedido de prorrogação de prazo para apresentar alegações quanto à qualificação da insolvência, conduziu à manifesta perda de utilidade na apreciação da nulidade. Com efeito, ainda que o Tribunal venha a reconhecer essa nulidade, a verdade é que daqui nenhuma consequência prática se retira, dado que tendo já decorrido o prazo para apresentar alegações quanto à qualificação e não havendo outro pedido de prorrogação do prazo para as apresentar, a decisão será a qualificação desta como fortuita. O que já se mostra decidido. Assim sendo, por manifesta inutilidade, não se conhece da nulidade suscitada. Consequentemente, mantém-se a qualificação da insolvência como fortuita.». 14- Notificada deste despacho, a credora B... Lda, apresentou o seguinte requerimento: «1. A credora subscreveu e aderiu aos requerimentos da credora C... SA, com as referências 10473260 e 10560740, fazendo também seus os pedidos ali mencionados. 2. Um desses pedidos foi a concessão de prorrogação de prazo para eventual abertura de incidente de qualificação da insolvência. 3. Considera a credora que o facto de a C... S.A. ter desistido dos pedidos por si efetuados, incluindo o referido no número antecedente, não pode justificar o não conhecimento da nulidade do despacho que qualifica a insolvência como fortuita na medida em que tais pedidos são, também, da credora subscritora e de outra que igualmente a eles aderiram e subscreveram. 4. Face ao exposto, a credora argui nova nulidade do despacho agora proferido, considerando que a omissão de pronúncia mantém-se, não prescindindo do direito de recurso do mesmo.». 15- E a 16.07.2025, a mesma B... Lda interpôs recurso do mesmo despacho de 29.06.2025, por este não ter conhecido da nulidade arguida pela credora C..., SA em 16.05.2025, tendo pugnado pela declaração de tal nulidade, por omissão de pronúncia, pela anulação da decisão que qualificou a insolvência como fortuita e pela concessão de prazo para abertura do incidente de qualificação. 16- A Relação, por despacho do Relator de 27.10.2025, a quem o recurso [que subiu em separado] foi distribuído, decidiu ordenar o desentranhamento das alegações da recorrente, por esta não ter comprovado o pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, nem mesmo no prazo adicional que lhe foi concedido [neste caso, acrescida de multa], não tendo, por via disso, tomado conhecimento do mesmo. 17- Em 08.09.2025, foi proferido o despacho ora recorrido, transcrito no início do ponto I (Relatório) deste acórdão. * * * IV. Apreciação jurídica:1. Se a decisão recorrida padece da nulidade invocada pela recorrente. Nas primeiras oito conclusões das alegações, a recorrente começa por invocar duas nulidades da decisão recorrida, ambas por omissão de pronúncia: - por não se ter pronunciado sobre a prorrogação do prazo para abertura do incidente de qualificação da insolvência, que havia sido requerido pela credora C..., SA e a cujo pedido a recorrente aderiu posteriormente; - por não se ter pronunciado quanto à adesão da requerida ao dito requerimento da C..., SA. Apreciando a questão, adianta-se, desde já, que não assiste razão à recorrente. As causas de nulidade de sentença, taxativamente enumeradas nas als. a) a e) do nº 1 do art. 615º do CPC, reportam-se a vícios formais da sentença ou do despacho [art. 613º nº 3 do CPC] recorridos, em si mesmos considerados, decorrentes de, na sua elaboração e/ou estruturação, o tribunal não ter respeitado as normas processuais que os regulam e/ou as que balizam os limites da decisão neles proferida. No caso da al. d) do nº 1 do art. 615º [vício invocado pela recorrente], a nulidade ocorre quando «[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» e surge como contraponto do dever, que impende sobre o julgador, de “conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, sendo pacífico que “o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas (…) não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com «questões»” [cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, 3ª ed., reimpr. 2025, Almedina, pg. 794, anotação 13 e Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in «Código de Processo Civil Anotado», vol. 2º, 2001, Coimbra Editora, pg. 670, anotação ao art. 668º do anterior CPC, cuja al. d) do nº 1 era, em tudo, igual à al. d) do nº 1 do atual art. 615º]. Este vício [omissão de pronúncia sobre questões que deviam ser apreciadas na sentença ou no despacho recorrido] tem de ser total/absoluto, pois se a questão foi conhecida/apreciada pelo juiz, ainda que incorretamente, não haverá omissão, mas sim um conhecimento deficiente/errado da mesma, que se situa já fora da problemática das nulidades de sentença/decisão. Temos, portanto, que a existência de nulidade de um despacho [que não seja de mero expediente] ou de uma sentença ao abrigo da dita al. d) do nº 1 do art. 615º só é concebível se ocorrer absoluta falta de conhecimento/apreciação de determinada(s) questão(ões) suscitada(s) pelas partes ou que seja(m) de conhecimento oficioso, pois se a(s) questão(ões) tiver(em) sido apreciada(s) pelo tribunal, ainda que de modo incorreto, já não haverá tal nulidade, mas sim conhecimento deficiente ou errado dessa(s) mesma(s) questão(ões). Ora, pela leitura do despacho recorrido facilmente se constata, sem necessidade de grandes considerandos, que o mesmo atentou nos dois fundamentos que a recorrente diz terem sido aí omitidos: a admissão do requerimento de adesão da requerida ao requerimento da C..., SA de 09.04.2025 [referido em 3 do ponto III deste acórdão] e a prorrogação do prazo para abertura do incidente de qualificação da insolvência, também pretendido com a referida adesão ao requerimento da C..., SA. Quanto ao primeiro fundamento, diz-se ali expressamente que o referido requerimento de adesão é extemporâneo, daí resultando, implicitamente, que o mesmo não foi admitido por tal motivo. Basta, para tal, atentar no seguinte trecho do despacho recorrido, depois de transcrever os nºs 1 e 2 do art. 188º do CIRE [suprimem-se os parágrafos]: «Ora, como acima referido, o prazo para alegar é perentório, apenas podendo ser objeto de prorrogação. A credora B..., Lda. veio aderir ao requerimento apresentado pela credora C... SA em data muito posterior ao prazo que detinha para formular o pedido de prorrogação do prazo para alegar. Com efeito, efetuada a junção aos autos do relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE em 4.4.2025 e notificado tal relatório às partes em 23.4.2025, a credora tinha 15 dias para agir em conformidade, ou seja, para apresentar Parecer de qualificação, ou para pedir prorrogação do prazo para o fazer. Sucede que, notificada desse relatório a credora nada disse, vindo a aderir ao pedido oportunamente efetuado pela credora C... SA na data em que esta desistiu dos mesmo, ou seja, apenas em 29.5.2025, pelo que muito para além do prazo acima mencionado. Ora, quando a credora B..., Lda foi notificada para se pronunciar quanto à nulidade suscitada não foi para beneficiar de novo prazo para alegar ou para pedir prorrogação de prazo para alegar, mas sim para exercer o contraditório quanto ao conhecimento da nulidade. Tal significa que, quando veio aderir ao requerimento oportunamente formulado pela credora que dele veio a desistir, fê-lo extemporaneamente.». E quanto ao segundo fundamento, o despacho recorrido também se pronunciou expressamente ao dizer, logo de seguida, que [suprime-se o parágrafo]: «Assim sendo, em face do prazo perentório a que alude o art.º 188.º do CIRE, acima exposto, o Tribunal não pode conceder a prorrogação do prazo para a credora B..., Lda alegar quanto à qualificação da insolvência, porquanto o pedido foi efetuado para além do prazo perentório acima referido. O que se decide.». Mostra-se, assim, com manifesta evidência que o despacho recorrido não enferma das omissões de pronúncia que a recorrente lhe imputa. Tanto basta para que, sem mais, se conclua, nesta parte, pela improcedência do recurso. * 2. Se o pedido de adesão, apresentado pela recorrente em 29.05.2025, deve ser admitido, com as consequências por ela pretendidas.* Nas restantes conclusões das alegações, a recorrente pugna pela admissão do referido pedido de adesão ao que a C..., SA havia requerido e pela consequente prorrogação do prazo para abertura do incidente de qualificação [e, ainda, para prestação de esclarecimentos por parte da AI]. Há, por isso, que aferir se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento e é merecedor de censura. Vejamos, pois. Em primeiro lugar, importa ver se o despacho recorrido, que indeferiu a prorrogação do prazo para abertura do incidente de qualificação que havia sido requerido pela credora C..., SA em 09.04.2025 – e a que a ora recorrente aderiu em 29.05.2025 –, é suscetível de recurso. O nº 4 do art. 188º do CIRE parece apontar no sentido negativo ao afirmar que «[o] juiz decide sobre o requerimento de prorrogação, sem possibilidade de recurso (…)». O preceito deve, contudo, ser interpretado no sentido de que a irrecorribilidade do despacho que prorrogue ou que indefira a prorrogação do prazo para abertura do incidente de qualificação só não é recorrível quando estiver em causa um juízo acerca das razões que alicerçam a decisão, mas não já quando se questione a sua legalidade processual [assim se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 18.01.2024, proc. 1731/23.2T8GMR-J.G1, disponível in www.dgsi.pt/jtrg, que contém no seu sumário o seguinte trecho: “[a] norma do n.º 4 do art. 188 do CIRE apenas prevê a irrecorribilidade da decisão que prorrogue o prazo perentório de 15 dias previsto no n.º 1 quando esteja em causa o juízo acerca das razões (‘quando sejam necessárias informações que não possam ser obtidas nesse período’) que a alicerçam e não também quando se questione a sua legalidade processual”]. Como o que está aqui em causa é a legalidade processual do despacho que não admitiu o já várias vezes referido pedido de adesão formulado pela agora recorrente [e que também não prorrogou o prazo para abertura do dito incidente], parece não haver, assim, obstáculo ao conhecimento do recurso em apreço. Ultrapassada esta questão prévia, apreciemos então se o despacho recorrido é ou não merecedor de censura, começando por abordar o que dispõe o art. 188º do CIRE nos seus nºs 1 a 4. Segundo este normativo [na redação atual, dada pela Lei nº 9/2022, de 11.01]: «1 - O administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes. 2 - O prazo de 15 dias previsto no número anterior pode ser prorrogado, quando sejam necessárias informações que não possam ser obtidas nesse período, mediante requerimento fundamentado do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, e que não suspende o prazo em curso. 3 - A prorrogação prevista no número anterior não pode, em caso algum, exceder os seis meses após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º 4 - O juiz decide sobre o requerimento de prorrogação, sem possibilidade de recurso, no prazo de 24 horas, e a secretaria notifica imediatamente ao requerente o despacho proferido, nos termos da segunda parte do n.º 5 e do n.º 6 do artigo 172.º do Código de Processo Civil, e publicita a decisão através de publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais. (…)». A propósito dos prazos estabelecidos nos nºs 1 a 3 deste artigo escreve Catarina Serra [in O incidente de qualificação da insolvência depois da Lei nº 9/2022 – Algumas observações ao regime com ilustrações de jurisprudência, Julgar nº 48, setembro-dezembro 2022, Almedina, pgs. 13-14] o seguinte: “(…) a alteração nos nºs 1, 2, 3 e 4 do art. 188º prende-se com o prazo para apresentação do requerimento de abertura do incidente de qualificação da insolvência e visa, simultaneamente, esclarecer a natureza do prazo para requerer a abertura do incidente e admitir a sua prorrogação. Corresponde isto como que a uma solução de consenso – entre, por um lado, a segurança jurídica que a natureza perentória ou preclusiva dos prazos sempre assegura e, por outro, a realização dos interesses públicos e privados que o incidente persegue e que estão associados à repressão e à prevenção dos comportamentos antijurídicos e ao ressarcimento dos danos, respetivamente. (…) Fixa-se um prazo máximo para requerer a abertura do incidente: este nunca pode exceder o prazo de seis meses a contar da data da assembleia de apreciação do relatório ou a contar da junção aos autos do relatório referido no art. 155º, consoante os casos. Note-se que este prazo não é o prazo máximo da prorrogação mas sim o prazo máximo total (prazo inicial mais prazo de prorrogação), dado que se conta a partir daqueles factos.”. A mesma Autora [in «Lições de Direito da Insolvência», 3ª ed., 2025, Almedina, pgs. 388-389] refere, ainda, que “[c]om a Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro, fica definitivamente esclarecido que aquele prazo de 15 dias [o prazo fixado no nº 1 do art. 188º] é um prazo perentório ou preclusivo, embora suscetível de ser prorrogado” [nos termos do nº 2], acrescentando que “[c]onforme se estabelece no nº 2 do art. 188º, a prorrogação pode ter lugar, mediante requerimento fundamentado do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, quando sejam necessárias informações que não possam ser obtidas no prazo legalmente fixado” [no mesmo sentido da perentoriedade dos prazos fixados nos nºs 1 e 3 do art. 188º do CIRE, veja-se Maria do Rosário Epifânio, in «Manual de Direito da Insolvência», 8ª ed., 2022, Almedina, pgs. 177-179]. Atualmente, é, pois, inequívoco que o prazo estabelecido no art. 188º nº 1 é perentório [e não meramente ordenador], só admitindo, a título excecional [desde que se verifiquem os pressupostos aí fixados], o alargamento previsto nos seus nºs 2 e 3 [a jurisprudência é hoje unânime neste sentido, como decorre, i. a., dos Acórdãos do STJ de 17.10.2024, proc. 40/21.6T8EVR-C.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, desta Relação do Porto de 30.01.2024, proc. 5137/18.7T8VNG-E.P1 e de 07.02.2023, proc. 2084/21.9T8VNG-G.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp, da Relação de Lisboa de 14.11.2023, proc. 619/22.9T8AGH-B.L1-1, disponível in www.dgsi.pt/jtrl, da Relação de Coimbra de 25.10.2024, proc. 1781/23.9T8GRD-B.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc, da Relação de Guimarães de 04.04.2024, proc. 3618/22.7T8VCT.G1, de 15.02.2024, proc. 2371/21.6T8GMR-B.G1 e de 25.05.2023, proc. 4010/21.6T8VNF-G.G1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrg e da Relação de Évora de 27.06.2024, proc. 40/21.6TBEVR-C.E1, disponível in www.dgsi.pt/jtre, todos proferidos depois da entrada em vigor da Lei nº 9/2022]. Ficou, assim, definitivamente ultrapassada a divisão que, até à entrada em vigor da Lei nº 9/2022, se verificou na doutrina e na jurisprudência acerca da natureza daquele prazo, sustentando uns que se tratava de prazo meramente ordenador, enquanto outros defendiam que se estava perante prazo perentório. E isto não obstante as sucessivas alterações que, após a versão original do CIRE [DL 53/2004, de 18.03], foram sendo introduzidas naquele normativo [pelos arts. 2º da Lei nº 16/2012, de 20.04 e 3º do DL 79/2017, de 30.06], que, no entanto, foram deixando margem para o avolumar daquela querela, a que só a Lei nº 9/2022 pôs termo. Sendo inquestionável que o nº 1 do art. 188º do CIRE estabelece um prazo perentório, há que daí extrair as consequência legais, sabendo-se que os prazos perentórios [diversamente do que acontece com os ordenadores] implicam que os atos/direitos a que se reportam têm de ser praticados dentro do período de tempo neles estabelecido, sob pena de preclusão/extinção do direito de praticá-los/exercê-los, tal como prevê o nº 3 do art. 139º do CPC [no dizer de José Lebre de Freitas, in «Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto», 1996, Coimbra Editora, pg. 146, “[p]or prazo perentório entende-se, precisamente, aquele cujo decurso preclude a possibilidade de praticar o ato (…). As partes têm assim o ónus de praticar os atos que devam ter lugar em prazo perentório, sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações”; idem, Artur Anselmo de Castro, in «Direito Processual Civil Declaratório», vol. I, 1981, Almedina, pgs. 63-64 e Alberto dos Reis, in «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, 3ª ed., reimpres., 1982, Coimbra Editora, pg. 273; cfr., ainda, Acórdão do STJ de 17.10.2024, supracitado, que refere que “[n]ão tendo sido praticado o ato dentro do prazo perentório ou depois de esgotado o prazo de prorrogação deste, o direito extingue-se, o que significa que se verifica a preclusão, ou seja, (…) «a perda irrevogável de um poder cujo exercício constitua para a parte um ónus coordenado com o seu exclusivo interesse» (…)”]. O não exercício de determinado ato ou direito dentro do prazo perentório acarreta, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 298º do CCiv., a respetiva caducidade. E a apreciação desta [que constitui uma exceção perentória] é, em princípio, de conhecimento oficioso, como estabelecem os arts. 333º nº 1 do CCiv. e 579º do CPC, exceto se estiver em causa matéria não excluída da disponibilidade das partes - nº 2 daquele art. 333º -, o que não é o caso do(s) prazo(s) do referido art. 188º nº(s) 1 (e 3) [neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 30.01.2024 e da Relação de Lisboa de 14.11.2023, atrás citados]. Aqui chegados, voltemos ao caso que nos ocupa. Releva, para o efeito, o seguinte circunstancialismo: - o único credor [ou interessado] que, tempestivamente, requereu a prorrogação do prazo para abertura do incidente de qualificação da insolvência foi a C..., SA [cfr. nºs 3 e 5 do ponto III deste acórdão]; - tal credora desistiu, porém, desta pretensão, em 29.05.2025, sem que o tribunal a quo até então se tivesse pronunciado sobre aquele seu requerimento; - só neste dia 29.05.2025 [coincidindo com a desistência acabada de mencionar] – muito para lá do prazo de 15 dias fixado no nº 1 do art. 188º do CIRE [prazo que, em atenção à notificação indicada no nº 4 do ponto III deste acórdão e acrescido dos 3 dias referidos no nº 1 do art. 248º do CPC, terminou a 13.05.2025] – é que a ora recorrente, aproveitando uma notificação do tribunal exclusivamente para outra finalidade [cfr. nºs 8 e 9 do ponto III], veio comunicar aos autos a sua adesão ao requerimento e pedidos apresentados pela C..., SA no indicado requerimento de 09.04.2025. A recorrente [tal como os demais interessados e a administradora da insolvência], depois de notificada da junção aos autos do relatório da AI a que se refere o art. 155º do CIRE, dispunha de 15 dias para requerer, fundamentadamente, a prestação de esclarecimentos e/ou de informações e a prorrogação do prazo [sem exceder os 6 meses desde a junção daquele relatório] para a abertura do incidente de qualificação da insolvência. No mesmo prazo [de 15 dias], também podia aderir ao requerimento de outro interessado que tivesse, tempestivamente, efetuado tais pedidos. Decorrido esse prazo, ficaria precludido, por caducidade, o direito de exercício de tais pretensões, quer diretamente por si, quer mediante adesão a requerimento de outro(s) interessado(s). Caso algum interessado tivesse requerido, em tempo, a prorrogação do prazo para abertura do referido incidente e esta pretensão tivesse sido acolhida pelo tribunal, a abertura do incidente também poderia vir a ser requerida [dentro do prazo de prorrogação] pela ora recorrente, em face da janela de oportunidade entretanto surgida com a concessão do prolongamento do prazo [esta possibilidade foi admitida, por ex., no Acórdão da Relação de Lisboa de 14.10.2025, proc. 15677/24.3T8LSB-C-1, que decidiu que “[s]endo proferido despacho prorrogando o prazo para efeitos da abertura de tal incidente, esse alargamento do prazo aproveita não só ao interessado que o requereu, mas a todos aqueles que têm legitimidade para requerer a abertura do incidente”]. É verdade que, in casu, houve uma credora/interessada que requereu, em tempo, a prorrogação do prazo para abertura do aludido incidente [e solicitou esclarecimentos e informações com vista a aferir da viabilidade de tal abertura]. Mas essa credora desistiu de tal(is) pedido(s) antes do tribunal a quo se ter pronunciado sobre o(s) mesmo(s). Como tal desistência era legal, o tribunal homologou-a, em 29.06.2025, e já não apreciou o que aquela credora havia requerido [a recorrente recorreu desta decisão de 29.06.2025, mas o recurso não foi apreciado pela Relação pelo motivo relatado no nº 16 do ponto III]. A recorrente, no mesmo dia em que aquela credora desistiu das pretensões que formulou no requerimento de 09.04.2025, apresentou pedido de adesão a esse requerimento. Mas, claramente, fê-lo quando já se encontrava precludido/caducado o direito de lançar mão da prerrogativa prevista no nº 2 do art. 188º [direito que se extinguiu em 13.05.2025], sendo certo que, até então, o tribunal não havia concedido a prorrogação do prazo que a credora C..., SA tinha requerido. Perante esta constatação, apresenta-se evidente que o seu pedido de adesão ao requerimento da credora acabada de indicar, não podia ser admitido, nem, por via disso, ser-lhe concedida prorrogação do prazo para abertura do incidente de qualificação, já que tal se traduziria no esvaziamento do caráter perentório do prazo fixado no nº 1 do art. 188º. Certamente com o objetivo de tentar contornar os efeitos da natureza perentória do prazo estabelecido no nº 1 do citado art. 188º, a recorrente, nas conclusões 10 e 11 das alegações, chama à colação o disposto no art. 313º do CPC, invocando também a figura do litisconsórcio para enquadrar o seu referido pedido de adesão e o de prorrogação do prazo para abertura do incidente de qualificação. Mas tal argumentação não colhe. Em primeiro lugar, porque a natureza perentória do prazo de que dispunha para requerer aquela prorrogação [por si diretamente, ou mediante adesão a requerimento de outro credor/interessado] é por si só impeditiva do que pretende a recorrente. Depois, porque não está em causa nenhum incidente de intervenção espontânea de terceiros, pois a recorrente já há muito era parte no processo [já o era aquando da junção aos autos do relatório referido no nº 1 do ponto III deste acórdão, do qual foi, aliás, notificada]. Ainda, porque não existe sequer litisconsórcio [nem voluntário nem, muito menos, necessário], pelo menos nos termos preconizados nos arts. 32º e segs. do CPC, entre os credores no âmbito do processo de insolvência e seus apensos, pois embora todos os credores tenham um interesse comum na liquidação do património do devedor [com vista à maior satisfação possível dos seus créditos], os seus interesses podem ser e são, na prática, divergentes no que concerne à graduação de créditos. Finalmente, porque o processo de insolvência é um processo de execução universal com um regime especial que só subsidiariamente [art. 17º do CIRE] se socorre das disposições do CPC que sejam compatíveis com as normas do CIRE, não se contando entre estas quer as que dizem respeito à figura do litisconsórcio, quer as relativas à intervenção de terceiros. Deste modo, o despacho recorrido, no que aqui estava em questão, não é merecedor de censura, impondo-se, por isso, a improcedência do recurso. Pelo decaimento, as custas deste recurso ficam a cargo da recorrente – arts. 527º nºs 1 e 2, 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC. * Síntese conclusiva: * ……………………………… ……………………………… ……………………………… * * * V. Decisão:Face ao exposto, os Juízes desta secção cível do tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º) Julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida. 2º) Condenar a recorrente nas custas. Porto, 12.12.2025 Pinto dos Santos Maria Eiró Anabela Miranda |