Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANABELA DIAS DA SILVA | ||
Descritores: | PRESTAÇÃO DE CONTAS ADMINISTRAÇÃO DE BENS ALHEIOS REGIME DE COMPROPRIEDADE | ||
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Nº do Documento: | RP20230314421/18.2T8VLG.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – A obrigação de prestação de contas tem sido considerada pela generalidade da doutrina e jurisprudência, “estruturalmente, como uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias”. II - Sendo uma obrigação de natureza material ou substantiva, a sua génese pressupõe a existência de uma norma legal ou de um contrato que imponha a prestação de contas. III – Todavia, quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas de tal administração ao titular desses bens ou interesses, ainda que essa administração seja meramente, de facto, pois o que releva é ter havido administração de bens alheios. IV – Tratando-se de bens em regime de compropriedade, quanto à sua administração referem os art.ºs 1407.º e 985.º, ambos do C.Civil, que o poder da sua administração é atribuído em igualdade a todos os comproprietários (seja qual for a sua quota), sempre que não haja “convenção em contrário". | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação Processo n.º 421/18.2T8VLG. P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Valongo - Juiz 1 Recorrentes – AA, por si e em representação de seus filhos, BB e CC, e DD Recorrido – EE Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntos – Desemb. Ana Lucinda Cabral Desemb. Rodrigues Pires Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível) I – AA, por si e na qualidade de representante dos filhos menores BB e CC e DD, intentaram no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Valongo a presente ação especial de prestação de contas da administração de bens em compropriedade contra EE, pedindo que fosse ordenada a citação do réu para, ao abrigo do artigo 942.º do Código de Processo Civil, apresentar as contas requeridas de acordo com o articulado supra, mais propriamente, as contas referentes à administração de dois imóveis em compropriedade, sob cominação de não poder deduzir oposição às contas que as autoras vierem a apresentar, cumprindo-se a demais tramitação prevista nos artigos 941.º a 947.º do mesmo diploma. Alegaram, para tanto e, em síntese, que elas autoras, o réu, irmão da 1.ª autora, e ainda a irmã de ambos FF, assim como os irmãos da 2.ª autora, os menores, BB e CC, todos filhos da 1.ª autora, são comproprietários de dois imóveis sitos nas cidades do Porto e da Maia, sendo também comproprietários dos mesmos GG e FF. Que desde data incerta, ainda que não tenha havido acordo ou contrato para o efeito, o réu assumiu a qualidade de administrador de facto dos bens imóveis. passando a receber as rendas, quando a estas havia lugar, em nome de todos os comproprietários, tratando de distribuir proporcionalmente no momento imediatamente posterior, contudo, desde 2006, sem razão aparente, o réu privou os outros comproprietários de qualquer informação sobre os rendimentos dos imóveis em compropriedade, negando prestar contas. Terminam pedindo a intervenção principal provocada de: a) GG b) FF, também comproprietários dos imóveis em causa. * Pessoal e regularmente citado, o réu veio contestar impugnando a factualidade alegada pelas autoras, mais arguiu a irregularidade da representação dos menores autores, pugnando, por fim, pela improcedência da ação.* Por despacho de 17.09.2018 foi determinado, em ordem a sanar a irregularidade de representação dos autores menores de idade, a notificação do pai destes, para em 10 dias, declarar se ratificava o processado anterior ou para se pronunciar nos termos tidos por convenientes, o que realizado não mereceu qualquer resposta do pai dos menores.* Foi ainda admitida a intervenção principal provocada de GG e FF, e citados estes, nada vieram dizer aos autos.* Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixou-se o objeto do litígio e elencaram-se os temas da prova.* Realizou-se a audiência de julgamento após o que foi proferida sentença de onde consta: “Pelo exposto julgo improcedente a presente ação e, em consequência, absolvo integralmente o réu EE do pedido (…)”.Inconformadas com tal decisão, dela vieram recorrer de apelação, as autoras pedindo a sua revogação e sua substituição por outra que julgue a ação nos termos defendidos no presente recurso. As autoras/apelantes juntaram aos autos as suas alegações onde formulam as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto nos autos à margem referenciados, da sentença proferida que, julgando a ação totalmente improcedente, absolveu o réu do pedido. 2. Decisão com que as aqui recorrentes não se conformam por considerarem que foram incorretamente dados como não provados os factos das als. a), b), c) e) e f); a) Em data não apurada, sem conhecimento nem acordo prévio dos autores, o réu assumiu o encargo de gerir os prédios acima identificados, nomeadamente recebendo as rendas, que depois tratava de distribuir, na proporção devida a cada um, aos ditos autores e consortes desses mesmos prédios. b) O réu, a partir de abril de 2007 e até setembro de 2008, deixou de entregar aos autores qualquer montante referente aos proventos do prédio descrito em 1, apesar de estar a ser usado e fruído por inquilino, com o pagamento das rendas mensais correspondentes. c) As rendas vencidas de outubro de 2008 a janeiro de 2009 foram penhoradas no âmbito do processo executivo n.º 14427/05.8YYPRT do 1.º Juízo de Execução do Porto – Juiz 2, não tendo os autores tido conhecimento da sua venda judicial, por estar a sua administração então a cargo do réu, que nenhuma informação lhes deu a seu respeito. e) O réu, a partir de janeiro e março de 2012 e até ao presente, deixou de entregar aos autores qualquer montante referente aos proventos do prédio descrito em 4 e 5, apesar de estar a ser usado e fruído por inquilino, com o pagamento das rendas mensais correspondentes. f) Durante este período de tempo, o réu ficou na posse da totalidade dessas rendas e não pagou as quotas de condomínio nem outros encargos inerentes ao imóvel referido. 3. Já que foram as declarações de parte do aqui recorrido em sentido contrário ao decidido (declarações com início às 14.36.03 e fim às 15.07.17, no dia 20.05.2021). 4. Atendendo ao declarado e reiterado várias vezes pelo aqui recorrido, o facto não provado da al. a) deveria ter sido dado como provado com o seguinte teor: sem conhecimento nem acordo prévio das autoras, o réu assumiu a gestão dos prédios, nomeadamente recebendo as rendas, que nunca distribuiu, na proporção de cada um, aos consortes desses prédios. 5. Assumiu o aqui recorrido, em sede de discussão e julgamento, a gestão dos imóveis e que nunca prestou contas a nenhum dos comproprietários. 6. O aqui recorrido atualizou a renda do imóvel sito no concelho da Maia: “…a partir do momento que eu consegui, com bastante dificuldade, foi na altura, acho que em 2012, 11, 12, que houve aquela lei que dava para aumentar aquelas rendas antigas, pronto, fui eu…”; 7. Pelo aqui recorrido foi dito que tudo o que era contas era consigo “Tudo o que era contas era comigo.” 8. Disse o aqui recorrido que o dinheiro para pagar contas provinha: “Das rendas e dinheiro meu e quando acabou deixei ir, as coisas apertaram deixei ir em hasta pública.”; 9. O aqui recorrido declarou tomar decisões sozinho: “Do outro imóvel foi inicialmente €130,00 e continua, nunca mais fiz nada até, deixei andar”. 10. Declarou o aqui recorrido que nunca prestou contas, nem à irmã AA, aqui recorrente, nem a ninguém: “Não, nem ao meu irmão, nem a ninguém”. 11. Pelo aqui recorrido foi dito que era titular e quem movimentava a conta onde eram depositadas as rendas do imóvel, sito no concelho do Porto, no montante mensal de €350,00: “Normalmente era eu, embora a outra pessoa tinha acesso também a ela, não é, como o Senhor Dr. sabe.” 12. Nunca o aqui recorrido deu conhecimento às autoras. do movimento que fazia da conta bancária referida em 11. 13. Disse o aqui recorrido que pagou as quotas de condomínio do imóvel, sito no concelho do Porto: “Acho que paguei um ano, um ano e tal.” 14. Admitiu o aqui recorrido a gestão dos imóveis, pelo menos, a partir de 2006: “Certo, mas também lhe disse enquanto o meu pai foi vivo a gestão, digamos que não era minha era do meu pai, apesar de estar em nosso nome. Estamos a falar depois, sensivelmente, depois dois anos. O meu pai faleceu em 2006.” 15. Disse o aqui recorrido nunca ter prestado contas ou quaisquer informações, não obstante a interpelação datada de 6 de outubro de 2014, junta aos autos, que admitiu ter recebido e não ter dado resposta ao solicitado. 16. Atendendo ao declarado e reiterado várias vezes pelo aqui recorrido, o facto não provado da al. b) deveria ter sido dado como provado com o seguinte teor: o réu, entre abril de 2007 e setembro de 2008, nunca entregou aos autores. qualquer montante referente aos proventos do prédio sito na freguesia União de freguesias ... e ..., concelho do Porto, no qual era arrendatária a A..., S.A. 17. Relativamente ao imóvel sito no concelho do Porto disse o aqui recorrido que o valor das rendas era depositado numa conta que estava em seu nome: “…o dinheiro era depositado numa conta que estava em meu nome…”, conta que era por si movimentada com cartão multibanco: “Em termos de movimentos presumo, cheques não seria, cartão, cartão multibanco.”, que: “Tudo o que era contas era comigo.” e que até ao presente nunca prestou contas à sua irmã AA, aqui recorrente: “…nem ao meu irmão, nem a ninguém.” 18. Não prestou o aqui recorrido contas, apesar de existirem apenas receitas, porquanto a arrendatária sempre pagou a renda e o aqui recorrido declarou que só pagou as quotas do condomínio um ano, um ano e tal. 19. Atendendo ao declarado e reiterado várias vezes pelo aqui recorrido, o facto não provado da al. c) deveria ter sido dado como provado com o seguinte teor: o réu, de abril de 2007 a setembro de 2008, ficou na posse da totalidade das rendas deste imóvel e não pagou as quotas de condomínio, nem outros encargos inerentes ao imóvel. (imóvel sito no concelho do Porto) 20. O aqui recorrido ficou na posse das rendas que eram depositadas numa conta em seu nome: “…o dinheiro era depositado numa conta que estava em meu nome…”, conta que era por si movimentada com cartão multibanco: “Em termos de movimentos presumo, cheques não seria, cartão, cartão multibanco.” e relativamente à qual até ao presente nunca prestou contas à sua irmã AA, aqui recorrente: “…nem ao meu irmão, nem a ninguém.” 21. O aqui recorrido nunca deu conhecimento dos movimentos que fazia da conta bancária às aqui recorrentes: “Ilustre Mandatário Intervenientes – Este movimento que o Senhor fazia da conta bancária, desta conta, o senhor deu conhecimento aos outros herdeiros, aos outros titulares? réu – Não.” 22. O aqui recorrido pagou as quotas de condomínio inicialmente: “Acho que paguei um ano, um ano e tal”. 23. O aqui recorrido declarou, em sede de audiência de discussão e julgamento, o recebimento das rendas, que a arrendatária sempre pagou, e o não pagamento das quotas de condomínio e não explicou a existência de outras despesas, pelo que arrecadou a totalidade do valor das rendas. 24. Atendendo ao declarado e reiterado várias vezes pelo aqui recorrido, o facto não provado da al. e) deveria ter sido dado como provado com o seguinte teor: o réu, de janeiro de 2006 até março de 2012 e de março de 2012 até ao presente, nunca entregou aos autores qualquer montante referente aos proventos do prédio sito na freguesia ..., concelho da Maia, o qual se encontra arrendado, com o pagamento efetivo das rendas mensais a que a arrendatária se obrigou. 25. O aqui recorrido procedeu, por sua iniciativa, à atualização do valor da renda para €130,00 e nunca prestou contas, até à presente data, às aqui recorrentes: “Não, nem ao meu irmão, nem a ninguém.” 26. Atendendo ao declarado e reiterado várias vezes pelo aqui recorrido, o facto não provado da al. f) deveria ter sido dado como provado com o seguinte teor: o réu, de janeiro de 2006 até março de 2012 e de março de 2012 até ao presente, ficou na posse da totalidade das rendas deste imóvel. (imóvel sito no concelho da Maia). 27. O aqui recorrido procedeu, por sua iniciativa, à atualização do valor da renda para €130,00: “…a partir do momento que eu consegui, com bastante dificuldade, foi na altura, acho que em 2012, 11, 12, que houve aquela lei que dava para aumentar aquelas rendas antigas, pronto, fui eu…” e nunca prestou contas, até à presente data, às aqui recorrentes: “Não, nem ao meu irmão, nem a ninguém.” 28. Foi o aqui recorrido interpelado para a prestação de contas, por carta registada com aviso de receção, datada de 6 de outubro de 2014, que admitiu ter recebido e à qual não reagiu “Ilustre Mandatário Intervenientes – então o Senhor teve conhecimento desta carta a 6 de outubro de 2014 e depois ficou de braços cruzados, não deu, como se costuma dizer, não deu cavaco a ninguém. É ou não é? réu - Certo.”. 29. Considerou o Tribunal a quo comprometida a versão do aqui recorrido, com o objetivo de declinar qualquer participação sua nos factos que lhe são imputados pela parte contrária, mas que incumbia aos autores, nos termos do n.º 1, do art.º 342.º do Código Civil, fazer a alegação e a prova dessa factualidade. 30. As declarações do aqui recorrido foram prestadas de forma pouco serena e objetiva, foram pautadas por muitas pausas, muitas hesitações e muitas contradições. 31. Do art.º 8.º da contestação consta que a administração do prédio sito na freguesia ..., concelho da Maia, foi exercida pelos comproprietários e no art.º 19.º diz que sempre foi administrado pela mãe. 32. Em sede de contestação alegou o aqui recorrido que o valor das rendas da fração autónoma, sita no concelho do Porto, sempre foi repartido pelos restantes comproprietários, em sede de audiência de discussão e julgamento, nunca o disse, pelo contrário, por mais de uma vez declarou que nunca prestou contas, que nunca justificou os movimentos da conta bancária. 33. O aqui recorrido em sede de audiência de discussão e julgamento alegou factos que não alegou em sede de contestação: “Ilustre Mandatário Intervenientes – Relativamente à A… ficou aqui claro que quem faz a gestão, a administração é o senhor EE. É o senhor que o diz, contrariando-se aquilo que disse na contestação, o senhor disse aqui presencialmente, é isso que interessa, que é quem administra, não interessa a palavra, o que interessa é que o senhor fazia a gestão, pagava o condomínio, tratava de tudo, auxilia a sua mãe … réu – Tinha muitos anos quando foi adquirido, além de problemas que tinha até na questão da legalização do imóvel. Ilustre Mandatário Intervenientes – Essa é nova, essa é nova, aqui não consta nada na contestação, mas olhe o Senhor disse que o contrato de arrendamento durou de 2004 a 2008, o senhor disse que terá pago um ano de condomínio … réu – Tentar legalizar, tentar legalizar a arrecadação que ela inclusive nem tinha licença de habitabilidade, nem tinha contador próprio. Ilustre Mandatário Intervenientes – Senhor EE, vamos lá ver, eu tenho aqui a contestação e não tem nada disso, nem o senhor diz isso, porque estamos aqui a falar de €16.800,00, o Senhor não consegue justificar onde é que isto foi parar, mas já disse uma coisa muito importante não deu contas às outras pessoas. réu – Certo, mas também lhe disse enquanto o meu pai foi vivo a gestão, digamos que não era minha era do meu pai, apesar de estar em nosso nome. Estamos a falar depois, sensivelmente, depois dois anos. O meu pai faleceu em 2006”. 34. O aqui recorrido, em sede de audiência de discussão e julgamento, assumiu a sua gestão dos imóveis, o recebimento de rendas, a movimentação de contas bancárias e ainda que nunca prestou contas a ninguém, apesar de ter sido interpelado e apesar da presente ação. 35. As declarações de parte podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente, pois se assim não fosse tornar-se-ia inútil ouvir em declarações de parte. 36. Neste sentido há já vasta doutrina e jurisprudência. 37. O princípio da livre apreciação da prova consignado no n.º 5, do art.º 607.º do Código de Processo Civil, não foi respeitado pelo tribunal a quo, porquanto, face à prova produzida deveria ter concluído noutro sentido e julgado procedente a ação. 38. Impõem-se a reapreciação da prova gravada tendo como base as declarações de parte do réu, aqui recorrido. Não há contra-alegações. II – Da 1.ª instância chegam-nos provados os seguintes factos: 1. A fração autónoma designada pela letra W do prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., r/c, Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial competente sob o n.º ..., da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., esteve inscrita a favor de EE, de FF e de AA, através da Ap. ..., de 1996/11/06, por aquisição por arrematação, até 25.08.2010, data em que foi inscrita a favor de B..., Ld.ª, através da Ap. ..., daquela data, por arrematação por propostas em carta fechada. 2. Por escrito, datado de 19.02.2004, EE, FF e de AA declararam ceder o uso e gozo dessa fração autónoma, a partir de 01.03.2004 e pelo prazo de um ano, prorrogável por idêntico período, mediante o pagamento de uma renda anual de €4.200,00, a A..., SA. 3. Essa fração foi objeto de penhora registada em 11.06.2007, mediante a Ap. ... dessa data. 4. O prédio urbano sito no lugar ... ou ..., em ..., Maia, descrito na Conservatória do Registo Predial soo o artigo 3452 e inscrito na matriz predial sob o artigo ..., foi inscrito a favor de EE, FF, AA e GG, por sucessão deferida em partilha judicial, por óbito de HH, casada com II, através da Ap. ..., de 1999/01/15. 5. O prédio urbano sito no lugar ... ou ..., em ..., Maia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo ... e inscrito na matriz predial sob o artigo ..., encontra-se inscrito a favor de DD, BB e de CC, por doação de AA, na proporção de 1/4, através da Ap. ..., de 2012/03/28. 6. Encontrava-se registada como locatária desse prédio, na Autoridade Tributária e Aduaneira, com início em 31.07.1998, JJ, com o valor mensal de renda declarado de €32,53, à data de 14.01.2016. 7. A primeira autora remeteu ao réu a carta de fls. 15 e 16 dos autos, datada de 06.10.2014, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 8. O réu respondeu, por carta de 21.10.2014, conforme consta de fls. 16 verso e 17 dos autos, cujo teor se dá aqui por integrado. Não se julgou provado: a) Em data não apurada, sem conhecimento nem acordo prévio dos autores, o réu assumiu o encargo de gerir os prédios acima identificados, nomeadamente recebendo as rendas, que depois tratava de distribuir, na proporção devida a cada um, aos ditos autores e consortes desses mesmos prédios. b) O réu, a partir de abril de 2007 e até setembro de 2008, deixou de entregar aos autores qualquer montante referente aos proventos do prédio descrito em 1, apesar de estar a ser usado e fruído por inquilino, com o pagamento das rendas mensais correspondentes. c) As rendas vencidas de outubro de 2008 a janeiro de 2009 foram penhoradas no âmbito do processo executivo n.º 214427/05.8YYPRT do Juízo de Execução do Porto — Juiz 2, não tendo os autores tido conhecimento da sua venda judicial, por estar a sua administração então a cargo do réu, que nenhuma informação lhes deu a seu respeito. d) Durante esse período, o réu ficou na posse da totalidade dessas rendas e não pagou as quotas de condomínio nem outros encargos inerentes ao imóvel referido. e) O réu, a partir de janeiro e março de 2012 e até ao presente, deixou de entregar aos autores qualquer montante referente aos proventos do prédio descrito em 4 e 5, apesar de estar a ser usado e fruído por inquilino, com o pagamento das rendas mensais correspondentes. f) Durante este período de tempo, o réu ficou na posse da totalidade dessas rendas e não pagou as quotas de condomínio nem outros encargos inerentes ao imóvel referido. g) As rendas referentes a tais prédios foram recebidas por KK, por acordo entre os autores e o réu. III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões da recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. * Ora, visto o teor das alegações das autoras/apelantes são questões a apreciar no presente recurso: 1.ª – Da impugnação da decisão da matéria de facto. 2.ª – De Direito. * 1.ªquestão -Da impugnação da decisão da matéria de facto.* Defendem as autoras/apelantes que a 1.ª instância fez errada interpretação da prova produzida nos autos e consequentemente decidiu incorretamente ao julgar não provados os factos elencados nas als. a), b), c) e) e f) do complexo fáctico julgado não provado nos autos. Pedem a reapreciação da prova e, por fim, que tais factos sejam julgados provados. Para tanto, as apelantes chamam à colação o teor das declarações de parte prestados pelo réu/apelado. * Como se sabe, no que concerne à impugnação da decisão de facto proferida em 1.ª instância, importa atentar no que dispõe no art.º 662.º do C.P.Civil.Como refere F. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, pág. 127, resulta de tal preceito que “...o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação…”, ainda que não em toda a sua pureza, porquanto comporta exceções, as quais se mostram referidas pelo mesmo autor na obra citada. Os recursos de reponderação, segundo o ensinamento do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudo Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 374, “...satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas - pode dizer-se - a “justiça relativa” dessa decisão”. Por isso, havendo gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, como no presente caso se verifica, temos que, nos termos do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, o tribunal da Relação deve alterar a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, desde que, em função dos elementos constantes dos autos (incluindo, obviamente, a gravação), seja razoável concluir que aquela enferma de erro. Não nos podemos esquecer de que ao reponderar a decisão da matéria de facto, que, apesar da gravação da audiência de julgamento, esta continua a ser enformada pelo regime da oralidade (ainda que de forma mitigada face à gravação) a que se mostram adstritos, entre outros, o princípios da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do juiz; pois que, como referem A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 657, a propósito do “Princípio da Imediação”, “...Esse contacto direto, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reações do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar. ...”. Decorre também do preâmbulo do DL 39/95 de 15.12, que instituiu no nosso ordenamento processual civil a possibilidade de documentação da prova, que a mesma se destina a correção de erros grosseiros ou manifestos verificados na decisão da matéria de facto, quanto aos pontos concretos da mesma, dizendo-se aí que “a criação de um verdadeiro e efetivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reação contra eventuais – e seguramente excecionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto”. Desse preâmbulo, consta ainda que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede da matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”. Quanto ao resultado da apreciação da prova testemunhal não pode esquecer-se que, nos termos do art.º 607.º n.º 5 do C.P.Civil, “O juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, mantendo o princípio da liberdade de julgamento. E, quanto à força probatória da prova pericial, dos depoimentos de parte, na parte não confessória, e os depoimentos das testemunhas são apreciados livremente pelo tribunal, como resulta do disposto nos art.ºs 389.º e 396.º ambos do C.Civil. Atendo em atenção o que preceitua o art.º 640.º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil, ou seja, que é ónus do apelante que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, isto é, não basta ao apelante atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, sendo ainda indispensável, e “sob pena de rejeição”, que: i) - especifique quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados; ii) - indique quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da recorrida sobre cada um dos concretos pontos impugnados da matéria de facto; iii) - indique com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição; iv) - desenvolva a análise crítica dessas provas, por forma demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável; e, v) –indique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Está assim hoje legalmente consagrada o dever deste tribunal de recurso alterar a decisão de facto proferida em 1.ª instância, devendo para tal reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo ainda em consideração o teor das alegações das partes, para o que terá de ouvir os depoimentos chamados à colação pelas partes. E assim, (re) ponderando livremente essas provas, deve, por força do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Ou seja, deve o tribunal de recurso formar a sua própria convicção relativamente a cada um dos factos em causa não desconsiderando, principalmente, a ausência de imediação na produção dessa prova, e a consequente e natural limitação à formação desta convicção, o que em confronto com o decidido em 1.ª instância terá como consequência a alteração ou a manutenção dessa decisão. E isso, por se ter concluído que a decisão de facto em causa, (re) apreciada “segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica”, corresponde, ou não, ao decidido em 1.ª instância. No caso em apreço, podemos considerar que as apelantes cumpriram, minimamente, aqueles ónus de alegação, cfr. art.º 640.º do C.P.Civil. * A 1.ª instância não deu por provados os factos que a apelante agora reclama dever serem incorporados no complexo fáctico dos autos, ou seja:a) Em data não apurada, sem conhecimento nem acordo prévio dos autores, o réu assumiu o encargo de gerir os prédios acima identificados, nomeadamente recebendo as rendas, que depois tratava de distribuir, na proporção devida a cada um, aos ditos autores e consortes desses mesmos prédios. b) O réu, a partir de abril de 2007 e até setembro de 2008, deixou de entregar aos autores qualquer montante referente aos proventos do prédio descrito em 1, apesar de estar a ser usado e fruído por inquilino, com o pagamento das rendas mensais correspondentes. c) As rendas vencidas de outubro de 2008 a janeiro de 2009 foram penhoradas no âmbito do processo executivo n.º 214427/05.8YYPRT do Juízo de Execução do Porto — Juiz 2, não tendo os autores tido conhecimento da sua venda judicial, por estar a sua administração então a cargo do réu, que nenhuma informação lhes deu a seu respeito. e) O réu, a partir de janeiro e março de 2012 e até ao presente, deixou de entregar aos autores qualquer montante referente aos proventos do prédio descrito em 4 e 5, apesar de estar a ser usado e fruído por inquilino, com o pagamento das rendas mensais correspondentes. f) Durante este período de tempo, o réu ficou na posse da totalidade dessas rendas e não pagou as quotas de condomínio nem outros encargos inerentes ao imóvel referido. * Em fundamentação do assim decidido, pode ler-se na decisão recorrida que: “(…) De qualquer modo, a verdade é que, tendo este negado essa realidade, de administração dos prédios e de receção das rendas a ela inerente, não foi trazida ao processo, por via testemunhal ou documental, qualquer elemento probatório donde se pudesse concluir que assim foi.Ou seja, apesar de o réu não colher credibilidade perante o tribunal, na generalidade das suas declarações, a verdade é que impugnou essa factualidade e os autores não carrearam ao processo qualquer demonstração, por documentos (não obstante as diligências realizadas) ou testemunhas de que, efetivamente, o réu havia assumido aquela incumbência e de que tinha assumido o compromisso de receber as rendas, o que realmente sucedeu nos períodos de tempo invocados, e que lhe cabia entregar a parte respetiva aos autores. Não estando colhidas no processo tais evidências, mesmo perante a pouca credibilidade do réu, não tinha o tribunal como concluir no sentido alegado, assim levando à consideração dos factos descritos como não assentes. Igualmente, não se fez prova, porque não foi junta documentação do processo executivo referido, como se impunha, da invocada penhora de rendas”. * Ouvida, cuidadosamente, a gravação de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, designadamente os invocados pelas apelantes – as declarações de parte do réu - e, além do mais, intuindo da espontaneidade e convicção das respostas, dos silêncios, das frases incompletas e mesmo dos diversos níveis das vozes, que resultam bem audíveis, tudo analisado e interpretado à luz da sua razão de ciência e da plausibilidade das coisas segundo a experiência de vida, julgo que não assiste razão à apelante, ou seja, temos de concluir que a decisão sobre a matéria de facto supra mencionada não enferma de erro na apreciação da prova e consequentemente deverá manter-se inalterada.Na verdade, é nossa segura convicção pelo global dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, mormente pelo global do teor das declarações de parte do réu/apelado, empresário da construção civil, que as autoras chamam agora à colação, e pretendem que se retire do das mesmas algo que não foi o que o mesmo na realidade disse, ou porque e simplesmente não foi isso que declarou ou porque se estava, por exemplo a referir-se a uma sociedade da qual serão também sócios as partes, que o réu/apelado apenas auxilia a sua mãe, pessoa intelectualmente capaz padecendo apenas de problemas de mobilidade, no que se refere à “casa ...”, (imóvel em regime de compropriedade e registado em nome de EE, FF e GG, DD, BB e de CC) tendo referido que é a sua mãe quem recebe as respetivas do arrendamento, rendas essas que são depositadas numa conta bancária existente em nome da sua mãe na Banco 1.... Mais esclareceu que o seu auxílio à sua mãe se materializou nas diligências que fez relativamente ao aumento legal da renda às comunicações às Finanças. Mais referiu que presume que os demais comproprietários tenham conhecimento dessa situação através da sua própria mãe, pois ele próprio não fala com ele há muitos anos, mais precisamente desde que o seu pai faleceu em 2006. É também nossa segura convicção, relativamente ao outro imóvel que esteve arrendado de 2004 a 2008/2009 à A… (que esteve em regime de compropriedade e assim titulado por EE, FF e de AA), referiu o réu/apelante que enquanto o seu pai foi vivo, (até 2006), não obstante as rendas desse imóvel serem depositadas numa conta bancária existente em seu nome e em nome de uma sua irmã, que não sabe agora precisar, mas que era a AA ou a FF, era o seu pai quem dispunha desse dinheiro. Depois do seu pai falecer, o dinheiro das rendas continuou a cair nessa conta e com ele pagou algumas despesas do imóvel (condomínios, IMI, etc) mas não tendo sido o suficiente, o imóvel acabou por ser vendido em hasta publica por dívidas ao condomínio. Perante o global da prova produzida nos autos, é nossa segura convicção de que as autoras não lograram fazer prova segura, cabal e necessária do que alegaram, ou seja, de que o réu/apelado vinha exercendo a administração de facto dos aludidos bens imóveis de que são todos comproprietários, nem dos demais factos alegados e vertidos no complexo fáctico julgado não provado em 1.ª instância, cfr. art.º 342.º n.º1 do C.Civil, como era seu ónus probatório. * Pelo que se deixa consignado, considerando ainda o teor do despacho de fundamentação da decisão que recaiu sobre a matéria de facto, o teor dos depoimentos prestados em audiência final e dos documentos juntos aos autos, e como é sabido, devendo o Juiz apreciar livremente todas as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, cfr. art.º 607.º n.º5 do C.P.Civil, julgamos que a decisão proferida em 1.ª instância sobre os factos em apreço neste recurso deve manter-se inalterada, já que não se vislumbra que a mesma enferme de erro e, muito menos, erro grosseiro ou manifesto, não merecendo esta, por isso, qualquer censura. Improcedem as respetivas conclusões das apelantes. * 2.ªquestão – De Direito.Como é sabido, a ação de prestação de contas é um processo especial, cuja regulamentação está prevista nos art.ºs 941.º a 947.º, todos do C.P.Civil, para as contas em geral. O art.º 941.º preceitua que “a ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.” Ora a obrigação de prestação de contas tem sido considerada pela generalidade da doutrina e jurisprudência, “estruturalmente, como uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias, cfr. art.º 573.º do C.Civil, e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efetuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito.”, cfr. Ac. do STJ de 9.02.2006, in www.dgsi.pt. Segundo Alberto dos Reis, in “Processos Especiais”, vol. I, págs. 302-303, “o processo de prestação de contas relaciona-se com a obrigação a que alguém esteja sujeito de prestar a outrem contas dos seus atos.” E assim, é princípio geral que “quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses”. Saber se alguém está obrigado a prestar contas é questão de direito substantivo e, portanto, de mérito da causa, a qual deve ser decidida “segundo as disposições da lei civil ou da lei comercial que for aplicável, ou mesmo da lei processual funcionando como lei substantiva”, cfr. Alberto dos Reis, in obra citada, pág. 305 E assim, sendo uma obrigação de natureza material ou substantiva, a sua génese pressupõe a existência de uma norma legal ou de um contrato que imponha a prestação de contas. E a lei dá-nos vários exemplos de aplicação deste princípio, estando sujeitos à obrigação de prestar contas o gestor de negócios (art.º 465.º, al. c) do C.Civil), o mandatário (art.º 1161.º, al. d) do C.Civil), etc. Processualmente, a lei distingue o processo de prestação espontânea de contas – art.º 946.º do C.P.Civil, do processo de prestação provocada de contas – art.º 942.º do C.P.Civil. A prestação espontânea de contas verifica-se quando as contas são voluntariamente oferecidas por aquele que tem a obrigação de as prestar. O processo segue os trâmites previstos nos art.ºs 944.º e 945.º do C.P.Civil, devendo, como o preceitua o n.º 2 do art.º 946.º, “considerar-se referido ao autor o que ai se estabelece quanto ao réu, e inversamente.” Fazendo-se uma análise destes preceitos, preceitua o art.º 944.º n.º1 do C.P.Civil que: “As contas que o autor deva prestar são apresentadas em forma de conta corrente e nelas se especificará a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respetivo saldo”. A inobservância desta disposição, quando não corrigida no prazo que for marcado oficiosamente ou mediante reclamação do autor, pode determinar a rejeição das contas, seguindo-se o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 943.º do C.P.Civil. Ou seja, de forma adaptada: -“1. Quando o autor não apresente as contas dentro do prazo devido, pode o réu apresentá-las, sob a forma de conta corrente, nos 30 dias subsequentes à notificação da falta de apresentação, ou requerer prorrogação do prazo para as apresentar. 2. O autor não é admitido a contestar as contas apresentadas, que são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas as informações e feitas as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea de dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo réu”. Tal como resultava do disposto no n.º1 do antigo art.º 1016.º do C.P.Civil, resulta hoje do n.º1 do art.º 944.º que as contas são apresentadas: i)- sob a forma de conta corrente; ii)- especificando-se a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, indicando o saldo. Ou seja, as contas devem ser apresentadas sob a forma gráfica de conta corrente contabilística, consignando-se as operações de crédito e débito entre duas pessoas. Esta forma de apresentação das contas decompõe-se em três elementos fundamentais:- receitas – despesas – e, saldo, sendo que graficamente se devem apresentar em colunas separadas onde se inscrevem as verbas de receita, as verbas de despesa e o saldo resultante do confronto dumas e doutras. E como já ensinava o Prof. Alberto dos Reis, in “Processos Especiais”, vol. I, pág. 315, as verbas de receita inserem-se em coluna que tem a rubrica “Haver”; as verbas de despesa em coluna encimada pela palavra “Deve”. A lei determina ainda que se deve especificar a proveniência das receitas e a causa das despesas, ou seja, a quem apresenta as contas “incumbe descriminar e individualizar as diferentes fontes de receita e as diferentes causas de despesa”, cfr. Prof. Alberto dos Reis, in obra e local, citados. Ou seja, deve ressaltar da necessária conta-corrente que as receitas passíveis de objeto da prestação de contas não podem ser senão os rendimentos, bens ou produtos efetivamente cobrados, recebidos ou colhidos pelo administrador no/e por causa do exercício da administração de património alheio e, por seu turno, as despesas não podem ser outras que não as realizadas no/e para cumprimento dessa mesma atividade de administração de bens alheios. E, apresentadas as contas, pode suceder que elas se não apresentem sob a forma de conta corrente contabilística. Nesse caso, estamos perante um vício de forma, que é suprível, após convite ao aperfeiçoamento, e só na recusa de aperfeiçoamento, poderá levar o Tribunal, depois de apreciar e avaliar o caso concreto, a rejeitar as contas, se concluir que a omissão das formalidades na apresentação das contas impõe a sua rejeição. Sendo certo que deverá o Tribunal com vista à apreciação técnica das contas apresentadas, se for caso disso, proceder á realização das diligências instrutórias adequadas ao apuramento das mesmas, concretamente, ao apuramento do seu saldo, sendo necessário mediante a nomeação de perito idóneo competente para o efeito. Na verdade e vendo o disposto no art.º 944.º n.º 2 do C.P.Civil, aí se afirma, literalmente, que “pode determinar” e não que “determina”. Assim não se impõe que sempre que as contas não sejam apresentadas sob a forma de conta-corrente o Juiz tenha obrigatoriamente de as rejeitar. Pode ter de o fazer mas não é obrigado a fazê-lo. Tem-se vindo assim a entender que a rejeição das contas nos termos do art.º 944.º do C.P.Civil, ponderando o fim que se pretende alcançar com a ação, se justifica apenas quando na elaboração do documento que contém as contas não se observou a forma de conta corrente, e a forma utilizada impede de todo apurar o deve e o haver, bem como o decorrente saldo, no sentido de determinar o que uma parte deve à outra. * No caso dos autos, os bens em apreço estão em regime de compropriedade, pois segundo o preceituado no art.º 1403.º nº1 do C.Civil ”Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”.* Relativamente a estes bens, os direitos dos consortes ou comproprietários são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo, cfr. art.º 1403., n.ºs 1 e 2, do C.Civil. Assim, quanto aos bens em apreço nos autos, as autoras, os intervenientes e o réu serão simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre eles. E quanto à administração desses bens, os art.ºs 1407.º e 985.º, ambos do C.Civil atribuem igual poder de administração a todos os comproprietários (seja qual for a sua quota), sempre que não haja “convenção em contrário". Como referem, P. Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. III, pág. 361, “A natureza supletiva expressamente atribuída, pelo artigo 985.º, ao princípio do igual poder de administração dos consortes mostra, não só que os interessados podem regular em termos diversos a administração da coisa comum, mas também que é renunciável o poder atribuído a cada um dos comproprietários.” * No caso dos autos, as autoras alegaram que o réu vem assumindo, de facto, a administração dos aludidos bens em regime de compropriedade. Do alegado pelas partes nos autos não emerge a celebração prévia de qualquer acordo ou convenção entre os comproprietários no sentido da atribuição da administração dos imóveis comuns a qualquer um deles ou a terceiro, logo, manifesto é de concluir que, face à inexistência duma tal convenção, as funções de administração poder ter sido, de facto, assumida por qualquer um dos comproprietários, ou não se provando tal, há que concluir-se o poder de administração está atribuído por lei a todos os comproprietários.Haveria assim que indagar se, na realidade, o réu vinha exercendo de facto as funções de administração desses bens, tal como havia sido alegado pelos autores. Ora, do global da prova produzida em audiência de julgamento, como se viu, não resultou provada, de forma segura e robusta, tal situação. Destarte e sem necessidade de outros considerandos, nenhuma censura nos merecer o decidido em 1.ª instância relativamente à subsunção jurídica do complexo fáctico provado nos autos, pelo que se tem de confirmar a decisão recorrida. Improcedem as derradeiras conclusões dos autores/apelantes. Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e consequentemente confirma-se a decisão recorrida. Custas pelos autores/apelantes. Porto, 2023.03.14 Anabela Dias da Silva Ana Lucinda Cabral Rodrigues Pires |