Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16609/21.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
INTERPRETAÇÃO NORMATIVA
Nº do Documento: RP2022121416609/21.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 12/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei, assim ao regime que resulta do artigo 9.º do Código Civil, para o que, importando ter presente que a letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção –, essa é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede, já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.
II - Para efeitos de interpretação da cláusula 98.ª do Acordo coletivo entre várias instituições de crédito e o SBN - Sindicato dos Trabalhadores do Setor Financeiro de Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego, n.º 29, de 08/08/2016, o que resulta do seu texto / letra aponta no sentido de que é apenas aplicável ao trabalhador que, não estando inscrito em qualquer regime de Segurança Social, deixe de estar garantido, por qualquer razão, pelo regime de Segurança Social previsto pelo Acordo em que se insere tal cláusula.
III - Em face do referido em II, não está abrangido pela previsão dessa cláusula um trabalhador que, não obstante ter efetuado descontos num determinado período para obtenção de pensão para a Caixa do Pessoal CUF e empresas associadas, tais descontos, no entanto, foram integrados no regime da Segurança Social – pela Portaria n.º 288/86, de 18/06 –, pois que, apesar de o não terem sido ao tempo em que foram efetuados diretamente para a Segurança Social, acabaram por o ser posteriormente por decorrência da referida integração.
IV - O afirmado em II e III não viola os princípios constitucionais da igualdade de tratamento e da confiança legítima.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 16609/21.6T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto

Autor / recorrente: AA
Ré / recorrida: Banco 1..., S.A.
_______
Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. AA instaurou contra Banco 1..., S.A., ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação da Ré: a reconhecer o direito ao complemento de reforma que o artigo 98.º da CCT aplicável, atribui ao Autor, calculado em função do seu nível profissional e dos quinze anos civis em que o autor trabalhou para o Banco e devido desde setembro de 2017; no pagamento do complemento de reforma devido ao Autor ao abrigo do artigo 98.º da CCT aplicável, com pagamento imediato das quantias vencidas após setembro de 2017 e pagamento mensal das quantias vincendas, com juros de mora sobre o capital vencido desde setembro de 2017 e até pagamento integral.

Para tanto, em síntese, alegou que: entre 1980 e 1995, foi trabalhador do Banco 2..., tendo no período entre 1980 e 1986 efetuado descontos para a Caixa de Pessoal da CUF e empresas associadas, tendo passado as suas contribuições a ser efetuadas para o Centro Distrital da Segurança Social apenas a partir de 1/10/1987 até julho de 1985, altura em que deixou de trabalhar no banco, não mais tendo desempenhado funções bancárias; em agosto de 2016, reformou-se, tendo-lhe sido atribuída uma reforma mensal de €481,21; entende que, considerando o período de 6 anos em que descontou para caixa providencial autónoma, tem direito, nos termos da cláusula 98º, nº 1, 2, al b) e 3 do CCT aplicável à relação laboral estabelecida, ao pagamento de um complemento de pensão correspondente ao tempo de serviço nela prestado, o que já reclamou à Ré, mas sem sucesso.

Citada, Contestou a Ré, aceitando que o Autor efetuou os descontos alegados, mas invocando datas diversas das que alegou, esclarecendo que as contribuições efetuadas no período de 1980 a 1986 foram integradas no Regime Geral da Segurança Social, tendo sido consideradas no cálculo da pensão da reforma que está a ser paga, pelo que se atribuísse o pretendido complemento, tal resultaria num duplo benefício para o Autor.

Atribuído à ação o valor de €30.000,01, foi de seguida proferido despacho saneador, após que se absteve o Tribunal de enunciar o objeto do litígio e os temas de prova.

Seguindo os autos os seus termos, veio posteriormente a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julgo improcedente o pedido formulado e, consequentemente, absolvo a ré dos pedidos contra si formulados.
Custas pelo autor, sem prejuízo do disposto do benefício de apoio judiciário de que beneficia.
Notifique.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apelou o Autor, apresentando as suas alegações e aquelas que considerou serem as conclusões, que de seguida se transcrevem:
A. A DECISÃO RECORRIDA JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO DO AUTOR, SUSTENTANDO A INAPLICABILIDADE DA CLÁUSULA 98.ª, DA CCT. SUCEDE QUE,
B. ESTA DECISÃO RESULTA DE UMA INTERPRETAÇÃO ERRÓNEA DA REFERIDA CLÁUSULA E É, QUANTO AOS SEUS EFEITOS, INCONSTITUCIONAL POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA CONFIANÇA (AC. TC N.º 287/90, AC. TC N.º 128/2009 E AC. TC N.º 128/2009, ENTRE OUTROS). SENÃO VEJAMOS,
C. O AUTOR FOI TRABALHADOR DO Banco 2..., ENTRETANTO TRANSFORMADO NO ORA RÉU, ENTRE DEZEMBRO DE 1980 E JULHO DE 1995, ESTANDO ABRANGIDO PELO REGIME SUBSTITUTIVO DA CAIXA DO PESSOAL CUF ATÉ SETEMBRO DE 1987, DATA A PARTIR DA QUAL EFETUOU DESCONTOS PARA O REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL.
D. APÓS O FIM DA SUA RELAÇÃO LABORAL COM O RÉU, O AUTOR NÃO MAIS DESEMPENHOU FUNÇÕES BANCÁRIAS, TENDO CONTINUADO A SUA CARREIRA CONTRIBUTIVA COM DESCONTOS PARA A SEGURANÇA SOCIAL, REGIME ATRAVÉS SE REFORMOU EM AGOSTO DE 2016, COM UMA PENSÃO MENSAL DE € 481, 21.
E. ENTENDE ASSIM O AUTOR QUE TEM DIREITO, NOS TERMOS DA CLÁUSULA N.º 98.ª, N.º 2, AL. B), DA CCT, AO COMPLEMENTO DE REFORMA CALCULADO EM FUNÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO.
F. TODAVIA, A DECISÃO RECORRIDA NEGA-LHE ESSE DIREITO, AFIRMANDO, EM PRIMEIRO LUGAR, QUE A CLÁUSULA EM QUESTÃO NÃO SE APLICA A TRABALHADORES QUE TENHAM SIDO ULTERIORMENTE INTEGRADOS NO REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL – ARGUMENTAÇÃO QUE NÃO PODE COLHER POR SER CONTRÁRIA À LETRA E TELEOLOGIA DA CLÁUSULA EM QUESTÃO, MAS TAMBÉM POR SER INCONSTITUCIONAL QUANTO AOS SEUS EFEITOS.
G. DE FACTO, SE A INTERPRETAÇÃO SUFRAGADA PELO TRIBUNAL A QUO FOSSE A CORRETA, NÃO HAVERIA QUALQUER EXPLICAÇÃO PLAUSÍVEL PARA O N.º 2, AL. B) DESSA MESMA CLÁUSULA, DE ONDE DECORRE QUE “O PAGAMENTO DA PENSÃO DE REFORMA PREVISTO NO NÚMERO ANTERIOR É DEVIDO (…) QUANDO O TRABALHADOR SE ENCONTRAR REFORMADO POR VELHICE NO ÂMBITO DO REGIME DE SEGURANÇA SOCIAL EM QUE SE ENCONTRAR ABRANGIDO”.
H. NA VERDADE, ESTA INTERPRETAÇÃO ESVAZIARIA DE CONTEÚDO A CLÁUSULA EM QUESTÃO QUE, COMO SE PODE LER NO AC. DO STJ DE 16.03.2005 (QUE INTERPRETA CLÁUSULA PERFEITAMENTE ANÁLOGA), VISA PRECISAMENTE “EVITAR QUE O TRABALHADOR QUE ABANDONOU O SECTOR BANCÁRIO SEJA PREJUDICADO”.
I. ESSE ARESTO SUBSUME UMA SITUAÇÃO EM TUDO ANÁLOGA À DO CASO VERTENTE A UMA NORMA QUE TAMBÉM É PERFEITAMENTE ANÁLOGA À DO CASO VERTENTE, AFIRMANDO QUE A CLÁUSULA É APLICÁVEL AOS “TRABALHADORES BANCÁRIOS QUE, POR QUALQUER RAZÃO, DEIXAREM DE ESTAR ABRANGIDOS PELO REGIME DE SEGURANÇA SOCIAL PREVISTO NO ACTV PARA O SECTOR (QUE, COMO É SABIDO, É UM REGIME DE SEGURANÇA SOCIAL ESPECIAL PRIVATIVO DOS TRABALHADORES BANCÁRIOS (…) TÊM DIREITO A UMA PENSÃO DE REFORMA A PAGAR PELAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS PARA QUE PRESTARAM SERVIÇO, NA PROPORÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO A CADA UMA DELAS”.
J. ISTO É, A CLÁUSULA NÃO EXCLUI OS TRABALHADORES QUE TENHAM SIDO ENTRETANTO ABRANGIDOS PELO REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL, MUITO PELO CONTRÁRIO, ELA VISA APLICAR-SE AOS TRABALHADORES QUE DEIXEM DE ESTAR ABRANGIDOS PELO REGIME DE SEGURANÇA SOCIAL PREVISTO NO ACTV PARA O SECTOR – EXATAMENTE O QUE SUCEDE NO CASO VERTENTE.
K. A INTERPRETAÇÃO SUFRAGADA PELA DOUTA SENTENÇA, NA PARTE EM QUE EXCLUI DO ÂMBITO DA CLÁUSULA 98ª OS TRABALHADORES QUE TENHAM ABANDONADO A CARREIRA BANCÁRIA E TENHAM EFETUAD DESCONTOS PARA O REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL É ILEGAL E INCONSTITUCIONAL, POR DISCRIMINATÓRIA E LIMITATIVA DO EXERCÍCIO DE DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE PROTEGIDOS – POR ABSOLUTA IGUALDADE DE RAZÃO EM ELAÇÃO À QUESTÃO ANALISADA NO AC. DO TC N.º 241/2005.
L. MAIS, A SENTENÇA RECORRIDA CONSIDERA QUE A PORTARIA N.º 288/86, DE 18/06 (QUE PROCEDEU À INTEGRAÇÃO DOS CONTRIBUINTES DA CAIXA DE PREVIDÊNCIA DO PESSOAL DA COMPANHIA E UNIÃO FABRIL E EMPRESAS ASSOCIADAS NO REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL) PODE APLICAR-SE RETROATIVAMENTE AO PERÍODO EM QUE O TRABALHADOR ESTEVE ABRANGIDO PELO REGIME SUBSTITUTIVO DA CONTRATAÇÃO COLECTIVA – DIZENDO QUE “PESE EMBORA NAQUELE PERÍODO [ENTRE 1980 E 1986] O AUTOR NÃO TENHA EFETUADO DESCONTOS DIRETAMENTE PARA A SEGURANÇA SOCIAL, A VERDADE É QUE O FEZ INDIRETAMENTE, JÁ QUE, POSTERIORMENTE, OS DESCONTOS QUE EFETUOU PARA A CAIXA DE PREVIDÊNCIA DA CUF FORAM INTEGRADOS NA SEGURANÇA SOCIAL”.
M. ORA, ESTA OBLITERAÇÃO RETROACTIVA DAS EXPECTATIVAS LEGITIMAMENTE FORMADAS PELO AUTOR NÃO PODE COLHER.
N. DE FACTO, INDEPENDENTEMENTE DE A SEGURANÇA SOCIAL TER CONTABILIZADO, BEM OU MAL, OS DESCONTOS DE UM PERÍODO CONTRIBUTIVO EM QUE O AUTOR ESTAVA ABRANGIDO PELO REGIME SUBSTITUTIVO DOS TRABALHADORES DO SECTOR BANCÁRIO,
O. O FACTO É QUE O AUTOR, AO LONGO DOS ANOS EM QUE DESCONTOU PARA A CAIXA CUF, VIU FIRMADA NA SUA ESFERA JURÍDICA A EXPECTATIVA LEGÍTIMA DE QUE A SUA PENSÃO DE REFORMA VIRIA A SER CALCULADA NOS TERMOS PREVISTOS NA CONTRATAÇÃO COLECTIVA,
P. NÃO SENDO DE ADMITIR QUE ESTAS EXPECTATIVAS SEJAM DESTRUÍDAS PELA APLICAÇÃO RETROATIVA DA PORTARIA, ENGLOBANDO-SE NOS SEUS EFEITOS UM PERÍODO CONTRIBUTIVO OCORRIDO ANTES DA SUA ENTRADA EM VIGOR E AO QUAL SERIA APLICADO UM MÉTODO DE CÁLCULO MAIS BENÉFICO PARA O AUTOR.
Q. DAÍ QUE SEJA INTEIRAMENTE PERTINENTE VERIFICAR QUE, APÓS A INTEGRAÇÃO GLOBAL DOS TRABALHADORES DO SECTOR BANCÁRIO OPERADA PELO DL 247/2012, A JURISPRUDÊNCIA TEM CONSISTEMENTE ENTENDIDO QUE OS BANCOS CONTINUAM A TER DE ASSEGURAR OS DIREITOS ADQUIRIDOS, PAGANDO COMPLEMENTOS DE REFORMA EM RELAÇÃO AOS QUAIS PODERÃO, EVENTUALMENTE, EFETUAR UMA COMPENSAÇÃO PELA PARTE DA REFORMA DA SEGURANÇA SOCIAL REFERENTE AO PERÍODO EM QUE EXERCERAM A FUNÇÃO BANCÁRIA – NESTE SENTIDO, Os AC. STJ DE 22.02.2018, 12.07.2018, ENTRE OUTROS.
R. POR EXATA IGUALDADE DE RAZÃO, DEVE O MESMO RACIOCÍNIO SER APLICADO AO CASO VERTENTE, SOB PENA DE SE AFRONTAR O PRINCÍPIO DA MANUTENÇÃO DIS DIREITOS ADQUIRIDOS, BEM COMO O PRINCÍPIO CONSITUCIONAL DA CONFIANÇA, COMO FIRMADO E CONSUBSTANCIADO NOS AC. TC 287/90 E 125/2009, ENTRE OUTROS.
S. NESSE EXATO SENTIDO, CATARINA PIRES E JOÃO DA COSTA ANDRADE, NA OBRA SUPRA CITADA, REFEREM QUE A APLICABILIDADE DA CLÁUSULA MAIS FAVORÁVEL PARA O TRABALHADOR DECORRE DIRETAMENTE DO PRINCÍPIO DO TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL QUE DEVE IMPERAR NO QUE CONTENDE COM A CONCRETA ATRIBUIÇÃO E CONFORMAÇÃO DO CONTEÚDO DE RELAÇÕES JURÍDICAS ACTIVAS DO TRABALHADOR, O QUE “A CONSTRUÇÃO QUE SUPRA SE EXPLANOU DEVE VINGAR INDEPENDENTEMENTE DA SITUAÇÃO DO TRABALHADOR EM RELAÇÃO AO SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL. NA VERDADE, AFIGURA-SENOS CORRECTA A MANUTENÇÃO DOS PRESSUPOSTOS E DO RACIOCÍNIO QUE ENUNCIÁMOS, QUER O TRABALHADOR AUFIRA UMA QUALQUER REFORMA ATRIBUÍDA PELA SEGURANÇA SOCIAL, QUER NÃO E AINDA INDEPENDENTEMENTE DO MONTANTE DE QUE CONCRETAMENTE BENEFICIE UMA QUALQUER TENTATIVA DE DEMONSTRAÇÃO DA DESNECESSIDADE DE PAGAMENTO PELOS BANCOS DE QUANTIAS IMPUTÁVEIS À SEGURANÇA SOCIAL OU À CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES NÃO POSSUI FUNDAMENTO, À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS”
T. DE IGUAL MODO, LOBO XAVIER ESCLARECE QUE “O SISTEMA É O DE QUE NOVAS CONDIÇÕES LABORAIS (ESTABELECIDAS NA LEI OU NOS INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA) SÃO DE APLICAÇÃO IMEDIATA, REGENDO MESMO OS CONTRATOS DE TRABALHO ANTERIORMENTE CELEBRADOS. MAS ESTE SISTEMA EXECUTA-SE COM SALVAGUARDA DO PRINCÍPIO DO TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL PARA O TRABALHADOR, NOS TERMOS DO QUAL PERSISTEM AS REGALIAS PARA ESTE PREVISTAS EM NORMAS DIVERSAS DAS NOVAS, NOMEADAMENTE NAS CLÁUSULAS CONTIDAS EM CONVENÇÕES SUBALTERNAS ANTERIORES (…) NA MEDIDA EM QUE SEJAM MAIS BENÉFICAS PARA O TRABALHADOR” – OB. SUPRA CITADA.
ISTO POSTO,
U. A INTERPRETAÇÃO OPERADA PELO TRIBUNAL A QUO DA CLÁUSULA APLICÁVEL É ILEGAL E INCONSTITUCIONAL, NA MEDIDA EM QUE AFRONTA, EM PRIMEIRO LUGAR, A LETRA E A TELEOLOGIA DESSA CLÁUSULA, SENDO DISCRIMINATÓRIA NOS SEUS EFEITOS EM RELAÇÃO AOS TRABALHADORES DO SECTOR BANCÁRIO QUE TENHAM SIDO ULTERIORMENTE ABRANGIDOS PELO REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL – IMPEDINDO-OS DE ACEDER A UM DIREITO CONSTITUCIONALMENTE TUTELADO E COARCTANDO ILEGITIMAMENTE AS SUAS EXPECTATIVAS LEGITIMAMENTE CRIADAS.
V. ALÉM DISTO, A PORTARIA N.º 288/86, DE 18/06, NA INTERPRETAÇÃO VERTIDA NA DECISÃO RECORRIDA, QUE PERMITE A INCLUSÃO RETROACTIVA NO REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL DE UM PERÍODO CONTRIBUTIVO EM QUE O TRABALHADOR ESTAVA ABRANGIDO POR UM SISTEMA PREVIDENCIAL SUBSTITUTIVO E MAIS BENÉFICO PARA SI, É TAMBÉM INCONSTITUCIONAL, POR AFRONTAR O PRINCÍPIO DO TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL DO TRABALHADOR, BEM COMO O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA CONFIANÇA, ATROPELANDO AS EXPECTATIVAS LEGITIMAMENTE FIRMADAS PELO AUTOR DE QUE A SUA PENSÃO VIRIA A SER CALCULADA NOS TERMOS PREVISTOS NA CONTRATAÇÃO COLECTIVA.
TERMOS EM QUE E NOS MAIS DE DIREITO DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROVADO E PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, QUE DEVE SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE CONDENE O RÉU NO PEDIDO, RECONHECENDO-SE O DIREITO DO AUTOR AO PAGAMENTO PELO RÉU DE COMPLEMENTO DE REFORMA NOS TERMOS DA CLÁUSULA 98.º, N.º 1, N.º 2, AL. B) E N.º 3, DA CCT.

2.1. Contra-alegou a Ré, concluindo nos termos seguintes:
A. Tendo em conta a matéria de facto provada, nenhuma censura ou reparo merece a Douta Sentença recorrida, atenta a cuidada e minuciosa análise, fundamentação e decisão quanto à matéria de facto provada, o mesmo sucedendo em relação à interpretação e aplicação do direito a essa matéria, pelo que o Recorrido oferece o merecimento dos autos, devendo a Douta Sentença recorrida ser integralmente confirmada, mantendo-se inalterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
B. No que aos factos diz respeito e não tendo o Recorrente impugnado a decisão da matéria de facto, apenas os factos considerados como provados na Douta Sentença recorrida poderão ser considerados na decisão dos presentes autos
C. Na “analepse dos factos pertinentes” que o Recorrido efetua, este esqueceu-se convenientemente de considerar o facto I) dos Factos Provados (“Em agosto de 2016, o Autor reformou-se pelo Regime da Segurança Social, com uma pensão de reforma mensal de 481,21 €, tendo para o efeito sido consideradas as contribuições efetuadas no período referido em E)”, ou seja, as contribuições efetuadas no período entre 1980 e 1986 (cfr. factos e) e I) dos Factos Provados).
D. O Facto Provado I) é essencial para a boa decisão dos presentes autos.
E. Como decorre da forma cristalina da cláusula 98ª do ACT do Setor Bancário, esta cláusula só é aplicável quando os beneficiários não se encontram inscritos num qualquer regime de Segurança Social, o que não é manifestamente o caso do Recorrente que no período (1980 a 1986) relativamente ao qual reclama o complemento de reforma previsto na cláusula 98ª do ACT do Setor Bancário estava inscrito no Regime de Segurança Social e esse período foi contabilizado, como resulta do Facto Provado I), na pensão de reforma que a Segurança Social lhe passou a liquidar.
F. É, pois, inequívoca a inaplicabilidade da cláusula 98ª do ACT do Setor Bancário ao Recorrente.
G. E não se diga, como o faz o Recorrente, que a interpretação efetuada pela Douta Sentença recorrida do cláusula 98ª do ACT do Setor Bancário ou os efeitos da referida cláusula ou da Portaria n.º 288/86 de 18/06 são inconstitucionais. Não há inconstitucionalidade de interpretações ou de efeitos; a existir, a inconstitucionalidade é das normas, o que não é invocado pelo Recorrente.
H. Procura ainda o Recorrente referir algumas decisões Jurisprudenciais que, na sua visão (errada), sustentam a sua posição por terem sido proferidas em situações alegadamente análogas à sua. No entanto, todas as situações referidas pelo Recorrente não têm qualquer proximidade factual com a situação do Recorrente. Com efeito, as situações de facto subjacentes a tais decisões reportam-se a reformados bancários que durante a sua atividade ao serviço de instituições bancárias não se encontraram inscritos num Regime da Segurança Social, o que não foi manifestamente o caso do Recorrente.
I. Quanto aos bancários que durante a sua atividade ao serviço de instituições bancárias não se encontraram inscritos no Regime da Segurança Social é inequívoca a aplicabilidade da cláusula 98ª do ACT do Setor Bancário, já não sendo aplicável aos bancários que, como o caso, prestaram atividade no Setor Bancário em Instituições que tinham inscritos os seus trabalhadores no regime geral da Segurança Social (de notar que este último regime era excecional, sendo que apenas os trabalhadores da Banco 3..., Banco 2... e Banco 4... estavam inscritos no regime geral da Segurança Social)
J. Já relativamente aos trabalhadores que durante a sua atividade ao serviço de instituições bancárias se encontraram inscritos no Regime da Segurança Social, como é o caso do Recorrente, a cláusula 98ª não é manifestamente aplicável, pois caso contrário beneficiariam de duas pensões de reforma relativamente ao mesmo período o que não é permitido quer pela cláusula 94ª n.º 1 do ACT do Setor Bancário, quer pelo artigo 67º da Lei das Bases Gerais do Sistema de Segurança Social
K. Carece de fundamento a alegação de que com a interpretação efetuada pela Douta Sentença recorrida assistir-se-ia ao esvaziamento da cláusula 98ª do ACT do Setor Bancário. Nada mais errado, a cláusula 98ª do ACT do Setor Bancário visa garantir que os reformados bancários que durante a sua atividade ao serviço de instituições bancárias não se encontraram inscritos num Regime da Segurança Social recebam uma pensão de reforma pelo período de tempo que prestaram a sua atividade nessas instituições bancárias, o qual, por força da inexistência de descontos para a Segurança Social, não foi considerado por esta para efeitos de cálculo da pensão de reforma atribuída.
L. No período entre 03.11.1980 e 30.12.1986, o Recorrente efetuou contribuições para a Caixa de Previdência do Pessoal da Companhia União Fabril (CUF) e Empresas Associadas, sendo que por efeito da Portaria n.º 288/86, de 18.06, a Caixa de Previdência do Pessoal da Companhia União Fabril e Empresas Associadas foi descentralizada e integrada, orgânica e funcionalmente, no Regime Geral da Segurança Social, sendo aí integrados os seus contribuintes e beneficiários
M. Tal integração é, aliás, inequívoca quando todo o período (entre 1980 e 1995) foi considerado para efeitos de atribuição de pensão de reforma, ou seja, que esse período foi considerado para efeitos de integração do Autor no Regime Geral de Segurança Social – cfr. Facto Provado I).
N. A cláusula 98.ª do ACT do Setor Bancário aplica-se a trabalhadores do setor bancário, com carreiras contributivas diversificadas, relativamente aos quais se verifiquem os pressupostos seguintes:
que durante um período de tempo tenham prestado a sua atividade profissional no setor bancário, estando então abrangidos pelo regime de segurança social substitutivo regulado pelo ACT;
que apresentam igualmente um outro percurso de trabalho prestado fora daquele sector, durante o qual tenham estado sujeitos a inscrição no regime geral de segurança social; e
que, por estarem já desvinculados de entidade empregadora do setor bancário, passem à situação de reforma por velhice fora do setor bancário.
O. Excluem-se, assim – naturalmente –, do seu âmbito de aplicação, os trabalhadores que, durante o período de tempo em que tenham prestado atividade no setor bancário, tenham estado abrangidos por regime de Segurança Social, pois nesses casos o trabalhador esteve inscrito e efetuou contribuições para a Segurança Social durante todo o tempo de serviço no setor bancário, sendo esse período considerado – como foi no caso do Recorrido - para determinação da pensão de reforma conferida pela Segurança Social.
P. A atribuição de complemento de reforma pela instituição bancária a tais trabalhadores traduzir-se-ia numa injustificada duplicação de prestações previdenciais, com referência ao mesmo período, com o correspondente enriquecimento sem causa dos trabalhadores.
Q. Como resultou provado, o Recorrente esteve abrangido por Regime Geral da Segurança Social, para o qual efetuou contribuições (quer diretamente no período posterior a 1987, quer por transferência para o Regime Geral da Segurança Social das contribuições efetuadas no período de 1980 a 1986 para a Caixa de Previdência do Pessoal da Companhia União Fabril e Empresas Associadas para a Segurança Social na sequência da integração, tal como acima melhor explicitado, desta Caixa de Previdência no Regime Geral da Segurança Social) durante todo o período em que prestou serviço no setor bancário.
R. Tendo estado inscrito no Regime Geral da Segurança Social durante todo o período em que prestou serviço no setor bancário e tendo o referido período sido computado no cálculo de pensão de reforma a ser paga pela Segurança Social, não faz qualquer sentido – daí resultando um duplo benefício para o Recorrido – e carece de fundamento legal que esse mesmo período seja novamente computado, mas agora para efeitos de complemento de pensão de reforma a suportar pelo Recorrido.
S. Não se encontra preenchido o requisito do n.º 1 da Cláusula 98ª do ACT do Setor Bancário na medida em que é requisito para a sua aplicação que o Recorrente não estivesse inscrito em qualquer regime de Segurança Social, o que não se verifica.
T. É, pois, manifesto que a situação do Recorrente não se subsume ao âmbito subjetivo de aplicação da cláusula 98.ª do ACT, não merecendo a tutela aí conferida, pelo que não lhe é devida pelo Recorrido qualquer importância a esse título, não merecendo, por isso, a Douta Sentença recorrida qualquer reparo ou censura, devendo a mesma ser confirmada na íntegra.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis,
Deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, sendo, em consequência, integralmente confirmada a Douta Sentença recorrida, só assim se fazendo o que é de Lei e de JUSTIÇA!

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata e nos próprios autos.

3. Nesta Relação foi emitido parecer pelo Exmo. Procuradora-Geral Adjunto no sentido da improcedência do recurso, parecer esse em relação ao qual se pronunciou o Recorrente, reafirmando a posição que assumiu no recurso que interpôs.
*
Cumpridas as formalidades legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:
*
II- Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – CPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a única questão a decidir passa por saber se o Tribunal a quo errou no julgamento quanto à aplicação do direito aos factos.
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III – Fundamentação
A) O tribunal recorrido considerou assentes, por acordo das partes, os seguintes factos:
A) O autor foi associado do Sindicato de Bancários do Norte até 1996.
B) A ré participou e outorgou Acordo Colectivo de Trabalho entre várias instituições de crédito e o Sindicato dos Trabalhadores do Setor Financeiro em Portugal.
C) Em 2004, o Banco 5... procedeu à fusão por incorporação do Banco 2... e Banco 1... no Banco 6..., tendo os dois primeiros sido extintos e o último passado a denominar-se Banco 1..., S.A.
D) Entre 3/11/1980 e 6/07/1995, o autor foi trabalhador do Banco 2..., com o número de inscrição ....
E) No período entre 1980 e 1986, o autor efetuou descontos para obtenção de pensão para a Caixa do Pessoal CUF e empresas associadas.
F) As contribuições passaram a ser efetuadas para o Centro Distrital da Segurança Social do Porto a partir de 1/01/1987 e até 6/07/1995.
G) Quando, em 1995, o autor deixou de trabalhar no Banco 2..., ocupava posição funcional de empregado de carteira, enquadrável no nível sete, tendo sido promovido a tal nível com efeitos a partir de 1/01/1991.
H) Após o término da sua relação laboral com o Banco 2..., o Autor não mais desempenhou funções bancárias, tendo continuado a sua carreira contributiva com descontos para a Segurança Social.
I) Em agosto de 2016, o Autor reformou-se pelo regime da Segurança Social, com uma pensão de reforma mensal de 481,21€, tendo para o efeito sido consideradas as contribuições efectuadas no período referido em E).
J) O autor enviou à ré as cartas juntas à petição inicial como documentos nº 6 e 7, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

B) Discussão
Em face das conclusões que a apresenta, insurge-se o Recorrente contra o decidido na sentença, defendendo no essencial:
- foi feita uma errada interpretação da cláusula 98.ª, n.º 2, al. b), da Convenção Coletiva Trabalho (CCT), sendo tal interpretação também, quanto aos seus efeitos, inconstitucional, “por violação do princípio da igualdade e por violação do princípio constitucional da confiança (ac. tc n.º 287/90, ac. tc n.º 128/2009 e ac. tc n.º 128/2009, entre outros)”;
- Foi trabalhador do banco entre dezembro de 1980 e julho de 1995, estando abrangido pelo regime substitutivo da Caixa do Pessoal CUF até setembro de 1987, data a partir da qual efetuou descontos para o regime geral da segurança social, sendo que, após o fim da sua relação laboral com o Réu, não mais desempenhou funções bancárias, tendo continuado a sua carreira contributiva com descontos para a Segurança Social, regime através do qual se reformou em agosto de 2016, com uma pensão mensal de €481, 21, mas, diz, diversamente do decidido, tem direito, nos termos da cláusula n.º 98.ª, n.º 2, al. b), da CCT, ao complemento de reforma calculado em função do tempo de serviço prestado.
- Se a interpretação sufragada pelo tribunal fosse a correta, não haveria qualquer explicação plausível para o n.º 2, al. b) dessa mesma cláusula, de onde decorre que “o pagamento da pensão de reforma previsto no número anterior é devido (…) quando o trabalhador se encontrar reformado por velhice no âmbito do regime de segurança social em que se encontrar abrangido” – pois que “esvaziaria de conteúdo a cláusula em questão que, como se pode ler no ac. do STJ de 16.03.2005 (que interpreta cláusula perfeitamente análoga), visa precisamente “evitar que o trabalhador que abandonou o sector bancário seja prejudicado” (aresto que “subsume uma situação em tudo análoga à do caso vertente a uma norma que também é perfeitamente análoga à do caso vertente, afirmando que a cláusula é aplicável aos “trabalhadores bancários que, por qualquer razão, deixarem de estar abrangidos pelo regime de segurança social previsto no actv para o sector”);
- “a interpretação operada pelo tribunal a quo da cláusula aplicável é ilegal e inconstitucional, na medida em que afronta, em primeiro lugar, a letra e a teleologia dessa cláusula, sendo discriminatória nos seus efeitos em relação aos trabalhadores do sector bancário que tenham sido ulteriormente abrangidos pelo regime geral da segurança social – impedindo-os de aceder a um direito constitucionalmente tutelado e coarctando ilegitimamente as suas expectativas legitimamente criadas”;
- “além disto, a portaria n.º 288/86, de 18/06, na interpretação vertida na decisão recorrida, que permite a inclusão retroactiva no regime geral da segurança social de um período contributivo em que o trabalhador estava abrangido por um sistema previdencial substitutivo e mais benéfico para si, é também inconstitucional, por afrontar o princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, bem como o princípio constitucional da confiança, atropelando as expectativas legitimamente firmadas pelo autor de que a sua pensão viria a ser calculada nos termos previstos na contratação colectiva”.
Defendendo o julgado invoca a Apelada designadamente o seguinte:
- “Na “analepse dos factos pertinentes” que o Recorrido efetua, este esqueceu-se convenientemente de considerar o facto I) dos Factos Provados, o qual é essencial para a boa decisão dos presentes autos;
- como decorre da cláusula 98ª do ACT do Setor Bancário, esta cláusula só é aplicável quando os beneficiários não se encontram inscritos num qualquer regime de Segurança Social, o que não é manifestamente o caso do Recorrente que no período (1980 a 1986) relativamente ao qual reclama o complemento de reforma previsto na cláusula 98ª do ACT do Setor Bancário estava inscrito no Regime de Segurança Social e esse período foi contabilizado, como resulta do Facto Provado I), na pensão de reforma que a Segurança Social lhe passou a liquidar;
- quanto à invocação do Recorrente de que a interpretação efetuada pela sentença recorrida do cláusula 98ª do ACT do Setor Bancário ou os efeitos da referida cláusula ou da Portaria n.º 288/86 de 18/06 são inconstitucionais, não há inconstitucionalidade de interpretações ou de efeitos, sendo que, a existir, a inconstitucionalidade é das normas, o que não é invocado pelo Recorrente;
- as decisões Jurisprudenciais a que alude o Recorrente não têm qualquer proximidade factual com a sua situação, já que aquelas reportam-se a reformados bancários que durante a sua atividade ao serviço de instituições bancárias não se encontraram inscritos num Regime da Segurança Social, o que não foi manifestamente o caso do Recorrente, sendo que, diz, relativamente aos trabalhadores que neste regime se encontrassem inscritos, a cláusula 98ª não é manifestamente aplicável, pois caso contrário beneficiariam de duas pensões de reforma relativamente ao mesmo período, o que não é permitido quer pela cláusula 94ª n.º 1 do ACT do Setor Bancário, quer pelo artigo 67º da Lei das Bases Gerais do Sistema de Segurança Social;
- como resultou provado, o Recorrente esteve abrangido por Regime Geral da Segurança Social, para o qual efetuou contribuições (quer diretamente no período posterior a 1987, quer por transferência para o Regime Geral da Segurança Social das contribuições efetuadas no período de 1980 a 1986 para a Caixa de Previdência do Pessoal da Companhia União Fabril e Empresas Associadas para a Segurança Social na sequência da integração, desta Caixa de Previdência no Regime Geral da Segurança Social) durante todo o período em que prestou serviço no setor bancário.
Pronunciando-se o Ministério Público junto deste Tribunal da Relação pela improcedência do recurso, constata-se que da sentença recorrida se fez constar, sobre a questão aqui controvertida, o seguinte:
«É pacífico que autor e réu celebraram um contrato de trabalho, tal como este vem definido no artigo 11.º do C. do Trabalho, bem como que a esta relação é aplicável o Acordo coletivo entre várias instituições de crédito e o SBN - Sindicato dos Trabalhadores do Setor Financeiro de Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego, n.º 29, de 08/08/2016.
De acordo com a cl. 94ª da CCT “As instituições de crédito garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no número 3 da cláusula 92.ª bem como aos demais titulares das pensões e subsídios neles previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições de crédito a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção”.
Como vem dado como provado, o autor, entre 3/11/1980 e 6/07/1995, foi trabalhador do Banco 2....
No período entre 1980 e 1986, o autor efetuou descontos para obtenção de pensão para a Caixa do Pessoal CUF e empresas associadas.
A partir de 1/01/87, as contribuições passaram a ser efetuadas para o Centro Distrital da Segurança Social do Porto, o que aconteceu até 6/07/1995, data em que o autor deixou de trabalhar no Banco 2..., onde ocupava posição funcional de empregado de carteira, enquadrável no nível sete, tendo sido promovido a tal nível com efeitos a partir de 1/01/1991.
Após o término da sua relação laboral com o Banco 2..., o Autor não mais desempenhou funções bancárias, tendo continuado a sua carreira contributiva com descontos para a Segurança Social.
Em agosto de 2016, o autor reformou-se pelo regime da Segurança Social, com uma pensão de reforma mensal de 481,21€, tendo para o efeito sido consideradas as contribuições efectuadas no período referido em E).
O ponto de discórdia entre as partes e que importa dilucidar prende-se com o complemento da pensão de reforma previsto na cl. 98º do CCT aplicável ao caso dos autos que (…) dispõe que:
1- O trabalhador de instituição de crédito, sociedade financeira ou das antes designadas instituições parabancárias não inscrito em qualquer regime de Social e que, por qualquer razão, deixe de estar abrangido pelo regime de Segurança Social garantido pela presente secção tem direito, quando for colocado na situação de reforma por velhice ou invalidez pelo regime de proteção social que lhe for aplicável, ao pagamento, pelas referidas instituições e correspondente ao tempo em que lhes tenha prestado serviço, de uma importância calculada nos termos do número 3 desta cláusula.
2- O pagamento da pensão de reforma previsto no número anterior é devido nas seguintes circunstâncias:
a) A partir do momento em que o trabalhador se encontrar na situação de invalidez;
b) Quando o trabalhador se encontrar reformado por velhice no âmbito do regime de Segurança Social em que se encontrar abrangido, não podendo, contudo, aquela prestação ser atribuída antes da idade normal de acesso à pensão de velhice prevista no regime geral de Segurança Social, fixada no ano de 2016 em 66 anos e 2 meses, e sem aplicação do factor de sustentabilidade ou sem a redução previstos naquele regime;
c) Quando o trabalhador se encontrar na situação de invalidez presumível, nos termos da cláusula 95.ª no caso em que não reúna condições para vir a ter direito a receber uma pensão por velhice ou limite de idade por outro regime de Segurança Social diferente do garantido pelo presente acordo.
3- Para efeitos do cálculo da mensalidade prevista no número 1 desta cláusula, a parte da pensão de reforma a pagar por cada instituição, correspondente ao tempo de serviço nela prestado, apurado em anos completos, é calculada com base na retribuição de base constante do anexo II para a tabela salarial ao presente acordo, com referência ao nível em que o trabalhador se encontrava colocado à data referida no número 1, tomandose em consideração a taxa anual de formação da pensão do regime geral de segurança social para a componente da pensão P1.
O autor entende que aquele complemento lhe é devido porque entre 1980 e 1986, efetuou descontos para obtenção de pensão para a Caixa do Pessoal CUF e empresas associadas; o réu entende que o mesmo não lhe é devido, já que aquelas contribuições foram integradas no Regime Geral de Segurança Social.
Afigura-se-me assistir razão ao réu.
Como se lê no Acórdão do STJ de 13/01/22 (disponível em www.dgsi.pt)A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma; se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula”.
Ora, a posição do autor não tem qualquer apoio na letra da cláusula ora em causa.
De facto, como da mesma resulta, o trabalhador ali abrangido é aquele não inscrito em qualquer regime de Segurança Social, que, por qualquer razão, deixe de estar abrangido pelo regime de Segurança Social garantido pela presente secção.
É certo que o autor, no período entre 1980 e 1986, efetuou descontos para obtenção de pensão para a Caixa do Pessoal CUF e empresas associadas.
Mas a verdade é que, como resulta da Portaria nº 288/86, de 18/06, são integrados nos Centros Regionais de Segurança Social de Aveiro, Beja, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Portalegre, Porto, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu os contribuintes, beneficiários e acções da Caixa de Previdência do Pessoal da Companhia União Fabril e Empresas Associadas dos respectivos distritos até 31 de Março de 1987.
Como se lê naquele diploma, a que presidiu o princípio da unificação do sistema da segurança social, os contribuintes e beneficiários da CUF são integrados na Segurança Social.
Ou seja, pese embora naquele período o autor não tenha efectuado descontos directamente para a Segurança Social, a verdade é que o fez indirectamente, já que, posteriormente, os descontos que efectuou para a caixa de Previdência da CUF foram integrados pela Segurança Social.
E por isso é que os descontos que efectuou entre 1980 e 1986 foram tidos em conta na atribuição da pensão de reforma do autor, tal como resulta provado.
A considerar-se ser devido o pretendido complemento, o período de contribuições efectuadas entre 1980 e 1986 seria tido em conta duas vezes para efeitos de fixação de pensão o que redundaria numa duplicação de pensão.
O facto de o método de cálculo do complemento de pensão previsto na cl. 98º poder ser mais favorável ao autor/pensionista não pode ser trazido à colação, uma vez que é pressuposto da aplicação daquele método de cálculo o facto de o trabalhador não ter estado, pelo menos em determinado período, inscrito em qualquer regime de Segurança Social, o que não aconteceu no caso concreto.
Conclui-se, assim, não assistir razão ao autor.»

Cumprindo-nos pronúncia, em face dos fundamentos avançados e que estiveram na base do entendimento sufragado na sentença recorrida, desde já avançamos que não nos merece censura tal afirmado entendimento, para o que, não obstante algum risco de repetição, diremos o seguinte:
Como tem sido comummente repetido, a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei, sendo que, por apelo ao regime que resulta do artigo 9.º do Código Civil, não obstante se retire do seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, afirma-se de seguida que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).
No que ao caso importa, como se afirma na sentença recorrida, citando-se para o efeito texto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de janeiro de 2022[1], importa ter presente que “a letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede, já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações”
E, sendo assim, como se salienta também na mesma sentença, a letra / texto da cláusula invocada acaba por não dar apoio, ainda que mínimo, à interpretação que é defendida pelo Recorrente, pois que, como aí se diz, sendo o trabalhador ali abrangido aquele que não esteja inscrito em qualquer regime de Segurança Social que por qualquer razão deixe de estar abrangido pelo regime de Segurança Social garantido pelo CCT em que se insere a cláusula, então, no que ao Autor se refere, não obstante ter efetuado descontos no período entre 1980 e 1986 “para obtenção de pensão para a Caixa do Pessoal CUF e empresas associadas”, no entanto, tendo sido integrado (como os mais beneficiários nas mesmas condições) na Segurança Social – pela Portaria n.º 288/86, de 18/06, presidindo ao princípio da unificação do sistema da segurança social, foram integrados na Segurança Social os contribuintes e beneficiários da CUF (foram integrados nos Centros Regionais de Segurança Social de Aveiro, Beja, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Portalegre, Porto, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu os contribuintes, beneficiários e ações da Caixa de Previdência do Pessoal da Companhia União Fabril e Empresas Associadas dos respetivos distritos até 31 de Março de 1987) –, aqueles descontos, apesar de o não terem sido ao tempo em que foram efetuados diretamente para a Segurança Social, acabaram por o ser posteriormente, assim por força da referida integração. Ou seja, referente ao período e contribuições que são objeto de apreciação, assim entre 1980 e 1986, tendo sido integrados na Segurança Social, passando deste modo a estar abrangidas pelo correspondente regime, então, precisamente por decorrência, não se preenche o pressuposto, que se retira do texto, de que se trate de trabalhador que não esteja inscrito em qualquer regime de Segurança Social e que por qualquer razão tenha deixado de estar abrangido pelo regime garantido pelo CCT em que se insere a cláusula. De resto, enquadrando-se devidamente a questão, incluindo a cláusula chamada à aplicação, importa não a dissociar do local em que se insere, assim no capítulo Benefícios Sociais e em particular a respeito do plano complementar de pensões que aí está em causa, que pressupõe, o que não ocorre com os descontos que foram efetuados pelo Recorrente no período que invoca, que tivessem sido efetuados para aquele regime previdencial específico do setor financeiro, sendo que, bastando para o efeito atender ao que consta do CCT invocado (o mesmo ocorrendo ainda nos anteriores), esse regime tem subjacente que tenham sido efetuadas contribuições (por parte do trabalhador e da entidade financeira) para esse plano complementar de pensões, o que, no caso, mais uma vez de acordo com o que se provou, não se verificou quanto ao período invocado.
O que se referiu anteriormente permite também salientar que a situação que se aqui se analisa é diversa daquelas sobre as quais incidiram os Acórdãos invocados pelo Recorrente, seja do Supremo Tribunal de Justiça, seja do Tribunal Constitucional, o que por si só afasta a aplicabilidade ao caso dos argumentos nesses baseados, não obstante, diga-se, não o terem sido perante o Tribunal recorrido, pois que apenas o foram ex novo no presente recurso, assim a respeito de inconstitucionalidades.
Na verdade, a propósito de qualquer pretensa violação do princípio da igualdade de tratamento – com o argumento de que a interpretação operada pelo tribunal da cláusula aplicável é discriminatória nos seus efeitos em relação aos trabalhadores do sector bancário que tenham sido ulteriormente abrangidos pelo regime geral da segurança social, impedindo-os de aceder a um direito constitucionalmente tutelado e coartando ilegitimamente as suas expectativas legitimamente criadas –, apenas lembraremos, sendo que se trata de fator determinante, que, tal como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de julho de 2017[2], “Na densificação deste princípio constitucional, é vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido de que o mesmo impõe que seja conferido um tratamento igual a situações de facto iguais e, reversamente, que sejam objecto de tratamento diferenciado situações de facto desiguais”[3] e que, “nesta linha, só podem ser censuradas com fundamento em lesão do princípio da igualdade as escolhas de regime (…) naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem, conforme doutrina que dimana do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 47/2010”.
Ora, como resulta do que antes dissemos, postulando o princípio da igualdade que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais, no que ao caso importa, a situação do Autor / aqui Recorrente, ao não se demonstrar que tenha sido efetuada quaisquer comparticipação no período que invoca para o regime previdencial específico do setor financeiro, no caso o previsto no CCT invocado, não é igual na relação com os trabalhadores em que tal se verificou, o que é bastante para, com salvaguarda do devido respeito, vermos afastado tal argumento.
O mesmo se verifica quanto à invocada violação do princípio da confiança.
Desde logo, porque, como antes o dissemos, sequer se enquadra a situação do Recorrente no âmbito da cláusula analisada, estabelecida em contratação coletiva, já que, como se provou, no período entre 1980 e 1986, que invoca, os descontos que efetuou para obtenção de pensão não o foram no âmbito dessa contratação e sim, diversamente, o que importa não confundir, para a Caixa do Pessoal CUF e empresas associadas.
Não obstante o que se disse, sempre acrescentaremos que, mesmo a respeito do direito de contratação coletiva, em sede de limites do conteúdo de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, dispondo-se no artigo 478.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2009 (neste particular não se afastando do que anteriormente estatuía o artigo 533.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003) que “O instrumento de regulamentação coletiva de trabalho pode instituir regime complementar contratual que atribua prestações complementares do subsistema previdencial na parte não coberta por este, nos termos da lei”, então, como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de novembro de 2017[4], por apelo a jurisprudência do Tribunal Constitucional que expressamente cita:
“(…) a remissão para “os «termos da lei» tem por objeto os regimes complementares de iniciativa coletiva e os regimes profissionais complementares previstos na Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), que, por força do respetivo artigo 85.º, devem ser administrados «por entidades públicas, cooperativas ou privadas, nomeadamente de natureza mutualista, criadas para esse efeito nos termos legalmente previstos» (cfr., em especial, o Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro, que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões e transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais).
Trata-se, em todo o caso, de regimes complementares que se encontram especialmente regulados e integram também o sistema de segurança social, dando concretização prática a um princípio de complementaridade que, como um dos princípios gerais do sistema, se traduz na «articulação de várias formas de proteção social públicas, sociais, cooperativas, mutualistas e privadas com o objetivo de melhorar a cobertura das situações abrangidas e promover a partilha de responsabilidades” - artigo 15º da Lei n.º 4/2007.
A permissão de atribuição de prestações complementares do subsistema previdencial através de contratação coletiva, que consta do atual artigo 478.º, n.º 2, do Código do Trabalho – em termos, aliás, similares aos previstos, ainda que com uma diferente formulação verbal, no antigo artigo 6.º, n.º1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 209/92 –, não abrange claramente os complementos de pensões, que, como se observou já, são meros benefícios que não constituem retribuição, nem pensão legalmente devida nos termos da legislação da segurança social (cfr. supra n.º 55). Enquanto que os regimes complementares têm um suporte jurídico-institucional e financeiro externo à empresa e estão estreitamente associados aos fins da segurança social, os complementos de pensões têm um suporte interno, na medida em que a responsabilidade e garantia pelo pagamento das prestações se situa no âmbito da empresa e apenas pode ser realizada através das receitas correntes, e está fora de qualquer modalidade de segurança social (assinalando os riscos que a contratação destas prestações têm para as empresas e a continuidade dos direitos dos trabalhadores, ILÍDIO DAS NEVES, Os regimes complementares de segurança social, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXXVI, n.º 4, Outubro-Dezembro de 1994, págs. 279-280).”
O que se referiu anteriormente visa salientar que sequer a Portaria n.º 288/86, de 18/06, mesmo que se pudesse esquecer (e não pode) que o seu âmbito de aplicação não tem a ver com o regime previsto na cláusula da contratação coletiva que é invocada pelo Recorrente, ao integrar apenas nos Centros Regionais de Segurança Social “os contribuintes, beneficiários e acções da Caixa de Previdência do Pessoal da Companhia União Fabril e Empresas Associadas”, não põe afinal em causa o pagamento de prestações no âmbito dos regimes complementares instituídos nos termos da Lei de Bases da Segurança Social, como também não o põe quanto a quaisquer complementos de pensões que se encontrem fora desse enquadramento legal, do que resulta, também, no âmbito da apreciação da inconstitucionalidade que imputa referente a eventual violação do princípio da confiança, decorrente do artigo 2.º da Lei Fundamental e que seria pretensamente atingido, que não é este o caso.
Na verdade, como resulta do citado Acórdão, por apelo ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/2014, a aplicação desse princípio, “corolário do princípio do Estado de direito democrático, e que constitui o lado subjetivo da garantia de estabilidade e segurança jurídica”, “deve partir de uma definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela: em primeiro lugar, as expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa devem ter sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos; elas devem, igualmente, ser legítimas, ou seja, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; por fim, o cidadão deve ter orientado a sua vida e feito opções, precisamente, com base em expectativas de manutenção do quadro jurídico”, sendo que, “dados por verificados esses requisitos, há que proceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração” – “com efeito, para que a situação de confiança seja constitucionalmente protegida, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa”.
E, sendo assim, seguindo ainda de perto os pressupostos indicados no mesmo Acórdão, aplicando-os ao acaso, cumprindo considerar, para aferir do respeito daquele princípio por parte do legislador com a referida Portaria, eventuais situações de confiança correspondentes a expectativas de continuidade do pagamento dos complementos de uma qualquer pensão fundadas em contrato individual de trabalho ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, no caso específico o que resultasse do CCT que é invocado (ou anteriores que o tenham antecedido), o que se constata, como antes se viu, é que sequer são esses que estão em causa no âmbito da sua aplicação, o que vale, também, para que seja também negativa no âmbito do segundo teste de aplicação do princípio da tutela da confiança legítima – a legitimidade, justificação e as boas razões das expectativas de quem confia –, pois que, afinal, não se trata de de continuidade do pagamento de quaisquer daqueles complementos e antes, diversamente, sem esquecermos que estão em causa os descontos efetuados “para obtenção de pensão para a Caixa do Pessoal CUF e empresas associadas”, que apenas se tratou (como os mais beneficiários nas mesmas condições), presidindo ao princípio da unificação do sistema da segurança social, da integração dos contribuintes e beneficiários da CUF nos Centros Regionais de Segurança Social, assim quanto àqueles descontos – a que acresce, diga-se por último, ainda que assim fosse (mas não o é), sempre importaria apurar-se se o disposto em tal Portaria superaria o teste do interesse público, no balanceamento ou ponderação a realizar entre os interesses desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que é regulado e o interesse público que justificaria a alteração.
Deste modo, sem necessidade de outras considerações, não consideramos que exista fundamento para termos como verificadas as invocas inconstitucionalidades.
Por decorrência do exposto, improcede, em conformidade, o presente recurso.

A responsabilidade pelas custas impende sobre o Recorrente (artigo 527.º do CPC).
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Sumário do presente acórdão / artigo 663.º, n.º 7, do CPC:
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IV. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar totalmente improcedente o presente recurso.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 14 de dezembro de 2022
(assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Relator Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes, in www.dgsi.pt.
[2] In www.dgsi.pt
[3] cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/2003, Diário da República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003
[4] Relator Conselheiro António Leones Dantas, in www.dgsi.pt.