Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ QUARESMA | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA OMISSÃO DE PRONÚNCIA ARREPENDIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP20240508242/21.5GCAVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Não tendo o Tribunal considerado existir arrependimento, não se pode falar em omissão de pronúncia sobre uma “não questão” ou um “não facto”, não podendo ser extraídas consequências, a favor do arguido, perante a afirmação conclusiva e não demonstrada de que denotou arrependimento. (Sumário da responsabilidade do Relator) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 242/21.5GCAVR.P1 Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Nos autos de processo comum n.º 242/21.5GCAVR, que correu termos no Juízo Local Criminal de Aveiro – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, por sentença de 23.11.2023 foi o arguido AA condenado, além do mais: (i) na pena de 3 meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de injúria agravado, p. e p. pelos art.ºs 181.º e 184.º do C.P.; (ii) na pena de 3 meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de injúria agravado, p. e p. pelos art.ºs 181.º e 184.º do C.P.; (iii) na pena de 1 ano e 3 meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos art.ºs 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, als. a) e c) do C.P. (iv) na pena de 1 ano e 3 meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos art.ºs 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, als. a) e c) do C.P.; (v) na pena de 1 ano e 9 meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.; (vi) em cúmulo, na pena única de 3 anos de prisão efetiva. * I.1Inconformado, veio o arguido interpor o recurso ora em apreciação (Ref.ª 15567862) referindo, em conclusões, o que a seguir se transcreve: A - O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, com Ref. n.º 130250625, assinada em 23.11.2023 por o Arguido não se conformar com a mesma. B - O presente recurso versa sobre a matéria de Direito, e o arguido a isso não se cinge e impugna também a decisão proferida sobre a matéria de facto. C - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, ou seja, in casu, os concretos pontos que deveriam ter sido dados como não provados e foram dados como provados, são todos os pontos com as únicas exceções do ponto a), c), f), o), p), q), r), s), t), u), v), x), z), aa), ab), ac), ad), ae) e af); quanto aos restantes pontos – i.e., os pontos b), d), e), g), h), i), j), l), m), n) estes devem ser dados como não provados, pelos motivos que infra se expõem. D - No que concerne ao ponto b) dos factos provados, o Tribunal a quo não podia dar como provado que o Arguido foi imobilizado “junto a um telheiro ali existente”, atendendo a que o arguido foi imobilizado dentro de casa - depoimento das Testemunhas BB (em 13-11-2023, com início às 11:13:17 e fim às 11:16:05, minutos 00:01:26-00:01:38), CC (em 13-11-2023, com início às 11:16:45 e fim às 11:29:36, minutos 00:02:20 – 00:02:35, 00:08:58-00:10:00), DD (em 13-11-2023, com início às 11:29:37 e fim às 11:38:42, minutos 00:02:00-00:02:22, 00:07:50- 00:07:57). E - No que diz respeito aos pontos d), e), g), h), i), j), e m), estes não deveriam ter sido dado como provados, desde logo, porque se baseiam em depoimentos extremamente frágeis e incongruentes. F - Neste sentido, o depoimento prestado pelo Ofendido EE, em 13-11-2023, com início às 09:56:34 e fim às 10:43:33, minutos 00:10:06 a 00:12:48 e 00:13:50 a 00:14:37, 00:18:13 a 00:19:06, 00:19:26 a 00:20:30. - este depoimento, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, é extremamente frágil, inundado de expressões que o Ofendido EE “atira para o ar”, sem saber ao certo se foram de facto essas as expressões utilizadas pelo arguido, ou não; dizendo um ou dois impropérios, e colmatando “e outras coisas desse género”, chegando mesmo a duvidar-se, pela expressão e entoação do Ofendido EE se estaria a relatar expressões ditas pelo Arguido, ou por qualquer outro indivíduo que, no exercício da sua profissão, já tivesse detido…. G - O Ofendido EE chega mesmo a dizer que o Arguido não se dirigia especificamente a si, mas “olhe, eu penso que, na realidade, naquela altura, era para toda a gente que passasse por lá”. H - Mais: o Ofendido EE chega mesmo a especificar que o Arguido lhe mandou um pontapé no ombro direito com o pé esquerdo, sabendo o Tribunal que é impossível que o Ofendido, estando de costas, e alegadamente preocupado em controlar o automóvel, saiba com que pé o Arguido o agrediu. I – Mas também o depoimento do Ofendido FF, com início às 10:43:34 e fim às 11:07:51, minutos 00:06:47 a 00:09:47, 00:12:40 a 00:14:13, - de facto, também o Ofendido FF “atira para o ar” alguns nomes, e termina “coisas assim…”, não referindo especificamente em que momentos o Ofendido disse o quê… J - Também quanto à agressão, o Ofendido EE referiu que tal se sucedeu quando o Ofendido FF se virou para baixo para coçar a perna junto ao sapato, já o Ofendido FF refere que se sucedeu quando se chegou à frente para dar uma indicação… K - As incongruências dos depoimentos são muitas e demais! L - No tangente aos pontos l) e n), é muito importante o depoimento prestado pelo Ofendido EE, em 13-11-2023, com início às 09:56:34 e fim às 10:43:33, minutos 00:26:25 – 00:26:39, 00:31:01 a 00:31:37. M - É o próprio Ofendido EE que afirma ao Tribunal que o Arguido se encontrava no momento dos acontecimentos visivelmente embriagado, referindo que nomeadamente o equilíbrio do arguido se encontrava afetado. N - Tendo em conta esta afirmação, o Tribunal jamais poderia dar como provado que o Arguido pretendia ofender a honra e consideração dos agentes de autoridade, bem como o Tribunal a quo jamais poderia dar como provado que o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente! O - Pelos motivos supraexpostos deverão os pontos pontos b), d), e), g), h), i), j), l), m), n) constantes do elenco dos factos provados da sentença de que ora se recorre ser eliminados do elenco dos factos dados como provados, e serem dados como factos não provados. P - Há factos que o Tribunal a quo deveria ter dado como provados, e, erradamente, não deu. Q - O Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o Arguido se encontrava embriagado. - para tal, atentemos ao depoimento prestado pelo Ofendido EE, em 13-11-2023, com início às 09:56:34 e fim às 10:43:33, minutos 00:26:25 – 00:26:39, 00:31:01 a 00:31:37 -, é o próprio Ofendido EE que afirma ao Tribunal que o Arguido se encontrava no momento dos acontecimentos visivelmente embriagado, referindo que nomeadamente o equilíbrio do arguido se encontrava afetado. R - O Tribunal a quo deveria também ter dado como provado que o Arguido foi agredido depois de ser detido e antes de chegar ao EP ..., pois no momento da revista o Arguido não tinha qualquer hematoma - conforme depoimentos das Testemunhas BB (em 13-11-2023, com início às 11:13:17 e fim às 11:16:05, minutos 00:01:38-00:02:00), DD (em 13-11-2023, com início às 11:29:37 e fim às 11:38:42, minutos 00:03:00 – 00:05:05), e também conforme depoimentos contraditórios dos ofendidos quanto ao local no qual foi realizada a revista) -, mas quando chegou ao EP ... tinha hematomas compatíveis com agressões de bastonadas (conforme documento oficial do EP ... junto à Contestação do Arguido). S - Também muito se estranha que a única pessoa que alegadamente viu hematomas no Arguido logo no momento da detenção tenha sido precisamente o Ofendido EE, - a mesma pessoa que referiu que “estava perdido da cabeça” – vide depoimento Ofendido EE, em 13-11-2023, com início às 09:56:34 e fim às 10:43:33, minutos 00:22:52 – 00:23:16). T - E, claro, relevando as declarações do Arguido prestadas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento com início às 11:38:43 e fim às 12:14:41. U - Deveria também ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo que, no momento da detenção, o Pai do Arguido, um homem de mais de 60 anos, foi agredido, conforme Depoimento das Testemunhas DD (em 13-11-2023, com início às 11:29:37 e fim às 11:38:42, minutos 00:01:15 a 00:02:00) e CC (em 13-11-2023, com início às 11:16:45 e fim às 11:29:36, minutos 00:02:20 – 00:02:35). V - Por último, deveria ainda ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo que o Arguido demonstrou arrependimento. W - Para tal, relevam não só as declarações do arguido prestadas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento com início às 11:38:43 e fim às 12:14:41, mas também, e principalmente, o Depoimento do Ofendido EE, em 13-11-2023, com início às 09:56:34 e fim às 10:43:33, minutos 00:26:11-00:27:20, 00:31:37-00:32:16, 00:32:16 a 00:33:09 e 00:17:32 – 00:18:00. X - De facto, o Ofendido afirmou que o Arguido fez algo que nunca lhe tinha acontecido na vida e que recebeu com agrado, que foi uma carta escrita pelo Arguido, na qual o mesmo lamentava o sucedido e se retratava. Y - Mais referiu que também os pais do arguido, a seu pedido, se deslocaram presencialmente ao local de trabalho do ofendido para lhe pedir desculpa pelo sucedido. Z - Conforme supraalegado, dever-se-ia ter dado como provado que o Arguido estaria em estado ébrio, pelo que não estaria em condições de querer e entender, encontrando-se assim, ao abrigo do artigo 20.º n.°1 e 2 do Código Penal, em circunstâncias que o colocam numa situação de inimputabilidade. AA. - Sendo assim, e face ao exposto no art. 20.º n.° 1 do Código Penal, o arguido encontrava-se inimputável no momento da prática dos factos, já que era incapaz, no momento da prática dos factos de, avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação, faltando assim o necessário discernimento para tal avaliação, devendo-se por isso excluir-se a culpa, e ao excluir-se a culpa, verifica-se a ausência de um elemento essencial para se poder imputar a prática de um crime a uma pessoa - a culpa - logo, no caso vertente, não se encontram preenchidos os crimes imputados, já que falta a intenção de. BB - O douto Tribunal não valorou o arrependimento do Arguido, expresso em sede declarações do arguido em audiência de discussão e julgamento, mas também expresso através da carta que remeteu ao Ofendido EE, bem como expresso através do pedido que fez aos pais para presencialmente (já que o arguido não pode, pois encontra-se preso ao abrigo de outro processo!) lamentarem o sucedido e se retratarem, tudo conforme referido supra e confirmado pelo Ofendido no seu depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento. CC - O Ofendido EE chegou a mesmo a dizer que, “em toda a sua vida, nunca tinha recebido uma carta de alguém a retratar-se”, e que a recebeu “com agrado”. DD - O Arguido manifestou o seu sincero arrependimento, e além disso o Arguido confessou livremente nas suas declarações os factos que sabe que cometeu, assumindo a responsabilidade pelos atos cometidos sem qualquer tipo de reserva, e demonstrou arrependimento pela prática dos mesmos, o que o Arguido já não podia confessar foi o que nunca fez! EE - O arrependimento tem valor como circunstância atenuante da responsabilidade criminal do arguido, nos termos do art. 72.º, al. e) do CP. FF - O Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o Arguido demonstrou arrependimento, acrescentando esse facto ao elenco dos factos provados da Sentença, conforme supradescrito, no entanto tal arrependimento não foi valorado pelo Tribunal a quo. GG - O Tribunal a quo não se pronunciou sobre esta circunstância, pelo que a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processual Penal. HH - Também assim o Tribunal da Relação de Coimbra, no seu Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 7/11.2GBPTM.1, de 14 de janeiro de 2014. II - Nos termos do art. 40.º, do CP, que dispõe sobre as finalidades das penas, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no art. 71.º, do mesmo diploma. JJ - Como se tem reiteradamente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no art. 18.º, n.º 2, da CRP, segundo o qual a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. LL - A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (art. 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva. MM - A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pelas necessidades de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (finalidade de prevenção geral) e de ressocialização (finalidade de prevenção especial), em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, avaliada, em concreto, por factores ou circunstâncias relacionadas com este e com a personalidade do agente, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele (arts. 40.º, e n.º 1, do 71.º, do CP). NN - A medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o art. 71.º, n.º 2, do CP considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na al. a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na al. b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os factores a que se referem a al. c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a al. a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na al. d) (condições pessoais e situação económica do agente), na al. e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na al. f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). OO - Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [al. e)], com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [al. f)]. PP - O recorrente considera excessiva, desproporcional e desajustada às finalidades da punição, tendo o Tribunal “a quo” violado o disposto nos arts. 40.º e 71.º, ambos do CP, devendo o arguido, a ser condenado, ser condenado numa pena não privativa da liberdade. NESTES TERMOS E MELHORES DE DIREITO, que V. Exa. mui doutamente suprirá, deverá o presente recurso proceder - por provado, e, em consequência ser o arguido absolvido, para e com os necessários e advindos efeitos legais. Não sendo este o superior entendimento de V. Exa. deverá a pena aplicada ser substancialmente reduzida e substituída por pena de multa, nos termos do artigo 43.º do Código Penal, para e com os necessários e advindos efeitos legais. * I.2Admitido o recurso, por tempestivo e legal, o Ministério Público apresentou resposta (Ref.ª 15787776), pugnando pela improcedência, referindo, em síntese, que o processo de formação da convicção do julgador não pode ser sindicado, em sede de recurso, com base na interessada valoração que o recorrente faz da prova produzida. Mais se refere na resposta, com respeito à afirmada situação de inimputabilidade, que ao contrário do que defende o recorrente, da prova produzida não resulta que o mesmo, aquando da prática dos factos, não estivesse em condições de querer e entender, nos termos do art.º 20.º, n.ºs 1 e 2 do C.P. No que tange ao pretenso arrependimento e não obstante a carta que terá enviado ao ofendido, em audiência de julgamento negou a quase totalidade os factos, não denotando qualquer arrependimento pelo sucedido, razão pela qual o Tribunal a quo não poderia valorar o predito arrependimento. Relativamente às penas – espécie e graduação - considera o Ministério Público que as mesmas se mostram adequadas e corretamente individualizadas. * I.3Neste Tribunal o Digno Procuradora-Geral Adjunto teve vista nos autos, tendo emitido parecer (Ref.ª 17843757) no sentido do não provimento do recurso, afirmando que o recorrente carece de razão, mostrando-se acertada a decisão recorrida, em face da prova produzida, que foi devidamente apreciada e valorada, conforme o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127.º do C.P.P. e de acordo com as regras da experiência comum. Por outro lado, não resulta da prova produzida qualquer evidência de que o recorrente não se encontrasse em pleno uso das suas capacidades intelectuais para poder reclamar, como reclama agora, que agiu em estado de inimputabilidade. Acresce que, em audiência de julgamento, negou a quase totalidade dos factos praticados, pelo que não demonstrou arrependimento sincero pelo sucedido, pese embora a carta que escreveu ao ofendido. Não ocorre, pois, por referência a esta matéria, qualquer nulidade por omissão de pronúncia. Por fim, nenhuma crítica merece a pena em que o arguido foi condenado, para cuja ponderação foram determinantes os seus antecedentes criminais. Sufraga, pois, a fundamentação da sentença recorrida e a argumentação expendida pelo Ministério Público em primeira instância. * Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., não tendo o recorrente exercido o contraditório.Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir. * II.Questões a decidir: Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações do recorrente, sem prejuízo do conhecimento, ainda que oficioso, dos vícios da decisão a que se alude no n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P. (cfr. art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. e Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19.10). No caso, vistas as conclusões apresentadas em sede recursória, constitui objeto do presente recurso apreciar: a) Dos vícios da decisão b) Do erro de julgamento c) Da inimputabilidade do arguido d) Da omissão de pronúncia e) Da adequação das penas aplicadas * III.III.1 Da sentença recorrida Por facilidade de exposição atente-se no teor da sentença alvo de impugnação, na parte relevante: (…) II. FUNDAMENTAÇÃO A) DOS FACTOS 1. FACTUALIDADE PROVADA Discutida a causa, resultaram provados, com relevância para a decisão final, os seguintes factos: A) No dia 7 de Novembro de 2021, pelas 22:00, os militares da GNR EE e FF deslocaram-se à residência dos pais do arguido AA, sita na Rua ..., ..., ..., Aveiro, devido à notícia de ocorrência de desacatos no seu interior e com vista ao cumprimento de mandados de detenção que haviam sido emitidos no âmbito do NUIPC n.º 102/20.7GAVGS contra o arguido. B) Quando lá chegaram, os referidos militares da GNR deslocaram-se pelas traseiras da referida residência e imobilizaram o arguido junto a um telheiro ali existente. C) Após, o arguido foi introduzido na viatura policial com vista ao transporte do mesmo para as instalações da GNR de Aveiro, tendo seguido em tal viatura os aludidos militares da GNR EE e FF. D) Durante a viagem, o arguido dirigiu-se àqueles militares da GNR dizendo, por diversas vezes “Filhos da puta! Estavam desertos para me apanhar, foram-me buscar dentro de casa, conas do caralho, quando eu sair vou atrás de vós e mato-vos!”. E) Posteriormente, já no interior das instalações da GNR de Aveiro, o arguido voltou a dirigir-se àqueles militares da GNR de Aveiro, por diversas vezes, dizendo “Cabrões do caralho, não me tiram as algemas porque são uns cobardes, quando eu vos puder apanhar tenham medo pois não sabem com quem se meteram, mato-vos caralho!”. F) Após a elaboração do respectivo expediente e em cumprimento dos referidos mandados, o arguido foi transportado em viatura policial ao Estabelecimento Prisional ... por aqueles mesmos dois militares EE e FF. G) No decurso do referido transporte, o arguido dirigiu-se ao militar da GNR EE dizendo “Desliga essa merda palhaço do caralho, não sou nenhum criminoso, grande paneleiro que me saíste, quando sair vou a tua casa vou-te ao cú e a seguir mato-te. Nem sabes conduzir não tens mão para essa merda. A tua mulher está em casa a foder que nem uma doida, pôs o teu filho a dormir e toca a foder. Tens a certeza que o filho é teu, palhaço? Quando sair a tua família não vai ter sossego.”. H) Quando chegaram a Coimbra, o arguido aproveitou uma distracção momentânea do militar da GNR FF, que seguia junto ao mesmo, e com o pé esquerdo deu um pontapé no braço direito do condutor EE, fazendo com que o carro policial guinasse para a direita. I) Em consequência desta actuação do arguido, sofreu EE dores físicas momentâneas. J) O arguido quis atingir a integridade física de EE, o que efectivamente fez. L) Ao proferir aquelas expressões, o arguido pretendia e logrou ofender a honra e consideração dos agentes de autoridade, bem sabendo que estes eram agentes policiais e estavam no exercício das suas funções. M) Com a conduta descrita, pretendeu o arguido convencer os militares da GNR visados do seu propósito de atentar contra a vida dos mesmos, bem sabendo que, dessa forma, iria criar naqueles medo ou inquietação e prejudicar a sua liberdade de determinação, pois não ignorava que a sua conduta era adequada a causar tal resultado. N) O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. O) O arguido é descendente de uma família com uma dinâmica familiar marcada negativamente pelo alcoolismo do pai e sua conduta agressiva. P) Pese embora esta problemática, os pais do arguido proporcionaram, com base no trabalho de ambos, condições socioeconómicas estruturadas. Q) O arguido é o filho mais velho de um grupo de três. R) Ao nível escolar, o arguido regista um percurso irregular, marcado por dificuldades e fraco investimento na aprendizagem, tendo frequentado a escola até aos 15 anos de idade e concluído o 6º ano de escolaridade. S) O arguido iniciou actividade laboral aos 16 anos de idade na construção civil, com o pai. T) Aos 22 anos de idade, o arguido teve uma experiência laboral em França, tendo regressado passados dois anos e passado a trabalhar numa oficina automóvel de um tio paterno. U) O arguido manteve um relacionamento com GG, vítima do processo pelo qual o arguido cumpre actualmente pena de prisão efectiva de 2 anos e 10 meses pela prática de crime de violência doméstica e ameaça, no Estabelecimento Prisional 1..., tendo o casal tido dois filhos, actualmente com 17 e 11 anos de idade. V) O arguido iniciou consumos de álcool desde muito novo, problemáticas aditivas que determinaram a sua ligação ao sistema de justiça, com várias condenações e cumprimento de penas de prisão efectivas. X) Durante os períodos de reclusão, sendo o actual o seu terceiro, o arguido melhorou as suas competências escolares, concluindo o 12º ano de escolaridade. Z) Aquando da prática dos factos aqui em causa, o arguido encontrava-se a residir com os pais em casa arrendada, com condições adequadas de habitabilidade, sendo que integrava também o agregado o filho mais velho do arguido. AA) O arguido exercia então actividade laboral na construção civil, juntamente com o pai, mantendo situação económica equilibrada. AB) Os consumos intensos de bebidas alcoólicas e o acompanhamento com grupo de pares ligados a esses consumos foram-se intensificando ao longo da vida por parte do arguido, tornando-se o mesmo frequentemente agressivo e impulsivo. AC) Em 8 de Novembro de 2021, o arguido iniciou o cumprimento de pena de prisão que actualmente cumpre. AD) No Estabelecimento Prisional 1..., onde actualmente se encontra, o arguido fez tratamento ao alcoolismo através de consultas no CRI da Covilhã e consultas de Psiquiatria no EP. AE) O arguido mantém apoio no exterior por parte dos seus pais. AF) No proc. n.º 1067/04.8PTAVR, do 3º Juízo Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 2 de Fevereiro de 2005, e factos de 4 de Janeiro de 2004, foi condenado na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de €3,00, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal. Tal pena foi já declarada extinta. No proc. n.º 139/06.9GTAVR, do 2º Juízo Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 27 de Abril de 2007, e factos de 31 de Março de 2006, foi condenado na pena de 90 dias de multa, à razão diária de €4,00, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal. Tal pena foi já declarada extinta. No proc. n.º 200/06.0PTAVR, do 2º Juízo Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 8 de Maio de 2007, e factos de 20 de Janeiro de 2006, foi condenado na pena única de 120 dias de multa, à razão diária de €4,00, pela prática de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal. Tal pena foi já declarada extinta. No proc. n.º 1069/06.0PBAVR, do 2º Juízo Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão de 3 de Dezembro de 2007, e factos de 10 de Junho de 2006, foi condenado na pena de 70 dias de multa, à razão diária de €5,00, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples. Tal pena foi já declarada extinta. No proc. n.º 964/06.0GCAVR, do 2º Juízo Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 19 de Dezembro de 2007, e factos de 1 de Dezembro de 2006, foi condenado na pena única de 90 dias de multa, à razão diária de €4,00, pela prática de dois crimes de injúria agravada. Tal pena foi já declarada extinta. No proc. n.º 970/06.5GCAVR, do 3º Juízo Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 8 de Setembro de 2008, e factos de 30 de Novembro de 2005, foi condenado na pena de 200 dias de multa, à razão diária de €5,00, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples. Tal pena foi declarada prescrita. No proc. n.º 399/08.0GAILH, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, o arguido, por decisão transitada em julgado a 16 de Setembro de 2008, e factos de 18/07/2008, foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada. Tal pena foi já declarada extinta. No proc. n.º 2052/07.3TAAVR, do Juízo Central Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 22 de Setembro de 2008, e factos de 19 de Agosto de 2007, foi condenado na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples e um crime de roubo. Tal suspensão foi revogada e determinado o cumprimento da pena de forma efectiva. No proc. n.º 1035/07.8PFAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 5 de Maio de 2010, e factos de 3 de Junho de 2007, foi condenado na pena única de 240 dias de multa, à razão diária de €6,00, pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário e dois crimes de injúria agravada, tendo a pena de multa sido posteriormente convertida em pena de prisão subsidiária. Tal pena foi já declarada extinta. No proc. n.º 1561/07.9PBAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 16 de Novembro de 2011, e factos de 21 de Agosto de 2007, foi condenado na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário e um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço. Tal pena foi já declarada extinta. No proc. n.º 244/11.0GAILH, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, o arguido, por decisão transitada em julgado a 16 de Novembro de 2011, e factos de 24 de Abril de 2011, foi condenado na pena de 18 períodos de prisão por dias livres, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal. No proc. n.º 221/11.0GCAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 23 de Maio de 2013, e factos de 11 de Junho de 2011 e 16 de Junho de 2011, foi condenado na pena única de 4 anos e 11 meses de prisão efectiva, pela prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, dois crimes de injúria agravada, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, um crime de condução de veículo sem habilitação legal, e um crime de resistência e coacção sobre funcionário. Tal pena foi já declarada extinta. No proc. n.º 2830/08.6PBAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 23 de Maio de 2013, e factos de 16 de Dezembro de 2008, foi condenado na pena de 15 meses de prisão efectiva, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de dano simples. No proc. n.º 502/10.0GCAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 23 de Maio de 2013, e factos de 17 de Outubro de 2010, foi condenado na pena de 4 meses de prisão efectiva, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples. No proc. n.º 1946/10.3PBAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 23 de Maio de 2013, e factos de 17 de Agosto de 2010, foi condenado na pena de 3 anos de prisão efectiva, pela prática de um crime de atentado à segurança de transporte rodoviário, um crime de ofensa à integridade física qualificada, um crime de injúria agravada, dois crimes de dano qualificado, e um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada. No proc. n.º 1961/10.7PBAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 23 de Maio de 2013, e factos de 17 de Agosto de 2010, foi condenado na pena de 4 meses de prisão efectiva, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de dano. No proc. n.º 518/11.0GAILH, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, o arguido, por decisão transitada em julgado a 31 de Maio de 2013, e factos de 29 de Agosto de 2011, foi condenado na pena de 5 meses de prisão efectiva, pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário. No proc. n.º 989/10.1PBAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 29 de Janeiro de 2014 e factos de 28 de Abril de 2010, foi condenado na pena de 10 meses de prisão efectiva, pela prática de dois crimes de injúria agravada e dois crimes de ameaça agravada. No proc. n.º 514/10.4PBAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 3 de Fevereiro de 2014, e factos de 16 de Fevereiro de 2010, 12 de Outubro de 2010 e 16 de Fevereiro de 2010, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão efectiva, pela prática de um crime de injúria agravada, um crime de resistência e coacção sobre funcionário, três crimes de ofensa à integridade física simples, um crime de ameaça agravada, e um crime de ameaça. No proc. n.º 102/20.7GAVGS, do Juízo Central Criminal de Aveiro, o arguido, por decisão transitada em julgado a 30 de Junho de 2021, e factos de 23 de Março de 2020, foi condenado na pena principal única de 2 anos e 10 meses de prisão efectiva, e pena acessória de proibição de contactos com a vítima pelo período de 3 anos, pela prática de um crime de violência doméstica e um crime de ameaça agravada. ** 2. FACTUALIDADE NÃO PROVADA Da audiência de discussão e julgamento não resultaram como não provados quaisquer factos relevantes para a boa decisão da causa. ** 3. MOTIVAÇÃO A respeito dos factos objectivos constantes da acusação e que se deram como provados sob os itens A) a I), baseámos a nossa convicção, sem qualquer espécie de dúvidas a este respeito, no teor dos dois depoimentos neste sentido que foram prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas EE e FF, conjugados com o teor do auto de notícia elaborado pela primeira destas testemunhas logo poucos dias após esta ocorrência, conforme consta de fls. 4 e 5 dos autos. Apesar de se ter tratado das duas pessoas que foram directamente visadas e ofendidas com a conduta do arguido, trata-se de dois militares da GNR que intervieram neste caso apenas no exercício normal das suas funções e por causa delas, por se encontrarem casualmente de patrulha e terem sido chamados à residência dos pais do arguido por ter existido a notícia de estarem aí a decorrer desacatos, sem que previamente sequer conhecessem o aqui arguido de parte alguma, e ainda que tenham aproveitado ao mesmo tempo para cumprir mandados de detenção do arguido que se encontravam pendentes para cumprimento, relativos a uma pena de prisão que lhe tinha sido aplicada no demais processo n.º 102/20.7GAVGS, como também se deu como provado. Em audiência de julgamento, tais testemunhas prestaram depoimentos que quanto a nós se mostraram perfeitamente serenos, circunstanciados e com óbvio conhecimento directo e extremamente próximo dos factos aqui em causa, ainda que, por motivos óbvios e que se compreendem perfeitamente, sobretudo em face do extenso tempo entretanto já decorrido (mais de dois anos), não tenham sabido reproduzir textualmente todas as palavras exactas que o arguido proferiu, e por isso nessa medida tenham remetido para o aludido auto de notícia que consta de fls. 4 e 5. Ainda assim, souberam perfeitamente reproduzir uma boa parte das palavras ditas pelo arguido e dar a entender o sentido geral de tudo aquilo que o arguido proferiu, assim como descreveram a agressão física que o arguido cometeu, tudo em cada um dos três momentos e locais distintos que aqui se referem, e a forma como tudo isso os perturbou e abalou. Tratou-se, a nosso ver, de depoimentos perfeitamente sustentados e credíveis, e que por isso, conjugados com o aludido auto de notícia de fls. 4 e 5, fundaram a nossa plena convicção quanto aos factos que estão aqui em causa, sem qualquer espécie de mínima dúvida a esse respeito. Por seu turno, mais se dirá que o arguido optou por se remeter ao silêncio no início da audiência de julgamento, e apenas prestou declarações já após ter assistido a toda a demais produção de prova, no final. Mediante as declarações que assim prestou, o arguido de qualquer forma confessou a sua presença e a presença dos agentes da autoridade aqui referidos nos locais dos factos, o exercício das funções por parte destes como aqui demonstrado, em todos os três locais que aqui se referem, tendo sido detido e algemado no primeiro deles (na residência dos seus pais), tendo sido transportado em viatura policial desse local para o posto da GNR de Aveiro apenas acompanhado dos dois militares que aqui se referem, tendo estado algum tempo nesse posto a fim de ser elaborado expediente, e tendo sido posteriormente transportado igualmente em viatura policial e pelos mesmos dois militares até ao Estabelecimento Prisional .... De todo o modo, disse o arguido que “não teve culpa do que se passou” e que ficou indignado por ter sido (alegadamente) detido dentro de casa, por ter visto o seu pai a ser derrubado por militares da GNR nesse local e por ter sido talvez a mulher do seu irmão (com quem se tinha desentendido naquele dia) que chamou a GNR, assim como com as dores e lesões que as algemas lhe provocaram e por não lhas removerem, assim como por ter sido (supostamente) agredido com cassetetes “no lombo” no posto da GNR e ter assim ficado com lesões físicas. Assumiu ainda assim que apelidou os militares da GNR aqui em causa pelo menos de “palhaços” e de “palermas” e que lhes disse que cometiam “actos de cobardia”, encontrando-se supostamente arrependido por isso e pedindo desculpa. Negou ter proferido quaisquer outras palavras para além das que se acabam de referir ou ter desferido qualquer pontapé no militar EE como aqui se lhe imputa. Ora, respeito de tais declarações por parte do arguido, diremos antes do mais que as mesmas, para além de parcialmente e já largamente confessórias, providenciam elas próprias pelo contexto e motivação para a demais conduta do arguido que o próprio optou por não assumir, mas que quanto a nós, nos convencemos que sucedeu por todos os motivos já anteriormente expostos e que em nada resultaram abalados pelo declarado pelo arguido. Por seu turno, procurou o arguido escudar-se de alguma forma com aquilo que se teria passado no momento da sua detenção na residência dos seus pais e por ter sido supostamente agredido com “cassetetes no lombo” no posto policial, conforme terá procurado demonstrar através dos registos fotográficos e documento que juntou a fls. 189 e 190. No entanto, não só essas alegadas circunstâncias não constituem objecto do presente processo (tendo já o Ministério Público ordenado a extracção de certidão para a correspondente investigação, como consta do correspondente despacho a fls. 116), nem a nosso ver se coadunam facilmente com o facto de o arguido pretender ao mesmo tempo pedir desculpa aos agentes da autoridade aqui referidos pelo menos por vagamente os ter insultado, como mais de dirá ainda que quaisquer lesões no corpo do arguido se podem ter devido à resistência física que o próprio notoriamente ofereceu ao ser detido e algemado e as manobras policiais que foram usadas para o conseguir, para além de ter resultado dos depoimentos dos dois militares da GNR EE e FF e do auto de notícia de fls. 4 e 5 que o arguido já apresentava lesões físicas no momento em que foi pela primeira vez aqui abordado e detido, supostamente por se ter envolvido em outro confronto com a autoridade policial uns dias antes em Lisboa. Por outro lado, prosseguindo, quanto ao depoimento prestado ainda pela testemunha e igualmente militar da GNR HH, apesar de o mesmo ter estado presente no momento da abordagem inicial e no local da detenção do arguido que aqui se dá como provada, tal testemunha não demonstrou qualquer conhecimento relevante quanto aos factos aqui em causa, muito menos para além de todos os demais depoimentos que foram produzidos em audiência de julgamento, pelo que de nenhuma relevância se revestiu. Quanto aos depoimentos prestados ainda pelas demais testemunhas BB (mãe do arguido), CC (pai do arguido) e DD (irmão do arguido), para além de a sua relevância ou credibilidade serem sempre mais do que duvidosas em face dos laços familiares extremamente próximos que os unem ao aqui arguido, resultou perfeitamente unânime de toda a prova produzida que tais testemunhas apenas estiveram presentes no momento inicial da abordagem e detenção do arguido, junto à residência dos pais deste último, e nunca na viatura policial em que o arguido foi transportado a partir de tal residência até ao posto da GNR de Aveiro, nem nesse posto policial, nem no posterior transporte do arguido desse posto até ao Estabelecimento Prisional .... Como tal, não demonstraram (nem podiam demonstrar, porque não estiveram presentes) qualquer conhecimento directo acerca dos factos aí ocorridos e que são aqueles que estão em causa nos presentes autos. Quanto ao sucedido no momento da detenção do arguido e junto à residência dos pais deste, remete-se para o que já supra dissemos a este respeito. Continuando, quanto aos factos que demos como provados sob os itens J) a N), a respeito do conhecimento e intencionalidade do arguido nas suas actuações aqui em causa, são os que resultam de forma evidente da observação objectiva e exterior dos demais factos constantes da acusação e que se deram como provados, nada nos levando a concluir que o conhecimento e intencionalidade do arguido fossem quaisquer outros diversos dos provados, antes muito pelo contrário. Quanto aos factos que demos como provados sob os itens O) a AE), a respeito do historial de vida e condição pessoal, familiar e sócio-económica do arguido, são os que resultam do relatório social elaborado pela DGRSP a seu respeito e constante de fls. 146 e 147, e quanto aos antecedentes criminais do arguido (item AF)), são os que constam do respectivo CRC de fls. 121 a 167. ** (…)* III.2Dos vícios da decisão Alega o recorrente – de forma algo lacónica e conclusiva – que se verifica, no caso, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova. O pleno dos vícios. Vejamos, pois. Em jeito introdutório e como é consabido, o julgamento da matéria de facto, em primeira instância, é efetuado segundo o princípio da imediação – possibilitando o contacto direto e pessoal entre o julgador e a prova, tangível ao (e próprio do) juiz a quo – sendo (…) as provas apreciadas por quem assistiu à sua produção, sob a impressão viva colhida nesse momento e formada através de certos elementos ou coeficientes imponderáveis, mas altamente valiosos, que não podem conservar-se num relato escrito das mesmas provas [Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português – Do Procedimento, Univ. Católica Ed., pág. 212]. Além disso, o julgamento da matéria de facto far-se-á segundo o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do C.P.P., interpretado, não num sentido que desonere o julgador de justificar o seu raciocínio e percurso interior para chegar à afirmação do facto ou à sua desconsideração – caso em que falaríamos de arbítrio - mas, apenas, no de que o valor a atribuir a determinado meio de prova não é tarifado ou vinculado (salvo as exceções consignadas na lei), orientando-se o julgador de acordo com os ditames da lógica e da experiência, podendo, por exemplo, atribuir relevância a um depoimento em detrimento de vários e mais numerosos de sinal contrário, desde que o justifique, já que, na esteira do afirmado por Bacon, os depoimentos não se contam, pesam-se. A convicção do Tribunal é, reforça-se, formada livremente, de acordo com as regras da experiência, enquanto postulados decorrentes da observação social e dos conhecimentos da técnica e da ciência. A afirmação positiva dos factos deverá fazer-se, não por razões ou argumentos puramente subjetivos e insindicáveis, mas sim concluindo-se através de uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, permitindo “objetivar a apreciação” [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Verbo 1993, pág. 111 a propósito da definição do conceito de livre apreciação da prova.]. Destarte, se a decisão do Tribunal recorrido se ancorar numa fundamentação compreensível, com as naturais opções próprias efetuadas com permissão da razão e das regras da experiência comum, cumprir-se-á o necessário dever de fundamentação. Neste percurso, note-se, não raras vezes louvar-se-á o julgador em elementos indiciários/probatórios obtidos por via indireta, consequentemente envolvendo presunções obtidas por via judicial sendo até, amiúde, o único meio de chegar ao esclarecimento de um facto criminoso e à descoberta dos seus autores. Como se escreve no acórdão desta Relação de 18.03.2015 [proc. n.º 400/13.6PDPRT.P1, Rel. Neto de Moura, acedido em www.dgsi.pt], a propósito do papel preponderante, da atendibilidade e da valoração da prova indireta, “I – Quer a prova direta, quer a prova indireta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum. II – Em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art. 125.º do Cód. Proc. Penal), pelo que não pode ser excluída a prova por presunções (art. 349.º do Cód. Civil), em que se parte de um facto conhecido (o facto base ou facto indiciante) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) recorrendo a um juízo de normalidade (de probabilidade) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro. III – O sistema probatório alicerça-se em grande parte neste tipo de raciocínio (indutivo) e, para certos factos, como sejam os relativos aos elementos subjetivos do tipo (doloso ou negligente), não havendo confissão, a sua comprovação não poderá fazer-se senão por meio de prova indireta. IV – A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova direta (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.”. Em síntese, neste capítulo, a prova indireta, que contém momentos de presunção ou inferência, pode igualmente justificar certeza bastante para fundar uma convicção positiva do Tribunal, desde que se assegure, na formação dessa convicção, uma valoração conjugada e coerente dos vários elementos indiciários a considerar, de forma motivada, objetivável e numa leitura que se afigure consentânea com as regras da experiência. Acrescenta-se, também, que qualquer dos sujeitos processuais destinatários da decisão poderá discordar do juízo valorativo nela firmado. Ou porque entende que outro meio de prova se sobreporia, ou porque outro, que foi valorado, seria, para si, de credibilidade questionável mas, lembre-se, o poder de valorar a prova e de se determinar de acordo com essa avaliação pertence ao ente imparcial e constitucionalmente designado para a função de julgar: - o Tribunal. Aqui chegados, a decisão da matéria de facto – com a qual o recorrente expressa o seu dissídio – só pode ser sindicada, em sede de recurso, por duas vias distintas: - Por verificação, mesmo oficiosa, dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P., a denominada revista alargada que, a proceder, deflui na realização de um novo julgamento, total ou parcial, apenas excecionalmente o podendo fazer o próprio tribunal superior (art.ºs 426.º, n.º 1, 430.º, n.º 1, e 431.º, als. a) e c), do C.P.P.); - Através da impugnação ampla, prevista no art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do C.P.P., com eventual correção do decidido pelo tribunal superior (cfr. art.º 431.º, al. b), do C.P.P.). No primeiro caso, o substrato para a verificação do(s) vício(s) deverá colher-se no (e bastar-se com o) texto da própria decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos externos (designadamente probatórios) concretizando-se na (i) insuficiência dos factos provados para suportar a correlativa decisão de direito (o que não pode confundir-se com uma putativa insuficiência das provas para alicerçar a decisão de facto, património da impugnação alargada), na (ii) contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (entre os factos provados e não provados, entre si ou uns com os outros, ou entre aqueles e a motivação, ou ainda nesta mesma) e (iii) o erro notório na apreciação da prova (ante o padrão do homem médio e evidente a partir do escrutínio do texto da decisão) (cfr. art.º 410.º, n.º 2, als. a), b) e c) do C.P.P.), vício que, neste contexto, não se verifica quando a fonte da discordância resulta, tão só, da não conformação com a versão acolhida pelo Tribunal que, aos olhos do recorrente, deveria ter sido distinta. No segundo caso – impugnação ampla – a sindicância pode envolver o próprio processo e resultado da formação da convicção do julgador sobre a prova produzida, designadamente a suficiência ou insuficiência desta para a materialidade considerada, a capacidade e a segurança do convencimento que emerge dos meios de prova a valorar, seja à luz dos critérios legais da avaliação (art.º 127.º do C.P.P.), seja sob o espectro das disposições sobre prova vinculada. Em síntese, no caso da denominada impugnação restrita, tendo por fundamento os vícios decisórios, apenas se consente o escrutínio da sentença na sua literalidade e sob o espartilho apontado supra. Já no caso da impugnação ampla, esta já pode visar o próprio juízo decisório revidendo, a sua verosimilhança e consistência, no cotejo com a prova produzida. Porém, ainda assim e nesta última hipótese – transportada para o caso vertente - não se tratará, aqui, de um novo julgamento, sobreposto ao realizado em primeira instância e que usufruiu do aporte único e irrepetível oferecido pela oralidade e imediação. A impugnação, ainda que alargada, constitui, tão só, o remédio jurídico apropriado para a deteção de eventuais erros in judicando ou in procedendo, considerando o exame crítico da prova efetuado na primeira instância que está, naturalmente, vinculado a critérios objetivos, jurídicos e racionais e sustentado nas regras da lógica, da ciência e da experiência comum, sendo por isso mister que se demonstre a impossibilidade lógica e probatória da valoração seguida e a imperatividade de uma diferente convicção. Mais. No caso da impugnação alargada, - em que a atividade do Tribunal de recurso não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova concretamente produzida em audiência de julgamento e devidamente registada – o juízo de apreciação e conformidade far-se-á de acordo com os limites fornecidos pelo recorrente e decorrentes do cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do C.P.P.. Ou seja, sempre que qualquer recorrente vise impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto deve especificar (i) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (ii) As concretas provas [ou falta delas] que impõem decisão diversa da recorrida; (iii) As provas que devem ser renovadas, ao que acresce que ”Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas (…) fazem-se por referência ao consignado na ata (…) devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. Em epítome e em tese geral, não bastará ao recorrente configurar hipóteses decisórias alternativas, da sua conveniência ou modo de ver, mais ou menos compagináveis com a prova produzida, sendo ainda necessário que a eventual insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto que foi tomada, ou, na proposta de apreciação alternativa, a prova que foi produzida, imponha, como conclusão lógica, uma decisão distinta e, em concreto, aquela que na argumentação de recurso se defende. Neste último aspeto referido importa reforçar que não basta a afirmação do dissídio, a apreciação crítica do decidido, a mera adjetivação do percurso seguido pelo julgador ou a asseveração de considerandos ou propostas de decisão alternativa. Se assim fosse, a sindicância, a este nível, traduzir-se-ia na realização de novo julgamento já que ver-se-ia a segunda instância na contingência de revisitar toda a prova produzida para, ante aquelas manifestações gerais de subjetividade, sobrepor ou não a sua. Por isso, antes se impõe ao recorrente um dever de fundamentação que torne evidente que as provas indicadas impõem decisão diferente, com o mesmo grau de argumentação e convencimento que é exigível ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados, só assim se percebendo qual o raciocínio seguido para se poder afirmar que o mesmo impõe, a final, decisão diversa da recorrida [cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, 2ª Edição, fls. 1131, notas 7 a 9, em anotação ao artigo 412º, do Código de Processo Penal]. * Tendo em conta os sobreditos conceitos, agora em análise especificamente dirigida ao caso vertente, situa o recorrente a sua pretensão recursória sob o enfoque, numa primeira observação, dos vícios da decisão (impugnação restrita).Vejamos da existência dos repontados vícios considerando que o escrutínio da sua eventual existência é oficioso. Nos termos do art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P. «Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova». Assim e como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam exógenos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece” [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 338/339], isto é, qualquer um dos referidos vícios tem de existir «internamente, dentro da própria sentença ou acórdão» [Germano Marques da Silva, op. cit., pág. 340]. No caso específico do vício decisório prevenido na al. a), a indicada insuficiência determina a formação incorreta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto (não os meios de prova que a sustêm) é insuficiente para fundamentar a solução de direito correta, legal e justa, estando, pois, associado à insuficiência da matéria de facto para a decisão. No segundo caso, o da “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. b), este consiste na incompatibilidade, de inviável ultrapassagem através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal vício ocorre quando um mesmo facto, obviamente com interesse para a decisão da causa, seja julgado como provado e não provado, simultaneamente e logicamente anulando-se, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode prevalecer, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Por fim, o invocado “erro notório na apreciação da prova”, prevenido no inciso da al. c), ocorre quando um homem, medianamente sagaz, no caso revertendo ao crivo referencial de um jurista médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente intui e percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação notoriamente errada, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou inverosímeis. De igual sorte, aponta-se a ocorrência de erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis [cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª edição, pág. 61 e ss.]. Trata-se, no caso, de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia pela simples leitura da decisão, e que consiste, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido [cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, op. cit., pág. 74], não se verificando se a discordância resulta apenas da forma como o tribunal aprecia a prova produzida, por desconforme àquela que, na ótica do recorrente, deveria ter sucedido. Revertendo ao caso em apreço e lida a decisão recorrida, do seu teor objetivo não se lobriga a existência de qualquer dos vícios elencados. Efetivamente, o que o recorrente pretende é um alinhamento distinto dos factos provados e não provados, chamando à colação o que, a seu ver, terá resultado dos meios de prova produzidos, afirmando que determinados factos – tendo em conta passagens concretas das declarações e depoimentos que evidencia – não poderiam ter sido considerados provados, enquanto outros, com o mesmo sustento, deveriam tê-lo sido. Só que este tipo de impugnação – atinente ao iter valorativo seguido – nada tem que ver com os vícios intrínsecos da decisão e será, por isso, apreciada infra. Mesmo nos segmentos em que o recorrente entende que deveria ter sido dado como provado o seu arrependimento, ou um pretenso estado de embriaguez, tal não se confunde, salvo o devido respeito, com insuficiência da matéria de facto para fundamentar a solução de direito, transportando-nos, antes, para a avaliação das provas que sustentam a decisão de facto, que é coisa diversa. Existe uma convicção, manifestada nos reparos assinalados, de que o Tribunal, na sua atividade de compromisso com a descoberta da verdade, deveria ter ido mais além, deveria ter fixado matéria de facto distinta. Mas a matéria de facto fixada é suficiente para a decisão de Direito tomada. O que se pretendia era que ela “existisse” de outra forma, com uma “outra verdade”. Só que isso remete-nos para a qualidade da fundamentação, para a apreciação do mérito do decidido. A não se entender assim e sempre que questionada a suficiência e adequação da produção e valoração da prova produzida em julgamento, em sede de impugnação alargada, pondo em causa a consistência e verosimilhança do critério do julgador e a consistência das provas valoradas para o arrimo dos factos assentes, seria possível afirmar-se, a montante, o putativo vício da insuficiência. No fundo, o que está em causa é o mérito e a qualidade da atividade valorativa e do julgamento e a solidez da fundamentação, o que se prende, já, com o erro de julgamento. * III.3Do erro de julgamento Retendo os conceitos desenvolvidos em introdução ao ponto anterior – essencialmente quanto aos poderes de cognição deste Tribunal ad quem e o ónus imposto ao recorrente quanto à indicação das provas que impõem decisão diversa - agora sob o enfoque do erro de julgamento, afirma o recorrente como incorretamente julgados factos constantes de b), d), e), g), h), i), j), l), m) e n) que, pelos motivos que expõe, devem ser considerados não provados. Por outro lado, afirma que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que: - “o arguido se encontrava embriagado”; - “foi agredido depois de ser detido e antes de chegar ao EP ...”; - “no momento da detenção, o pai do arguido, um homem com mais de 60 anos, foi agredido”; - “o arguido demonstrou arrependimento”. Vejamos, pois. Relativamente ao ponto b) dos factos provados refere o recorrente que não podia ter sido dado como provado que foi imobilizado “junto a um telheiro ali existente”, atendendo a que o foi dentro de casa, conforme depoimento das testemunhas BB (em 13-11-2023, com início às 11:13:17 e fim às 11:16:05, minutos 00:01:26-00:01:38), CC (em 13-11-2023, com início às 11:16:45 e fim às 11:29:36, minutos 00:02:20 – 00:02:35, 00:08:58-00:10:00), DD (em 13-11-2023, com início às 11:29:37 e fim às 11:38:42, minutos 00:02:00-00:02:22, 00:07:50- 00:07:57). Sendo uma questão de pormenor e inconsequente para a decisão de comissão, ou não, dos ilícitos imputados, o Tribunal a quo considerou, neste segmento, os depoimentos de EE e FF – dois militares da G.N.R. que intervieram no evento – conjugado com o teor do Auto de Notícia. Ouvidos os depoimentos oferecidos em contraponto, BB (20231113111317_4277617_2870475.wma), mãe do arguido, manteve um depoimento interessado e, nesta parte, impreciso (em casa – interior - ou junto a um telheiro ali existente é perfeitamente confundível e extensível ao conceito de “casa”). A testemunha CC (20231113111644_4277617_2870475.wma), pai do arguido, referiu, quanto à atuação das autoridades, embora estivesse no chão e no exterior, que a detenção ocorreu dentro de casa, num espaço junto a um salão, espaço esse que é coberto, que tem um forno (o arguido estava em tronco nu porque andara a “fazer o forno”), sendo eventualmente uma questão de semântica o que é a “casa” e o que é esse espaço coberto “telheiro”, que são contíguos. Por fim, a testemunha DD (20231113112936_4277617_2870475.wma), irmão do arguido, situa a detenção dentro de casa, “numa marquise”, o que também não exclui o facto contestado, estribado nos depoimentos mencionados pelo Tribunal e, como tal, não impondo decisão diversa que – diga-se – seria irrelevante. No que tange aos factos provados constantes de d), e), g), h), i), j), e m), que o recorrente pretende reverter, estriba a sua pretensão para esse fito no teor dos depoimentos das testemunhas EE e FF, que apelida de “frágeis”, “inundados” de expressões “atiradas para o ar”. Ora, não obstante a qualificação adjetival dispensada àqueles depoimentos, não estava o recorrente isento de referir, em concreto, que passagens implicariam, rectius, imporiam, para efeitos do disposto no art.º 412.º, n.ºs 3, al. b) e 4 do C.P.P., decisão diversa. O pouco que é referido, a nosso ver, não abala ou invalida o juízo valorativo constante da sentença impugnada e, ainda menos, impõe decisão diversa. Ouvidos aqueles depoimentos (20231113095633_4277617_2870475.wma e 20231113104334_4277617_2870475.wma, respetivamente) estes abrangem as expressões contidas na acusação e as circunstâncias de tempo, lugar e modo, concatenadas com o teor do Auto de Notícia (prova documental). No mais, trata-se, pura e simplesmente, de uma questão de convicção. Ora, glosar criticamente o decidido, quanto à “qualidade” ou “suficiência” da prova produzida, numa dessintonia com a matéria de facto fixada de cariz subjetivo, não infirma o iter seguido pelo Tribunal a quo que é legítimo, lógico, encadeado, sustentado nas regras da experiência e no teor daqueles depoimentos, de acordo com a demais prova disponível, pelo que o juízo revidendo sufragado pelo Tribunal a quo não se surpreende desprovido de consistência argumentativa ou oferece contrariedade às regras da experiência, ao que acresce o facto de o tribunal a quo ter beneficiado do património único da oralidade e da imediação e que lhe permitiu aferir, in loco, da credibilidade dispensada. No que tange aos pontos l) e n) insurge-se o recorrente contra o decidido porquanto, na ocasião, apresentar-se-ia notoriamente embriagado e, por isso, não pretendeu ofender os militares visados na respetiva honra e consideração. Mais uma vez e em abono da alegação, convoca o depoimento do militar EE (minutos 00:26:25 – 00:26:39, 00:31:01 a 00:31:37. 28). No caso importa referir que a contestação se limitou a oferecer o merecimento dos autos, sem a invocação de um incapacitante estado de embriaguez que integrasse o objeto do processo e sobre o qual o Tribunal devesse pronunciar-se para o subsequente tratamento da agora invocada inimputabilidade. Ainda que assim não fosse e porque a sentença – se fosse esse o caso – deveria contemplar essa eventualidade, dando-a como provada no seu segmento factual para que pudesse merecer o respetivo tratamento, não terá que fazê-la constar dos factos não provados se a desconsiderou. Ora, no caso, desconsiderou-a e com razão. Basta ouvir o depoimento do próprio pai do arguido – a testemunha CC - para ouvi-lo referir que o seu filho, ora recorrente, “bebeu o normal”, que, em termos de álcool ingerido/ébrio “podia estar alguma coisa, mas sabia o que estava a fazer. Não estava assim bêbado (…) estava mais alterado com o irmão”. Assim, não merece censura a matéria de facto fixada, resultando os elementos subjetivos que o recorrente aponta em falta da objetividade dos próprios factos, o mesmo se dizendo, no que tange à ausência de reparo, quanto à pretensa omissão de factos consistentes na agressão ao pai do arguido e, posteriormente, ao próprio arguido. Por um lado, aqueles episódios, a terem existido, não fariam parte do objeto do processo e, por isso, seriam sempre irrelevantes para a decisão. Em momento algum se afirma que a postura do arguido foi reativa ou desencadeada pela agressão ao progenitor e de que se tivesse apercebido, por forma a assumir alguma relevância na decisão. Mais, o próprio pretenso ofendido refere, apenas, que foi “abalroado” para a sua imobilização/algemagem e não na perspetiva de uma agressão gratuita nem, quanto a esta, existiu procedimento criminal. Quanto ao arguido, situando esta a putativa agressão em momento posterior aos factos considerados na sentença, também aqui, mesmo a ter existido – o que não se concede – seria irrelevante nestes autos. Se o arguido/recorrente se afirma agredido (e se apresentava sinais de o ter sido que ultrapassem os que pudessem ter resultado da sua imobilização/resistência), então teria que ter apresentado queixa contra os identificados agressores. Por fim, no que diz respeito ao arrependimento, o mesmo, a ter existido, necessariamente extraível de atos e palavras valoradas em audiência, assumiria relevância para a decisão, designadamente quanto à individualização das penas. Porém – e não obstante a mencionada carta – como refere o Ministério Público em sede de resposta, “tal circunstância foi anterior à realização da audiência de julgamento, sendo que, aquando da sua realização, o recorrente não confessou a maioria dos factos imputados, logo não pôde mostrar arrependimento, à excepção no que respeita a ter chamado de “palhaços” e “palermas” aos dois ofendidos, pelo que não se poderá concluir que existe um sentido e verdadeiro arrependimento”. Efetivamente e ouvidas as declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de julgamento (20231113113841_4277617_2870475.wma), são elucidativas as suas declarações iniciais “(…) eu sei que já tive alguns problemas com guardas mas desta vez eu não tive qualquer culpa no que se passou com os senhores agentes”, prosseguindo num discurso de absoluta desresponsabilização e vitimização. Não se lobriga, pois, o ora invocado arrependimento, sincero e relevante, para que fosse considerado na sentença recorrida. * III.4Das causas de exclusão da culpa: - a inimputabilidade Refere o recorrente que não estaria “em condições de querer e entender, encontrando-se, assim, ao abrigo do art.º 20.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal, em circunstâncias que o colocam numa situação de inimputabilidade”. Apreciando. A prática de factos que preenchem, objetivamente, a previsão de determinado tipo legal, por si só, não deflui na responsabilização criminal do seu autor. É que, no plano subjetivo, aquela responsabilização pressupõe que o agente atribua aos factos que perpetra um valor correspondente àquele que a ordem jurídica lhes confere. O agente deverá estar ciente de que, com a sua conduta, lesa um bem jurídico tutelado [Vd. Günter Stratenwerth, Derecho Penal – Parte General, vol I, Madrid, 1982, pág. 96] agindo em desconformidade, quanto podia e devia adotar comportamento diverso. Em sede de culpa, constatada qualquer situação que possa ser reconduzida à figura da inimputabilidade, com os necessários reflexos no sentido crítico, incapacitantes de uma correta determinação ante a conduta proibida, diríamos que, pressupondo o preenchimento dos elementos subjetivos aquela capacidade de conformação, não poderia o agente ser punido. Estabelece o art.º 20.º, n.º 1 do C.P. que “É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.”. Concretizando e chamando à colação o entendimento de Carlota Pizarro de Almeida [Modelos de Inimputabilidade, Almedina, 2000, pág. 21] a inimputabilidade é um conceito normativo que implica, em certas circunstâncias fixadas legalmente, que o facto não possa, em termos consequenciais – pena – ser atribuído ao seu autor, sendo aquela noção normativamente delineada e conhecendo, como limites, os sentimentos de justiça e equilíbrio da sociedade. O alcance da figura da inimputabilidade é definido por dois elementos: - o elemento intelectual e o elemento volitivo ou, se quisermos, na terminologia tradicional, a capacidade de entender e querer. Quanto ao elemento intelectual, os estados passageiros não são excluídos da inimputabilidade, e a prova é o tratamento que é dado, na nossa lei, às situações de alcoolismo e toxicodependência. Aliás, também os transtornos ligados a uma anomalia psíquica, que produzam os seus efeitos num período limitado de tempo e tenham sido, nesse breve lapso, causa da comissão do delito podem, independentemente de se repetirem ou de existir risco de repetição, determinar a inimputabilidade do arguido. Qualquer transtorno mental transitório (desde que produza os efeitos normativos previstos no art.º 20.°, n.º 1), tornará o indivíduo penalmente incapaz. No entanto, se as qualidades intelectuais e volitivas do indivíduo forem influenciadas por um estado afetivo intenso, mas sem anulação total da consciência e da liberdade de decisão, não deve aceitar-se a solução da inimputabilidade, mas, tão só, eventualmente, uma atenuação especial da pena. Quer a doutrina tradicionalmente aceite, quer a própria redação do art.º 20. °, n.º 1, apontam no sentido de que os estados afetivos só devem relevar se consistirem em “anomalia psíquica”, isto é, se forem anómalos, desproporcionados, patologicamente exagerados. Com efeito, o artigo contempla as anomalias psíquicas e não as de carácter. O conceito de inimputabilidade da lei penal portuguesa faz depender a decisão do Juiz de avaliação médica, que a precederá. Ora, no caso em apreço, sendo a questão da inimputabilidade, também, uma questão de facto, soçobrou, como se evidenciou supra, a demonstração da existência daqueles pressupostos factuais. Não se demonstrou positivamente que o arguido estivesse tolhido na sua capacidade de entendimento, de avaliação e de ação por forma a poder desenvolver e concluir por uma situação de inimputabilidade. Improcede, pois, a pretensão do recorrente. * III.5Da omissão de pronúncia Refere ainda o recorrente, de forma pouco concretizada, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia porquanto, a seu ver, o Tribunal não valorou o arrependimento, não o consignou nos factos provados para, em termos consequenciais, o poder considerar na aferição e correta determinação das penas. Vejamos. Nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c) do C.P.P. é nula a sentença quando o tribunal “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, configurando a primeira situação a denominada “omissão de pronúncia”, traduzindo-se a segunda no seu excesso. Em jeito introdutório dir-se-á, também, que a apontada nulidade por omissão de pronúncia se detém a questões, e não a razões ou a todos os argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. A omissão de pronúncia, como é jurisprudência superior, só se verifica quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes na defesa das teses em presença [cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.07.2008, proc. 08P1312, Rel. Simas Santos, disponível em www.dgsi.pt]. A propósito da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, o Prof. Alberto dos Reis ensinava que “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” [Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág. 143]. No caso, em correspetividade com a impugnação da matéria de facto, relembramos que o Tribunal não considerou o arrependimento do recorrente pela razão simples e lisa de que entendeu não existir. Nesta medida, não podemos falar em omissão de pronúncia sobre uma “não questão” ou um “não facto”, não podendo ser extraídas consequências, a favor do arguido, perante a afirmação conclusiva e não demonstrada de que denotou arrependimento, pelo menos com a certeza, convicção íntima e relevância que a pudesse guindar para os factos provados e daí pudessem ser extraídas conclusões em sede de individualização das penas. Inexiste, pois, omissão de pronúncia. * III.6Da adequação das penas Refere o recorrente que “(…) considera excessiva, desproporcional e desajustada às finalidades da punição, tendo o Tribunal “a quo” violado o disposto nos arts. 40.º e 71.º, ambos do CP, devendo o arguido, a ser condenado, ser condenado numa pena não privativa da liberdade.”. Apreciando. Na operação contestada, o Tribunal a quo considerou: 2. DO TIPO E MEDIDA CONCRETA DAS PENAS APLICÁVEIS: Os crimes de injúria agravada pelos quais o arguido será condenado são puníveis, cada um, com pena de prisão de 1 mês e 15 dias a 4 meses e 15 dias, ou com pena de multa de 15 a 180 dias, nos termos dos artigos 181º, n.º 1, 184º, 132º, n.º 2, al. l), 41º, n.º 1, e 47º, n.º 1, todos do Cód. Penal. Os crimes de ameaça agravada pelos quais o arguido será igualmente condenado são puníveis, cada um, com pena de prisão de 1 mês a 2 anos ou com pena de multa de 10 a 240 dias, nos termos dos artigos 153º, n.º 1, 155º, n.º 1, als. a) e c), 132º, n.º 2, al. l), 41º, n.º 1, e 47º, n.º 1, todos do mesmo Cód. Penal. O crime de ofensa à integridade física simples pelo qual o arguido será também condenado é punível com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias, nos termos dos artigos 143º, n.º 1, 41º, n.º 1, e 47º, n.º 1, todos do mesmo Cód. Penal. De todo o modo, atendendo a que o Ministério Público declarou lançar mão do disposto no artigo 16º, n.º 3, do Cód. de Proc. Penal, daqui decorre que ao arguido jamais poderá ser aplicada qualquer pena superior a 5 anos de prisão, conforme estabelece ainda o n.º 4 da mesma norma legal. Tratando-se todos de crimes puníveis, em alternativa, com penas de prisão e com penas de multa, impõe o artigo 70º do mesmo Cód. Penal a prevalência das penas não privativas da liberdade sempre que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, as quais se encontram previstas no artigo 40º, n.º 1 do mesmo Código. A determinação das medidas concretas de cada uma das penas parcelares a aplicar, dentro das molduras abstractas previstas na lei, far-se-á atendendo ao grau de culpa documentado nos factos e às exigências de prevenção geral e especial que, no caso, se mostrem relevantes, tomando em linha de conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido - cfr. artigo 71º, nº.s 1 e 2 do Código Penal. Tais tipos e medidas concretas, situadas entre um máximo ditado pela culpa e um mínimo reclamado pelas exigências de prevenção geral positiva, resultarão, em cada caso, das necessidades de realização dos fins que a prevenção especial positiva se destina a assegurar. A medida das penas será, pois, determinada dentro de uma moldura de prevenção, funcionando a culpa do agente, como limite máximo inultrapassável - cfr. artigo 40º, nº.s 1 e 2 do Código Penal; neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, págs. 227 e ss. e Ac. S.T.J. de 29.03.95, “in” B.M.J. 445º-163. No caso dos autos, haverá antes do mais que determinar, em face dos critérios referidos, qual o tipo e medida concreta de cada uma das penas parcelares cuja aplicação ao arguido se afigure como justa, adequada e proporcional. Ao nível das exigências de prevenção geral, verifica-se que se trata neste caso de crimes cometidos contra agentes da autoridade policial no exercício das suas funções e por causa delas, o que demanda elevadas exigências a este nível, atento o crescente desrespeito que lamentavelmente se vem registando na sociedade em geral perante as autoridades. Impõe-se, portanto, uma forte resposta por parte do sistema no reforço das normas jurídicas aqui violadas por parte do arguido. Relativamente às exigências de prevenção especial, terá de se registar em sentido manifestamente agravante o extensíssimo percurso criminal que o arguido apresenta, todo ele já transitado em julgado à data dos factos aqui em causa, com início no ano de 2004, mediante o qual já lhe foram sendo aplicadas as mais diversas penas, designadamente já várias penas de prisão efectiva, pelos mais diversos crimes de ofensa à integridade física, injúria agravada, furto, roubo, resistência e coacção sobre funcionário, ofensa a pessoa colectiva, condução de veículo em estado de embriaguez, condução de veículo sem habilitação legal, falsidade de depoimento, dano, atentado à segurança de transporte rodoviário, ameaça e violência doméstica. Assim, como se pode verificar, os antecedentes criminais apresentados pelo arguido, para além de extensos, mostram-se muitos deles de natureza perfeitamente idêntica à dos novos crimes que aqui temos em causa (tutelando muitos deles bens jurídicos eminentemente pessoais), assim como deles resulta sobretudo que as condenações anteriores já sofridas pelo arguido não se mostraram ainda de todo suficientes como advertência contra a prática de novos crimes. Quanto à culpa que o arguido patenteia nos factos, é este, como se disse, o limite máximo inultrapassável da medida concreta da pena, o qual se traduz no juízo de censura que é lícito formular-se acerca da conduta do agente. A este respeito, pensamos que a culpa do arguido é elevada, atendendo a que agiu sempre com dolo directo e intenso, contra agentes da autoridade que nem sequer conhecia e que se encontravam apenas no exercício normal das suas funções e por causa delas. É certo que existem factos provados no sentido de que o arguido se encontrará neste momento num percurso de alguma potencial reabilitação no estabelecimento prisional onde se encontra, mas julgamos que este pequeno factor não se mostra com peso minimamente determinante em face das elevadíssimas exigências de prevenção geral e especial que neste caso se registam, nem em face da culpa elevada apresentada pelo arguido. Aqui chegados, ponderados todos os elementos que se acabam de aduzir, afigura-se-nos que a aplicação de simples penas de multa ao arguido neste caso não faria qualquer sentido, nem se revela de forma alguma adequada nem suficiente às necessidades da punição que no caso se fazem sentir, pensando nós que se impõe claramente a aplicação de penas de prisão. Considera-se assim justa, adequada e proporcional a aplicação das penas parcelares de 3 meses de prisão por cada um dos dois crimes de injúria agravada, de 1 ano e 3 meses de prisão por cada um dos dois crimes de ameaça agravada, e de 1 ano e 9 meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física simples. Aqui chegados, cumpre agora efectuar o necessário cúmulo jurídico de todas as penas parcelares aplicadas à luz das regras constantes do artigo 77º do Cód. Penal. Assim, sendo o limite mínimo do concurso a pena concreta aplicada mais elevada e o limite máximo a soma de todas as penas concretamente aplicadas, obtemos uma nova moldura penal abstracta que vai de 1 ano e 9 meses de prisão (como pena mínima) até 4 anos e 9 meses de prisão (como pena máxima). Ponderados então os factos e a personalidade do arguido, julgamos como adequada a pena única de 3 anos de prisão. Aqui chegados, terá de ser contudo ainda inevitavelmente ponderada a eventual suspensão da execução da pena de prisão aplicada, ao abrigo do estabelecido no artigo 50º, n.º 1, do Cód. Penal, o qual estabelece que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”. Podemos dizer que a decisão de suspensão da pena terá de assentar na formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja, na formulação de um juízo de que ele não praticará novos crimes, sendo certo que tal suspensão apenas poderá ser aplicada se sustentar e viabilizar os desígnios de prevenção especial, apoiando e promovendo a reinserção social do condenado, e geral, na perspectiva em que a comunidade não encare a suspensão como um sinal de impunidade. No nosso caso concreto, entendemos que, por muito esforço que fosse efectuado nesse sentido, não existem quaisquer factores que nos permitam de modo minimamente sustentado efectuar qualquer espécie de juízo de prognose favorável em relação ao aqui arguido. Na verdade, o respectivo passado criminal que já evidencia e que já supra foi referido demonstra a respectiva propensão para a prática reiterada de crimes, para o não acatamento de regras e para o total desrespeito à autoridade, sendo certo que se trata ainda de uma especial propensão para a prática de crimes, pelos quais já foram e vêm sendo sucessivamente aplicadas ao arguido diversas penas, por último já claramente várias penas de prisão efectiva. Mais se verifica que o percurso de vida que o arguido apresentou enquanto ainda em liberdade pautou-se largamente pela instabilidade e desestruturação, sem um rumo claramente certo e definido, e pautado por dependência do álcool e problemáticas aditivas diversas, apesar do apoio familiar de que aparentemente sempre beneficiou. Enfim, perante todos estes elementos, e como já o fomos dizendo, entendemos que não se justifica neste caso formular qualquer espécie de juízo de prognose minimamente favorável em relação ao aqui arguido, nem por isso conceder-lhe a suspensão da execução da pena de prisão que aqui lhe vai aplicada, impondo-se por isso o respectivo cumprimento efectivo. ** (…)Introdutoriamente cumpre referir, a fim de delimitar os poderes e modo de intervenção deste Tribunal, que a sindicância do decidido não se efetivará como se inexistisse decisão recorrida ou como se este Tribunal da Relação se predispusesse a aplicar as penas contestadas, na sua espécie e medida, pela primeira vez. Ademais, note-se que “(…) o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados” [cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.03.2015, proc. 109/14.3GATBU.C1, Rel. Inácio Monteiro, consultado em www.dgsi.pt, sublinhado nosso]. Como se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.03.2018 [proc. n.º 827/17.4GAEPS.G1, Rel. Armando Azevedo, consultado em www.blook.pt], em alinhamento com a doutrina e jurisprudência aí citada, “(…) quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso - entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”. Efetivamente e tendo existido, a montante, um julgamento – com contraditório pleno, oralidade e imediação – e uma atividade jurisdicional de fixação concreta das penas – parcelares e de síntese - no culminar daquela audiência, na dependência do Tribunal ad quem não estará a realização de nova e originária determinação das penas mas, tão só, no que o caso convoca, a sindicância do quantum das penas, seguindo e tendo por referencial os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal a quo e respetiva motivação, escrutinando a eventual existência de falhas ou omissões, exercendo a sua função corretiva se o resultado da operação se revelar ilegal ou manifestamente desproporcionado. Do exposto resulta que a intervenção em segunda instância deverá ser sempre pautada pelo princípio da mínima intervenção, intercedendo se e quando o processo determinativo se revelar insuficiente ou desajustado à luz dos critérios legais de determinação da pena, tendo por matriz os factos assentes. Na verdade, a individualização judiciária da pena não é imune a um grau controlado de discricionariedade, inexistindo uma pena concreta inquestionável ou uma sentença certa e ideal, mas, antes, uma gama de decisões que, numa faixa de razoabilidade e proporcionalidade, poderão ser adequadas, conquanto os tribunais, aplicando os mesmos critérios de determinação das penas concluam, em casos semelhantes, por penas aproximadas. Regressando ao caso em apreço, como é consabido e resulta expressamente do estatuído no art.º 40.º, n.º 1, do C.P., a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Em síntese e pela sua clareza, retenha-se o constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.09.2010 [proc. n.º 1687/04.0GDLLE.E1.S1, Rel. Pires da Graça, www.dgsi.pt]: - “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto ótimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efetiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, Temas Básicos…, p. 117, 121): Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo, contudo, o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Note-se que 70.º do C.P. postula que, sempre que ao crime forem aplicáveis, a título principal, pena privativa e pena não privativa da liberdade (o que, no caso, sucede, prevendo-se a aplicabilidade direta de pena de prisão ou pena de multa), deve o Tribunal optar pela pena não privativa da liberdade desde que esta realize, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Atentas as finalidades da punição, o art.º 71.º do C.P. estabelece os critérios da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação desta, dentro dos limites definidos na moldura legal, efetua-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, valorando o Tribunal todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra o agente, tendo sempre por limite a culpa que, axiologicamente estranha a finalidades retributivas, estabelece o limite superior da pena que ainda seja concordante com as exigências de preservação da dignidade da pessoa humana. Havendo várias penas punidas com penas da mesma natureza, estabelece o art.º 77.º, n.ºs 1 e 2 do C.P. a necessidade de fixação de uma pena única que terá, como limite mínimo, a mais elevada das parcelares e, como limite máximo, a soma de todas, considerando-se, na sua fixação, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. No caso que nos ocupa, o Tribunal a quo afastou a adequação das penas de multa, para efeitos do disposto no art.º 70.º do C.P. e dentro das molduras das penas de prisão abstratamente aplicáveis (1 mês e 15 dias de prisão a 4 meses e 15 dias para cada um dos crimes de injúria agravada, 1 mês a 2 anos de prisão para cada um dos crimes de ameaça agravada e 1 mês a 3 anos de prisão para o crime de ofensa a integridade física) fixou a pena de 3 meses de prisão para cada um dos crimes de injúria agravada, 1 ano e 3 meses de prisão por cada um dos crimes de ameaça agravada e 1 ano e 9 meses de prisão para o crime de ofensa à integridade física. Numa moldura do concurso que se situava entre 1 ano e 9 meses de prisão e 4 anos e 9 meses de prisão, fixou a pena única em 3 anos de prisão, não suspensa na sua execução. Teve em conta, como se viu, as exigências de prevenção geral (crimes cometidos contra agentes da autoridade policial, no exercício das suas funções e por causa delas), impondo uma forte resposta por parte do sistema formal de Justiça no reforço das normas jurídicas violadas. Reteve, de igual sorte, o extenso registo criminal do arguido, com várias violações dos mesmos bens jurídicos, tendo sofrido várias condenações em penas de prisão efetiva que, ainda assim, não impediram que voltasse a delinquir, tendo, no caso, agido com dolo direto. Foi ainda considerado que o arguido tem revelado, na execução da pena de prisão que atualmente cumpre, algum potencial de reabilitação, sendo também de considerar que o resultado da ofensa à integridade física não foi (felizmente) particularmente gravoso, pese embora o risco potencial gerado. Nesta medida e seguindo a argumentação da decisão recorrida, não se alcança, quer na operação de escolha da pena, quer na sua concreta determinação quer, ainda, na determinação da pena única e na insusceptibilidade de substituição, qualquer desadequação manifesta que apele à intervenção corretiva deste Tribunal. Em epítome e retendo que a intervenção conformadora deste Tribunal se atém aos casos de manifesta desproporção, não podemos no conceito incluir as penas que no caso foram individualizadas, improcedendo, também nesta parte, o recurso interposto. * IV.Decisão: Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso do arguido AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. * Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC (art.º 513.º, n.º 1, do C.P.P. e art.º 8.º, n.º 9, do R.C.P., com referência à Tabela III).* Porto, 8 de maio de 2024José Quaresma Maria do Rosário Martins Lígia Figueiredo |