| Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | EUGÉNIA CUNHA | ||
| Descritores: | INVENTÁRIO REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS | ||
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| Nº do Documento: | RP202503101780/22.8T8VCD-H.P1 | ||
| Data do Acordão: | 03/10/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
| Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
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| Sumário: | I - À tramitação dos incidentes do processo de inventário, não especialmente regulados na lei, é aplicável, por força do disposto no nº1, do art. 1091º, do CPC, o estatuído para os incidentes – arts 292º a 295º, de tal diploma. II - Quando tal contenda com as garantias das partes, justifica-se que, sempre que a redução de garantias ocorra, haja remessa para os meios comuns. III - Na complexidade dos factos e insuficiência da prova, cuja ampliação e aprofundamento se imponha para a descoberta da verdade e a realização da justiça, têm os interessados no inventário de, para poder ser, com rigor e segurança, definido o direito, ser remetidos para os meios comuns (cfr. 1093º, do CPC). IV - Requerendo a questão mais aprofundada instrução, não objeto de suficiente indagação incidental no processo de inventário, pode o juiz remeter os interessados para os meios comuns, que oferecem garantias processuais acrescidas, permitindo-se às partes, de modo mais ativo e eficaz influenciar a decisão - quer ao nível da alegação fáctica e contradição, quer ao nível das provas quer ao do enquadramento jurídico - nos moldes consagrados para as ações declarativas comuns, não balizadas pelos termos simplificados do incidente, e, assim, ser alcançada uma solução mais justa, por fruto da comparticipação colaborante de todos os interessados. V - Embora uma decisão para ser justa tenha de ser empreendida com celeridade, nunca os interesses de celeridade se podem impor, de modo absoluto, à verdade material, sempre desejável, mesmo necessária e a buscar, para alcançar a justiça do caso concreto. | ||
| Reclamações: | |||
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| Decisão Texto Integral: | Processo nº 1780/22.8T8VCD-H.P1 Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível) Tribunal de origem do recurso: Juízo de Família e Menores ... Relatora: Des. Eugénia Cunha 1º Adjunto: Des. Fátima Andrade 2º Adjunto: Des. Jorge Martins Ribeiro 
 
 Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto 
 Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC): ……………………………………………. ……………………………………………. ……………………………………………. 
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 I. RELATÓRIO Recorrente: AA Recorrida: BB 
 AA, Cabeça de casal nos autos de inventário em que é interessada BB, notificado do despacho que, tendo em conta os documentos apresentados pelo Cabeça de Casal e por não poder o Tribunal decidir de forma segura quanto aos créditos apresentados, remeteu as partes para os meios comuns, nos termos dos artºs 1104º e 1111º, do Código de Processo Civil, não se conformando com o mesmo, apresentou recurso de apelação, formulando as seguintes 
 CONCLUSÕES: * * Pronunciou-se o Tribunal a quo no sentido de se não verificar nulidade da decisão porquanto não ocorreu omissão de pronúncia, mas remessa das partes para os meios comuns. * Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto. * II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO 
 Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal. 
 Assim, as questões a decidir são as seguintes: 
 * Os factos provados com relevância para a decisão, vicissitudes processuais, constam já do relatório que antecede, resultando a sua prova dos autos, acrescentando-se o seguinte: * - Da nulidade da decisão, por omissão de pronúncia. Arguiu o Apelante, no recurso que apresentou, a nulidade da sentença, por padecer do vício de omissão de pronúncia, previsto na al. d), do nº1, do art.º 615.º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência. Analisemos, em primeiro lugar, da invocada nulidade, pois que a mesma contende com a validade da própria decisão. Começa-se por referir que as “Causas de nulidade da sentença”, são as que vêm, taxativamente, consagradas no referido preceito, o qual estabelece, na al. d), do nº1 que a sentença é nula quando “d) O juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar …”. São as nulidades de sentença vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (error in procedendo). Como vícios intrínsecos de tal peça processual, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito. Tais vícios não se confundem com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris). Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação das regras de direito e dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso[2]. E os vícios da sentença, taxativamente enumerados no referido preceito, respeitam uns à sua estrutura e outros aos limites da mesma, respeitando àquela os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão) e a estes os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)”[3]. Analisemos o vício que lhe é apontado, consagrado na al. d), respeitante aos limites da sentença. Na decisão, devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, não a constituindo a omissão de consideração de linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado[4], dada, desde logo, a não sujeição do juiz às alegações das partes no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC)[5]. Assim, cabe distinguir “questões” das “razões ou argumentos”, pois que uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar e outra, diversa, é invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção. “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”[6]. A não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, não a sendo suscetível de determinar a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões e também a não determina a errada apreciação conferida a uma questão, qualquer que ela seja. A nulidade da sentença, por omissão ou excesso de pronúncia, há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta o dever do juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. No caso não houve omissão de pronúncia, antes o tribunal remeteu as partes para os meios comuns, para que aí a questão pudesse ser decidida com maiores garantias das partes. Não omitiu o Tribunal pronúncia, antes, apreciando, decidiu, remeter as partes para os meios comuns, para que, aí, a questão possa ser decidida com maiores garantias. Destarte, improcedem, as referidas conclusões da apelação, não padecendo a decisão do vício, previsto na al. d), do nº1, do art. 615º, nulidade por omissão de pronúncia, antes o Tribunal, proferindo decisão e usando da faculdade que lhe é conferida, remeteu as partes para os meios comuns. Improcede, pois, a arguida nulidade da decisão. * - Da ilicitude da remessa dos interessados para os meios comuns. Insurgiu-se o apelante contra a decisão que remeteu os interessados para os meios comuns. Ora, na verdade, à tramitação dos incidentes do processo de inventário, não especialmente regulados na lei, é aplicável, por força do disposto no nº1, do art. 1091º, o disposto nos artigos 292.º a 295.º. E suscitam-se, no âmbito do processo de inventário, questões, para cuja resolução se revelem inadequados os constrangimentos daquele processo (cfr. art. 1091º, nº1, a remeter para o regime dos incidentes), cuja tramitação difere da prevista para o processo comum ou para os processos especiais e, embora tais questões possam ser conhecidas no processo de inventário, pode justificar-se a remessa dos interessados para os meios comuns. Encontram-se nessa situação os casos em que para a apreciação das questões se revele inadequada a tramitação no processo de inventário para assegurar as garantias dos interessados, tendo em conta restrições probatórias e a menor solenidade associada a uma tramitação de cariz incidental, designadamente no que se reporta a meios de prova (v. arts 1091º e 1105º, nº3), a poder justificar que valores de segurança e justiça prevaleçam sobre os de celeridade. Na decisão a tomar impõe-se a ponderação das razões apresentadas no sentido da resolução incidental da questão e as vantagens da remessa para os meios comuns[7], sendo que tal remessa não é um “poder discricionário do juiz (…), não pode ser orientada por meras razões de comodidade ou de facilitismo; apenas se justifica quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto (situação diversa daquela em que a complexidade respeite a questões de direito que devem ser apreciadas pelo juiz no próprio processo de inventário, nos termos do art. 91º, nº1), a tramitação do inventário se revele inadequada por implicar, designadamente, uma efetiva redução das garantias dos interessados, por comparação com o que pode ser alcançado através dos meios comuns”[8]. Como se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 29/1/2015, relatado pelo Senhor Juiz Desembargador António Sobrinho, “o processo de inventário é o meio processualmente adequado para se dirimirem todas as questões que possam influenciar a partilha, designadamente no que toca aos bens que fazem parte da herança, e apenas se aí não puderem ser resolvidas é que as partes serão remetidas para os meios comuns"[9], podendo e devendo sê-lo, neste caso, pois que, como bem considerou o Tribunal a quo, se não dispõe dos elementos factuais que permitam definir, com segurança, a questão em apreço, entendendo não ser suficiente a prova produzida. E a decisão sobre a remessa dos interessados para os meios comuns tanto pode ter lugar antes como depois da produção da prova; existem certas questões relativamente às quais se pode, desde logo, e sem qualquer risco, concluir que a índole sumária da prova a produzir no processo de inventário não permitirá aí decidir[10] e outras em que tal se revele, apenas, após a produção da prova oferecida. Estamos, pois, ao nível dos pressupostos fácticos que permitiriam a subsunção jurídica do caso e da respetiva prova. E ante a falta de prova consistente foram os interessados remetidos para os meios comuns. “Havendo oposição unânime ao reconhecimento de dívidas, cabe ao juiz decidir sobre a sua existência e montante, desde que os documentos apresentados permitam a formulação de um juízo seguro sobre tal matéria (nº3). Se acaso houver necessidade de produzir provas, v.g. prova testemunhal, como, aliás, o permite o nº3 do art. 1105º, a decisão sobre a existência e o montante da dívida ocorrerá até à prolação do despacho previsto na al. a), do nº1, do art. 1110º, ou neste mesmo despacho. Fica salvaguardada, em qualquer dos casos, a possibilidade de os interessados serem remetidos para os meios comuns, quando não haja elementos que permitam uma decisão segura, nos termos do preceito geral do art. 1093º, embora tal não implique, por regra, a suspensão da instância no processo de inventário, que prosseguirá quanto à restante matéria”[12]. Atendendo às limitações da prova apresentada, não existe prova que, de forma segura, permita decidir. E não permitindo, por insuficiência, decidir, com segurança, no inventário, a questão, requerendo mais aprofundada instrução, averiguação e análise, que não pôde ser objeto de indagação incidental em tal processo, deve o juiz remeter os interessados para os meios comuns – cfr. artigo 1093.º, do Código de Processo Civil - que oferecem garantias processuais acrescidas, permitindo-se às partes, de modo mais ativo e eficaz influenciar a decisão - quer ao nível da alegação fáctica e contradição quer ao nível das provas quer ao da influência jurídica - nos moldes consagrados para as ações declarativas comuns, não balizadas pelos termos processualmente simplificados do incidente, e, assim, ser alcançada, quanto à questão, uma solução mais justa, por fruto da comparticipação colaborante dos interessados. * As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente dada a improcedência da sua pretensão recursória (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil). * III. DECISÃO Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam, por maioria, em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida. * Custas pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie. 
 
 
 Porto, 10 de março de 2025 
 Assinado eletronicamente pelos Senhores Juízes Desembargadores 
 Eugénia Cunha 
 Fátima Andrade (vencida conforme voto que se anexa). [Voto de vencida – art.º 663.º, n.º 1, in fine, do C.P.C.: Concordando com os considerandos jurídicos que justificam, no âmbito do processo de inventário, a remessa das partes para os meios comuns quando em causa está questão cuja complexidade factual torna inconveniente a sua apreciação neste processo, por a mesma implicar a redução das garantias das partes, afigura-se-me que no caso concreto tal complexidade ou redução da garantia de um processo equitativo entre os interessados se não verifica. Na verdade está em causa o relacionamento de uma verba como passivo referente a despesas com impostos, condomínio, prestações de crédito à habitação e prestações de crédito automóvel, para além de seguros (pagamento de prémios) suportados pelo CC e relacionados com o património comum do casal relacionado como ativo. Passivo que este quantificou em requerimento de 11/11/24, defendendo dever a ex-cônjuge suportar metade de tais valores. Juntou o CC prova documental. Esta não impugnada. Apurar se os valores reclamados foram efetivamente suportados pelo CC reclamante não é em nossa opinião, desde já expressando respeito pela opinião que fez vencimento, matéria que exija nem larga, nem complexa indagação fáctica que justifique com fundamento na redução da garantia das partes, a remessa das mesmas para os meios comuns. Aliás e afigurando-se ao tribunal a quo que algumas dessas despesas carecem ainda de prova adicional, poderá ao abrigo do disposto no artigo 411º do CPC ordenar as diligências que tiver por necessárias e oportunas. Tudo o demais quanto à obrigação da ex-cônjuge em suportar as despesas reclamadas - obrigação que esta questionou - é questão de direito. Nesta medida revogaria a decisão, para o tribunal a quo proceder em conformidade e conhecer a questão.]. 
 Jorge Martins Ribeiro ________________________________ |