Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
137/09.0TELSB-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: PARECER TÉCNICO
PROVA DOCUMENTAL
TRÂNSITO EM JULGADO
MINISTÉRIO PÚBLICO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
CRIME DE BRANQUEAMENTO
Nº do Documento: RP20231122137/09.0TELSB-D.P1
Data do Acordão: 11/22/2023
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ASSISTENTE E PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - Um parecer técnico não serve como meio de prova, mas tão-somente ajuda a esclarecer o espírito do julgador, pelo que não deve ele ser considerado documento, podendo ser junto aos autos na primeira instância em qualquer estado do processo e nos tribunais superiores até se iniciarem os "vistos" dos juízes.
II - Um acórdão da Relação sem possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não transita em julgado antes de decorrido o prazo de dez dias sobre a data da sua prolação ou notificação ao sujeito processual, no caso de não ser arguida qualquer nulidade, ou até que seja decidida a reclamação/arguição de nulidade.
III - A Magistratura do Ministério Público é una e não pode defender uma posição em primeira instância e outra posição contraditória (pelo menos em parte) em sede de recurso; por isso, no caso sub iudice, tendo-se conformado o Ministério Público com a não verificação de trânsito em julgado da decisão proferida em primeira instância, não pode o mesmo Ministério Público vir agora considerar-se parte vencida numa tese diferente, que é a de que se verificou esse trânsito em julgado.
IV - O prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368.º-A do Código Penal é determinado em função da pena máxima que lhe é (abstratamente) aplicável estabelecido no seu n.º 3, e em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 118.º do Código Penal.
V - A limitação à pena concreta do artigo 368.º-A, n.º 12, do Código Penal não constitui um novo tipo de crime e não traduz nenhuma circunstância modificativa atenuativa privilegiante, mas apenas um travão fixado por razões de proporcionalidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n º 137/09.0TELSB-D.P1

Relator: Paulo Costa
Adjuntos: Donas Botto
Maria Joana Grácio



Acordam em Conferência na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.


1 Relatório

Nos autos nº Proc. n º 137/09.0TELSB-D.P1 que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto - juiz 14, foi proferido o seguinte despacho:

“Da prescrição do procedimento criminal quanto a AA (cfr. ref.ª 348278 de 30-09-2022):
I. Da Tramitação Processual:

Nestes autos, o inquérito foi registado e autuado em 06-11-2009 com base no envio por parte do “Banco 1..., S.A.”, doravante Banco 1..., de cópia integral dos processos disciplinares instaurados contra os empregados daquela instituição bancária, AA, relativamente ao qual já havia sido proferida decisão de despedimento, e BB, bem como de um Relatório da Direção de Auditoria Interna sobre os factos objeto dos processos disciplinares e de dois pareceres que sobre o assunto foram emitidos pela Direção de Assuntos Jurídicos (cfr. fls. 2 do Volume I).
AA foi constituído arguido em 28-02-2014 (cfr. fls. 997 do Volume III) e em 03-06-2019 foi notificado da acusação contra si deduzida (cfr. fls. 1697 do Volume V) e onde lhe foi imputada a prática, em autoria imediata e sob a forma consumada, de 1 crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 202.º, al. b), 217.º, e 218.º, n.º 2, al. a), do Código Penal (C.P.), e em coautoria e sob a forma consumada, de 1 crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368.º-A do C.P. (cfr. fls. 1658 a 1687 do Volume V).
Na sequência do requerimento de abertura de instrução que apresentou em 24-06-2019 (cfr. fls. 1701 e segs. do Volume V), em 20-12-2019 foi proferido contra AA despacho de pronúncia, pelos mesmos factos e com o mesmo enquadramento jurídico-penal da acusação deduzida (cfr. fls. 1900 a 1913 do Volume VI), e que foi notificado àquele mediante via postal simples, por meio de carta depositada em 24-12-2019 [1] (cfr. ref.ª 410672576 de 20-12-2019 e fls. 1916 v.º do Volume VI) na morada por ele indicada para o efeito no termo de identidade e residência a que foi sujeito (cfr. fls. 999 do Volume III).
Em 14-01-2020 o processo foi distribuído neste juízo central criminal do Porto como comum coletivo, pese embora o mesmo não tenha sido enviado na sua totalidade pelo juízo de instrução criminal do Porto, faltando os anexos (cfr. ref.ªs 411249020 de 21-01-2020, 411690283 de 28-10-2020). Na verdade, só em 29-01-2020 foram enviados os anexos em falta (cfr. ref.ª 412842683 de 29-01-2020).
Por despacho de 06-03-2020 foram designados para a realização da audiência de julgamento os dias 17-06-2020, 01-07-2020 e 08-07-2020, tendo em conta a disponibilidade da sala de audiências onde era possível utilizar a aplicação informática SIIP (Sistema Integrado de Informação processual) a que se determinou recorrer para a produção de prova em audiência de julgamento (cfr. ref.ª 412858711 de 05-03-2020).
Tal despacho foi notificado àquele AA mediante via postal simples, por meio de carta depositada em 13-03-2020 [2] (cfr. ref.ªs 413175989 de 10-03-2020 e 25478718 de 19-03-2020) na morada por ele indicada para o efeito no termo de identidade e residência a que foi sujeito (cfr. fls. 999 do Volume III).
Entretanto, antes ainda da declaração do primeiro estado de emergência em Portugal, ocorrida através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18-03-2020, o Governo adotou um primeiro conjunto de “medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19”, de carácter transversal, através do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13-03. Em matéria de atos e diligências processuais e procedimentais, estabeleceu-se aí a suspensão dos prazos para a prática de atos processuais ou procedimentos que devessem ser praticados junto de tribunais, designadamente judiciais, cujas instalações tivessem sido encerradas ou nas quais o atendimento presencial tivesse sido suspenso, por decisão de autoridade pública com fundamento no risco de contágio da COVID-19, enquanto perdurasse tal encerramento ou suspensão (cfr. arts. 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 1).
O diploma entrou em vigor no dia 14-03-2020 (cfr. art.º 36.º), produzindo efeitos a 09-03-2020 relativamente, entre outras, às normas previstas para atos e diligências processuais e procedimentais (cfr. art.º 37.º).
Tal regime foi revogado pelo art.º 9.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 78-A/2021, de 29-09, que entrou em vigor no dia 30-09-2021 (cfr. art.º 11.º) mas que produziu efeitos a 01-10-2021 (cfr. art.º 10.º).
Ao referido Decreto-Lei n.º 10-A/2020 seguiu-se a Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, publicada, portanto, no dia seguinte ao decretamento do estado de emergência, que complementou a disciplina constante daquele primeiro diploma através da aprovação de um novo conjunto de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-1.
Tendo entrado em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (cfr. art.º 11.º), mas produzindo “efeitos à data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março” (cfr. art.º 10.º), efeitos estes que ratificou (cfr. art.º 1.º, al. a), a referida Lei veio estabelecer um conjunto de medidas relativas a prazos e diligências (cfr. art.º 7.º). Assim, os atos processuais e procedimentais que devessem ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos a correr termos, designadamente, nos tribunais judiciais, passaram a estar sujeitos ao regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 (cfr. art.º 7.º, n.º 1), em data a definir por decreto-lei, no qual se declararia o termo da situação excecional (cfr. art.º 7.º, n.º 2). Paralelamente, esta situação excecional passou a constituir igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos (cfr. art.º 7.º, n.º 3), prevalecendo tal regra sobre quaisquer regimes que estabelecessem prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorasse a situação excecional (cfr. art.º 7.º, n.º 4).
A Lei n.º 1-A/2020, de 19-03 foi alterada, pela primeira vez, pela Lei n.º 4-A/2020, de 06-04, cuja vigência se iniciou no dia seguinte ao da sua publicação (cfr. art.º 10.º). Para além de incluir uma norma interpretativa da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, de acordo com a qual o art.º 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, deveria ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 09-03-2020, prevista no art.º 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13-03, para o início da produção de efeitos dos seus arts. 14.º a 16.º, como a data de início de produção de efeitos das disposições do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19-05 (cfr. art.º 5.º), a Lei n.º 4-A/2020, de 06-04 procedeu, no seu art.º 2.º, à alteração do art.º 7.º daquela Lei n.º 1-A/2020, de 19-03.
Tal alteração consistiu na substituição da referência ao regime das férias judiciais que até então vigorava em matéria de prazos e de diligências, pela suspensão, pura e simples, de todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devessem ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos a correr termos, designadamente, nos tribunais judiciais, até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 (cfr. art.º 7.º, n.º 1), a decretar nos termos que resultavam já da previsão do respetivo n.º 2. Enquanto perdurasse, a situação excecional continuou a constituir causa de suspensão dos prazos de prescrição relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, regra cuja prevalência se manteve sobre quaisquer regimes que estabelecessem prazos máximos imperativos de prescrição (cfr. art.º 7.º, n.ºs 3 e 4, cuja redação não foi alterada). No entanto, estabeleceu-se que tal regime não obstava “(…) à tramitação dos processos e à prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente” (cfr. art.º 7.º, n.º 5, al. a).
A nova redação conferida ao art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03 produziu os seus efeitos a 09-03-2020 (cfr. art.º 6.º da Lei n.º 4-A/2020, de 06-04).
Ora, no âmbito do presente processo, em 20-04-2020 foi proferido despacho pelo qual, tendo presente que:
- O presente processo não assumia natureza urgente;
- Faltavam então mais do que 20 dias para a primeira das datas designadas para a audiência de julgamento e, assim, um prazo superior ao que os arguidos dispunham para contestar e apresentarem prova (cfr. art.º 315.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (C.P.P.), na redação anterior à Lei n.º 94/2021, de 21-12);
- Os juízes, magistrados do Ministério Público, oficiais de justiça e advogados tinham acesso remoto ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (cfr. Divulgação n.º 69/2020 de 11-03-2020 do CSM, 1.ª aditamento de 11-03-2020, 2.º aditamento de 12-03-2020 e Divulgação n.º 81/2020 de 20-03-2020 do CSM e respetiva correção de 21-03-2020, Diretiva da PGR n.º 2/2020, de 30-03- 2020 e Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto);
- A partir do dia 06-03-2020, com a ativação do plano de contingência do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, só era permitida a entrada neste juízo central criminal do Porto às pessoas que estivessem convocadas para diligências processuais ou que tivessem motivo absolutamente inadiável que não pudessem tratar informaticamente ou por telefone (cfr. https://comarcas.tribunais.org.pt/comarcas/noticia.php?com=porto&id_noticia=671), medida que passou a constituir orientação geral para todos os tribunais a partir de 11-03-2020 por parte da Direcção-Geral da Administração da Justiça (cfr. https://dgaj.justica.gov.pt/Portals/26/Not%C3%ADcias/COMUNICADO%20COVID%2019.pdf?ver=2020-03-11-102638-273) o que, na prática, impedia que à audiência de julgamento a realizar nestes autos assistisse qualquer pessoa distinta dos sujeitos processuais (cfr. art.º 87.º, n.º 1, do C.P.P.);
- Tinha sido assegurado pelo IGFEJ que era tecnicamente viável o recurso a meio adequado de comunicação à distância que permitisse a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, mediante várias ligações em simultâneo (cfr. ofício n.º 2020/OFC/01342 de 13-04-2020 do CSM); ao abrigo do disposto no art.º 7.º, n.º 5.º, al. a), da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redação decorrente da Lei n.º 4-A/2020, de 06-04, foi ordenada a notificação, em primeiro lugar, dos ilustres mandatários dos arguidos, por via eletrónica, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (cfr. art.º 113.º, n.º 11 e n.º 12, do C.P.P.), para, em 1 dia, cada um deles declarar, sem necessidade de justificação, se entendia ter ou não condições para assegurar a tramitação do presente processo, a apresentação da contestação acompanhada de eventual rol de testemunhas em defesa do respetivo arguido, no prazo de 20 dias e através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, ou se prescindia da sua apresentação, bem como se entendia ter ou não condições para participar na audiência de julgamento na data designada, ainda que com recurso a meio adequado de comunicação à distância que permitisse a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, mediante várias ligações em simultâneo (cfr. ref.ª 413771411 de 20-04-2020).
No dia 21-04-2020 foi enviada ao ilustre mandatário de AA, por via eletrónica através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, a dita notificação [3] (cfr. ref.ª 413805565 de 21-04-2020).
Em 22-04-2020, através do referido sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, o ilustre mandatário de AA veio opor-se ao levantamento da suspensão e à realização da audiência de julgamento nos apontados moldes (cfr. ref.ª 25667590 de 22-04-2020).
Em consequência, em 28-04-2020 foi proferido despacho declarando que os prazos para a prática de atos processuais permaneciam suspensos até ser declarado o termo da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 (cfr. art.º 7.º, n.º 1 e n.º 2, da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redação decorrente da Lei n.º 4-A/2020, de 06-04) e que, até lá, face à posição assumida, não se realizaria a audiência de julgamento, nem mesmo através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente (cfr. art.º 7.º, n.º 5, al. a), da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redação decorrente da Lei n.º 4-A/2020, de 06-04).
Mais se ordenou que após a cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 a secretaria deveria aguardar o decurso do prazo a que aludia o art.º 315.º do C.P.P., na redação anterior à Lei n.º 94/2021, de 21-12, acrescido daquele outro a que alude o art.º 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (C.P.C.) ex vi arts. 107.º, n.º 5, e 107.º-A, do C.P.P. ou, antes do seu termo, a apresentação da contestação acompanhada do rol de testemunhas.
Foram ainda dadas sem efeito as datas designadas uma vez que, conforme se consignou então expressamente, até 03-06-2022 estava suspenso o prazo de prescrição do procedimento criminal por força da notificação da acusação ao arguido (cfr. art.º 120.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do C.P.) e, embora se desconhecesse a data em que a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 cessaria, continuavam a ser então distribuídos a este juízo central criminal do Porto diversos processos referentes a arguidos em prisão preventiva ou sujeitos a obrigação de permanência na habitação, cuja audiência de julgamento tinha precedência sobre qualquer outro julgamento (cfr. art.º 312.º, n.º 3, do C.P.P., na redação anterior à Lei n.º 94/2021, de 21-12), faltando então tomar declarações a um demandante e serem inquiridas 42 testemunhas no âmbito da audiência de julgamento iniciada a 11-03-2020 no âmbito do processo n.º 358/15.7PCLSB (cfr. ref.ª 413889193 de 28-04-2020).
O art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03 veio a ser integralmente revogado pela Lei n.º 16/2020, de 29-05, que alterou as medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença Covid-19, produzindo os seus efeitos a partir do dia 03-06-2020 (cfr. arts. 8.º e 10.º). Em sua substituição, foi aditado à Lei n.º 1-A/2020 o artigo 6.º-A, que estabeleceu um regime processual transitório e excecional para as diligências a realizar no decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, no âmbito dos processos e procedimentos a correr termos, designadamente, nos tribunais judiciais, sendo o regime de suspensão dos prazos de prescrição durante a situação excecional, que continuou a estar prevista, apenas aplicável aos processos cujas diligências não se pudessem realizar nos termos então definidos (cfr. art.º 6.º-A, n.º 6, als. d) e e), n.º 8), solução que foi mantida nos diplomas posteriores que alteraram, na parte em causa, a Lei n.º 1-A/2020, de 19-03 (cfr. arts. 6.º-B, n.ºs 2 e 3, aditado pelo art.º 2.º da Lei n.º 4.º-B/2021, de 01-02, e 6.º-E, n.º 7, al. e), aditado pelo art.º 3.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05-04).
AA apresentou contestação e arrolou testemunhas em 22-06-2020 (cfr. ref.ª 26073201 de 22-06-2020) [4], tudo tendo sido admitido por despacho de 30-06-2020 (cfr. ref.ª 415366010) pelo qual se designaram os dias 23-09-2020, 14-10-2020 e 28-10-2020, para a realização da audiência de julgamento, tendo em conta a disponibilidade da sala de audiências onde era possível utilizar a aplicação informática SIIP (Sistema Integrado de Informação processual) a que se recorreu para a produção de prova em audiência de julgamento.
A audiência de julgamento decorreu ao longo de 6 sessões entre 23-09-2020 e 26-11-2020 (cfr. ref.ªs 417465519 de 23-09-2020, 418160458 e 418160475 de 14-10-2020, 418643990 e 418644052 de 28-10-2020 e 419666495 de 26-11-2020), sendo que no final desta última foi proferido despacho com o seguinte teor: “Atenta a necessidade de ponderação do acervo documental reunido nos autos é óbvio que não é possível proceder, de imediato, à deliberação e elaboração do acórdão.
O presente processo não tem arguidos privados de liberdade à ordem, não estando, pois, em causa a necessidade de garantir a liberdade das pessoas (cfr. art.º 103.º, n.º 2, al. a), do C.P.P.).
Não existe risco de prescrição do procedimento criminal uma vez que o respetivo prazo está até suspenso por três anos e desde 03-06-2019 (cfr. art.º 120.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do C.P.P.).
Tenho para elaborar dois acórdãos em processos referentes a arguidos privados de liberdade (cfr. art.º 103.º, n.º 2, al. a), do C.P.P.), cujas leituras estão designadas para o próximo dia 16-12-2020 (processos n.ºs 17/20.9PEMTS e 9659/19.4P9PRT).
Para além disso, entretanto, terei que presidir ao tribunal coletivo nas audiências de julgamento a realizar no âmbito dos processos 61/18.6SLPRT, 669/17.7JAPRT e 64/20.0PDPRT, sendo este último referente a arguido privado de liberdade (cfr. art.º 103.º, n.º 2, al. a), do C.P.P.).
Acresce que de 22-12-2020 e até 03-01-2021 decorrem as férias judiciais (cfr. art.º 28.º da LOSJ), sendo que a partir de 01-02-2021 e até 18-02-2021, integrarei o tribunal coletivo no processo 230/14.8TAVLG, com sessões também marcadas para os dias 2, 3, 4 e 17 do mesmo mês.
Assim, para leitura do acórdão, designo o próximo dia 28-01-2021, pelas 14h, neste juízo central criminal do Porto, continuando os arguidos dispensados de comparecer”.
Em 28-01-2021 procedeu-se à leitura do acórdão pelo qual foi AA condenado em concurso efetivo, como autor imediato e sob a forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 202.º, al. b), 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. a), do C.P., consumado em 12-07-2004, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, e como coautor e sob a forma consumada, de um crime de branqueamento, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 10, do C.P., na redação vigente à data dos factos e decorrente da Lei n.º 11/2004, de 27 de março, de acordo com a retificação n.º 45/2004, de 05-06, cujo último ato foi praticado em 16-08-2004, na pena de 4 anos de prisão, na pena única de 7 anos e 10 meses de prisão, tendo sido dado como provado que integrou no seu património 1 250 000 EUR, causando ao Banco 1... um prejuízo de igual montante (cfr. ref.ª 421397940).
O acórdão foi depositado em 28-01-2021 (cfr. ref.ª 421397973).
Em 10-02-2021 AA veio requerer a prorrogação do prazo de recurso por igual tempo do prazo legal (cfr. ref.ª 28118739), o que foi indeferido por despacho de 11-02-2021 (cfr. ref.ª 421840770), tendo o recurso interposto de tal despacho, onde se mencionava que o recurso tinha efeito meramente devolutivo (cfr. ref.ª 28146332 de 15-02-2021), e que foi admitido com efeito meramente devolutivo (cfr. ref.ª 421951898 de 16-02-2021) [5] sido julgado extinto por inutilidade superveniente da lide, atento o recurso do acórdão condenatório entretanto interposto, por decisão sumária do Tribunal da Relação do Porto de 17-05-2021 [6] (cfr. ref.ª 14630886 de 17-05-2021).
Na verdade, em 02-03-2021, 1.º dia útil após o termo do prazo de 30 dias (cfr. art.º 411.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.), AA veio interpor recurso do acórdão condenatório (cfr. ref.ª 28268285), que foi admitido por despacho de 08-03-2021 (cfr. ref.ª 422290719).
Na sequência das notificações efetuadas, foram apresentadas respostas pelo Ministério Público em 22-03-2021 (cfr. ref.ª 28408203) e pela assistente em 29-03-2021 (cfr. ref.ª 28464915), admitidas por despacho de 30-03-2021 (cfr. ref.ª 423242798), retificado por despacho de 01-04-2021 (cfr. ref.ª 423333068).
O processo foi remetido ao Tribunal da Relação do Porto em 06-04-2021 (cfr. ref.ª 423326021), quer eletronicamente quer em suporte em papel, tendo ainda sido enviado suporte informático contendo a digitalização dos 5 primeiros volumes do processo principal e de todos os “apensos”, “anexo” e “documentos”.
Por despacho de 21-05-2021 da Exma. juíza desembargadora relatora do Tribunal da Relação do Porto foi o recorrente AA convidado a, em 10 dias, formular novas conclusões relativamente ao recurso interposto (cfr. ref.ª 14602359).
Em 07-06-2021, acedendo ao convite, o recorrente AA veio apresentar a reformulação das conclusões (cfr. ref.ª 319051 de 07-06-2021).
Por acórdão de 21-12-2021 do Tribunal da Relação do Porto foi decidido julgar parcialmente provido o recurso interposto e, em consequência, condenar AA, em concurso efetivo, como autor imediato e sob a forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 202.º, al. b), 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. a), do C.P., consumado em 12-07-2004, baixando a pena para 5 anos e 6 meses de prisão, e como coautor e sob a forma consumada, de um crime de branqueamento, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 10, do C.P., na redação vigente à data dos factos e decorrente da Lei n.º 11/2004, de 27 de março, de acordo com a retificação n.º 45/2004, de 05-06, cujo último ato foi praticado em 16-08-2004, mantendo a pena de 4 anos de prisão, baixando a pena única para 6 anos e 6 meses de prisão, mantendo, no mais, no que à parte crime concerne, o acórdão recorrido, fazendo constar expressamente que “a parte criminal fica definitivamente julgada, nesta instância” (cfr. ref.ª 15240837).
O ilustre mandatário de AA foi notificado do dito acórdão por via eletrónica enviada em 21-12-2021 [7] (cfr. ref.ª 15274892 de 21-12-2021).
Em 18-01-2022 e, assim, no 3.º dia útil após o termo do prazo de 10 dias (cfr. art.º 105.º, n.º 1, do C.P.P.), AA apresentou no Tribunal da Relação do Porto requerimento pelo qual arguiu nulidades do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-12-2021 (cfr. ref.ª 330793).
Em 21-01-2022 AA requereu no Tribunal da Relação do Porto a prorrogação por mais 20 dias do prazo, previsto no art.º 411.º, n.º 1, do C.P.P., para interpor recurso daquele acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. ref.ª 331083).
Por despacho de 25-01-2022 da Exma. juíza desembargadora relatora do Tribunal da Relação do Porto, não obstante o exarado na parte final do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-12-2021 [8], foi prorrogado por 10 dias o prazo normal de 30 dias para apresentação da motivação do recurso, previsto no art.º 411.º, nº 1, do CPP, fixando-se, portanto, o prazo do anunciado recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, no caso concreto, em 40 dias, tendo ainda sido ordenada a inscrição em tabela para a próxima conferência ordinária (cfr. ref.ª 15357941).
Em 27-01-2022 foi o processo inscrito em tabela para a sessão do dia 09-02-2022 (cfr. ref.ª 15365247).
Em 28-01-2022 AA veio requerer que a apreciação da arguição de nulidades fosse sobrestada até que fosse proferida decisão sobre o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, então ainda não interposto, atento o carácter subsidiário daquela arguição (cfr. ref.ª 331493).
Em 28-01-2022 a Exma. juíza desembargadora relatora do Tribunal da Relação do Porto proferiu despacho com o seguinte teor:
Uma vez que o arguido/reclamante argumenta que os vícios arguidos em reclamação foram subsidiariamente arguidos e que, consequentemente, a sua apreciação apenas deverá ter lugar se o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que mais uma vez anuncia interporá, não vier a ser admitido, aguarde a interposição de recurso, dando-se sem efeito, por ora, a Conferência para apreciação das nulidades.
Retire, consequentemente, o processo da tabela ou não o inscreva” (cfr. ref.ª 15374024), tendo o processo sido retirado da tabela (cfr. ref.ª 15375680 de 31-01-2022).
Em 17-02-2022 AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça daquele acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-12-2021 (cfr. ref.ª 332970).
Não obstante o exarado na parte final do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-12-2021 [9] por despacho judicial de 23-02-2022 da Exma. juíza desembargadora relatora do Tribunal da Relação do Porto o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (cfr. ref.ª 15471844).
Por acórdão de 19-05-2022, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso interposto, por inadmissibilidade legal visto estar-se perante uma situação de dupla conforme in mellius (cfr. arts. 400.º, n.º 1, al. f), 414.º, nº 2, 420.º, n.º 1 al. b), 432.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.), pelo que todas as questões nele suscitadas fossem elas de inconstitucionalidade, processuais e/ou substantivas, interlocutórias, incidentais ou finais, não poderiam ser conhecidas, não estando o S.T.J. vinculado à admissão do recurso efetuada pelo Tribunal da Relação do Porto (cfr. art.º 414.º, n.º 3, do C.P.P.), ordenando que, após trânsito em julgado, fosse o processo remetido ao Tribunal da Relação do Porto, face ao teor do requerimento aí apresentado pelo arguido em 18-01-2022 e para apreciação do lapso de escrita ocorrido no 2.º § da pág. 184 do acórdão recorrido (cfr. ref.ª 10865546).
Em 26-05-2022 AA veio arguir junto do Supremo Tribunal de Justiça uma irregularidade processual (cfr. ref.ª 172064).
Em 06-06-2022 AA veio arguir junto do Supremo Tribunal de Justiça a nulidade do acórdão (cfr. ref.ª 172534).
Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2022 foi indeferida a reclamação e a arguição de nulidade apresentadas (cfr. ref.ª 11012876).
Em 30-09-2022, AA requereu ao Tribunal da Relação do Porto que o mesmo:
a) ordenasse o envio dos autos a este juízo central criminal do Porto para que aqui fosse conhecida e declarada a prescrição do procedimento criminal e consequentemente declarada a sua extinção, quer quanto ao crime de burla qualificada quer quanto ao crime de branqueamento pelos quais aquele foi condenado;
b) subsidiariamente, para o caso de ser apenas declarado prescrito o procedimento criminal pelo crime de burla qualificada, mantendo o procedimento criminal pelo crime de branqueamento e, portanto, a condenação do requerente em 4 anos de prisão, que fosse anulado o cúmulo jurídico efetuado e agendada nova audiência junto deste juízo central criminal do Porto para apreciação da possibilidade de aplicação ao requerente da suspensão da execução da pena de prisão;
c) ainda, e sempre a título subsidiário, apenas para o caso deste juízo central criminal do Porto considerar que apenas prescreveu o procedimento criminal quanto ao crime de burla qualificada, mas não quanto ao de branqueamento, que fosse proferido novo acórdão por este juízo aplicando a suspensão da execução da pena de prisão por atualmente ser esse o único modo adequado à satisfação das necessidades de prevenção e reintegração do requerente na sociedade que ainda possam verificar-se no caso sub iudice;
d) num duplo grau de subsidiariedade, caso o Tribunal da Relação do Porto entendesse que não deveria ordenar o envio dos autos a este juízo central criminal do Porto para apreciação das questões de prescrição do procedimento criminal e suas consequências, fosse o Tribunal da Relação do Porto a apreciar a prescrição e a extrair as suas consequências (cfr. ref.ª 348278).
Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-10-2022 foi decidido indeferir a reclamação apresentada e procedeu-se à correção dos lapsos do acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto em 21-12-2021 e do acórdão proferido pelo juízo central criminal do Porto em 28-01-2021, consignando-se no final “relativamente ao requerimento apresentado para apreciação da(s) prescrição(ões) invocada(s), em virtude da necessidade de acautelar o recurso da decisão que sobre ele recair, tal requerimento será conhecido na primeira instância, aliás, como pedido em via principal” (cfr. ref.ª 16217253).
O ilustre mandatário de AA foi notificado do dito acórdão por via eletrónica enviada em 19-10-2022 [10] (cfr. ref.ª 16223307 de 19-10-2022).
Em 28-10-2022 AA requereu ao Tribunal da Relação do Porto que, com urgência, fosse ordenada a remessa dos autos a este juízo central criminal do Porto por forma a que a referida questão de prescrição pudesse, com toda a possível brevidade, ser conhecida (cfr. ref.ª 350414).
No Tribunal da Relação do Porto, em 03-11-2022 a Exma. juíza desembargadora relatora proferiu despacho judicial com o seguinte teor: “Atento o teor do requerimento que antecede remeta o requerimento a invocar a prescrição à primeira instância para apreciação. Após, aguardem os autos os prazos em curso e se nada for requerido envie também o processo” (cfr. ref.ª 16267347).
Nessa sequência, por ofício de 07-11-2022, complementado em 08-11-2021, foram remetidas a este juízo central criminal do Porto, “para apreciação o requerimento apresentado pelo recorrente/arguido AA no qual vem invocar prescrição do procedimento criminal”, cópias do referido requerimento apresentado por este no Tribunal da Relação do Porto em 28-10-2022, de 2 acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto, de 2 acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, do referido despacho judicial proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 03-11-2022 e do dito requerimento apresentado pelo arguido AA pelo qual invocou a prescrição do procedimento criminal (cfr. ref.ªs 16283298 de 07-11-2022 e 16290993 de 08-11-2022).
Por despachos de 09-11-2022 e 10-11-2022 foi decidido que, por impossibilidade [11], sem a remessa do processo a este juízo central criminal do Porto, não se apreciaria a questão da prescrição do procedimento criminal (cfr. ref.ªs 442018287 e 442064298).
Entretanto, no Tribunal da Relação do Porto, em 03-11-2022, AA interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-10-2022 para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. ref.ª 350748) e arguiu nulidades do acórdão de 19-10-2022 (cfr. ref.ª 350749).
Por despacho de 14-11-2022 da Exma. juíza desembargadora relatora do Tribunal da Relação do Porto aquele recurso não foi admitido (cfr. ref.ª 16299382), do que AA reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça, reclamação que aí foi indeferida em 20-12-2022, por decisão do Exmo. juiz conselheiro Vice-Presidente daquele Tribunal (cfr. ref.ª 11303857 do Apenso B). Dessa decisão, AA arguiu nulidades (cfr. ref.ª 181965 de 11-01-2023 do Apenso B), indeferidas por decisão de 13-01-2023 do Exmo. juiz conselheiro Vice-Presidente Supremo Tribunal de Justiça (cfr. ref.ª 11346515 do Apenso B). Dessa decisão, AA arguiu a sua nulidade por omissão de pronúncia, sendo que, por decisão de 25-01-2023 do Exmo. juiz conselheiro Vice-Presidente Supremo Tribunal de Justiça, não se tomou conhecimento daquela arguição, “por se apresentar como um incidente manifestamente repetido e infundado, com o qual apenas se pretende obstar ao trânsito em julgado da decisão final, manifestando falta de probidade processual” (cfr. ref.ª 11373360 do Apenso B).
Entretanto, por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-11-2022 foi indeferida a reclamação ao acórdão de 19-10-2022 (cfr. ref.ª 16319022).
Em 21-12-2022, AA interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-11-2022 para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. ref.ª 354106).
Por despacho de 06-01-2023 da Exma. juíza desembargadora relatora do Tribunal da Relação do Porto, o recurso não foi admitido (cfr. ref.ª 16489629), do que AA reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça, reclamação que aí foi indeferida em 14-02-2023, por decisão do Exmo. juiz conselheiro Vice-Presidente daquele Tribunal (cfr. ref.ª 11421773 do Apenso C).
Em 27-01-2023, AA, junto do Tribunal da Relação do Porto, veio reiterar o requerimento de 30-09-2022 [12] (cfr. ref.ª 356264).
Em 31-01-2023 a Exma. juíza desembargadora relatora do Tribunal da Relação do Porto, proferiu o seguinte despacho: “Remeta o requerimento que antecede à primeira instância para os fins que forem tidos por convenientes, por ser o tribunal competente apara a sua apreciação, como reconhece o requerente.
Os presentes autos aguardarão nesta instância até que estejam finalizadas as diligências que têm vindo a ser sucessivamente requeridas pelo recorrente.” (cfr. ref.ª 16568602).
Nessa sequência, por ofício de 31-01-2023, foi aquele requerimento remetido a este juízo central criminal do Porto (cfr. ref.ª 16574060).
Em 06-02-2023, neste juízo central criminal do Porto, foi proferido o seguinte despacho: “Informe o Tribunal da Relação do Porto que, sobre o requerimento apresentado e para este juízo central criminal remetido por aquele (cfr. ref.ª 34643198 de 03-02-2023), onde o requerente “reconhece” que o conhecimento da questão por ele muito suscitada junto daquele Tribunal da Relação depende do “reenvio dos autos à instância” (cfr. 1.º parágrafo da pág. 7 do requerimento), nada tenho a acrescentar aos despachos de 09-11-2022 (cfr. ref.ª 442018287) e de 10-11-2022 (cfr. ref.ª 442064298), oportunamente comunicados ao Tribunal da Relação do Porto (cfr. ref.ªs 442047630 de 09-11-2022 e 442124010 de 10-11-2022), que foram notificados a todos os sujeitos processuais interessados ou suscetíveis de serem afetados e não foram impugnados por meio processualmente válido no prazo facultado pela lei processual penal para o efeito” (cfr. ref.ª 444976914).
O processo só foi remetido a este juízo central criminal do Porto em 16-03-2023 (cfr. ref.ª 35083838).
Cumprido o contraditório, a assistente pugnou que o procedimento criminal não estava prescrito (cfr. ref.ª 35206473 de 28-03-2023).
Em resumo, alegou que:
- Quanto ao crime de burla qualificada, o prazo normal de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos, que se iniciou em 12-07-2004, tendo-se interrompido com a constituição de AA como arguido (quando haviam apenas decorrido 9 anos, 8 meses e 21 dias daquele prazo) e com a dedução/notificação da acusação em 29/30-05-2019 (quando desde a última interrupção apenas haviam decorrido 5 anos, 1 mês e 6 dias), pelo que faltariam 65 dias para ser atingido o prazo máximo da prescrição que, contudo, não foi alcançado pois a partir da notificação da acusação o prazo normal da prescrição esteve suspenso durante 3 anos. Assim, o prazo máximo só se atingiu em 02-08-2022, sendo que em 21-12-2021 foi proferido acórdão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a decisão condenatória, tendo o Supremo Tribunal de Justiça em 19-05-2022 determinado a inadmissibilidade do recurso interposto, indeferindo em 14-07-2022 a reclamação apresentada, pelo que antes de decorrido o prazo máximo de prescrição já havia já sido definitivamente julgada a questão penal.
- Quando ao crime de branqueamento ter-se-ia que se atender ao limite máximo abstratamente aplicável e não à determinação da medida concreta da pena, pelo que decorrendo da lei que aquele é de 12 anos será de 15 anos o prazo de prescrição do procedimento criminal por tal crime, pelo que atendendo às causas de interrupção e suspensão, o prazo máximo só terminaria em 16-02-2030.
A Digna Magistrada do Ministério Público teve vista dos autos e aderiu integralmente aos fundamentos invocados pela assistente (cfr. ref.ª 446940664 de 29-03-2023).
Em 03-04-2023 AA veio apresentar novo requerimento onde, para além de reiterar os requerimentos de 30-09-2022 e 27-01-2023 (cfr. itens 1 a 10), pronunciou-se diretamente sobre a posição assumida pela assistente, e a que o Ministério Público aderiu, sobre a questão da prescrição do procedimento criminal (cfr. itens 6, 11 a 31), alegando que o fazia “em homenagem ao princípio da colaboração com os Tribunais pelos quais os sujeitos processuais devem sempre pautar o seu comportamento processual” (cfr. ref.ª 35274970).

II. Da Inadmissibilidade Legal da peça processual apresentada por AA em 03-04-2023 (cfr. ref.ª 35274970):
A peça processual apresentada por AA em 03-04-2023 (cfr. ref.ª 35274970) não só reitera requerimentos que constam do processo, sendo por esse prisma desnecessária, como maioritariamente se pronuncia sobre a posição assumida pela assistente, e à qual aderiu o Ministério Público, sobre a questão da prescrição do procedimento criminal por si oportunamente suscitada, o que não está previsto na tramitação processual estabelecida na lei processual penal.
Deste modo, não sendo uma peça processual legalmente prevista, não é admissível, pelo que não pode permanecer no presente processo, tendo, assim, AA dado causa a uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide que terá que ser tributada (cfr. arts. 7.º, n.º 8, do RCP, Tabela II a ele anexa, 527.º, n.º 1, e n.º 2, do C.P.C. e 4.º do C.P.P.).

III. Da Determinação do Momento Temporal até ao qual pode ser suscitada e conhecida a Prescrição do Procedimento Criminal:
A questão da prescrição do procedimento criminal tem necessariamente de ser suscitada até ao trânsito em julgado da decisão condenatória. Na verdade, transitada em julgado a decisão, fica precludido o direito de requerer a prescrição do procedimento criminal em virtude do caso julgado entretanto constituído (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-09-2020, processo n.º 14814/16.6T8LRS-A.S1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03-06-2013, processo n.º 1037/08.7PBGMR-A.G1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-05-2016, processo n.º 372/01.0TALRA.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-06-2017, processo nº 51/15.0YUSTR.G.L1-5, in www.dgsi.pt).
O C.P.P. não define o conceito de trânsito em julgado pelo que, aplicando subsidiariamente o disposto no C.P.C., por força do disposto no art.º 4.º do C.P.P., aquele é definido no art.º 628.º do C.P.C. De acordo com este preceito legal “a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”. Ora, embora se preveja o prazo de 30 dias para a interposição de recurso (cfr. art.º 411.º, n.º 1, do C.P.P.), é apenas de 10 dias o prazo para arguir nulidades ou reclamar (cfr. arts. 105.º, n.º 1, 379.º e 380.º do C.P.P.).
Seja como for, “não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos” (cfr. art.º 400.º, n.º 1, al. f), do C.P.P.).
Ora, no presente caso, a confirmação em 21-12-2021 por parte do Tribunal da Relação do acórdão condenatório, ainda para mais in mellius, obstava a que o Supremo Tribunal de Justiça conhecesse de qualquer recurso interposto do acórdão de 21-12-2021 do Tribunal da Relação do Porto, face ao disposto no art.º 432.º, n.º 1, al. b), com referência à al. f), do n.º 1, do art.º 400.º, ambos do C.P.P., por tal decisão ser irrecorrível, na parte em que confirma a condenação da 1.ª Instância, e não aplica uma pena superior a 8 anos de prisão.
Cumpre relembrar que o Tribunal Constitucional já apreciou a constitucionalidade da norma do art.º 400.º, n.º 1, al. f), do C.P.P. e decidiu não a julgar inconstitucional. Com efeito, a Constituição da República ao reconhecer o direito ao recurso no seu art.º 32.º, n.º 1, do CRP não afirma nem pressupõe em parte alguma que deva haver três instâncias e duplo recurso, para mais se se está perante dupla conformidade de uma decisão in mellius proferida em 2.ª Instância. Assim, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela conformidade constitucional deste regime, o que sucedeu, nomeadamente, no Acórdão n.º 186/2013, de 04-04-2013. Como tem sido repetido pelo Tribunal Constitucional, em jurisprudência firme, o art.º 32.º, n.º 1, da CRP “não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição” ou de “um duplo grau de recurso”, “em relação a quaisquer decisões condenatórias” (por todos, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 64/2006, 659/2011 e 290/2014 e, ainda no tocante à reformatio in mellius, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 32/06 e as decisões sumárias n.ºs 99/16 e 35/2010; também, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2018, processo 22/08.3JALRA.E1.S1, e de 30-10-2019, processo 455/13.3GBCNT.C2.S1, in www.dgsi.pt, e ainda o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/2013, n.ºs 11 e 12, de 09-10-2013).
Este regime de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça efetiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no art.º 32.º, n.º 1, da CRP (cfr. CANOTILHO, Gomes / MOREIRA, Vital, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição revista, 2007, Vol. I, pág. 516), enquanto componente do direito de defesa em processo penal, reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos (cfr. arts. 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, segundo o qual “qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em conformidade com a lei” – e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, de acordo com o qual “qualquer pessoa declarada culpada de uma infração penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei”). Assim, nem se poderá considerar que possam ficar em crise quaisquer instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos.
Ora, “não é pelo facto de se interpor recurso para o STJ de uma decisão irrecorrível, proferida pela Relação, que, não sendo admitido, suscita reclamação para o Presidente do Tribunal para o qual se recorre, que a decisão que é objeto de tal recurso não transita nem pode transitar em julgado antes de definitivamente julgada a reclamação apresentada.
De igual modo, não é o facto de se interpor recurso para o Tribunal Constitucional (TC) do despacho do Presidente do STJ que decidiu aquela Reclamação, que permite entender que o trânsito do acórdão proferido pela Relação que não constitui a decisão recorrida para o TC apenas ocorre com a decisão do TC” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26-05-2010, processo n.º 479/91.0TBOAZ-B.P1, in www.dgsi.pt).
Na verdade, se uma decisão não é recorrível por força da lei, a produção dos seus efeitos deve verificar-se na data em que ela se fixe na ordem jurídica, ou seja, quando, ultrapassadas as questões da sua interpretação ou de nulidades existentes, ela se torne compreensível para os sujeitos processuais e assim insuscetível de recurso (porque a lei já não permite tal recurso). Por outro lado, se uma decisão não admite recurso, o recurso que venha a ser interposto é um “não-ser”. Se só existem recursos de decisões que a lei admite serem impugnáveis (recorríveis), um recurso que não pode existir é, numa linguagem furtada à antiga metafísica, um “não-existente”. De resto, como facilmente se compreende, considerar como eficaz para efeitos de trânsito um recurso não admissível (enquanto o mesmo não for definitivamente rejeitado), é deixar nas mãos dos recorrentes a fixação do momento do trânsito, que lançando mão dos expedientes consagrados na lei (recursos para tribunais superiores, reclamações, arguição de nulidades, pedidos de aclaração) poderiam fazer dilatar, apenas pela eficácia da sua vontade, o trânsito de uma decisão para uma temporalidade que a lei claramente não consente. Por isso que quem interponha recursos de decisões que não são suscetíveis de recurso deve sofrer o ónus dessa irrecorribilidade (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-05-2011, processo n.º 16/98.5IDCBR.C2, in www.dgs.pt).
Ora, sendo legalmente inadmissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-12-2021, por maioria de razão o acórdão de 19-10-2022 do mesmo Tribunal que indeferiu o requerimento de arguição de nulidades, corrigindo os lapsos do acórdão anteriormente proferido, também não é suscetível de recurso (cfr. Decisão de 20-12-2022 do Exmo. juiz conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – ref.ª 11303857 de 20-12-2022 do Apenso B).
Por outro lado, a jurisprudência tem entendido que no nosso sistema processual não há lugar a arguição de nulidade de despacho que indeferiu pedido anterior idêntico, sob pena de se protelar indefinidamente o trânsito em julgado de uma decisão (cfr. Decisão de 25-01-2023 do Exmo. juiz conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – ref.ª 11373360 de 25-01-2023 do Apenso B).
Mas, assim sendo, tendo novamente em conta a noção de trânsito em julgado (cfr. arts. 4.º do C.P.P. e 628.º do C.P.C.), não sendo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-12-2021 suscetível de recurso ordinário (cfr. art.º 400.º, n.º 1, al. f), do C.P.P.), mas admitindo reclamação, que foi apresentada em 18-01-2022, a decisão condenatória apenas transitaria na data em que se tivesse por feita a notificação da decisão que se pronunciou sobre tal reclamação.
Ora, no presente caso, pelas razões melhor exaradas no despacho de 28-01-2022 da Exma. juíza desembargadora do Tribunal da Relação do Porto, já referido, o acórdão que se pronunciou sobre a reclamação ao acórdão do Tribunal da relação do Porto de 21-12-2022 foi apenas proferido em 19-10-2022, ou seja, 9 meses e 1 dias depois de apresentada a referida reclamação, tendo a notificação de tal decisão ao ilustre mandatário de AA, efetuada por via eletrónica, sido enviada nessa mesma data, presumindo-se feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, caso o não tenha sido (cfr. art.º 113.º, n.º 12, do C.P.P.).
Assim sendo, verifica-se que a prescrição do procedimento criminal foi suscitada em 30-09-2022 e, assim, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, não tendo sido até este momento apreciada pelos motivos já expostos, não obstante terem sido proferidas, entretanto, decisões judiciais que, em rigor, ficariam prejudicadas caso se considerasse que a dita prescrição já tinha ocorrido. Na verdade, “nas questões a apreciar pelo tribunal [de recurso], incluem-se as de conhecimento oficioso e as questões submetidas à apreciação do tribunal pelos intervenientes processuais, desde que sobre elas não esteja legalmente impedido de se pronunciar. A prescrição do procedimento criminal é uma questão, no sentido supra exposto, e é oficioso o seu conhecimento” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07-03-2028, processo n.º 1633/08.2PBCBR.C1, in www.dgsi.pt).

IV. Da Determinação do Prazo de Prescrição do Procedimento criminal aplicável aos crimes cometidos por AA:
Os prazos de prescrição do procedimento criminal estão definidos na lei em função do limite máximo estabelecido para o crime em causa (cfr. art.º 118.º, quer à luz da redação vigente à data dos factos quer à luz da redação atual).
Ora, o crime de burla qualificada é punido com uma pena de prisão de 2 a 8 anos (cfr. art.º 218.º, n.º 2, al. a), do C.P.). Por seu turno, o crime de branqueamento é punido com uma pena de prisão de 2 a 12 anos (cfr. art.º 368.º-A, n.º 2, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 11/2004, de 27 de março, de acordo com a retificação n.º 45/2004, de 05-06, vigente à data dos factos, a que correspondem os arts. 368.º-A, n.º 2, do C.P., na redação decorrente da lei n.º59/2007, de 04-09, 368.º-A, n.º 2, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 83/2017, de 18-08, e 368.º-A, n.ºs 2, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 58/2020, de 31-08), sendo que a pena concreta aplicada ao branqueador não pode exceder o limite máximo da pena abstratamente aplicável ao facto de onde provêm as vantagens (cfr. art.º 368.º-A, n.º 10, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 11/2004, de 27 de março, de acordo com a retificação n.º 45/2004, de 05-06, vigente à data dos factos, a que correspondem os arts. 368.º-A, n.º 10, do C.P., na redação decorrente da lei n.º 59/2007, de 04-09, 368.º-A, n.º 10, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 83/2017, de 18-08, e 368.º-A, n.º 12, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 58/2020, de 31-08), ou seja, no caso, 8 anos. Assim, no presente caso, a moldura penal abstrata do crime de branqueamento (pena de prisão de dois a doze anos) fica limitada no seu limite máximo a oito anos de prisão (cfr. Decisão do Exmo. Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 21-06-2017, processo n.º 131/12.4TELSB-D.P1, in www.dgsi.pt). Afigura-se, pois, que, no caso, o limite máximo da moldura abstratamente aplicável ao crime de branqueamento é de 8 anos de prisão e não 12 anos de prisão. Aliás, como resulta do já exposto, tem sido esse o entendimento seguido para, em caso de conexão de crimes, sendo um deles o crime de branqueamento, apurar qual o crime a que cabe pena mais grave e, assim, determinar qual o tribunal competente para conhecer de todos eles (cfr. art.º 28.º, al. a), do C.P.P.).
Deste modo, o prazo de prescrição do procedimento criminal aplicável aos referidos ilícitos é de 10 anos (cfr. art.º 118.º, n.º 1, al. b), do C.P., quer à luz da redação vigente à data dos factos quer à luz da redação atual), sendo certo que o mesmo se iniciou em 12-07-2004, no que se refere ao crime de burla qualificada, e em 16-08-2004, no que se refere ao crime de branqueamento (cfr. art.º 119.º, n.º 1, do C.P., quer à luz da redação vigente à data dos factos quer à luz da redação atual).

V. Das Causas de Suspensão e Interrupção do Prazo de Prescrição do Procedimento Criminal e Contagem do Prazo da Prescrição do Procedimento Criminal:
AA foi constituído arguido em 28-02-2014 e foi notificado do despacho de acusação em 03-06-2019.
A notificação do despacho de acusação ao arguido, e não a sua mera dedução, constitui uma causa de suspensão do procedimento criminal (cfr. art.º 120.º, n.º 1, al. b), do C.P., quer à luz da redação vigente à data dos factos quer à luz da redação atual) que, contudo, não pode ultrapassar 3 anos (cfr. art.º 120.º, n.º 2, do C.P., quer à luz da redação vigente à data dos factos quer à luz da redação atual). Deste modo, no presente caso, a prescrição do procedimento criminal esteve suspensa de 03-06-2019 e até 03-06-2022, conforme referido no despacho judicial de 28-04-2020 (cfr. ref.ª 413889193 de 28-04-2020).
No caso da suspensão, a prescrição volta a correr do dia em que cessar a causa da suspensão (cfr. art.º 120.º, n.º 3, do C.P., quer à luz da redação vigente à data dos factos quer à luz da redação atual).
Por seu turno, quer a constituição de arguido quer a notificação a este do despacho de acusação, e não apenas a sua dedução, constituem causas de interrupção do procedimento criminal (cfr. art.º 121.º, n.º 1, al. a), do C.P., quer à luz da redação vigente à data dos factos quer à luz da redação atual).
Ora, depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (cfr. art.º 121.º, n.º 2, do C.P., quer à luz da redação vigente à data dos factos quer à luz da redação atual).
Ora, entre a data dos factos e a constituição de AA como arguido não decorreu o prazo normal da prescrição, assim como o mesmo não decorreu entre a sua constituição como arguido e a notificação do despacho de acusação.
Na verdade, “no prazo normal de prescrição do procedimento criminal importa indagar se ocorreram quaisquer causas de interrupção e/ou de suspensão e se, eventualmente, entre alguma delas tal prazo não teria decorrido” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16-01-2019, processo n.º 8095/08.2TAVNG-E.P1, in www.dgsi.pt).
Contudo, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade (cfr. art.º 121.º, n.º 3, do C.P., quer à luz da redação vigente à data dos factos quer à luz da redação atual). Ou seja, “no prazo máximo da prescrição a que alude o art.º 121.º, n.º 3, do C.P.P., além de se contabilizar o prazo normal, acrescido de metade, deverá adicionar-se depois o período de suspensão que se tenha verificado, se verificando a prescrição do procedimento se este prazo global tiver decorrido” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16-01-2019, processo n.º 8095/08.2TAVNG-E.P1, in www.dgsi.pt).
Assim sendo, verifica-se que o prazo máximo da prescrição do procedimento criminal terminou em 12-07-2022, no que se refere ao crime de burla qualificada, e em 16-08-2022, no que se refere ao crime de branqueamento, uma vez que não se verificou, entretanto, qualquer outra causa que possua a virtualidade de interromper ou suspender a prescrição do procedimento criminal.
É completamente irrelevante saber se é ou não aplicável no presente caso a causa de suspensão da prescrição a que aludia o art.º 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03 [13]. Na verdade, estando em causa o período de 09-03-2020 a 03-06-2020, verifica-se que o mesmo se compreende naquele mais vasto que decorreu de 03-06-2019 a 03-06-2022 durante o qual o prazo de prescrição do procedimento criminal esteve suspenso desde a notificação da acusação ao arguido AA (cfr. art.º 120.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do C.P., quer à luz da redação vigente à data dos factos quer à luz da redação atual).
Por outro lado, possuindo o regime da prescrição do procedimento criminal indiscutivelmente, pelo menos em parte, natureza substantiva, pois integra a “definição dos crimes e das penas” (cfr. fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2008, para fixação de jurisprudência, in Diário da República, I Série, n.º 92, de 13 de maio de 2008, pág. 2627), é inaplicável um regime de prescrição do procedimento criminal de conteúdo mais desfavorável para o agente do que o previsto ao tempo da infração (cfr. arts. 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição da República Portuguesa e 2.º, n.º 1, do C.P.).
Por essa razão, o período de tempo desde a notificação da decisão condenatória ao arguido e enquanto a mesma não transitar em julgado, com o máximo de 5 anos, não é aplicável no presente caso. Na verdade, tal causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, atualmente estabelecida na lei penal (cfr. art.º 120.º, n.º 1, al. e) e n.º 4, do C.P.) não estava prevista na lei à data em que foram praticados os factos aqui em causa, tendo sido introduzida pelo art.º 2.º da Lei n.º 19/2013, de 21-02, que entrou em vigor 30 dias após a sua publicação (cfr. art.º 6.º), sendo claramente desfavorável ao aqui arguido AA.
Deste modo, terá que ser aplicada a lei vigente à data dos factos (cfr. art.º 2.º, n.º 1, do C.P.) que, aliás, sempre seria a concretamente mais favorável ao arguido AA (cfr. art.º 2.º, n.º 4, do C.P.).

VI. Decisão:
Pelo exposto e ao abrigo dos citados preceitos:
- Desentranhe e devolva ao apresentante a peça processual de 03-04-2023 (cfr. ref.ª 35274970), sendo que, na impossibilidade de tal ser efetuado informaticamente, proceda ao bloqueio e ocultação da consulta pública da peça processual de 03-04-2023 (cfr. ref.ª 35274970);

- Condeno AA no pagamento das custas do incidente anómalo a que deu causa, fixando a taxa de justiça devida em 2 UC; e
- Declaro extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra o arguido AA cujo prazo máximo foi alcançado em 12-07-2022, no que se refere ao crime de burla qualificada, e em 16-08-2022, no que se refere ao crime de branqueamento e, em consequência, nesta parte, determino o arquivamento dos autos.
Sem custas (cfr. art.º 517.º do C.P.P.).
Em conformidade com as deliberações do plenário do Conselho Superior da Magistratura de 19 de abril de 2001 e 26 de abril de 2016 (Circular n.º 4/2016) informe a Exma. Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que foi declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado contra o arguido AA, enviando cópia integral do presente despacho para os fins tidos por convenientes.
Notifique o Ministério Público, o ilustre mandatário da assistente e o ilustre mandatário de AA (cfr. arts 97.º, n.º 1, al. e b), e 113.º, n.º 10, do C.P.P.).

A medida de coação aplicada ao arguido AA (termo de identidade e residência prestado nos termos do art.º 196.º do C.P.P. na redação dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro – fls. 999 do Volume III) extingue-se de imediato.
Na verdade, havendo motivos de extinção do processo criminal em qualquer uma das suas fases, nomeadamente por prescrição do procedimento criminal, a medida de coação a que o arguido estiver sujeito extingue-se de imediato (cfr., DIAS, Maria do Carmo, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, Livraria Almedina, 2021, pág. 467).
Deste modo, nas notificações posteriores, não mais é lícito o recurso à via postal simples, por meio de carta com prova de depósito, para notificar AA (cfr. arts. 113.º, n.º 1, al. c), 196.º do C.P.P.), sem prejuízo de, obviamente, manterem validade as notificações efetuadas por essa via até ao presente momento.

Da Prorrogação do Prazo concedido à demandante (cfr. ref.ª 35304551 de 06-04-2023):

Atentos os motivos invocados nos itens 1.º a 3.º do requerimento apresentado, não tendo o alargamento do prazo qualquer repercussão no agendamento já efetuado (cfr. ref.ª 446525950 de 17-03-2023), que se mantém, defiro o requerido e, assim, ao prazo concedido (cfr. ref.ª 446525950 de 17-03-2023) acresce novo prazo de 5 dias.”
Compulsados os presentes autos, verifico agora que na 6.ª linha da 19.ª folha do despacho de 10-04-2021 (cfr. ref.ª 447009359) escrevi “21-12-2022” quando queria dizer “21-12-2021”, como se extrai do demais consignado no dito despacho, lapso que importa corrigir ao abrigo do disposto no art.º 380.º, n.º 1, al. b), do C.P.P. .
Pelo exposto e ao abrigo do citado preceito legal, determino a correção do aludido lapso e, assim, onde na 6.ª linha da 19.ª folha do despacho de 10-04-2021 (cfr. ref.ª 447009359) se lê “21-12-2022” deve ler-se “21-12-2021”.
Qualquer cópia ou certidão do aludido despacho a extrair futuramente deve ser acompanhada de cópia do presente despacho.”
*
Inconformada recorreu a assistente A..., S.A, concluindo:
“I- Dispõe o artº. 118º., nº. 1, alínea a) do CP que o procedimento criminal se extingue, por efeitos da prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido 15 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 10 anos;
II- Prazo de prescrição esse que é reduzido para 10 anos quando estejam em causa crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 5 anos, mas que não exceda os 10 anos, nos termos do artº. 118º., nº. 1, alínea b) do CP;
III- Ora, decorre dos mencionados normativos legais que para efeitos de determinação do prazo de prescrição aplicável a um determinado ilícito criminal apenas é relevante a moldura penal máxima abstratamente aplicável ao crime em apreço.
IV- No caso do crime de branqueamento de capitais, estatui o artº. 368º.-A, nº. 3 do CP que quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal é punido com pena de prisão até 12 anos;
V- E, estatui o nº. 12 do mesmo normativo legal que a pena concretamente aplicável não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entres as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens;
VI- Esta última disposição legal visa, única e exclusivamente, a determinação da medida concreta da pena não se reportando à determinação da pena máxima abstratamente aplicável ao crime em questão;
VII- Uma tal conclusão tem, desde logo, apoio na própria letra da lei que refere expressamente “a pena concretamente aplicada”, ou seja, a determinação do quantum exato da pena a aplicar em determinado caso, tendo em conta o intervalo mínimo e máximo que, em abstrato, pode ser aplicado a determinado crime;
VIII- A isto acresce que o crime de branqueamento consubstancia um ilícito absolutamente autónomo do crime de onde derivam as vantagens que se pretenderam ocultar, dado que a censurabilidade associada ao branqueamento das vantagens derivadas de factos criminosos não se deixa de verificar pelo facto de ter cessado a possibilidade de perseguição criminal pelo crime precedente;
IX- Tanto assim é que o artº. 368º.-A, nº. 7 do CP dispõe que o facto é punível ainda que o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e esta não tiver sido apresentada;
X- De igual modo, estatui o artº. 9º., nº. 5 da Convenção de Varsóvia, de 16 de maio de 2005, vigente na ordem jurídica interna desde 2010.08.01, que deverá ser garantida a possibilidade de condenação, por branqueamento, independentemente de condenação anterior ou simultânea pela prática do crime subjacente,
XI- O que decorre também do disposto no artº. 1º. da Diretiva nº. 91/308/CEE, de 10 de junho de 1991, baseado no artº. 3º., nº. 3 da Convenção de Viena das Nações Unidas, e no artº. 6º. nº. 2, alínea c) da Convenção de Estrasburgo do Conselho da Europa8;
XII- Deste modo, também em face da autonomia do crime de branqueamento de capitais relativamente ao crime precedente, a pena máxima aplicável para efeitos da determinação e computo do prazo de prescrição é o que se encontra fixado no artº. 368º.-A, nº. 3 do CPP e não, conforme considerou o Tribunal a quo, a pena máxima abstratamente aplicável ao crime de burla qualificada;
XIII- Assim, apenas sendo relevante para efeitos do cálculo do prazo de prescrição, a moldura penal expressamente prevista no artº. 368º.-A, nº. 3 do CPP,
XIV- Pelo que, inversamente ao que decorre da decisão recorrida, o prazo máximo de prescrição não se cifra em 15 anos, mas antes em 22 anos e 6 meses, prazo este que, atendendo à data do último ato de execução do crime de branqueamento de capitais – 2004.08.16 –, apenas terá o seu término em 2027.02.16;
XV- A isto acresce que nos termos do artº. 120º., nº. 1, alínea b) e nº. 2 do CP que a prescrição do procedimento criminal se suspende, além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação,
8 Tribunal da Relação de Lisboa, 2017.06.06, Procº. nº. 208/13.9TELSB.G.L1-5, disponível em www.dgsi.pt;
XVI- E, dispõe o artº. 120º., nº. 3 do mesmo diploma legal que a suspensão não pode ultrapassar o prazo de três anos, pelo que, no limite, a prescrição do procedimento criminal quanto ao crime de branqueamento apenas ocorreria em 2030.02.16;
XVII- Em face do que vem exposto, com a prolação da decisão recorrida, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento tendo violado o disposto nos artºs. 368º.-A, nº. 3, e 12, 118º., nº. 1, alínea a) e 121º., nº. 3 do CP, Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que declare que não se encontra decorrido o prazo de prescrição relativamente ao crime de branqueamento de capitais e, consequentemente, mantenha a condenação do Arguido pela prática do aludido ilícito criminal.”
Também inconformado veio o M.P interpor recurso, tendo concluído o mesmo nos seguintes termos:
“1. Por douto acórdão proferido nestes autos, foi AA, condenado em concurso efetivo, pela prática em autoria, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 202.º, al. b), 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do C.P., consumado em 12-07-2004 na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão e em coautoria, de crime de branqueamento, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, e 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 10, do C.P., praticado em 16-08-2004, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, na pena única de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão.
2. O Tribunal da Relação do Porto, proferiu acórdão em 21.12.2021 que julgou, entre o mais, o parcialmente provido o recurso interposto por AA e veio a condena-lo na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Mais declarou: A parte criminal fica definitivamente julgada, nesta instância.
3. O arguido AA apresentou um requerimento em 18.01.2022 no qual veio arguir nulidades “subsidiariamente e à cautela” e, em 17.02.2022, veio interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
4. O Tribunal da Relação do Porto admitiu o recurso (pese embora já tivesse declarado que não admissível) e não conheceu das nulidades, em face do requerimento do arguido que o requereu expressamente, e considerando o disposto no art. 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
5. Em 19.05.2022, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso interposto pelo arguido, por motivo de inadmissibilidade legal e ordenou a remessa ao Tribunal da Relação do Porto, face ao teor do requerimento aí apresentado pelo arguido em 18/01/2022. Posteriormente, em 14.07.2022, na sequência de nova reclamação e arguição de nulidade por parte do arguido AA, o Supremo Tribunal de Justiça, indeferiu a reclamação apresentada e indeferiu a arguição de nulidade apresentada.
6. Em 30.09.2022, o arguido AA invocou a prescrição do procedimento criminal e requereu a extinção do procedimento criminal bem como o arquivamento dos autos.
7. Em 19.10.2022, o Tribunal da Relação do Porto indeferiu a reclamação apresentada, em obediência ao STJ, e procedeu à correcção de lapsos de escrita, nos termos do disposto no artigo 380, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código de Processo Penal.
Remeteu à Primeira Instância a apreciação da prescrição invocada em 30.09.2022.
8. O Tribunal de Primeira Instância proferiu, em 10.04.2023, decisão a declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra o arguido AA, entendemos que o prazo máximo foi alcançado em 12.07.2022, no que se refere ao crime de burla qualificada, e em 16.08.2022, no que se refere ao crime de branqueamento e determinou o arquivamento dos autos.
9. É desta decisão, porque violadora do disposto nos artigos e art. 152.º, n.º 1 e 628.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 4.º, do Código de Processo Penal, 4.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26.08, 118.º, n.º 1, e 368.º-A do Código Penal, que discordamos e somos a interpor o presente recurso.
10. Como é pacífico, e nesta parte concordamos com o despacho do Tribunal a quo de 10.04.2023, a questão da prescrição do procedimento criminal tem necessariamente de ser suscitada até ao trânsito em julgado da decisão condenatória. Importa, portanto, saber quando ocorreu o trânsito em julgado dos presentes autos.
11. O Tribunal a quo entende apenas que ocorreu com a notificação aos sujeitos processuais do acórdão de 19.10.2022, do Tribunal da Relação do Porto e, portanto, conheceu da prescrição invocada em 30.09.2022. Discordamos do marco temporal definido pelo Tribunal a quo para o trânsito em julgado.
12. O nosso Código de Processo Penal não define, erradamente a nosso ver, a noção de trânsito em julgado. Aplicamos, então, a noção civilista, constante do disposto no art. 628.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4º, do Código de Processo Penal: a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.
13. No caso, conforme bem refere o Tribunal a quo, a cujos fundamentos aderimos, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21.12.2021, não admitia recurso. Foi precisamente por não ser admissível recurso, que o Tribunal da Relação do Porto, em 21.12.2021, declarou que a parte criminal ficava definitivamente julgada e o Supremo Tribunal de Justiça, em 19.05.2022, rejeitou o recurso interposto pelo arguido, por motivo de inadmissibilidade legal (é evidente que o recurso deveria ter sido rejeitado pelo Tribunal da Relação do Porto, no entanto, a sua admissão, erradamente proferida, não o torna admissível, como aliás bem deliberou o Supremo Tribunal de Justiça).
14. Ora, sendo inadmissível o recurso interposto, o douto acórdão transitaria com a notificação aos sujeitos processuais, ou no prazo de 10 dias, após a sua prolação, ou seja, em 13.01.2022. Todo o processado posterior é um nada, ou usando, a usando expressão do Tribunal a quo um “não-existente” (cujos fundamentos nesta parte também aderimos).
15. E aqui surge a questão: então e quais as consequências da “arguição subsidiária das nulidades/reclamação”, de 18.01.2022 (apresentada no 3.º dia últi após o décimo dia)?
16. O Tribunal ao quo no douto despacho sob censura, entendeu que o trânsito só poderia ocorrer após a notificação aos sujeitos processuais da decisão que se pronunciasse sobre esta arguição. Faria todo o sentido a douta argumentação do Tribunal a quo, não fosse a particularidade (e perplexidade) do caso em apreço.
17. É que o arguido veio usar a figura que desconhecíamos existir no nosso Código de Processo Penal, de “arguição de nulidade subsidiárias à interposição de recurso”.
18. O arguido notificado do douto acórdão de 21.12.2021, tinha duas opções: ou recorria ou arguia nulidade! Ao invés, o arguido, diga-se, sagazmente, “disparou para ambos os lados” e pediu para o Tribunal da Relação do Porto não apreciar a questão, uma vez que iria interpor recurso. Optou claramente pelo recurso e impediu o Tribunal da Relação de decidir sobre a questão, quando veio expressamente querer a este para não apreciar a questão.
19. Assim, entendemos a decisão do Tribunal da Relação do Porto na não apreciação da questão, atento o disposto no art. 379.º n.º 2 do Código de Processo Penal (e também, porque as nulidades eram “subsidiarias”!) só a tendo vindo a conhecer, posteriormente e na sequência de decisão do Supremo Tribunal de Justiça, indeferindo-a.
20. Então, não havendo nenhuma decisão ulterior que a altere, quando transita em julgado o acórdão de 21.10.2021?
21. A única decisão superior de mérito que existe nos autos é de facto a de 21.10.2021 e a mesma declara que: “a parte criminal fica definitivamente julgada, nesta instância.”. Não houve recurso desta declaração de trânsito, nenhum Tribunal Superior (nem o próprio decisor) revogou esta decisão, pelo que também ela transitou em julgado.
22. Em nosso entender, o Tribunal de Primeira Instância, em estrita obediência ao dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores, não poderia alterar/desconsiderar a declaração de trânsito do Tribunal de Relação do Porto, quando esta foi a decisão proferida em via de recurso do acórdão de 28.01.2021 e não foi colocada em causa.
23. Tudo que sucedeu após o acórdão de 21.10.2021 é, usando expressão do Tribunal a quo, um “não-existente”.
24. Pelo que somos a concluir que o acórdão que decidiu de mérito a questão dos presentes autos, transitou em julgado com a sua notificação aos sujeitos processuais / no décimo dia após a sua prolação, ou seja, em 13.01.2022.
25. Entendimento diverso levaria a uma inaceitável e incomportável incerteza jurídica e deixaria nas mãos do arguido/ recorrente/reclamante, a fixação de uma das datas mais relevantes no processo penal: o trânsito em julgado. A permitir-se tal, assistiríamos a que os arguidos (pelo menos, os melhores representados em juízo), reclamassem sucessiva e diabolicamente, nunca permitindo o trânsito em julgado das decisões.
26. No caso, é o próprio arguido que, artificiosamente, enceta todas as vias que tem ao seu alcance para atacar as decisões dos Tribunais Superiores, fazendo com que as decisões se dilatem no tempo, para depois vir a capitalizar desse atraso, invocando a prescrição.
27. Não nos conformamos, portanto, com a decisão do Tribunal a quo, considerando que fez uma incorrecta interpretação da noção de trânsito em julgado, violando o disposto no art. 628.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º, do Código de Processo Penal.
28. Acresce que não acatou a decisão, também ela transitada em julgado, de declaração de trânsito plasmada no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.12.2021, o qual foi proferido por via de recurso do acórdão da primeira instância de 28.01.2021, violando, pois, o disposto no art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26.08 e art. 152.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
29. Pelo exposto, mal andou o Tribunal a quo ao conhecer e declarar a prescrição invocada pelo arguido em 30.09.2022, quando o trânsito em julgado ocorrera no dia 13.01.2021.
30. Sem prescindir e subsidiariamente, mesmo que se entendesse que a questão da prescrição poderia ser conhecida e apreciada, nunca a mesma poderia ser declarada em relação ao crime de branqueamento.
31. Da letra do art. 118.º do Código Penal e sem grande esforço exegético, logo alcançamos que nas várias alíneas do preceito, o legislador está a referir-se à moldura penal abstracta dos crimes, uma vez que usa a expressão “puníveis”.
32. Também constatamos que ao prazo prescricional de 15 anos, o legislador acrescentou um rol de crimes em relação aos quais entendeu que, não obstante a moldura penal abstracta, ainda não seria de renunciar ao direito ao ius puniendi.
33. Ora, sendo o crime de branqueamento, punido com uma pena de prisão até 12 anos, nos termos do disposto no art. 368.º-A, n.º 3 a 5 do Código Penal, o prazo prescricional é de 15 anos, nos termos do disposto no art. 118.º, n.º 1, al. a), subalínea i) do Código Penal.
34. A questão a decidir é a de saber sobre se a limitação do n.º 12 do art. 368.º- A do Código Penal cria tantos prazos de prescrição quantos forem os crimes precedentes, ou o prazo de prescrição é único para o crime de branqueamento?
35. Não temos dúvidas de que o legislador, no n.º 12 do art. 368.º-A do Código Penal, se refere à pena concreta, quando usa a expressão: “a pena aplicada nos termos dos números anteriores (…).” E também não temos dúvidas de que os prazos de prescrição, previstos no art. 118.º do Código Penal, estão pensados para molduras penais abstractas.
36. Se assim não fosse, não se compreenderia que o legislador, avançasse os limites dos prazos prescricionais de determinados crimes para 15 anos (art. 118.º, .º 1, al. a), subalíneas, ii) a viii), do Código Penal), e depois admitisse que o prazo de prescrição do crime de branqueamento (que é subsequente!), fosse “indexado” à pena concreta daqueles crimes!
37. Vejamos um exemplo para melhor concretização do nosso raciocínio: crime de tráfico de influência, p. e p. pelo art. 335.º, n.º 2 do Código Penal (pena até 3 anos), está previsto no art. 368.º-A, n.º 1, al. k), do Código Penal como crime precedente.
38. Aplicando-se o actual n.º 12 do art. 368.º-A, a pena concretamente aplicável pelo eventual crime de branqueamento, tendo o crime de tráfico de influência como crime precedente, teria o limite de 3 anos.
39. Então e qual seria o prazo prescricional do crime de branqueamento que tenha por crime precedente o crime de tráfico de influência, p. e p. pelo art. 335.º, n.º 2 do Código Penal?
40. No entender do Tribunal, interpretando o n.º 12 do art. 368.º-A do Código Penal, como fez, em conjugação com o art. 118.º do Código Penal, o crime de branqueamento, tendo como precedente o crime de tráfico de influência do n.º 2 do art. 335.º do Código Penal, prescreveria em 5 anos, porque estaria limitado a 3 anos de pena concretamente aplicável.
41. Assim, a entender que estamos perante uma nova moldura penal abstracta, como entende o Tribunal no despacho de 10.04.2023, seríamos confrontados, com um prazo prescricional de 5 anos para o crime de branqueamento e de 15 anos para o crime precedente!!!
42. Salvo o devido respeito, um entendimento que leve a esta consequência, não faz qualquer sentido, criando situações de total incoerência do sistema jurídico-penal, como acabamos de demonstrar. Assim, faz todo o sentido que o prazo de prescrição do crime de branqueamento, atenta a sua gravidade e particularidades de investigação, seja, indistintamente e independentemente do crime precedente, de 15 anos.
43. E foi claramente este o pensamento do legislador, que não viu necessidade de incluir o actual n.º 12 do art. 368.º-A do Código Penal no rol de crimes do art. 118.º, pois que a moldura penal abstracta do crime de branqueamento já o colocaria no prazo máximo prescricional de 15 anos.
44. Assim, teremos de afirmar: o prazo prescricional do crime de branqueamento é de 15 anos, nos termos do disposto no art. 118.º, n.º1, al. a), i), do Código Penal, independentemente de qual o crime precedente, considerando que o limite do actual n.º 12 do art. 368.º-A é um limite à pena concretamente aplicável e não altera a moldura penal abstracta para efeitos de prescrição.
45. Ao decidir como fez, aplicando o prazo prescricional de 10 anos ao crime de branqueamento, o Tribunal fez uma incorrecta interpretação dos art. 118.º, n.º 1, e 368.º-A, n.º 12 (na actual redação).
46. Sendo, pois, de 15 anos e não de 10 anos o prazo prescricional pelo crime de branqueamento, o procedimento criminal, não se encontra extinto pelo efeito de prescrição, pelo que mal andou o Tribunal a quo.
Respondeu ainda ao recurso o arguido tendo pugnado pelo seu não provimento, concluindo:
“1ª. A decisão recorrida não merece qualquer reparo pois a interpretação que fez das normas jurídicas em causa é a única admissível num Estado de Direito Democrático, que antes de mais respeite e aplique a Lei (sobretudo o art. 628º do CPC aplicável ex vi art. 4º do CPP e os arts. 118º e 368º-A nº 12 conjugado com o art. 218º todos do Código Penal) emanada dos órgãos constitucionais competentes e que também garanta e respeite o núcleo essencial dos Direitos, Liberdades e Garantias do arguido em processo criminal e especificamente o respeito pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que subjazem a toda a tutela penal, nos termos do art. 18º nº 2 da CRP.
2ª. Passam-se a enunciar os pressupostos factuais em que assenta a invocada e a prescrição do presente procedimento processual.
3ª. O presente processo respeita a factos ocorridos no ano de 2004, tendo os atos que integram a conduta (alegadamente) criminosa aqui em causa sido praticados até 12/07/2004 no que respeita ao crime de burla e até 16/08/2004 no que respeita ao crime de branqueamento, conforme decorre da factualidade dada como provada, designadamente sob os nºs 20 a 45, no douto acórdão condenatório proferido em 28/01/2021 e integralmente mantida pelo Tribunal da Relação do Porto.
4ª. Os autos estiveram em investigação (evidentemente na fase de inquérito) de 6/11/2009 (data em que foi instaurado o presente processo criminal) até 24/05/2019 (data em que foi proferido o despacho de acusação contra o arguido ora recorrido e outro coarguido), ou seja, durante 10 anos (!), ou seja, 8 vezes e meia o que a lei permite como máximo da duração do inquérito (no art. 276º nº 3 al. a) do CPP), sem qualquer intervenção por parte do arguido, sendo que nunca foi declarada a excecional complexidade do processo, nem ocorreram quaisquer outros factos que justificassem tão relevante violação do prazo de duração máxima do inquérito.
5ª. A constituição como arguido do ora recorrido, e subsequente tomada de declarações, apenas ocorreu em 28/02/2014 por se estar quase em vésperas de se completar o prazo normal de prescrição do procedimento pelos crimes em causa e com vista, já aí, a evitar a iminente prescrição.
6ª. A notificação da acusação ao arguido foi imediata, tendo ocorrido em 3/06/2019.
7ª. É portanto indesmentível que se alguma anormal demora houve na marcha processual ela ocorreu em sede de inquérito e não se ficou a dever a nada imputável ao arguido (nem isso é aventado pelo Ministério Público, tal seria a falta de adesão à verdade dos factos!).
8ª. Foi requerida a abertura de instrução, tendo esta sido encerrada, em tempo normal (art. 306º nº 1 do CPP), com a prolação de despacho de pronúncia em 20/12/2019.
9ª. A audiência de julgamento decorreu entre 23/09/2020 e 26/11/2020 e foi proferido acórdão final (condenatório) pelo Juízo Central Criminal da Comarca do Porto - Juiz 14 em 28/01/2021, volvidos apenas 4 meses sobre o início da audiência (duração até muito célere).
10ª. Foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, em 21/12/2021, proferiu acórdão (em tempo igualmente rápido) julgando parcialmente procedente o recurso interposto, reduzindo a pena única aplicada ao arguido, além de, por causa de uma nulidade cometida pela 1ª Instância, mandar baixar os autos à 1ª Instância para julgamento da matéria civil (118 artigos do pedido de indemnização civil, com grande sobreposição temática relativamente à matéria penal).
11ª. Foram subsidiariamente (para o caso de ser considerado inadmissível o recurso para o STJ) arguidas nulidades deste acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 18/01/2022, no prazo de 10 dias a contar da notificação do acórdão (mediante o pagamento da respetiva multa processual, como a lei consente nos arts. 107º nº 5 e 107º-A ambos do CPP).
12ª. Foi deferida pelo Tribunal da Relação do Porto, em 25/01/2022, a prorrogação, por 10 dias, do prazo para a interposição de recurso para o STJ pelo arguido ora recorrido relativamente ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
13ª. Foi interposto recurso desse mesmo acórdão para o STJ em 17/02/2022 pelo arguido ora recorrido.
14ª. Foi admitido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 23/02/2022, o recurso interposto para o STJ relativamente ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.
15ª. Em 19/05/2022, foi proferido acórdão pelo STJ, em conferência, por um lado, julgando inadmissível o recurso, mas, por outro lado, ordenando a apreciação das nulidades subsidiariamente arguidas pelo ora recorrido em 18/01/2022 e ordenando ainda a correção do acórdão condenatório proferido em 28/01/2021 e a correção do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 21/12/2021.
16ª. Em 19/10/2022 foram conhecidas e decididas as nulidades subsidiariamente arguidas relativamente ao acórdão proferido em 21/12/2021, por um lado em obediência ao acórdão proferido pelo STJ em 19/05/2022, mas por outro lado justificando-se autónoma e expressamente o porquê de estarem a ser conhecidas naquele momento processual as nulidades em causa.
17ª. No âmbito da apreciação de uma das nulidades arguidas em 18/01/2022 – nulidade por falta de fundamentação da decisão –, foram corrigidos, em 19/10/2022, quer o acórdão proferido pelo próprio Tribunal da Relação do Porto em 21/12/2021, quer o próprio acórdão condenatório proferido pela 1ª Instância em 28/01/2021 e «quer na parte final da subsunção dos factos ao direito, quer no dispositivo, de modo que onde aí consta: 218º, n.º 2 al. b) do CP, passe a constar 218º, n.º 2 al. a) do CPP».
18ª. Ainda que tendo julgado improcedente a nulidade arguida, o Tribunal da Relação do Porto teve de, em face da arguição feita pelo arguido em 18/01/2022, corrigir o acórdão condenatório na parte da subsunção dos factos ao Direito e também no próprio dispositivo do acórdão, alterando o enquadramento jurídico dos factos para uma diferente causa de agravação da burla, o que apenas fez em 19/10/2022, pelo que antes dessa data o teor do acórdão condenatório não se pode dar por estabilizado.
19ª. Em suma, tendo sido interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto do acórdão condenatório proferido em 28/01/2021, o qual foi julgado parcialmente procedente, alterando a medida concreta da pena aplicada e tendo depois sido arguidas nulidades relativamente a este acórdão proferido em sede de recurso, o mesmo não transitou e não transitaria nunca antes de serem decididas as nulidades arguidas, pois é pacífico que um acórdão não transita em julgado antes de decorrido o prazo de 10 dias sobre a data da sua prolação ou notificação ao sujeito processual, no caso de não ser arguida qualquer nulidade, ou até que seja decidida a reclamação/arguição de nulidade, caso esta seja deduzida, como foi.
20ª. No caso sub iudice, a decisão da reclamação/arguição de nulidade só sucedeu em 19/10/2022, pelo que antes dessa data é manifesto que não transitou em julgado nem o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 21/12/2021 nem, consequentemente, o acórdão condenatório proferido pela 1ª Instância em 28/01/2021.
21ª. Portanto, nem em 12/07/2022, nem em 16/08/2022, nem depois em 30/09/2022, tinha ainda transitado em julgado o acórdão condenatório proferido em 28/01/2022, o qual foi ainda corrigido em 19/10/2022.
22ª. O Senhor Procurador recorrente não toma posição contra a data – 12/07/2022 – em que o procedimento criminal, no que respeita ao crime de burla, prescreveria (e efetivamente prescreveu).
23ª. O objeto do recurso interposto pelo Senhor Procurador, no que ao crime de burla respeita, restringe-se a – segundo ele – não ser apreciável a questão da prescrição quando a mesma foi invocada pelo arguido aqui recorrido, em 30/09/2022, por (alegadamente) ter já transitado em julgado a decisão condenatória em 13/01/2022, o que, com o devido respeito consubstancia uma serôdia tese recursiva, como se demonstra.
24ª. Ora, o Tribunal a quo, que começou precisamente por analisar a questão do momento até ao qual poderia ser suscitada e conhecida a prescrição do presente procedimento criminal, reconhece que o processo penal não trata com autonomia o tema do trânsito em julgado e portanto faz apelo à disciplina prevista no processo civil no art. 628º do CPC, aqui subsidiariamente aplicável, que prevê que uma decisão só se considera transitada em julgado quando não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.
25ª. O Tribunal a quo, partindo do pressuposto – de que se discorda – de que o Acórdão proferido em 21/12/2021 era irrecorrível, reconhece depois (págs. 18-19 do despacho recorrido), que esse Acórdão, ainda que irrecorrível, admite contudo reclamação, ou seja, admite a arguição de nulidades.
26ª. E o Tribunal a quo reconhece, como não poderia deixar de ser, que foi efetivamente apresentada pelo arguido aqui recorrido a arguição de nulidades relativamente a esse Acórdão proferido em 21/12/2021, tempestivamente, em 18/01/2022.
27ª. Como tal o Tribunal a quo decidiu, fundamentadamente, que o trânsito em julgado nunca poderia ter ocorrido antes de se mostrar decidida a arguição de nulidades deduzida em 18/01/2022 relativamente ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 21/12/2021 e que apenas foi decidida em 19/10/2022.
28ª. Pelo que a prescrição do procedimento criminal suscitada em 30/09/2022 o foi, assim, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória – decisão à qual nada de nada há a apontar e que é aliás de uma legalidade e simplicidade cristalinas.
29ª. Tal como é de uma legalidade e linearidade cristalinas a análise e decisão subsequentes do Tribunal a quo quanto à data em que, concretamente, prescreveu o presente procedimento criminal, tendo concluído pela efetiva prescrição do procedimento criminal pelo crime de burla no dia 12/07/2022, no que lhe assiste absoluta razão e deve ser integralmente mantido por V. Exas. Venerandos Desembargadores.
30ª. No que respeita à posição sustentada em sede de recurso pelo Senhor Procurador recorrente – de que «não existiu reclamação/arguição de nulidades tempestiva, no prazo de 10 dias, pois a figura de “reclamação/arguição de nulidades subsidiárias” não existe no processo penal português; o arguido ora recorria ora reclamava. Tendo optado pelo recurso, vedado se encontra a possibilidade de ver a sua reclamação apreciada» -, foi já frontalmente contrariada nos presentes autos por duas decisões transitadas.
31ª. A primeira decisão já transitada é a do Supremo Tribunal de Justiça, que não julgou que a arguição de nulidades apresentada subsidiariamente pelo arguido em 18/01/2022 fosse “um nada jurídico”, tanto que ordenou expressamente, no seu Acórdão proferido em 19/05/2022, que os autos baixassem ao Tribunal da Relação do Porto para que fosse apreciado exatamente esse requerimento apresentando em 18/01/2022; e
32ª. A outra decisão transitada é a do Tribunal da Relação do Porto, que apreciou efetivamente tal requerimento e as nulidades arguidas, por acórdão de 19/10/2022, e fê-lo certamente porque não as considerou “um nada jurídico”.
33ª. Trata-se portanto de questão intempestiva, que há muito que se mostra ultrapassada nos presentes autos, tendo sido decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal da Relação do Porto que a arguição de nulidade, deduzida a título subsidiário e nos demais exatos moldes em que foi feita em 18/01/2022, era juridicamente admissível e tinha que ser conhecida ! Mesmo na sequência da rejeição do recurso interposto para o STJ. E, por isso, o STJ a mandou conhecer ! E por isso o Tribunal da Relação do Porto a conheceu.
34ª. Acresce que não se percebe porque é que o Senhor Procurador só agora se insurge contra a arguição de nulidades feita pelo arguido em 18/01/2022 e porque é que só agora se insurge contra a sua apreciação pelo Tribunal da Relação do Porto determinada pelo STJ, na sequência de ter sido rejeitado o recurso pelo STJ.
35ª. O Ministério Público foi notificado do despacho proferido em 28/01/2022 pelo Tribunal da Relação do Porto (dando sem efeito a marcação de data para apreciação da arguição de nulidades deduzida em 18/01/2022 e antes de o recurso interposto para o STJ ser apreciado, uma vez que justamente tal arguição de nulidades tinha sido deduzida subsidiariamente à apreciação do recurso pelo STJ) por ofício de 31.01.2022 com a refª 15375675 e por ofício de 9.02.2022 com a refª 15410421 e não reagiu a este despacho, deixou-o transitar !
36ª. O Ministério público foi notificado do douto Acórdão proferido pelo STJ em 19/05/2022 que referia expressamente que tinham sido arguidas em 18/01/2022 nulidades e outros vícios do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que apenas não tinham chegado a ser apreciadas por ter sido entretanto interposto recurso para o STJ e mandou os autos baixarem ao Tribunal da Relação do Porto para ser apreciado o requerimento de arguição de nulidades apresentado em 18/01/2022 e não reagiu a este Acórdão, deixou-o transitar !
37ª. E finalmente o Ministério Público foi notificado do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que, em 19/10/2022, apreciou essa arguição de nulidades e, no âmbito da apreciação de uma dessas nulidades, determinou até a correção do acórdão condenatório e do Acórdão proferido em 21/12/2021 e também não reagiu a esse Acórdão, deixou-o transitar!
38ª. Portanto, contrariamente ao que infundadamente sustenta o Senhor Procurador recorrente, não só foi tempestivamente arguida em 18/01/2022 a nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, como não estava vedada a possibilidade de tal reclamação ser apreciada, como foi efetivamente apreciada em 19/10/2022, sem que o Ministério Público se tivesse nunca insurgido nem contra a arguição de nulidades em causa, nem contra as sucessivas três decisões dos Tribunais Superiores que a consideraram admissível, que todas as três transitaram em julgado.
39ª. O Senhor Procurador recorrente vem ainda fazer apelo a uma suposta “declaração de trânsito constante do acórdão de 21.10.2021” [por lapso é referido 21.10.2021 quando certamente se quereria ter referido 21.12.2021], que – veja-se bem – teria sido, segundo o Senhor Procurador recorrente, emanada no próprio dia da decisão a que respeita e na própria decisão, que, contrariamente a todas as demais decisões judiciais do mundo, se teria feito auto-transitar a ela própria e… imediatamente!
40ª. A recorribilidade ou não de uma qualquer decisão judicial decorre da Lei, sendo irrelevante o que, a este propósito, seja feito constar da própria decisão, sendo que nenhum Tribunal tem o poder de, numa decisão que o próprio profira, declarar que essa decisão está transitada e é irrecorrível (tudo em violação do regime legal do trânsito em julgado que prevê expressamente no art. 628º do CPC que, tendo havido reclamação da decisão, esta não transita em julgado até que seja decidida essa reclamação) – isso, sim, é “um nada jurídico” ou, com todo o devido respeito, um absurdo jurídico!
41ª. Acresce que, ainda que se tentasse sustentar que o Tribunal da Relação do Porto teria feito essa suposta declaração de trânsito integrada na própria decisão cujo trânsito pretenderia declarar – e obviamente não fez tal absurdo – então sempre se teria de concluir que o Tribunal da Relação do Porto, ao ter posteriormente, em 23/02/2022, admitido o recurso interposto pelo arguido para o STJ, teria, afinal, revogado essa sua própria suposta declaração de trânsito, pois é manifesto que esse recurso para o STJ, sendo admitido, impedia o trânsito em julgado dessa própria suposta “declaração de trânsito em julgado”.
42ª. Não está pois em causa, a nenhum título, qualquer violação do dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por Tribunais Superiores, previsto no art. 4º nº 1 da LOSJ (Lei nº 62/2013 de 26/08) e art. 152º nº 1 do CPC, contrariamente ao infundadamente alegado pelo Senhor Procurador recorrente.
43ª. Em síntese:
- A arguição de nulidades apresentada pelo arguido aqui recorrido em 18/01/2022, a título subsidiário relativamente ao recurso interposto para o STJ, era processualmente admissível e foi apresentada tempestivamente – tal questão está há muito ultrapassada nos presentes autos, tendo sido apreciada pelo STJ e pelo Tribunal da Relação do Porto em Acórdãos e despacho que não foram em tempo impugnados pelo Ministério Público e portanto transitaram em julgado;
- A arguição de nulidades apresentada pelo arguido aqui recorrido em 18/01/2022 foi e bem conhecida em 19/10/2022 – questão também há muito ultrapassada, apreciada pelo STJ e pelo Tribunal da Relação do Porto em Acórdãos e despacho que não foram em tempo impugnados pelo Ministério Público;
- O efeito dessa arguição de nulidades, deduzida em 18/01/2022, não pode deixar de ser o de ter impedido o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida nos presentes autos até que se mostrou apreciada essa arguição de nulidade, como decidiu e bem o Tribunal a quo;
- A conclusão a extrair não pode ser outra que não aquela a que chegou o Tribunal a quo: «a prescrição do procedimento criminal foi suscitada em 30-09-2022 e, assim, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória».
44ª. A defesa do arguido tudo o que expôs aos Tribunais fê-lo de acordo com o seu melhor saber e consciência jurídica, não se tendo resignado – e não se resignará nunca – com decisões de que juridicamente discorda. E apraz-nos constatar que nenhum Tribunal neste processo (diga-se já agora nem noutro), alguma vez condenou o Advogado e mandatário abaixo assinado como litigante de má fé, ou sequer lhe aplicou o regime atualmente previsto no art. 670º do CPC para combater demoras abusivas e manobras dilatórias com as quais se tente obstar ao trânsito em julgado de decisões judiciais. E nem mesmo o Senhor Procurador recorrente sequer o promoveu…
45ª. No caso sub iudice do que trata é simplesmente de ter sido proferido em 28/01/2021 acórdão condenatório do qual se recorreu para a Relação e, relativamente ao acórdão proferido em recurso em 21/12/2021, que foi julgado parcialmente procedente, se ter arguido a sua nulidade em 18/01/2022, ter sido entretanto foi discutida e decidida a questão da admissibilidade de recurso para o STJ (que não é tão fácil nem tão óbvia) e só ter sido decidida a reclamação/arguição de nulidades em 19/10/2022 – não há aqui qualquer reclamação sucessiva ou diabólica!
46ª. Sendo este o único fundamento do recurso apresentado pelo Ministério Público quanto à prescrição do procedimento criminal no que respeita ao crime de burla, necessário será que V. Exas. Venerandos Desembargadores julguem, nesta parte, totalmente improcedente o recurso do Ministério Público e, não tendo havido recurso da Assistente quanto à prescrição do procedimento criminal pelo crime de burla, julguem prescrito e consequentemente extinto o procedimento criminal no que ao crime de burla respeita.
47ª. Acresce que, quando da apresentação do requerimento a suscitar a questão da prescrição do procedimento criminal, quer a Assistente, quer o Ministério Público, foram notificados para se pronunciarem quanto ao requerido.
48ª. A Assistente veio pronunciar-se em 28/03/2023, sustentando a não prescrição do procedimento quanto ao crime de burla, uma vez que, tendo em conta o disposto no nº 3 do art. 121º do CP, o procedimento pelo crime de burla prescreveria no dia 2/08/2022 e, tendo sido interposto recurso para o STJ pelo arguido e tendo o STJ proferido acórdão em 19/05/2022 julgando inadmissível o recurso interposto e tendo sido apresentada reclamação desse acórdão proferido em 19/05/2022, a qual veio a ser julgada improcedente por acórdão datado de 14/07/2022, necessário seria concluir-se que a questão penal fora decidida antes de decorrido o referido prazo máximo de prescrição que terminava em 2/08/2022 - foi este o único fundamento invocado pela Assistente para sustentar a não prescrição do procedimento criminal quanto ao crime de burla.
49ª. O Senhor Procurador recorrente, por sua vez, veio aderir integralmente a esta fundamentação, através da sua tomada de posição nos autos de 29/03/2023, onde se pode ler: «o MP adere na íntegra aos doutos fundamentos do requerimento que antecede».
50ª. Em sede de recurso, porém, o Senhor Procurador vem apresentar uma tese totalmente diferente daquela que sustentou na 1ª Instância e com a mesma incompatível: vem sustentar que o acórdão proferido em 21/12/2021 transitou em julgado em 13/01/2022 e que portanto é essa a data do trânsito em julgado da decisão condenatória!
51ª. Tese peregrina e inovadora, já atrás rechaçada e que está em total contradição com aquilo que o Senhor Procurador sustentara ao aderir ao requerimento apresentado pela Assistente na 1ª Instância e que fora que a decisão penal transitara em 14/07/2022 ou, quando muito, em 19/05/2022.
Ou seja, para o que aqui releva, em 1ª Instância, o Ministério Público sustentou que, pelo menos até 19/05/2022, não haveria trânsito em julgado da decisão condenatória.
52ª. Pelo que não tem legitimidade (nem tem, objetivamente, interesse em agir) o Ministério Público para vir agora sustentar em sede de recurso que afinal a decisão condenatória transitou em julgado logo em 13/01/2022.
53ª. No caso sub iudice, tendo-se conformado o Ministério Público com não haver trânsito em julgado da decisão proferida em 1ª Instância pelo menos até 19/05/2022, não pode o mesmo Ministério Público vir agora considerar-se parte vencida numa tese diferente que é a de que esse trânsito em julgado se teria dado afinal muito antes, logo em 13/01/2022.
54ª. São teses incompatíveis entre si, estando o Ministério Público vinculado à tese que já sustentou em 1ª Instância, sendo indiferente que o tenha sustentado por adesão expressa aos fundamentos da Assistente ou que o tenha feito numa enunciação própria. Sibi imputet.
55ª. Pelo exposto, não só a tese sustentada pelo Ministério Público é manifestamente infundada como já se deixou demonstrado supra, como acresce ainda que não deve ser sequer apreciado o recurso interposto pelo Ministério Público, na parte em que ele carece de legitimidade para recorrer
nos moldes em que o faz quanto à (não) prescrição do procedimento criminal quanto ao crime de burla.
56ª. O objeto do recurso interposto quer pelo Ministério Público, quer pela Assistente, no que ao procedimento pelo crime de branqueamento respeita, restringe-se ao prazo de prescrição do procedimento, sustentando o Ministério Público e a Assistente que esse prazo é de 15 anos e não de 10 anos.
57ª. O Tribunal a quo pronunciou-se, também aqui, de forma irrepreensível sobre o prazo prescricional em causa no que respeita ao procedimento pelo crime de branqueamento:
- a moldura penal abstrata do crime de branqueamento (pena de prisão de dois a doze anos) fica limitada no seu limite máximo a oito anos de prisão (cfr. Decisão do Exmo. Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 21-06-2017, processo n.º 131/12.4TELSB-D.P1, in www.dgsi.pt), pelo que, no caso, o limite máximo da moldura abstratamente aplicável ao crime de branqueamento é de 8 anos de prisão e não 12 anos de prisão. Deste modo, o prazo de prescrição do procedimento criminal aplicável aos referidos ilícitos é de 10 anos.
- tem sido esse o entendimento seguido para, em caso de conexão de crimes, sendo um deles o crime de branqueamento, apurar qual o crime a que cabe pena mais grave e, assim, determinar qual o tribunal competente para conhecer de todos eles (cfr. art. 28º, al. a), do CPP).
58ª. Estamos perante um raciocínio jurídico escorreito, com total adesão à letra e espírito da lei e inclusivamente com respaldo na nossa jurisprudência e doutrina mais recentes (e, com o devido respeito, mais acertadas).
59ª. O despacho recorrido faz desde logo apelo a uma decisão proferida pelo Exmo. Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto, em 21/06/2017 no processo n.º 131/12.4TELSB-D.P1, acessível em www.dgsi.pt).
60ª. Para a boa decisão da causa é ainda essencial atentar no lapidar acórdão proferido por este mesmo Tribunal da Relação do Porto, de 03/07/2013, no âmbito do processo n.º 1082/05.4TAGDM.P1, que se debruça expressa e especificamente sobre a questão da prescrição do procedimento criminal pelo crime de branqueamento e extrai as devidas consequências para efeitos de prescrição da limitação introduzida pelo legislador no nº 12 do art. 368º-A do CP.
61ª. Neste acórdão, proferido por este mesmo Tribunal da Relação do Porto, em 03/07/2013, começa por se chamar a atenção para o facto de ser decisivo atentar-se na ratio das normas e portanto de se atentar no fundamento da limitação introduzida pelo nº 12 do art. 368º-A do CP, naquilo que o legislador visou com essa previsão legal, e não apenas no argumento literal, fazendo-se então uma análise profunda da razão de ser do instituto e das consequências que daí se devem retirar, designadamente do facto de a limitação introduzida pelo nº 12 do art. 368º-A do CP assentar, sem dúvida, no Princípio da Proporcionalidade das Penas.
62ª. Pode ler-se nesse aresto:
«se a punição do branqueamento se funda na frustração da deteção e perda das vantagens do facto precedente, seria desproporcionado aplicar ao agente uma pena superior ao máximo que a lei prevê para a proteção do bem jurídico ofendido pelo facto de onde provêm essas vantagens» - cfr. pág. 109 do acórdão. «admitindo que o bem jurídico protegido não se esgota na pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime precedente, não vislumbramos razões que desaconselhem que a tutela, no crime posterior, de um bem jurídico polimórfico respeite o princípio da proporcionalidade das penas entre os crimes precedente e posterior, assim como as não descortinamos no sentido de o princípio da proporcionalidade entre as penas em causa, deva ser assegurado pela relação entre penas concretas e não entre penas abstractas» - cfr. pág. 111 do acórdão.
63ª. A racionalidade, a congruência com os princípios e o encadeamento lógico deste douto aresto de 3/07/2013 do Tribunal da Relação do Porto são manifestos e a conclusão a extrair é límpida: a moldura penal abstrata do crime de branqueamento é alterada por via da sua conjugação com a moldura penal abstrata do crime precedente.
64ª. Não estamos aqui nunca a tratar de penas concretas, mas sim ainda de molduras penais abstratas:
− da moldura penal abstrata do crime precedente, que condicionará a moldura penal abstrata do crime de branqueamento; e
− da moldura penal abstrata do crime de branqueamento a que se reporta o nº 3 do art. 368º-A do CP (12 anos de máximo) ter ficado limitada quando o limite máximo da moldura penal abstrata do crime precedente seja inferior aos 12 anos, por estatuição clara da Lei no nº 12 do art. 368º-A do CP.
65ª. Não passa de uma ficção jurídica contrária ao Princípio da Proporcionalidade sustentar-se que, apesar de a pena a aplicar ao crime de branqueamento nunca poder exceder o limite máximo aplicável ao crime precedente, a moldura penal abstrata do branqueamento se manteria inalterada nos 12 anos de prisão.
66ª. É isso mesmo que nos diz o acima citado acórdão proferido por este Alto Tribunal, em 03/07/2013, no Proc. n.º 1082/05.4TAGDM.P1, ao considerar, e bem, que estamos perante «uma moldura penal abstracta, modificada por outra moldura penal abstracta» e portanto perante «uma verdadeira alteração da moldura penal aplicável» «legalmente pré-estabelecido, pela conjugação das molduras penais em causa, não tendo a determinação da pena concreta nada que ver com a limitação em causa».
67ª. E é essa mesma ideia que está subjacente à decisão do Exmo. Vice- Presidente do Tribunal da Relação do Porto, de 21/06/2017, proferida no Proc. nº 131/12.4TELSB-D.P1, acessível em www.dgsi.pt e citada no despacho recorrido, em que o Tribunal também se pronuncia claramente no sentido de que do que trata o nº 12 do art. 368º-A do CP é de uma limitação à moldura penal abstrata do crime de branqueamento, mais precisamente ao limite máximo desta moldura penal abstrata.
68ª. O nº 12 do art. 368º-A do CP opera uma limitação ao limite máximo da moldura abstrata aplicável ao crime de branqueamento, limitando-a ao limite superior da moldura penal abstrata do crime precedente.
69ª. Chegados aqui, a única consequência a extrair, de acordo com o que a Lei prevê é que, de acordo com as regras gerais sobre a determinação do prazo prescricional, estando a moldura penal abstrata do crime de branqueamento limitada a 8 anos, por ser esse o limite máximo da moldura penal abstrata do crime precedente, o prazo prescricional aplicável é o de 10 anos, como também decidiu e bem o Tribunal a quo e não merece qualquer reparo.
70ª. E não merece qualquer reparo por ser o que tem inteiro apoio na letra da lei, no nº 12 do art. 368º-A do CP, e a única solução que verdadeiramente respeita o princípio da proporcionalidade das penas entre os crimes subjacentes e o crime posterior, sendo não só verdade, como constata o douto aresto proferido no Proc. nº 1082/05.4TAGDM.P1, que não se vê «qualquer razão para que tal proporcionalidade não se estenda às causas de extinção da responsabilidade criminal, cuja aplicação dependa da medida da pena aplicável», como seria manifestamente desproporcionado se assim não sucedesse.
71ª. Do que se trata aqui é precisamente de a cláusula de limitação da pena do crime de branqueamento, prevista no nº 12 do art. 368º-A do CP não poder deixar de ter também repercussão ao nível do prazo de prescrição do procedimento criminal pelo crime de branqueamento, limitando o prazo de prescrição do procedimento pelo branqueamento ao mesmo prazo de prescrição do procedimento pelo crime precedente, ainda que ambos os prazos sejam contados com autonomia entre si, não implicando a prescrição do crime precedente a prescrição do crime de branqueamento, já que desde logo os dois prazos se contarão em muitos casos de dies a quo diferentes, como sucede no caso sub iudice.
72ª. Não seria congruente punir o Branqueamento de vantagens cuja perda o Estado manifestamente já não pode decretar.
73ª. Não faria sentido o Estado estar limitado na perseguição criminal do autor do crime precedente ao prazo de 10 anos, mas poder continuar a perseguir criminalmente aquele que branqueou as vantagens geradas por esse crime por um período muito mais longo de 15 anos.
74ª. De acordo com o Princípio da Proporcionalidade das penas, seria desproporcionado aplicar ao agente uma pena superior ao máximo que a lei prevê para a proteção do bem jurídico ofendido pelo facto de onde provêm essas vantagens. E seria também desproporcionado estar a prever um prazo de prescrição do crime de branqueamento muito mais longo do que o prazo de prescrição do crime precedente.
75ª. Se só é possível perseguir-se criminalmente o autor do crime precedente pelo período de 10 anos, não faz sentido que possa perseguir-se criminalmente aquele que evitou a apreensão das vantagens geradas por esse crime precedente por um período superior a esses mesmos 10 anos, v.g. por um período de 15 anos.
76ª. Tal desigualdade de regimes no que toca ao prazo de prescrição aplicável ao crime de branqueamento e ao crime que lhe esteve subjacente seria manifestamente violadora dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que devem subjazer a toda a tutela penal, em obediência desde logo ao art. 18º nº 2 da CRP.
77ª. Efetivamente, o que se defende na Doutrina e na Jurisprudência não é que a prescrição do crime antecedente importe necessária e muito menos automaticamente a prescrição do crime de branqueamento.
78ª. O que se defende na Doutrina e na Jurisprudência é que o prazo de prescrição do crime de branqueamento não deva ser mais longo do que o prazo de prescrição do crime precedente.
79ª. Mas, porque o prazo de prescrição do crime antecedente e o prazo de prescrição do crime de branqueamento podem ter, e muitas vezes terão (como até sucede no caso sub iudice) dies a quo diferentes e terão ainda diferentes causas interruptivas e suspensivas (da prescrição do procedimento criminal), pode muito bem já ter decorrido integralmente o prazo de prescrição do crime precedente e ainda não ter corrido o prazo de prescrição do branqueamento (ou vice-versa, ainda que isso seja menos frequente).
80ª. É isso que explica que, no caso sub iudice, o procedimento criminal relativo ao crime de burla qualificada tenha prescrito em 12/07/2022 e o relativo ao crime de branqueamento só tenha prescrito em 16/08/2022.
81ª. Portanto, o que, bem acompanhados na Doutrina e na Jurisprudência, defendemos é que a cláusula de limitação da pena do crime de branqueamento, prevista no nº 12 do art. 368º-A do CP não pode deixar de ter também repercussão ao nível do prazo de prescrição do procedimento criminal pelo crime de branqueamento, limitando o prazo de prescrição do branqueamento ao mesmo prazo de prescrição do crime precedente, ainda que ambos os prazos sejam depois contados com autonomia entre si.
82ª. Reportando-se especificamente ao prazo de prescrição do Crime de Branqueamento, V. ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, “Branqueamento de Capitais”, in Droga e Sociedade - O Novo Enquadramento Legal, Seminário realizado no Centro de Estudos Judiciários em Março de 1993, edição do Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, Ministério da Justiça, 1994, a pág. 133, ainda a propósito do nº 2 do art. 23º do DL nº 15/93, mas que é aplicável mutatis mutandis ao disposto no nº 12 do art. 368º-A do CP, em que este autor se pronuncia no mesmo sentido decidido pelo Tribunal a quo e que é que o nº 12 do art. 368º-A do CP opera uma limitação ao limite máximo da moldura abstrata aplicável ao crime de branqueamento - «a moldura penal (ou a medida da punição) do branqueamento tem como limite a moldura (ou a medida) do crime subjacente».
83ª. V. também JORGE ALEXANDRE FERNANDES GODINHO, na sua obra Do Crime de «Branqueamento» de Capitais. Introdução e Tipicidade, Almedina, Maio de 2001, a págs. 247, ainda a propósito do nº 2 do art. 23º do DL nº 15/93 e do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, mas que é aqui aplicável mutatis mutandis, em que também este autor considera, pois, que a limitação introduzida pelo legislador opera ao nível da moldura abstrata do branqueamento em obediência ao princípio da proporcionalidade das penas, o que não ficaria salvaguardado com uma mera redução a posteriori da pena concreta aplicada.
84ª. Mais recentemente, de forma muito certeira, podemos V. Professor Doutor LOBO MOUTINHO, in Jornal O Observador, 2014, onde este autor faz a boa interpretação dos preceitos legais em causa, designadamente do art. 368º-A, em especial do seu nº 12, conjugado com o art. 118º, ambos do CP, numa interpretação conforme aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que devem subjazer a toda a tutela penal e onde conclui que por força do princípio da proporcionalidade, desde sempre se estabeleceu que o limite da pena aplicável ao branqueamento não pode ser diferente dos das penas aplicáveis aos crimes subjacentes, nos termos do nº 12 do art. 368º-A do CPP, pelo que o prazo de prescrição do crime de branqueamento nunca pode ser superior ao prazo de prescrição do crime subjacente.
85ª. Não só o despacho recorrido já encontrava suficiente respaldo na Lei, nos Princípios Jurídicos que conformam a tutela penal, na Jurisprudência e na Doutrina já existente, como se submete à aferição de V. Exas. O recentíssimo parecer proferido pelo Senhor Professor Germano Marques da Silva, a propósito do caso dos presentes autos, de onde se destacam as seguintes passagens e conclusões:
86ª. «Seria inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade porque, também no nosso modo de ver «é desproporcionado que sobre um crime que não pode ser punido com uma pena superior a 3 (três) anos recaia um prazo de prescrição de 15(quinze), com fundamento naquilo que, aos nossos olhos, não passa de uma ficção jurídica». Seria também incoerente com o sistema e, aliás, anti- sistémico, porque no sistema do nosso Código Penal as regras para determinação dos prazos de prescrição, mesmo as excecionais que atendem à natureza do crime e não à gravidade da pena aplicável, estão no Capítulo I do Título V, e não numa dispersão avulsa pelo Código.» [pág. 17-18]
87ª. «O limite máximo da medida da pena (abstratamente) aplicável ao crime de branqueamento é o limite máximo da pena (abstratamente) aplicável mais elevada de entre as previstas para ao factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens, em conformidade com o que dispõe o nº 12 do artigo 368º-A do Código Penal, salvo se esta pena (do crime antecedente) for superior a 12 anos, caso em que é este (de 12 anos) o limite máximo da pena (abstratamente) aplicável;
88ª. O prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de branqueamento, p.p. pelo artigo 368º-A do Código Penal é determinado em função da pena máxima que lhe é (abstratamente) aplicável, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 118º do Código Penal;
89ª. O prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de branqueamento, p. p. pelo artigo 368º-A do Código Penal, não se determina pelo máximo da medida da pena (abstratamente) aplicável, previsto no nº 3 desse artigo, mas sempre por referência à pena máxima (abstratamente) aplicável em conformidade com a conclusão A), não obedecendo a qualquer outro critério.» [pág. 18-19]
90ª. Sempre se diga que uma interpretação da norma contida no nº 12 do art. 368º-A, conjugado com o art. 118º nºs 1 e 2, ambos do CP no sentido de que o prazo de prescrição aplicável ao branqueamento pode ser superior ao prazo de prescrição aplicável ao ilícito subjacente, uma vez que a limitação imposta pelo nº 12 do art. 368º-A não releva para efeitos da subsunção nas alíneas do nº 1 do art. 118º, ambos do CP, é inconstitucional por violar os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que devem subjazer a toda a tutela penal, princípios esses ínsitos no art. 18º nº 2 da CRP.
91ª. Uma interpretação da norma contida no nº 12 do art. 368º-A, conjugado com o art. 118º nºs 1 e 2, ambos do CP conforme à Constituição, designadamente conforme aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que devem subjazer a toda a tutela penal consagrados no art. 18º nº 2 da CRP sempre deverá impor que se considere que a limitação operada pelo nº 12 do art. 368º-A do CP releva para efeitos de determinação do prazo de prescrição do crime de branqueamento, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 118º do CP, pelo que consequentemente o prazo de prescrição aplicável ao branqueamento não pode ser superior ao prazo de prescrição aplicável ao ilícito subjacente.
92ª. Por todo o exposto e independentemente de qualquer querela conceptualista, a única solução que se coaduna com a letra da lei e com os princípios constitucionais da necessidade, proporcionalidade e adequação que devem presidir a toda a tutela penal é, de acordo com as mais recentes e melhor fundamentadas Jurisprudência e Doutrina, a de que, não só a pena a aplicar ao crime de branqueamento não pode ser superior ao limite máximo da mais elevada das penas aplicáveis aos crimes precedentes, como ainda que, pelas mesmíssimas razões jurídicas, o prazo de prescrição do crime de branqueamento não possa ser superior ao prazo de prescrição do crime precedente, ainda que ambos os prazos se contem, em concreto, com autonomia entre si, sem que a prescrição de um crime tenha qualquer efeito relativamente à prescrição do outro crime.
93ª. Necessário é pois concluir que o presente procedimento criminal pelo crime de branqueamento prescreveu, nos termos acima expostos, no passado dia 16/08/2022, decorridos que estão mais de 18 anos sobre a prática dos factos, como decidiu e bem o Tribunal a quo e deve ser integralmente mantido por V. Exas. Venerandos Desembargadores.
94ª. O Ministério Público funda a sua discordância numa interpretação meramente literalista e, com o devido respeito, truncada da lei, sem atender à natureza do crime em causa, ao bem jurídico protegido, à finalidade da punição prevista, aos princípios que conformam a tutela penal como o princípio da proporcionalidade, à evolução que a norma tem sofrido ou à sua inserção sistemática e limita-se a ler o que em parte o legislador escreveu na norma contida no art. 368º-A nº 12 do CP para concluir assim: a lei refere «a pena aplicada», logo só pode estar em causa a pena concreta logo é irrelevante para efeitos de determinação do prazo de prescrição que tem por referência a molduras penais abstratas.
95ª. O que a letra do art. 118º nº 1 do CP refere é que o prazo de prescrição será de 15 anos quando o crime for «punível com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos».
96ª. Ora pergunta-se: o crime de branqueamento em causa nos presentes autos e todo aquele que tenha também como crime antecedente uma burla agravada é punível com pena de prisão superior a 10 anos?
97ª. A resposta é óbvia e inevitavelmente negativa.
98ª. O crime de branqueamento em causa nos presentes autos – e é apenas desse que nos ocupamos –, é punível com pena de prisão cujo limite máximo é igual a 8 anos, por via da conjugação do disposto no nº 12 do art. 368º-A do com o art. 218º nº 2 do CP.
99ª. Logo o crime de branqueamento em causa nos presentes autos é subsumível não na al. a) mas sim na al. b) do nº 1 do art. 118º do CP, sendo portanto o prazo de prescrição aplicável o prazo de 10 anos.
100ª. Assim, necessário é concluir que mesmo que atendêssemos a um critério meramente literalista, nem mesmo assim a conclusão a que se chega é a querida pelo Senhor Procurador recorrente.
101ª. Sendo que, na verdade, e como muito bem decidiu este Alto Tribunal no âmbito do processo n.º 1082/05.4TAGDM.P1, não há-de ser exclusivamente pelo argumento literal que se chega à boa interpretação das normas em causa.
102ª. A verdade é que o próprio legislador erigiu como critério para a determinação do prazo de prescrição o limite máximo da pena de prisão com que o crime é punível.
103ª. E, por via da limitação prevista no nº 12 do art. 368º-A do CP, esse limite máximo com que o crime de branqueamento, que tem como ilícito subjacente um crime de burla agravada pelo nº 2 do art. 18º do CP, é punível é o limite máximo de 8 anos.
104ª. O nº 12 do art. 368º-A do CP limita a punibilidade do crime de branqueamento ao limite máximo da pena abstratamente prevista para o ilícito subjacente.
105ª. Estando a punibilidade do crime de branqueamento limitada, é ilegal ignorar-se essa limitação da punibilidade para efeitos de determinar o prazo de prescrição aplicável nos termos do nº 1 do art. 118º.
106ª. Ora, na douta decisão recorrida não se sustenta minimamente que o prazo de prescrição do crime de branqueamento fique indexado «à pena concreta dos crimes subjacentes» [sublinhado nosso].
107ª. O que a lei estatui (impõe com legitimidade democrática nos termos consagrados na Constituição) no nº 12 do art. 368º-A CP é uma limitação da pena a aplicar ao crime de branqueamento, igual ao limite máximo da pena abstratamente aplicável ao ilícito subjacente, independentemente de qual a pena concreta que venha a ser aplicada ao ilícito subjacente.
108ª. E foi essa norma cogente que a douta decisão recorrida aplicou, em concatenação com o art. 118º CP.
109ª. Não se trata nunca da pena concretamente aplicada servir de limite à pena a aplicar mas sim de molduras penais dentro das quais a pena é aplicada.
110ª. Como este Alto Tribunal concluiu já, no âmbito do processo n.º 1082/05.4TAGDM.P1, de forma também irrepreensível, à moldura penal do branqueamento veio o nº 12 do art. 368º-A CP acrescentar um topo, importado da moldura do ilícito subjacente, que impede que a pena suba acima dele, tratando-se de a própria moldura penal passar a ter esse limite máximo inultrapassável.
111ª. Não se percebe qual a indignação manifestada pelo Senhor Procurador recorrente com o facto de o crime de branqueamento poder ter um prazo de prescrição inferior ao do crime precedente, pois a verdade é que a opção que o legislador tomou foi a de limitar a punibilidade do crime de branqueamento de molde a que ela não fosse superior à do ilícito subjacente, mas, podendo fazê-lo, não quis legislar quanto à possibilidade inversa.
112ª. O legislador quis foi preservar a proporcionalidade entre as penas aplicáveis ao crime de branqueamento e as penas aplicáveis aos ilícitos subjacentes de onde provêm as quantias branqueadas, o que tem particular relevância quando o catálogo de crimes que podem estar subjacentes ao crime de branqueamento é tão diverso, quer em termos de gravidade, quer quanto à sua natureza, que desaconselha maximamente que a pena a aplicar ao crime de branqueamento fosse uniforme e sempre punível com pena de prisão até 12 anos. E por isso, com a legitimidade democrática que lhe é própria, introduziu a limitação prevista no nº 12 do art. 368º-A do CP.
113ª. A própria letra da lei, ou melhor, o próprio funcionamento da previsão dos nºs 1e 2 do art. 118º do CP conduz a que os prazos de prescrição também não sejam uniformes variando em função da gravidade do crime de branqueamento em causa, sendo que, quando o crime de branqueamento for punível com uma pena de prisão cujo limite máximo seja igual ou superior a 10 anos, o prazo de prescrição será de 15 anos, mas quando for punível com uma pena de prisão cujo limite máximo seja inferior a 10 anos (mas superior a 5 anos) será de 10 anos o prazo de prescrição.
114ª. E terá sido só por isso que o legislador não sentiu necessidade de, à semelhança do que fez no nº 12 do art. 368º-A, criar uma limitação que tivesse por objeto, já não a pena a aplicar, mas sim o prazo de prescrição a aplicar.
115ª. Por todo o exposto não assiste qualquer razão ao recurso interposto pelo Senhor Procurador recorrente também no que respeita à extinção do procedimento criminal por prescrição relativamente ao crime de branqueamento, tendo o Tribunal a quo feito uma aplicação legal e juridicamente correta do Direito aos factos julgando igualmente extinto o procedimento criminal pelo crime de branqueamento quanto ao arguido aqui recorrido.
116ª. No que respeita à motivação de recurso da Assistente A..., que, como já vimos, restringiu o seu recurso à extinção do procedimento criminal pelo crime de branqueamento, conformando-se com a sua extinção pelo crime de burla, os fundamentos, embora mais contidos e com formulações menos inventivas e temerárias, não divergem no essencial dos argumentos avançados pelo Senhor Procurador recorrente, ou seja, também com base numa interpretação meramente literalista do nº 12 do art. 368º-A do CP pretende a Assistente que a limitação aí estatuída na Lei não tenha relevância para a determinação do prazo de prescrição, uma vez que o nº 1 do art. 118ºdo CP apenas atenderia às molduras penais abstratas dos crimes e o nº 12 do art. 368º-A não alteraria a moldura abstrata do crime de branqueamento.
117ª. Como já exposto supra, a propósito da motivação do recurso do Senhor Procurador recorrente, o que importa para efeitos da previsão do nº 1 do art. 118º do CP é saber qual o limite máximo da pena de prisão com que o crime de branqueamento em causa é punível. E esse limite não pode ser outro se não o limite previsto no nº 12. Logo é esse que releva para efeitos da determinação do prazo de prescrição.
118ª. Qualquer argumentação no sentido de que possa ser superior a 8 anos o limite máximo da pena aplicável ao crime de branqueamento que tem subjacente um ilícito de burla qualificada nos termos do nº 2 do art. 218º do CP, é uma pura ficção.
119ª. O nº 12 do art. 368º-A do CP só prevê uma limitação à pena concretamente aplicada ao crime precedente, no sentido das molduras abstratas das penas, ou seja uma limitação da punibilidade do crime de branqueamento ao limite máximo abstratamente aplicável ao ilícito subjacente mais grave.
120ª. Vê-se assim claramente que o que o legislador criou no nº 12 do art. 368º-A CP foi um limite à medida da pena do branqueamento (V. por todos supra as passagens transcritas do Parecer do Senhor Professor Germano Marques da Silva e do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3/07/2013.
121ª. Uma coisa é certa: o legislador quis que a punibilidade máxima do crime de branqueamento variasse em função da gravidade do ilícito subjacente – essa foi uma opção do legislador, no nº 12 do art. 368º-A do CP.
Goste-se mais ou menos, concorde-se mais ou menos!
122ª. Quanto a uma total autonomia do crime de branqueamento, no que à punição respeita, remetemos para o que já deixámos supra explicitado, sendo que o limite previsto no nº 12 do art. 368º-A CP infirma essa total autonomia.
123ª. Como bem se explica no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3/07/2013 e no Parecer do Senhor Professor Germano Marques da Silva que ora se junta, o tipo de branqueamento tem autonomia, é certo, mas limitada pela conexão estreita com o crime precedente que o nº 12 do art. 368º-A inexoravelmente estabelece e que tem depois naturais reflexos ao nível dos prazos de prescrição, justificados pela proporcionalidade que naturalmente deve existir não só ao nível das penas a aplicar mas também dos prazos de prescrição aplicáveis.
124ª. Pelo exposto também não assiste qualquer razão ao recurso interposto pela Assistente A..., tendo o Tribunal a quo na douta decisão recorrida feito uma correta aplicação do Direito aos factos, julgando corretamente extinto o procedimento criminal pelo crime de branqueamento quanto ao arguido aqui recorrido.
Pelo exposto, devem os recursos interpostos pelo Ministério Público e pela Assistente A... ser julgados improcedentes, mantendo-se a douta decisão recorrida que julgou extinto por prescrição o procedimento criminal quer quanto à imputada burla agravada, quer quanto ao imputado branqueamento, assim se fazendo justiça.”
Juntou parecer jurídico.

Neste Tribunal o Digno Procurador Geral Adjunto teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido do provimento dos recursos interpostos.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, mantendo o arguido a sua posição.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.

Atentas as conclusões dos recursos são estas as questões a decidir:
- Trânsito em julgado da decisão condenatória e tempestividade do pedido de invocação da prescrição.
- Legitimidade do Ministério Público para vir sustentar o que agora sustenta, em sede de recurso, quanto à cognoscibilidade da questão da prescrição.
- A eventual prescrição do procedimento criminal relativamente aos crimes de burla qualificada e de branqueamento.
*
Cumpre assim apreciar e decidir.
Questão prévia.
Antes de todo o mais incumbe admitir-se ao abrigo do disposto no art. 165º nº 3 do CPP a junção do parecer jurídico do Senhor Professor Doutor Germano Marques da Silva nesta sede, atendendo ao pensamento da jurisprudência a que se adere nomeadamente − Acórdão do STJ de 26-09-1996 – «I- Não se destinando um parecer técnico a servir de meio de prova mas tão somente a ajudar a esclarecer o espírito do julgador, não deve ele ser considerado documento, em consequência do que pode ser junto aos autos, na 1. Instância em qualquer estado do processo, e, nos tribunais superiores até se iniciarem os "vistos" dos juízes. II - Não tendo sido admitida a junção de um parecer técnico em sede de recurso e por despacho do relator confirmado em conferência, mas antes dos "vistos", bem pode suceder que a sua junção possa convencer os juízes a decidir a acção de forma diferente do que decidiram. Assim, é de admitir a junção do parecer, ordenando-se a baixa do processo à Relação para novo julgamento.»
E − Acórdão da Relação de Coimbra de 05-11-2008 – «Os pareceres constituem abordagens técnicas não vinculantes sobre questões colocadas por factos de que os seus autores não têm conhecimento directo, elaborados por indivíduos com conhecimentos específicos e destinadas a esclarecer o julgador.
II. - Ao contrário do documento, em sentido estrito, o parecer não é meio de prova e, por isso, é admissível a sua junção até ao encerramento da audiência, nos termos do art. 165º nº 3 do Código de Processo Penal, assim se explicando a diferença de regime em relação ao seu nº 1. III. – Tendo o objecto do parecer atinência com o tema em discussão no processo e tendo a sua junção sido, atempadamente, requerida deve ser admitida a sua junção, por não dever ser aplicável o disposto nas alíneas a) e c) do n.º 4 do art. 340º do Código de Processo.
Penal. IV. - Constitui irregularidade que pode influir na boa decisão da causa, o indeferimento infundado da junção de parecer requerido no decurso da audiência de julgamento. V. - A sanação da irregularidade apenas exige que se admita a junção do parecer, que se permita o exercício do contraditório, que se produzam alegações e que se profira nova sentença em que se analisem os pontos de vista e conclusões dos aludidos pareceres, não sendo, porém, a prova produzida afectada pela junção dos pareceres
2. Fundamentação.
Alega o recorrente M.P. que o requerimento para invocação dos crimes em causa é extemporâneo atendendo à data do trânsito em julgado da decisão.
Vejamos:
FIGUEIREDO DIAS in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 699, quanto à essência da prescrição refere:
“ A prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico-penal substantiva. É óbvio que o mero decurso do tempo sobre a prática de um facto não constitui motivo para que tudo se passe como se ele não houvesse ocorrido; considera-se, porém, que uma tal circunstância é, sob certas condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efectivar a sua reacção. Por um lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer. Por outro lado, e com maior importância, as exigências de prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos: quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada, correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança. Finalmente e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas.
Por todas estas razões, a limitação temporal da perseguibilidade do facto ou da execução da sanção liga-se a exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade”.

O arguido AA veio invocar a prescrição do presente procedimento criminal, quer no que respeita ao crime de burla quer no que respeita ao crime de branqueamento no dia 30/09/2022.
E fê-lo entendendo que estavam decorridos sobre a prática dos factos mais de 18 anos.
Ou seja, que tendo em conta o prazo máximo de prescrição, de acordo com o nº 3 do art. 121º do CP, ressalvadas as interrupções e suspensões aplicáveis, o procedimento criminal pelo crime de burla mostrava-se prescrito desde o dia 12/07/2022 e o procedimento criminal pelo crime de branqueamento mostrava-se prescrito desde o dia 16/08/2022.
Tal como descrito na decisão a quo teremos como presentes os seguintes os pressupostos factuais em que assenta a invocada e depois já declarada pelo Tribunal a quo a prescrição do presente procedimento processual:
a) O presente processo respeita a factos ocorridos no ano de 2004, tendo os atos que integram a conduta criminosa aqui em causa sido praticados até 12/07/2004 no que respeita ao crime de burla e até 16/08/2004 no que respeita ao crime de branqueamento, conforme decorre da factualidade dada como provada, designadamente sob os nºs 20 a 45, no douto acórdão condenatório proferido em 28/01/20211 e integralmente mantida pelo Tribunal da Relação do Porto, Cfr. págs. 4 a 9 do Acórdão condenatório proferido pelo Juízo Central Criminal da Comarca do Porto – Juiz 14 em 28.01.2021, refª citius 421397940 e Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 21.12.2021, refª citius 15240837, onde se pode ler: «Tem-se por definitivamente assente a matéria de facto fixada na primeira instância».
Os autos estiveram em investigação de 6/11/2009, data em que foi instaurado o presente processo criminal, até 24/05/2019, data em que foi proferido o despacho de acusação contra o arguido ora recorrido (e outro coarguido), sendo que nunca foi declarada a excecional complexidade do processo.
O arguido foi constituído como tal em 28/02/2014 com subsequente tomada de declarações.
A notificação da acusação ao arguido foi imediata, tendo ocorrido em 3/06/2019.
Foi requerida a abertura de instrução, tendo esta sido encerrada, em tempo normal (art. 306º nº 1 do CPP), com a prolação de despacho de pronúncia em 20/12/2019.
A audiência de julgamento decorreu entre 23/09/2020 e 26/11/2020 e foi proferido acórdão final (condenatório) pelo Juízo Central Criminal da Comarca do Porto - Juiz 14 em 28/01/2021, volvidos 4 meses sobre o início da audiência.
Foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, em 21/12/2021, proferiu acórdão (em tempo igualmente rápido) julgando parcialmente procedente o recurso interposto, reduzindo a pena única aplicada ao arguido, além de, por causa de uma nulidade cometida pela 1ª Instância, mandar baixar os autos à 1ª Instância para julgamento da matéria civil.
Foram subsidiariamente arguidas nulidades deste acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 18/01/2022, no prazo de 10 dias a contar da notificação do acórdão (rectius: no 3º dia útil seguinte ao termo do referido prazo de 10 dias, mediante o pagamento da respetiva multa processual, como a lei consente nos arts. 107º nº 5 e 107º-A ambos do CPP).
Foi deferida pelo Tribunal da Relação do Porto, em 25/01/2022, a prorrogação, por 10 dias, do prazo para a interposição de recurso para o STJ pelo arguido ora recorrido relativamente ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
Foi interposto recurso desse mesmo acórdão para o STJ em 17/02/2022 pelo arguido ora recorrido.
Foi admitido, em 23/02/2022, pelo Tribunal da Relação do Porto, o recurso interposto para o STJ relativamente ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.
Em 19/05/2022, foi proferido acórdão pelo STJ, em conferência, por um lado, julgando inadmissível o recurso, mas, por outro lado, ordenando a apreciação das nulidades subsidiariamente arguidas pelo ora recorrido em 18/01/2022 e ordenando ainda a correção do acórdão condenatório proferido em 28/01/2021 e a correção do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 21/12/2021.
Foram, em 19/10/2022, conhecidas e decididas as nulidades subsidiariamente arguidas, relativamente ao acórdão proferido em 21/12/2021, através de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em obediência ao acórdão proferido pelo STJ em 19/05/2022 e ademais justificando-se expressamente o porquê de estarem a ser conhecidas naquele momento processual as nulidades em causa(Podendo ler-se a págs. 19 do Acórdão proferido em 19/10/2022 o seguinte, no início do Capítulo com a epígrafe «2. Apreciação»: «Impõe-se uma nota para referir que o Reclamante veio, em tempos, condicionar o conhecimento, e a competência para o conhecimento, da presente reclamação à admissão do recurso para o STJ. O recurso foi admitido para aquele tribunal. Acontece que o mesmo veio a ser rejeitado através de acórdão proferido no STJ em 19.05.2022. Assim, embora formalmente admitido neste tribunal o recurso não veio a ser materialmente conhecido, razão pela qual conhecemos agora da reclamação apresentada.»)
Em 19/10/2022, no âmbito da apreciação de uma das nulidades arguidas em 18/01/2022 – nulidade por falta de fundamentação da decisão –, foram corrigidos quer o acórdão proferido pelo próprio Tribunal da Relação do Porto em 21/12/2021, quer o próprio acórdão condenatório proferido pela 1ª Instância em 28/01/2021 e «quer na parte final da subsunção dos factos ao direito, quer no dispositivo, de modo que onde aí consta: 218º, n.º 2 al. b) do CP, passe a constar 218º, n.º 2 al. a) do CPP». Ou seja, ainda que tendo julgado improcedente a nulidade arguida, o Tribunal da Relação do Porto teve de, em face da arguição feita pelo arguido em 18/01/2022, corrigir o acórdão condenatório na parte da subsunção dos factos ao Direito e também no próprio dispositivo do acórdão, alterando o enquadramento jurídico dos factos para uma diferente causa de agravação da burla, o que apenas fez em 19/10/2022, pelo que só nessa data o teor do acórdão condenatório se pode dar por estabilizado.O próprio Ministério Público reconhece que o dispositivo foi «corrigido para al. a) por acórdão de 19.10.2022» - cfr. nota de rodapé 1, a págs. 3 da motivação de recurso do MP. E Cfr. excerto de págs. 25 do Acórdão proferido em 19/10/2022 pelo Tribunal da Relação do Porto, onde se pode ler: «A mesma correção deve ser efetuada na decisão do Tribunal da primeira instância quer na parte final da subsunção dos factos ao direito quer no dispositivo de modo que onde aí consta: 218º, n.º 2 al. b) do CP, passe a constar 218º, n.º 2 al. a) do CPP. Em consequência também no relatório do acórdão deste TRP, onde se faz referência ao dispositivo do acórdão proferido na primeira instância (…)».
É incontornável que as nulidades subsidiariamente arguidas pelo ora recorrido em 18/01/2022, relativamente ao acórdão parcialmente confirmativo da decisão da 1ª Instância proferido em 21/12/2021, estavam a aguardar decisão quando, respetivamente, em 12/07/2022 e em 16/08/2022, ocorreu a prescrição do procedimento criminal pelos crimes de burla e de branqueamento, na perspetiva do arguido e tribunal a quo e também quando, em 30/09/2022, foi suscitada pelo arguido AA a questão da prescrição do presente procedimento criminal.
É pacífico que um acórdão não transita em julgado antes de decorrido o prazo de 10 dias sobre a data da sua prolação ou notificação ao sujeito processual, no caso de não ser arguida qualquer nulidade, ou até que seja decidida a reclamação/arguição de nulidade, caso esta seja deduzida, como foi.
Ora, tendo sido interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto do acórdão condenatório proferido em 28/01/2021, o qual foi julgado parcialmente procedente, alterando a medida concreta da pena aplicada e tendo depois sido arguidas nulidades relativamente a este acórdão proferido em sede de recurso, o mesmo não transitou e não transitaria nunca antes de serem decididas as nulidades arguidas.
Decisão essa que, no caso sub iudice, é incontornável que só sucedeu em 19/10/2022, data antes da qual é portanto manifesto que não transitou em julgado nem o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 21/12/2021 nem, consequentemente, o acórdão condenatório proferido pela 1ª Instância em 28/01/2021.
Em 30/09/2022, data em que foi suscitada pelo arguido AA a questão da prescrição do presente procedimento criminal, não só estavam a aguardar ainda decisão as arguições de nulidades relativamente ao acórdão proferido pela Relação do Porto em sede de recurso do acórdão condenatório, como o acórdão condenatório veio mesmo a ser alterado em 19/10/2022, quer na parte da subsunção dos factos ao Direito, quer na parte do próprio dispositivo, com alteração do enquadramento jurídico dos factos, que antes constava ser na al. b) e passou a constar ser na al. a) do nº 2 do art. 218º do CP.
Portanto, nem em 12/07/2022, nem em 16/08/2022, nem depois em 30/09/2022, tinha ainda transitado em julgado o acórdão condenatório proferido em 28/01/2022.

Prescrição do crime de burla.
O M.P, recorrente não toma posição contra a data de 12/07/2022 – em que o procedimento criminal, no que respeita ao crime de burla, prescreveria.
O objeto do recurso interposto pelo Senhor Procurador, no que ao crime de burla respeita, restringe-se a não ser apreciável a questão da prescrição quando a mesma foi invocada pelo arguido aqui recorrido, em 30/09/2022, por (alegadamente) ter já transitado em julgado a decisão condenatória em 13/01/2022.
Pode ler-se na motivação de recurso apresentada pelo Senhor Procurador o seguinte:
«o trânsito em julgado da decisão de 21.12.2021, ocorreu com a sua notificação aos sujeitos processuais (ou volvidos 10 dias, considerando que não existiu qualquer reclamação), ou seja, a 13.01.2022, uma vez que tal decisão não admitia recurso, não existiu reclamação tempestivamente apresentada e nenhuma decisão posterior revogou a declaração de trânsito daquele acórdão; assim, a invocação da prescrição é extemporânea, porque suscitada em 30.09.2022, ou seja, após o trânsito em julgado».
O Tribunal a quo começou por analisar precisamente a questão do momento até ao qual poderia ser suscitada e conhecida a prescrição do presente procedimento criminal – até ao trânsito em julgado da decisão condenatória – que é o único fundamento que o Ministério Público apresenta para se opor à prescrição do procedimento criminal pelo crime de burla.
O Tribunal a quo, começando por reconhecer que o processo penal não trata com autonomia o tema do trânsito em julgado, faz apelo à disciplina prevista no processo civil, aqui subsidiariamente aplicável, no art. 628º do CPC, que prevê que uma decisão só se considera transitada em julgado quando não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.
No caso sub iudice, o acórdão condenatório foi objeto de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que julgou parcialmente procedente o recurso e alterou a medida concreta das penas aplicadas.
Relativamente a este Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 21/12/2021, o arguido fez duas coisas:
1ª. reclamou deste acórdão, no prazo de 10 dias contados a partir da sua notificação, arguindo várias nulidades do acórdão, ato que foi praticado no 3º dia útil seguinte ao termo do prazo mediante o pagamento da respetiva multa processual (nos termos dos arts. 107º nº 5 e 107º-A do CPP);
2ª. interpôs recurso deste acórdão para o STJ, por entender que tal acórdão era recorrível ao abrigo do disposto no art. 399º conjugado com o art. 400º nº 1, maxime al. f), a contrario, ambos do CPP.
O Tribunal a quo, partindo do pressuposto de que o Acórdão proferido em 21/12/2021 era irrecorrível, começou por decidir que o recurso interposto deste Acórdão para o STJ é irrelevante para efeitos de trânsito em julgado do Acórdão em causa:
«se uma decisão não admite recurso, o recurso que venha a ser interposto é um “não-ser”. Se só existem recursos de decisões que a lei admite serem impugnáveis (recorríveis), um recurso que não pode existir é (…) um “não-existente”.» - cfr. pág. 18 do despacho recorrido.
E, decidiu ainda que não é admissível a arguição de nulidade de despacho que indeferiu, por sua vez, uma arguição de nulidade, «sob pena de se protelar indefinidamente o trânsito em julgado de uma decisão».
O certo é que, no caso dos autos, o próprio Tribunal que proferiu o Acórdão recorrido – o Tribunal da Relação do Porto – admitiu o recurso da sua própria decisão para o STJ, o que só pode ter feito porque, além de não ser manifesta a irrecorribilidade da decisão por si proferida, a considerou mesmo recorrível para o STJ, embora a tal não estivesse vinculado o STJ.
E já antes da admissão do recurso, o Tribunal da Relação do Porto havia, por despacho de 25/01/2022, prorrogado o prazo para a interposição desse recurso, o que só se compreende porque achava a decisão recorrível e não irrecorrível.
Retomando a noção de trânsito em julgado, o Tribunal a quo reconhece depois, a págs. 18-19 do despacho recorrido, que o Acórdão proferido em 21/12/2021 pelo Tribunal da Relação do Porto, ainda que irrecorrível, admite contudo reclamação, ou seja, admite a arguição de nulidades.
E o Tribunal a quo reconhece, como não poderia deixar de ser, que foi efetivamente apresentada pelo arguido aqui recorrido a arguição de nulidades relativamente ao Acórdão proferido em 21/12/2021, tempestivamente, em 18/01/20228.
Reconheceu também o Tribunal a quo que «a decisão condenatória apenas transitaria na data em que se tivesse por feita a notificação da decisão que se pronunciou sobre tal reclamação» - cfr. págs. 19 do despacho recorrido.
Ora é incontornável, como reconheceu e bem o Tribunal a quo que «o acórdão que se pronunciou sobre a reclamação do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-12-2021 foi apenas proferido em 19-10-2022, ou seja, 09 meses e 1 dias depois de apresentada a referida reclamação».
Concluindo o Tribunal a quo no único sentido possível, de acordo com a lei:
«Assim sendo, verifica-se que a prescrição do procedimento criminal foi suscitada em 30-09-2022 e, assim, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória».
A decisão do Tribunal a quo quanto ao efeito de ter sido deduzida reclamação relativamente ao Acórdão proferido em 21/12/2021 e que reconheceu que até à prolação da decisão da referida reclamação, em 19/10/2022, não ocorreu o trânsito em julgado da decisão condenatória, é uma decisão à qual nada há a apontar mostrando-se correta.
A análise e decisão subsequentes do Tribunal a quo quanto à data em que, concretamente, prescreveu o procedimento criminal mostra-se igualmente correta, tendo concluído pela efetiva prescrição do procedimento criminal pelo crime de burla no dia 12/07/2022.
O M. P. a quo recorrente para tentar sustentar que, em 30/09/2022, já não poderia ter sido suscitada a questão da prescrição refere que «o trânsito em julgado da decisão de 21.12.2021, ocorreu com a sua notificação aos sujeitos processuais (ou volvidos 10 dias, considerando que não existiu qualquer reclamação), ou seja, a 13.01.2022, uma vez que tal decisão não admitia recurso, não existiu reclamação tempestivamente apresentada e nenhuma decisão posterior revogou a declaração de trânsito daquele acórdão; assim, a invocação da prescrição é extemporânea, porque suscitada em 30.09.2022, ou seja, após o trânsito em julgado».
O Senhor Procurador vem defender que a data em que ocorreu o trânsito em julgado da decisão condenatória foi 13/01/2022.
O Tribunal a quo, por seu turno, decidiu, fundamentadamente, que o trânsito em julgado nunca poderia ter ocorrido antes de se mostrar decidida a arguição de nulidades deduzida em 18/01/2022 relativamente ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 21/12/2021 e que apenas foi decidida em 19/10/2022.
O Senhor Procurador recorrente sustenta que «não existiu reclamação/arguição de nulidades tempestiva, no prazo de 10 dias, pois a figura de “reclamação/arguição de nulidades subsidiárias” não existe no processo penal português; o arguido ora recorria ora reclamava.
Tendo optado pelo recurso, vedada se encontra a possibilidade de ver a sua reclamação apreciada».
A posição sustentada pelo Senhor Procurador recorrente foi contrariada nos autos por duas decisões transitadas:
1) Uma, do Supremo Tribunal de Justiça, que não julgou que a arguição de nulidades apresentada subsidiariamente pelo arguido em 18/01/2022 fosse “um nada jurídico”, tanto que ordenou expressamente, no seu Acórdão proferido em 19/05/2022, que os autos baixassem ao Tribunal da Relação do Porto para que fosse apreciado exatamente esse requerimento apresentando em 18/01/2022; e
2) Outra do Tribunal da Relação do Porto, que apreciou efetivamente tal requerimento e as nulidades arguidas, por acórdão de 19/10/2022, e fê-lo certamente porque não as considerou “um nada jurídico”.
Para além do mais tal arguição é extemporânea, pois só agora se insurge contra a arguição de nulidades feita pelo arguido em 18/01/2022 e porque é que só agora se insurge contra a sua apreciação pelo Tribunal da Relação do Porto determinada pelo STJ, na sequência de ter sido rejeitado o recurso pelo STJ.
Efetivamente o Ministério Público foi notificado do despacho proferido em 28/01/2022 pelo Tribunal da Relação do Porto (dando sem efeito a marcação de data para apreciação da arguição de nulidades deduzida em 18/01/2022 e antes de o recurso interposto para o STJ ser apreciado, uma vez que justamente tal arguição de nulidades tinha sido deduzida subsidiariamente à apreciação do recurso pelo STJ) por ofício de 31.01.2022 com a refª 15375675 e por ofício de 9.02.2022 com a refª 15410421 e não reagiu a este despacho, transitando.
Tal como o Ministério público foi notificado do douto Acórdão proferido pelo STJ em 19/05/2022 que referia expressamente que tinham sido arguidas em 18/01/2022 nulidades e outros vícios do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que apenas não tinham chegado a ser apreciadas por ter sido entretanto interposto recurso para o STJ e mandou os autos baixarem ao Tribunal da Relação do Porto para ser apreciado o requerimento de arguição de nulidades apresentado em 18/01/2022 e não reagiu a este Acórdão.
E finalmente foi notificado do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que, em 19/10/2022, apreciou essa arguição de nulidades e, no âmbito da apreciação de uma dessas nulidades, determinou até a correção do acórdão condenatório e do Acórdão proferido em 21/12/2021 e também não reagiu a esse acórdão.
Portanto, contrariamente ao que sustenta o Senhor Procurador recorrente, não só foi tempestivamente arguida em 18/01/2022 a nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, como não estava vedada a possibilidade de tal reclamação ser apreciada, como foi efetivamente apreciada em 19/10/2022, sem que o Ministério Público se tivesse nunca insurgido nem contra a arguição de nulidades em causa, nem contra as sucessivas três decisões dos Tribunais Superiores que a consideraram admissível, que todas as três transitaram em julgado.
Alega ainda o Senhor Procurador recorrente, fazendo apelo a uma suposta “declaração de trânsito constante do acórdão de 21.10.2021” [por lapso é referido 21/10/2021 quando certamente se quereria ter referido 21.12.2021].
Declaração de trânsito emanada no próprio dia da decisão a que respeita e na própria decisão que se teria feito auto-transitar a ela própria e… imediatamente!
A recorribilidade ou não de uma qualquer decisão judicial decorre da Lei, sendo irrelevante o que, a este propósito, seja feito constar da própria decisão.
Tentar-se sustentar que, em 21/12/2021, existiu uma suposta declaração de “auto-trânsito em julgado” por parte do Tribunal da Relação do Porto, que não foi revogada e que isso seria razão para se considerar transitada essa decisão de 21/12/2021 (tudo em violação do regime legal do trânsito em julgado que prevê expressamente no art. 628º do CPC que, tendo havido reclamação da decisão, esta não transita em julgado até que seja decidida essa reclamação) não tem acolhimento legal.
Acresce que, ainda que se tentasse sustentar que o Tribunal da Relação do Porto teria feito essa declaração de trânsito integrada na própria decisão cujo trânsito pretenderia declarar, o Tribunal da Relação do Porto, ao ter posteriormente, em 23/02/2022, admitido o recurso interposto pelo arguido para o STJ, teria, afinal, revogado essa sua própria suposta declaração de trânsito, pois é manifesto que esse recurso para o STJ, sendo admitido, impedia o trânsito em julgado dessa própria suposta “declaração de trânsito em julgado”.
Não só essa suposta declaração de auto-trânsito de 21/12/2021 nunca existiu (tratando-se de uma errada interpretação do Senhor Procurador recorrente), como, a ter existido, nunca poderia ter a virtualidade de alterar o regime legal do trânsito em julgado, como, a admitir-se a lógica do Senhor Procurador recorrente, então não se pode deixar de concluir que o próprio Tribunal da Relação do Porto revogou essa declaração de trânsito.
Não está pois em causa, a nenhum título, qualquer violação do dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por Tribunais Superiores, previsto no art. 4º nº 1 da LOSJ (Lei nº 62/2013 de 26/08) e art. 152º nº 1 do CPC.
Como tal, também este fundamento recursivo aduzido pelo Senhor Procurador recorrente não tem qualquer sustentabilidade.
Por todo o exposto só se pode concluir que:
1. A arguição de nulidades apresentada pelo arguido aqui recorrido em 18/01/2022, a título subsidiário relativamente ao recurso interposto para o STJ, era processualmente admissível e foi apresentada tempestivamente – tal questão está há muito ultrapassada nos presentes autos, tendo sido apreciada pelo STJ e pelo Tribunal da Relação do Porto em Acórdãos e despacho que não foram em tempo impugnados pelo Ministério Público e portanto transitaram em julgado;
2. A arguição de nulidades apresentada pelo arguido aqui recorrido em 18/01/2022 foi e bem conhecida em 19/10/2022 – questão também há muito ultrapassada, apreciada pelo STJ e pelo Tribunal da Relação do Porto em Acórdãos e despacho que não foram em tempo impugnados pelo Ministério Público;
3. O efeito dessa arguição de nulidades, deduzida em 18/01/2022, não pode deixar de ser o de ter impedido o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida nos presentes autos até que se mostrou apreciada essa arguição de nulidade, como decidiu e bem o Tribunal a quo;
4. A conclusão a extrair não pode ser outra que não aquela a que chegou o Tribunal a quo: «a prescrição do procedimento criminal foi suscitada em 30-09-2022 e, assim, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória».
O que a decisão recorrida fez foi aplicar o regime legal do trânsito em julgado, previsto no art. 628º do CPC, aplicável ao processo criminal por via do art. 4º do CPP, que impõe que a arguição de nulidade de uma decisão obste ao seu trânsito em julgado até que se mostre decidida essa reclamação.
Foi apenas isso que sucedeu no caso sub iudice: foi tempestivamente arguida em 18/02/2022 a nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 21/12/2021 e por isso o acórdão condenatório não transitou em julgado até que foi decidida, em 19/10/2022, essa arguição de nulidade.
No caso sub iudice do que trata é simplesmente de ter sido proferido em 28/01/2021 acórdão condenatório do qual se recorreu para a Relação e, relativamente ao acórdão proferido em recurso em 21/12/2021, que foi julgado parcialmente procedente, se ter arguido a sua nulidade em 18/01/2022, tendo sido entretanto discutida e decidida a questão da admissibilidade de recurso para o STJ e só ter sido decidida a reclamação/arguição de nulidade em 19/10/2022.
O Tribunal a quo decidiu bem sobre esta matéria em estrita obediência ao previsto no art. 628º do CPC, aplicável ex vi art. 4º do CPP., sendo, nesta parte, totalmente improcedente o recurso do Ministério Público e, não tendo havido recurso da Assistente, consequentemente extinto o procedimento criminal no que ao crime de burla respeita nos termos exarados pelo Tribunal a quo que estão corretamente apreciados.
*
Da legitimidade do M.P. quanto ao conhecimento da questão da prescrição.
Quando da apresentação do requerimento a suscitar a questão da prescrição do procedimento criminal, quer a Assistente, quer o Ministério Público, foram notificados para se pronunciarem quanto ao requerido.
A Assistente veio pronunciar-se em 28/03/2023, sustentando a não prescrição do procedimento quanto ao crime de burla, uma vez que, tendo em conta o disposto no nº 3 do art. 121º do CP, o procedimento pelo crime de burla prescreveria no dia 2/08/2022 e, tendo sido interposto recurso para o STJ pelo arguido e tendo o STJ proferido acórdão em 19/05/2022 julgando inadmissível o recurso interposto e tendo sido apresentada reclamação desse acórdão proferido em 19/05/2022, a qual veio a ser julgada improcedente por acórdão datado de 14/07/2022, necessário seria concluir-se que a questão penal fora decidida antes de decorrido o referido prazo máximo de prescrição que terminava em 2/08/2022.
E foi este o único fundamento invocado pela Assistente para sustentar a não prescrição do procedimento criminal quanto ao crime de burla.
O M.P. a quo, por sua vez, veio aderir integralmente a esta fundamentação, através da sua tomada de posição nos autos de 29/03/2023, onde se pode ler: «o MP adere na íntegra aos doutos fundamentos do requerimento que antecede», reportando-se ao requerimento da Assistente apresentado em 28/03/2022 sob a refª 35206473.
Agora, em sede de recurso, porém, vem o Senhor Procurador apresentar uma tese totalmente diferente daquela que sustentou na 1ª Instância: vem sustentar que o acórdão proferido em 21/12/2021 transitou em julgado em 13/01/2022 e que portanto é essa a data do trânsito em julgado da decisão condenatória!
Ora o M.P. defendeu ao aderir ao requerimento apresentado pela Assistente na 1ª Instância e que fora que a decisão penal transitara em 14/07/2022 ou, quando muito, em 19/05/2022 (antes de se completar o prazo de prescrição que terminaria em 2/08/2022).
Ou seja, o Ministério Público sustentou que, pelo menos até 19/05/2022, não haveria trânsito em julgado da decisão condenatória.
Pelo que não tem legitimidade (nem tem, objetivamente, interesse em agir) o Ministério Público para vir agora sustentar em sede de recurso que afinal a decisão condenatória transitou em julgado logo em 13/01/2022.
A Magistratura do Ministério Público é una e não pode defender uma posição em 1ª Instância e uma posição contraditória (pelo menos em parte) em sede de recurso.
Por isso, no caso sub iudice, tendo-se conformado o Ministério Público com não haver trânsito em julgado da decisão proferida em 1ª instância pelo menos até 19/05/2022, não pode o mesmo Ministério Público vir agora considerar-se parte vencida numa tese diferente que é a de que esse trânsito em julgado se teria dado afinal muito antes, logo em 13/01/2022.
São teses incompatíveis entre si, estando o Ministério Público vinculado à tese que já sustentou em 1ª Instância, sendo indiferente que o tenha sustentado por adesão expressa aos fundamentos da Assistente ou que o tenha feito numa enunciação própria.
Pelo exposto, não só a tese sustentada pelo Ministério Público é manifestamente infundada, como acresce ainda carece de legitimidade para recorrer nos moldes em que o faz quanto à (não) prescrição do procedimento criminal quanto ao crime de burla.
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O objeto do recurso interposto quer pelo Ministério Público, quer pela Assistente, no que ao procedimento pelo crime de branqueamento respeita ao prazo de prescrição do procedimento, sustentando o Ministério Público e a Assistente que esse prazo é de 15 anos e não de 10 anos.
Podemos ler no despacho recorrido:
«Assim, no presente caso, a moldura penal abstrata do crime de branqueamento (pena de prisão de dois a doze anos) fica limitada no seu limite máximo a oito anos de prisão (cfr. Decisão do Exmo. Vice- Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 21-06-2017, processo n.º 131/12.4TELSB-D.P1, in www.dgsi.pt). Afigura-se, pois, que, no caso, o limite máximo da moldura abstratamente aplicável ao crime de branqueamento é de 8 anos de prisão e não 12 anos de prisão.
(…) Deste modo, o prazo de prescrição do procedimento criminal aplicável aos referidos ilícitos é de 10 anos».
E pode ainda ler-se:
«tem sido esse o entendimento seguido para, em caso de conexão de crimes, sendo um deles o crime de branqueamento, apurar qual o crime a que cabe pena mais grave e, assim, determinar qual o tribunal competente para conhecer de todos eles (cfr. art. 28º, al. a), do CPP)».
O despacho recorrido faz desde logo apelo a uma decisão proferida pelo Exmo. Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto, em 21/06/2017 no processo n.º 131/12.4TELSB-D.P1, acessível em www.dgsi.pt).
Também acórdão proferido por este mesmo Tribunal da Relação do Porto, de 03/07/2013, no âmbito do processo n.º 1082/05.4TAGDM.P110, que se debruça expressa e especificamente sobre a questão da prescrição do procedimento criminal pelo crime de branqueamento e extrai as devidas consequências para efeitos de prescrição da limitação introduzida pelo legislador no nº 12 do art. 368º- A do CP.
Efetivamente no acórdão proferido por este mesmo Tribunal da Relação do Porto, em 03/07/2013, no âmbito do processo n.º 1082/05.4TAGDM.P1, começa por se chamar a atenção para o facto de ser decisivo atentar-se na ratio das normas e portanto de se atentar no fundamento da limitação introduzida pelo nº 12 do art. 368º-A do CP, naquilo que o legislador visou com essa previsão legal, e não apenas no argumento literal, fazendo-se então uma análise profunda da razão de ser do instituto e das consequências que daí se devem retirar.
Atentando na ratio das normas chama a atenção no referido Acórdão para o facto de a limitação introduzida pelo nº 12 do art. 368º-A do CP assentar, sem dúvida, no Princípio da Proporcionalidade das Penas:
«se a punição do branqueamento se funda na frustração da deteção e perda das vantagens do facto precedente, seria desproporcionado aplicar ao agente uma pena superior ao máximo que a lei prevê para a proteção do bem jurídico ofendido pelo facto de onde provêm essas vantagens» - cfr. pág. 109 do acórdão.
E continua esse aresto:
«admitindo que o bem jurídico protegido não se esgota na pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime precedente, não vislumbramos razões que desaconselhem que a tutela, no crime posterior, de um bem jurídico polimórfico respeite o princípio da proporcionalidade das penas entre os crimes precedente e posterior, assim como as não descortinamos no sentido de o princípio da proporcionalidade entre as penas em causa, deva ser assegurado pela relação entre penas concretas e não entre penas abstractas» -cfr. pág. 111 do acórdão.
Depois, ainda no mesmo Acórdão de 3/07/2013, se discorre sobre o que é a autonomia do tipo legal do branqueamento por um lado, mas também sobre a sua conexão inevitável com o ilícito subjacente e a enorme variabilidade desse ilícito subjacente, por outro, que tem vindo a ser crescente e que não pode deixar de relevar na análise que está a ser feita:
«a autonomização do tipo legal de crime de branqueamento (…) será sempre limitada, não só pela conexão inevitável a um crime precedente, como, também, pela proliferação dos tipos de crime incluídos no catálogo destes tipos de crimes, catálogo o qual, aliás, se ampliou através da agregação de um critério de ordem geral e abstracta. Esta prévia dependência da prática de um crime anterior – com tão ampla variabilidade de manifestações possível deste e dos seus efeitos – e a sua inexorável referência factual às vantagens desse crime, são e serão, sempre, quanto a nós, uma determinante essencial da conformação do crime de branqueamento pontualmente em presença e da sua gravidade. Não pode ignorar-se que o crime subsequente – de branqueamento – sem ser causado pelo crime precedente, tem neste origem e se destina, sempre, a, no final, criar uma aparência de legalidade do produto do mesmo, por forma a que o seu autor possa beneficiar de paz jurídica na fruição do produto» - cfr. pág. 112 do acórdão.
Para concluir:
«O crime subsequente não tem uma autonomia de propósito que se materialize sem crime subjacente. Por isso, e porque nada acrescenta aos bens ou produtos daquele crime, a não ser uma aparência de legalidade, a sua gravidade estará sempre limitada pela do crime gerador do seu próprio objecto. Objectar-se-á que o crime de branqueamento se destaca dos crimes subjacentes, por potenciar os seus efeitos, de forma particularmente perigosa para a comunidade (…) [mas não se pode esquecer, por um lado, que a gigantesca acumulação pecuniária que o branqueamento pode ajudar a congregar, provém, sempre, da prática de crimes subjacentes e, por outro lado, que, para que tal acumulação aconteça na referida ordem de grandeza, necessário é que o crime ou crimes subjacentes sejam cometidos numa escala correspondente, o que (…) quando acontecer, elevará correspondentemente a moldura penal de tais crimes (…).
Certo é que, aprove-se, ou não, a aplicação de penas a crimes de branqueamento está limitada pelas molduras penais dos crimes subjacentes. E não se nos afigura sustentável a doutrina de que não existe substituição das molduras penais abstractas do crime posterior, pelas do crime antecedente, quando este seja mais brandamente punido. Não é, em nossa opinião, pelo argumento literal que se pode chegar a tal conclusão» - cfr. pág. 113 do acórdão.
Este acórdão analisa a concreta redação da norma em causa fazendo uma suposta leitura conformada pela sua ratio e pela evolução que conduziu e integrou a redação atual.
Assim, refere a propósito da interpretação das normas em causa:
«Não há, em nossa opinião qualquer diferença de significação, de peso, entre dizer-se a punição pelos crimes previstos..., a punição pelos crimes mencionados... ou a pena [que for] aplicada nos termos dos números.... (Refere-se ás redações das sucessivas leis que vêm abordando o crime de branqueamento) Em todos estes casos - como na generalidade das expressões análogas da parte especial do CP em que se prevê a aplicação de penas - isto se refere à pena concreta a ser determinada e aplicada (24). Assim como não a há, de tomo, entre as expressões a aplicável às correspondentes infracções..., os limites mínimo e máximo previstos para as correspondentes infracções... e ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típico (25). Todas estas se referem à moldura penal abstracta dentro da qual a pena concreta terá de ser fixada.
Temos, assim, que, nas três situações em análise subsistem duas molduras penais: Uma, a constante da norma que prevê e pune o crime posterior, (…). Outra, a que decorre da limitações impostas, nos n.ºs 2 do art.º 23.º, 2 do art.º 2.º e 10 do art.º 368-A, respectivamente dos DL 15/93 e 325/95 e do CP, sempre que a moldura penal do crime antecedente se mostre inferior à do crime subsequente, nos termos prescritos nos artigos e números referidos.
Em nossa opinião a pena concreta é determinada com base numa moldura penal abstracta, modificada por outra moldura penal abstracta, quanto à proibição de a pena ser fixada acima dos limites superior e inferior ou apenas superior desta última.
Quando se diz que a pena é estabelecida dentro dos limites da primeira moldura para depois ser reduzida para o limite consentido pela segunda (hipótese do art.º 368.º-A do CP, que unicamente referimos, para abreviar), isto é apenas verdade em parte.
Efectivamente a pena não é determinada com base na moldura, menos elevada, do crime antecedente, porque, se assim, fosse seria apenas com relação a esta que interviriam os itens de concretização definidos no art.º 71.º do CP, abaixando sensivelmente a medida concreta da pena. Ela é determinada com base na moldura do crime de branqueamento, mas com a limitação, à partida, da parte superior da moldura aplicável ao crime antecedente, quando este for menos gravemente punido. Ou seja, é acrescentado à moldura abstracta um topo, importado da moldura do crime antecedente que impede que a pena suba acima dele.
Não de trata de estabelecer uma pena concreta e de, depois, a reduzir. Trata-se, sim, de a própria moldura penal a ter em conta integrar esse limite máximo inultrapassável.
Verifica-se, assim, quanto a nós, uma verdadeira alteração da moldura penal aplicável, em termos de a pena a determinar nunca poder fixar-se acima do limite superior da moldura do crime antecedente. Isto é legalmente pré-estabelecido, pela conjugação das molduras penais em causa, não tendo a determinação da pena concreta nada que ver com a limitação em causa. (…)
Em nossa opinião, a pena concreta, a única pena concreta, tem de ser determinada dentro dos parâmetros que a lei impõe, ou seja, tomando como base inicial de determinação a moldura do crime posterior, com a particularidade de esbarrar contra o limite superior imposto pela moldura do crime antecedente. (…)
A realidade que o legislador criou é a de que o limite máximo das penas a aplicar ao crime de branqueamento é sempre correspondente ao limite máximo da pena aplicável ao crime precedente que, no caso se verifique. E, assim, na correspondente medida, se verifica uma substituição da moldura abstracta da pena a aplicar - ou que pode ser aplicada - ao crime de branqueamento.
Objecta-se contra isto na base da autonomia e perigosidade do crime de branqueamento. Quanto à autonomia, como já vimos, ela está naturalmente limitada pela ligação necessária a crimes precedentes, cujo feixe de possibilidades - e consequentes variação da gravidade objectiva e da pena aplicável - não cessa de aumentar; e está-o, também pela vinculação legal que o legislador criou entre as penas do crime precedente e do crime de branqueamento. Quanto à perigosidade, como decorre do que já dissemos, também ela varia concomitantemente com a gravidade do crime precedente e o potencial deste para a acumulação de massas pecuniárias subterrâneas, pelo que, se a intenção do legislador, ao criar as normas do art.º 23.º do DL 15/93, 2.º, n.º 2, do DL 325/95 e n.º 10 do art.º 368.º-A do CP, foi a de preservar a proporcionalidade entre as penas aplicáveis ao crime precedente e ao crime de branqueamento, não vemos qualquer razão para que tal proporcionalidade não se estenda às causas de extinção da responsabilidade criminal, cuja aplicação dependa da medida da pena aplicável. No nosso modo de pensar, é desproporcionado que sobre um crime que não pode ser punido com pena superior a 3 (três) anos de prisão recaia um prazo de prescrição de 15 (quinze) anos, com fundamento naquilo que, aos nossos olhos, não passa de uma ficção jurídica.» «(24) E sempre por referência a um máximo e um mínimo de pena, entre os quais a dita pena concreta deverá posicionar-se, máximo e mínimo esses que constituem a moldura penal abstracta.»
A conclusão que se extrai é: a moldura penal abstrata do crime de branqueamento é alterada por via da sua conjugação com a moldura penal abstrata do crime precedente, o que tem implicação no prazo da prescrição do procedimento criminal.
Mas vejamos.
Está em causa saber qual das sub-regras do art. 118º do Código Penal aplicar, para que se saiba qual o prazo de prescrição do procedimento criminal a ter em consideração, quando esteja em causa um qualquer crime de branqueamento que tenha como antecedente um qualquer crime de burla agravada.
Ora, este tribunal não pode deixar de atender a todo o corpo do artigo 368º-A do CP em causa e conjugá-lo depois com o art. 118º do C.P. e respetivas ratios, sendo que as referências ao atual nº 12 se aplicam à redação anterior relativamente ao então art.10º do art. 368º-A do C.P. dada a similitude dos respetivos conteúdos. E as referências ao nº 3 (moldura geral) atual se aplicam ao nº2 da redação anterior.
Constata-se desde logo que os elementos do tipo legal de crime em questão estão previstos nos nºs 1 a 5.
O seu nº 12 estipula que "a pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens", ou seja, não tem referido a propósito dos elementos do tipo.
Por regra a constituição de uma nova moldura abstrata está associada à criação de um outro tipo de ilícito, o que não sucede no caso do nº 12.
Por sua vez, analisando os nºs 8 a 11 do artigo em questão (6 a 9 na redação anterior) onde se prevê a agravação e a atenuação do crime de branqueamento, verifica-se que laboram sobre a moldura abstrata do nº 3 " pena de prisão até 12 anos", prevista para o branqueamento.
O nº 12 refere "a pena aplicada nos termos dos números anteriores...", ou seja, a pena concreta que resulta da aplicação de eventuais agravações ou atenuações que geraram uma outra moldura, donde resulta que no nº 12 não estamos a falar de uma moldura abstrata mas da pena concreta que se vai aplicar, a qual não poderá ultrapassar o limite máximo da pena mais elevada do crime precedente.
Por sua vez, o disposto no art. 118º, n º 2 do C.P estabelece "para efeito do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes e atenuantes", donde resulta, retornando ao art. 368º-A do C.P que, para efeitos de prescrição não podem ter-se em conta as agravações do nº 8 nem as atenuações do 9 a 11, sendo apenas relevante a moldura do nº 3, pena de prisão até 12 anos, pelo que pode dizer-se que a pena aplicada nos termos dos números anteriores também não poderá deixar de estar abrangida pela limitação daquele art. 118º do C.P.
A limitação estabelecida no nº 12 incide pois sobre a pena concreta que se apure depois de percorridos todos os passos anteriores que funcionaram com base na moldura abstrata do seu nº 3.
O legislador ao afirmar que a pena aplicada depois de aplicados todos os passos anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os facos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens, aplica um critério de proporcionalidade, criando uma limitação, um travão, à pena concreta por razões de justiça material, de proporcionalidade por forma a que não se puna mais gravemente do que o crime que esteve na base do branqueamento.
Tal norma funciona com uma espécie de travão que pode ou não ser aplicado tudo dependendo da conclusão a que chegue o julgador ao operar sobre a única moldura abstrata que o tipo legal possui, a do seu nº 3. Pois se a pena concreta a que se chegue dentro daquela moldura de 30 dias (2 anos, anterior redação) a 12 anos de prisão for inferior ao limite máximo punível para o crime precedente, o nº12 não chega a entrar em ação.
Os limites na pena só operam após se encontrar a pena concreta nos termos dos nºs anteriores e só quando se sabe qual é o crime precedente e a pena encontrada nos termos anteriores for superior ao limite máximo do crime precedente. Tratar-se-á de uma operação residual e se se justificar ao caso concreto.
Isto é, se o julgador entender dentro daquela outra moldura que a pena concreta é superior à do crime precedente, então aciona-se o nº 12.
A única moldura abstrata que existe é a do nº 3 e é sobre esta que se deverá elaborar o raciocínio sobre a prescrição, sendo que atendendo ao disposto no nº 2 do 118º, as circunstâncias atenuantes não entram para os cálculos do prazo da prescrição.
Com o nº 12 protegem-se os valores de ordem constitucional associados ao princípio da proporcionalidade na fixação da pena concreta, mas salvaguardam-se os princípios associados à prescrição, na medida em que o nº 12, não configura uma outra moldura, mas um limite. Ora, se para efeitos de contagem de prescrição não se contam as circunstâncias modificativa agravantes e atenuantes, por maioria de razão não se pode ter em consideração a limitação que no nº12 opera sobre a pena concreta.
Mas ainda que se configurasse o nº 12 como uma espécie de sub moldura abstrata, o que não se aceita, pois não mexe nem tem por base qualquer novo tipo de crime, aquela limitação da pena concreta ao limite máximo aplicável ao crime precedente seria materialmente uma espécie de circunstância atenuante atípica,” uma circunstância modificativa especial privilegiante” como se refere no parecer junto, pelo que se incluiria no disposto e na ratio do art. 118º, n º 2 do C.P., não podendo ser considerada para efeitos de determinação do máximo da pena aplicável no que à prescrição diz respeito.
Aceitando-se como nova moldura abstrata, o que não se aceita, existe apenas por razões de justiça, de proporcionalidade, sendo materialmente uma variante atenuada da moldura original.
O regime das atenuações e agravações pressupõe em regra a alteração da ilicitude e da culpa e mesmo assim não pode ser considerado para contagem do prazo prescricional, por que razão se consideraria para efeitos de prescrição uma situação em que não se mexe sequer com o tipo de ilícito, que apenas se limita a impor um limite por razões de proporcionalidade e justiça e que só se aplicará a final depois de efetuadas todas as operações antecedentes ao nº 12, sabendo nós que só a final muitas vezes é que se saberá se foi cometido o crime precedente.

Como já se referiu se não se consideram as circunstâncias atenuantes e agravantes para o cálculo dos prazos de prescrição, art. 118º, n º 2, também não se pode considerar esta “circunstância modificativa especial privilegiante” enquanto uma mera limitação da pena ao limite máximo da pena prevista para o crime precedente.
Em nosso entender o citado nº 12, ( antigo n º 10) à primeira vista parece estar a criar uma moldura diferente para a punição daquele crime, mas o que está a fazer é a restringir a pena concreta ao limite máximo. Mas não é uma moldura abstrata porque não foi sequer criado um novo tipo de crime. O legislador não quis uma moldura especial mas antes estabelecer um travão para evitar injustiças materiais ao abrigo do princípio da proporcionalidade.
Não sendo um crime diverso, nem uma moldura autónoma sustentada num novo tipo, funcionando com efeito atenuativo, não tem repercussões sobre a contagem da prescrição a qual incide sobre a moldura do branqueamento prevista no n º 3, antigo nº 2.
Acresce ainda como se justificaria o disposto no número 8 do art. 368º-A do C. P. “ A pena prevista nos nºs 3 a 5 é agravada em um terço se o agente praticar as condutas de forma habitual ou se for uma das entidades referidas no art. 3º ou no art.4º da Lei n º 83/2017, de 18 de agosto, e a infração tiver sido cometida no exercício das suas atividades profissionais.” Só teria aplicação nestes casos ficando de fora a situação do nº 12 que nunca poderia ser agravada?
E como se explica também o disposto no art. 16º, n º 3 do CPP e já agora o art. 28º, al.a) do CPP. Trata-se de normas de fixação de competência. É entendimento unânime que a limitações ali consideradas não têm implicações ao nível dos prazos prescricionais que laboram sobre as molduras abstratas dos crimes em questão ainda que o juiz do julgamento fique limitado na fixação da pena concreta. Ali não é estipulada uma submoldura abstrata.
Posto isto, a moldura a que se atenderá é a do nº 3, todas as demais são as que resultam de alterações posteriores nos números seguintes, mas que são laboradas sobre a prevista no número 3.
O ora defendido não põe em causa os critérios estabelecidos no art. 71º do C.P na medida em que para se chegar à pena concreta que depois pode ser reduzida sem outro tipo de valoração serão sempre considerados todos os elementos e circunstâncias reais e pessoais dos crimes subjacentes, inexistindo dupla valoração. Por outro lado, não há afastamento das regras legais comuns de determinação da pena concreta pois que na fixação da medida da pena deve partir dos limites definidos na lei para a pena aplicável ao crime no seu nº 3.
A determinação concreta da pena aplicável ao agente do branqueamento deve ser feita com base na moldura aplicável ao crime de branqueamento, mas não há qualquer limitação à partida, da parte superior da moldura aplicável ao crime antecedente, quando este for menos gravemente punido.
O crime de branqueamento não comporta duas molduras penais abstratas.

Posto isto, impõe-se concluir que o M. P. e assistente têm razão nesta parte.
Por ouro lado, não se concorda com a referência de não se ver «qualquer razão para que tal proporcionalidade não se estenda às causas de extinção da responsabilidade criminal, cuja aplicação dependa da medida da pena aplicável», como seria manifestamente desproporcionado se assim não sucedesse.
E isto porque há um reconhecimento da necessidade, face ao fenómeno em causa de adoção de uma estratégia que passa pela apreensão dos benefícios gerados pelos crimes em virtude da ineficácia da estratégia de ataque às primárias atividades ilícitas, entendendo-se que se deve tentar controlar e travar os fluxos financeiros gerados por tais atuações- luís Goes Pinheiro, O Branqueamento de capitais e a globalização, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n º 4, Out.-Dez., 2002, pág. 606.
Importa agir sobre o essencial, atingindo a verdadeira finalidade da prática do crime de modo a anular o poder económico dos indivíduos que se socorrem destas práticas para enriquecer.
Trata-se de conduta altamente desvaliosa que lesa indiscriminadamente todos os membros da comunidade económica.
E nesta medida tendo presente os valores em causa justifica-se que o tempo da perseguição criminal seja compatível com a gravidade e natureza do ilícito e dificuldades associadas à sua deteção face aos esquemas muitas vezes complexos que se usam, para a qual o legislador previu uma moldura abstrata de máximo de 12 anos, pelo que as razões de proporcionalidade só têm relevância ao nível da pena concreta que o agente vai receber e não ao nível do prazo de prescrição do procedimento criminal.
Sendo possível perseguir-se criminalmente o autor do crime precedente pelo período de 10 anos, faz sentido que possa perseguir-se criminalmente aquele que evitou a apreensão das vantagens geradas por esse crime precedente por um período superior a esses mesmos 10 anos, v.g. por um período de 15 anos.
A interpretação de que o prazo de prescrição aplicável ao branqueamento pode ser superior ao prazo de prescrição aplicável ao ilícito subjacente, uma vez que a limitação imposta pelo nº 12 do art. 368º-A não releva para efeitos da subsunção nas alíneas do nº 1 do art. 118º, ambos do CP, é constitucional não violando os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que subjazem a toda a tutela penal, princípios esses ínsitos no art. 18º nº 2 da CRP.
Repare-se que o próprio artigo 118º, n º 1, al. a) prevê a perseguição criminal muito para além dos limites máximos das molduras abstratas de vários tipos de crime associados à corrupção, estipulando 15 anos para a extinção do procedimento criminal. Prazo esse que é fixado não apenas em função da gravidade dos crimes mas também da sua natureza, pelo que não é líquida que tal desproporção pode ser considerada inconstitucional na medida em que justificada pela natureza dos crimes em questão sustentada no tipo de bens jurídicos que se pretende proteger e nas exigências de política criminal baseadas no sentir e no pulsar da sociedade.

Estão em causa nestes autos a prática de factos que configuram uma situação de branqueamento, que como atrás se referiu estão na ordem das exigências de política criminal pelo tipo de bem jurídico que se pretende proteger face á avidez de agentes que não hesitam em praticar condutas criminosas para obter vantagens desmesuradas.

No caso dos autos trata-se de factos ocorridos em 16-08-2004, no que se refere ao crime de branqueamento (cfr. art.º 119.º, n.º 1, do C.P., quer à luz da redação vigente à data dos factos quer à luz da redação atual) e que são puníveis com pena de prisão de 2 a 12 anos (cfr. art.º 368.º-A, n.º 2, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 11/2004, de 27 de março, de acordo com a retificação n.º 45/2004, de 05-06, vigente à data dos factos, a que correspondem os arts. 368.º-A, n.º 2, do C.P., na redação decorrente da lei n.º59/2007, de 04-09, 368.º-A, n.º 2, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 83/2017, de 18-08, e 368.º-A, n.ºs 2, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 58/2020, de 31-08), sendo que a pena concreta aplicada ao branqueador não pode exceder o limite máximo da pena abstratamente aplicável ao facto de onde provêm as vantagens (cfr. art.º 368.º-A, n.º 10, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 11/2004, de 27 de março, de acordo com a retificação n.º 45/2004, de 05-06, vigente à data dos factos, a que correspondem os arts. 368.º-A, n.º 10, do C.P., na redação decorrente da lei n.º 59/2007, de 04-09, 368.º-A, n.º 10, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 83/2017, de 18-08, e 368.º-A, n.º 12, do C.P., na redação decorrente da Lei n.º 58/2020, de 31-08), ou seja, no caso, 8 anos.
Tendo presente que no caso, a única moldura penal abstrata do crime de branqueamento é de pena de prisão de dois a doze anos e não a que fica limitada no seu limite máximo a oito anos de prisão, afigura-se, pois, que, no caso, o limite máximo da moldura abstratamente aplicável ao crime de branqueamento para efeitos de prescrição é a de 12 anos de prisão.
Chegados aqui, a única consequência a extrair, de acordo com o que a Lei prevê é que, de acordo com as regras gerais sobre a determinação do prazo prescricional, tendo a moldura penal abstrata do crime de branqueamento limite máximo superior a 10 anos, o prazo prescricional aplicável é o de 15 anos.
Da redação do nº 12, antigo nº 10 do art. 368º-A do C.P. numa interpretação sistémica e não meramente literal, a limitação ali prevista, que determina que a pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens, respeita a determinação da medida concreta da pena e não à pena abstrata, sendo certo que é esta a relevante para a determinação do prazo de prescrição, nos termos previstos no art. 118º, n º 1, al.a), i), normativo legal que alude à pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos.
Aliás, o disposto no nº 2 do mesmo art. 118º do C.P. também não deixa dúvida quanto ao facto de, para efeito de prescrição, se impor atentar na pena abstrata, concretamente a pena máxima da moldura penal aplicável, ali se determinando que “ para efeito do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes”.
Dúvidas não existem, pois, que, sendo o crime de branqueamento punível com pena máxima de 12 anos de prisão, o prazo prescricional do respetivo procedimento criminal é de 15 anos.
Tendo presente a abordagem correta que o tribunal a quo fez a propósito da contagem do prazo relativamente às causas de suspensão e de interrupção e a data da prática dos factos:

1. Data dos factos quanto ao crime de branqueamento: 16.08.2004;

2. Interrupções da prescrição, nos termos do disposto no art. 121.º do Código Penal:

2.1. constituição de arguido: 28.02.2014 (ref." 1628736 e fls. 997);

2.2. notificação da acusação: 03.06.2019 (fls. 1697).

3.
Suspensão da prescrição nos termos do disposto no art. 120.° do Código Penal: procedimento criminal pendente desde 03.06.2019 até 03.06.2022 (considerando o período é desnecessário mencionar outras causas).

A consumação do crime conforme salientado pelo Tribunal de primeira instância verificou-se em 2004.08.16.

Pelo que, o prazo normal de prescrição, caso não tivesse ocorrido nenhuma causa de suspensão ou interrupção - o que in casu não se verifica - teria tido o seu término em 16/08/2019.
Contudo, resulta dos autos que o Arguido AA foi constituído arguido em 2014.02.28 e em 2019.06.03 foi notificado da acusação pública contra si deduzida.
Tendo, por isso, sido interrompido o respetivo prazo de prescrição, nos termos do art.121º., nº. 1, alíneas a) e b) do CP, com o consequente início da contagem de novo prazo.
Contudo, estatui o arte. 121º., nº. 3 do CPP que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
Por conseguinte, inversamente ao que decorre da decisão recorrida, o prazo máximo de prescrição não se cifra em 15 anos, mas antes em 22 anos e 6 meses.
Prazo este que, atendendo à data do último ato de execução do crime de branqueamento de capitais - 2004.08.16-, apenas terá o seu término em 2027.02.16.
A isto acresce que nos termos do artº. 120º, nº. 1, alínea b) e nº. 2 do CP que prescrição do procedimento criminal se suspende, além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação.
E, dispõe o artº. 120º., nº. 3 do mesmo diploma legal que a suspensão não pode ultrapassar o prazo de três anos.

Pelo que, no limite, a prescrição do procedimento criminal quanto ao crime de branqueamento apenas ocorreria em 2030.02.16 e não em 2022.06.16, tal como declarado pelo Tribunal a quo.
Consequentemente, o prazo máximo da prescrição do procedimento criminal para o crime de branqueamento não terminou, não se mostrando extinto em 16-08-2022, ao contrário do crime de burla qualificada, o qual se mostra findo em 12-07-2022.

3 Decisão
Face ao exposto, julga-se provido o recurso da assistente e parcialmente provido o recurso do M.P. e consequentemente decide-se:
- manter a decisão a quo no que diz respeito à declaração de prescrição do crime de burla qualificada em que foi condenado o arguido;
- declarar não prescrito o procedimento criminal relativamente ao crime de branqueamento em que foi condenado o arguido, revogando-se nessa parte a decisão a quo.
- manter a decisão recorrida no demais.

Sem custas pela recorrente assistente.

Sem custas pelo recorrente M.P por delas estar isento.



Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 22 de novembro de 2023
Paulo Costa
Donas Botto [Declaração de voto vencido: Discordo desta decisão na parte que não considerou prescrito o crime de branqueamento.
Ora, o crime de branqueamento de capitais é um crime que pressupõe a prática de um outro crime, o crime antecedente ou subjacente, uma vez que consiste, grosso modo, na dissimulação das vantagens económicas obtidas mediante a prática de outros crimes.
Este só existe quando se demonstrem, para além do crime base, manobras destinadas à dissimulação ou transformação, ou seja, à lavagem do dinheiro obtido com o crime.
O crime de branqueamento de capitais encontra-se consagrado no artigo 368.º-A do Código Penal, e atendendo à sistemática do nosso Código, o bem jurídico protegido pelo tipo legal é a realização da justiça. O que efetivamente se tenta prevenir e punir com esta incriminação são as ações de dissimulação do caráter ilícito de capital ou de bens. Assim, para uma eventual punição pelo crime de branqueamento de capitais, tem de ter sido praticado previamente um ilícito gerador do capital dentro dos catalogados.
Na verdade, para estarmos verdadeiramente perante um crime de branqueamento de capitais, tem de haver a intenção específica de dissimular a origem ilícita das vantagens obtidas através da prática de um dos ilícitos subjacentes, tentando frustrar a realização da justiça.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, “o bem jurídico protegido pela incriminação é a realização da justiça, na sua particular vertente da perseguição e do confisco pelos tribunais dos proventos da atividade criminosa” (Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção dos Direitos do Homem, 3ª, atualizada ed., Universidade Católica Editora, pág. 1152).
Assim, não se pode lavar dinheiro sujo antes de um crime anterior o ter produzido.
Resulta ainda do citado artigo 368.º-A do CP, que pode o agente ser condenado pelo crime de branqueamento sem o ter sido quanto ao ilícito precedente, ou seja, mesmo não se tendo conseguido fazer prova suficiente para uma condenação por este, o que parece chocar com os princípios de Direito Penal que baseia as condenações na prova obtida e nos juízos de culpa perante cada situação, isto é, o crime de branqueamento vem colmatar as dificuldades de punição do agente do crime precedente.
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva (Notas sobre branqueamento de capitais em especial das vantagens provenientes da fraude fiscal. Em Homenagem da faculdade de Direito de Lisboa ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, 90 anos, pp. 451- 474, Almedina), “ainda que extinta a responsabilidade criminal pelo crime subjacente, as vantagens que o agente do branqueamento pretende reciclar não deixam de ter uma origem criminalmente ilícita e isso parece bastar como elemento constitutivo do crime”.
O artigo 368.º-A exige apenas um facto ilícito precedente para poder vir a condenar por branqueamento.
Contudo, não obstante as possíveis dificuldades de prova existentes neste tipo de criminalidade, não podemos subverter os princípios basilares do Direito Penal.
Por outro lado, também não deixa de ser manifesto que a moldura penal aplicável é desmesurada em relação aos outros crimes consagrados contra a realização da justiça, nomeadamente quanto ao crime de favorecimento pessoal (cfr. Prof.ª. Anabela Rodrigues, Direito Penal Económico, fundamento e sentido da aplicação das penas de prisão e de multa. Revista do Ministério Público, Ano 38, pp. 11-34).
Por isso, apesar de a lei determinar uma pena própria para o crime de branqueamento, por força do princípio da proporcionalidade, estabelece que os limites das penas aplicáveis ao branqueamento não podem ser diferentes dos das penas aplicáveis aos crimes subjacentes, ou seja, dos crimes que deram origem às vantagens branqueadas, como consta do artigo 368º-A, n.º 12, do Código Penal.
Ora, em face deste raciocínio, entendemos que é natural que os prazos de prescrição variem consoante a gravidade do crime: são maiores os prazos de prescrição dos crimes mais graves e menores os prazo de prescrição dos crimes menos graves.
Na verdade, é desproporcionado que sobre um crime que não pode ser punido com pena superior a 3 (três) anos de prisão recaia um prazo de prescrição de 15 (quinze) anos.
Senão vejamos.
No caso concreto, sabemos que o objeto do recurso interposto quer pelo Ministério Público e pela Assistente, quanto ao procedimento pelo crime de branqueamento, restringe-se ao prazo de prescrição do procedimento, sustentando ambos que esse prazo é de 15 anos e não de 10 anos.
Na sua fundamentação, a decisão recorrida, apoia-se no teor do Ac. TRP de 03/07/2013, proferido no Proc. n.º 1082/05.4TAGDM.P1 e Ac. Tribunal da Relação do Porto, de 21/06/2017, proferido no Proc. nº 131/12.4TELSB-D.P1, acessível em www.dgsi.pt.
Ali se diz, ser decisivo atentar-se na ratio das normas e portanto de se atentar no fundamento da limitação introduzida pelo nº 12 do art. 368º-A do CP, naquilo que o legislador visou com essa previsão legal, e não apenas no argumento literal, fazendo-se então uma análise profunda da razão de ser do instituto e das consequências que daí se devem retirar.
Neste primeiro aresto, diz-se, além do mais, que a limitação introduzida pelo nº 12 do art. 368º-A do CP assenta no Princípio da Proporcionalidade das Penas e se a punição do branqueamento se funda na frustração da deteção e perda das vantagens do facto precedente, seria desproporcionado aplicar ao agente uma pena superior ao máximo que a lei prevê para a proteção do bem jurídico ofendido pelo facto de onde provêm essas vantagens.
Esta prévia dependência da prática de um crime anterior e a sua inexorável referência factual às vantagens desse crime, são uma determinante essencial da conformação do crime de branqueamento, pontualmente em presença e da sua gravidade.
O crime subsequente não tem uma autonomia de propósito que se materialize sem crime subjacente. Por isso, e porque nada acrescenta aos bens ou produtos daquele crime, a não ser uma aparência de legalidade, a sua gravidade estará sempre limitada pela do crime gerador do seu próprio objeto.
Assim, a moldura penal abstrata do crime precedente, condiciona a moldura penal abstrata do crime de branqueamento; e a moldura penal abstrata do crime de branqueamento a que se reporta o nº 3 do art. 368º-A do CP (12 anos de máximo) fica limitada quando o limite máximo da moldura penal abstrata do crime precedente seja inferior aos 12 anos, por força da Lei no nº 12 do art. 368º-A do CP.
O Prof. Pedro Caeiro, “A Decisão- Quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001, e a relação entre a punição do branqueamento e o facto precedente: necessidade e oportunidade de uma reforma legislativa”, in Separata do Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, a págs. 1087 e 1088, diz que «a necessidade de intervenção penal determina-se, primacialmente, em relação às vantagens provenientes de crimes com uma certa gravidade». Pelo que é manifesto que a necessidade de tutela penal do crime de branqueamento é indissociável da gravidade do crime precedente.
No mesmo sentido, Medina de Seiça, em Comentário Conimbricense do Código Penal-Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, a págs. 598, §47, a propósito do art. 367º do CP, diz que não faz sentido o Estado estar limitado na perseguição criminal do autor do crime precedente ao prazo de 10 anos, mas poder continuar a perseguir criminalmente aquele que branqueou as vantagens geradas por esse crime por um período muito mais longo de 15 anos.
De acordo com o princípio da proporcionalidade das penas, seria desproporcionado aplicar ao agente uma pena superior ao máximo que a lei prevê para a proteção do bem jurídico ofendido pelo facto de onde provêm essas vantagens. E seria também desproporcionado estar a prever um prazo de prescrição do crime de branqueamento muito mais longo do que o prazo de prescrição do crime precedente.
Continuando a acompanhar o raciocínio do Prof. Pedro Caeiro, quando refere que não pode fazer-nos perder de vista a raiz de onde brota a incriminação do branqueamento. Além de que a teleologia da punição do Branqueamento aconselha alguma moderação, trata-se de proteger um bem jurídico instrumental (a pretensão estadual à perda de vantagens), dando o exemplo de um crime de fraude fiscal (simples), o seu autor apenas poderia ser perseguido criminalmente pelo período de 5 anos (dado que a moldura penal da fraude fiscal tem como limite máximo a pena de prisão por 3 anos), mas já aquele que tivesse branqueado o produto dessa fraude fiscal, que também nunca poderia ser punido com uma pena superior a 3 anos, poderia todavia ser perseguido criminalmente durante 15 anos, o que não faria qualquer sentido.
Esta desigualdade de regimes no que toca ao prazo de prescrição aplicável ao crime de branqueamento e ao crime que lhe esteve subjacente seria manifestamente violadora dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que devem subjazer a toda a tutela penal, em obediência desde logo ao art. 18º nº 2 da CRP.
Por isso, tem de haver um equilíbrio de princípio entre a consideração da gravidade do crime subjacente e as atividades subsequentes de branqueamento, evitando-se penas exageradamente elevadas e desproporcionais (cfr. HENRIQUES GASPAR, “Branqueamento de Capitais”, in Droga e Sociedade, pág. 133, e JORGE GODINHO, Do Crime de «Branqueamento» de Capitais, Maio de 2001, a págs. 247).
No parecer do Prof. Germano Marques da Silva, junto com o presente recurso, é esta posição que defende, que também vamos tentar sintetizar.
A norma constante do nº 12º do artigo 368º-A visa assegurar a proporcionalidade da punição do crime de branqueamento, atento a sua natureza secundária ou acessória dos factos típicos subjacentes geradores das vantagens branqueadas.
Parece absurdo que a determinação da medida da pena aplicável ao crime de branqueamento seja feita previamente dentro dos limites definidos no nº 3 do artigo 368º-A (pena de prisão até 12 anos) e depois reduzida por força do disposto no nº 12 para o limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens.
De outra forma, frustrar-se-ia inteiramente o critério estabelecido pelo artigo 71º do Código Penal para a determinação concreta da pena, uma vez que não pode deixar de atender-se a todos os elementos e circunstâncias reais e pessoais dos crimes subjacentes, donde naquela interpretação teríamos encapotada uma dupla valoração dos mesmos elementos, uma judicial e outra ope legis e absurda também porque se afastaria absolutamente das regras legais comuns de determinação da pena concreta que, à partida, na fixação da medida da pena deve partir dos limites definidos na lei para a pena aplicável ao crime.
Há, pois, que ter em conta que os factos típicos ilícitos donde provêm as vantagens branqueadas constituem elementos constitutivos do crime de branqueamento e por isso não podem deixar de ser considerados, ab initio, na determinação concreta da pena, como sucede com qualquer outro elemento constitutivo do crime. Não se trata de estabelecer uma pena concreta e de depois a reduzir.
Por isso, o crime de branqueamento comporta duas molduras penais, uma a prevista no nº 3 que determina que em caso algum a pena aplicável ao crime de branqueamento seja superior a 12 anos de prisão, e a do nº 12 que por sua vez determina que o limite da pena máxima aplicável ao crime de branqueamento não seja superior à pena máxima que em abstrato podia ou pode ser aplicada ao crime subjacente (facto típico ilícito subjacente).
Assim, o Prof. Germano Marques da Silva conclui pela inconstitucionalidade de uma interpretação que redundasse num prazo de prescrição mais longo para o crime de branqueamento do que para o crime de onde provêm as vantagens branqueadas, por violação do princípio da proporcionalidade, levando a que sobre um crime que não pode ser punido com uma pena superior a 3 (três) anos recaia um prazo de prescrição de 15 (quinze), violando os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que devem subjazer a toda a tutela penal, princípios esses ínsitos no art. 18º nº 2 da CRP.
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Ora, no caso concreto, o crime de branqueamento em causa é punível com pena de prisão cujo limite máximo é igual a 8 anos, por via da conjugação do disposto no nº 12 do art. 368º-A do com o art. 218º nº 2 do CP, não se tratando da pena concretamente aplicada servir de limite à pena a aplicar, mas sim de molduras penais dentro das quais a pena é aplicada ( no mesmo sentido Taipa de Carvalho in Comentário Conimbricense do código Penal, parte especial, Tomo II, Coimbra editora, ed. 1999).
Assim, o legislador quis preservar a proporcionalidade entre as penas aplicáveis ao crime de branqueamento e as penas aplicáveis aos ilícitos subjacentes de onde provêm as quantias branqueadas, com especial relevância quando o catálogo de crimes que podem estar subjacentes ao crime de branqueamento é tão diverso, quer em termos de gravidade, quer quanto à sua natureza, que desaconselha maximamente que a pena a aplicar ao crime de branqueamento fosse uniforme e sempre punível com pena de prisão até 12 anos. E por isso, introduziu a limitação prevista no nº 12 do art. 368º-A do CP.
Portanto para determinar a punibilidade do crime de branqueamento será sempre preciso apurar a natureza do ilícito subjacente.
O tipo de branqueamento tem autonomia, é certo, mas limitada pela conexão estreita com o crime precedente que o nº 12 do art. 368º-A inexoravelmente estabelece e que tem depois naturais reflexos ao nível dos prazos de prescrição, justificados pela proporcionalidade que naturalmente deve existir não só ao nível das penas a aplicar, mas também dos prazos de prescrição aplicáveis.
Por outro lado, no caso, esta apreciação da prescrição não deixa de surpreender o arguido ao dizer que afinal não era aquela moldura a ter em consideração, e aplica-lhe o prazo de prescrição de outra moldura.
Na verdade, o crime de branqueamento caracteriza-se por ser um tipo derivado, secundário, acessório, de conexão, em tudo análogo ao favorecimento pessoal, à recetação e ao auxílio material ao criminoso, visto que todos estes tipos legais fazem em parte derivar o seu conteúdo de ilicitude do facto principal.
Daí, repetimos, a necessidade da proporcionalidade das penas aplicáveis ao branqueamento e ao crime subjacente, resultante do n° 12° do artigo 368°-A (cfr. Ac. do STJ, de 11.06.2014, Prc.14/07.OTRLSB.S1, 3 Secção).
José Lobo Moutinho no jornal O Observador, edição on line de 27.9.2014, refere:
«(...) é certo que a lei determina uma pena própria para o crime de branqueamento. No entanto, muito compreensivelmente — mais exatamente: por força do princípio da proporcionalidade — desde sempre estabelece que os limites das penas aplicáveis ao branqueamento não podem ser deferentes dos das penas aplicáveis aos crimes subjacentes, ou seja, dos crimes que deram origem às vantagens branqueadas. Hoje em dia, essa regra consta do artigo 368°-A, (...), do Código Penal. Assim sendo, o prazo de prescrição do crime de branqueamento nunca pode ser superior ao prazo de prescrição do crime subjacente...».
Por isso, podemos concluir que quando o legislador estabeleceu, no n° 12 do artigo 368°A que a pena aplicada ao crime de branqueamento não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens, cumpriu o imperativo constitucional de adequar a medida da pena concreta à gravidade do crime subjacente (cfr. Jorge Miranda / Jorge Pereira da Silva, anotação ao art. 18 da CRP, Jorge Miranda /Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol. 1, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2017, pp. 274 ss).
Assim, o legislador considera que a gravidade do crime de branqueamento se mede ou determina pela gravidade do crime subjacente e não por qualquer outro critério.
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A todo este raciocínio acabado de expor, não se opõe o n.º 2 do art.º 118.º do CP, que dispõe que na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime «são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes» (art. 118°, n°2, do Código Penal).
Na verdade, o n° 2 do artigo 118° deve ser interpretado no sentido de «para efeito de prescrição há que considerar a qualificação ou o privilegiamento dos crimes, mas não as circunstâncias modificativas de carácter geral, ou seja, não são as que não «determinam um novo tipo de crime, um tipo especial, qualificado ou privilegiado” (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral III, 2 Ed., cit, p. 159 e p. 251.
Por isso, a interpretação do n° 2 do art. 118° CP, tem em conta que na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomadas em consideração os elementos que pertençam ao tipo de crime, sem as circunstâncias agravantes e atenuantes, mas não as que constituem já elementos constitutivos do tipo legal.
Como refere Pinto de Albuquerque em anotação a este artigo, a medida abstrata da pena aplicável é a do crime qualificado ou privilegiado, sempre que a circunstância agravante ou atenuante seja levada em conta para a formação de um tipo criminal autónomo.
Assim, segundo o disposto no n.º 2 deste artigo, a determinação do máximo da pena aplicável a cada crime, faz-se a partir dos elementos que pertencem ao tipo de crime, em função da gravidade do facto, indiciada através da pena (moldura penal) aplicável, independentemente das circunstâncias atenuantes ou agravantes modificativas que no facto convirjam.
Consideram-se assim, em ordem à determinação do máximo, as atenuantes ou agravantes que, na Parte Especial, deram lugar a novos tipos (privilegiados ou qualificados), integrando-os, e não já as comuns, modificativas ou não, integradas na Parte Geral, como a reincidência, as quais não fazem parte dos tipos, não pertencendo aos mesmos, como seus elementos constitutivos. É neste sentido que a lei manda tomar em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime e despreza as circunstâncias agravantes ou atenuantes (cfr. anotação a este artigo 118.º CP, in Código Penal Anotado e Comentado de Victor Sá Pereira e Alexandre Lafayette e Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 704). Por isso, para determinar o máximo da pena aplicável, consideram-se as agravantes ou atenuantes que, atendidas na Parte Especial, deram origem a novos tipos legais, mas já não se consideram as atenuantes ou agravantes modificativas comuns.
Assim sendo, entendo que o crime de branqueamento está prescrito, razão pela qual confirmaria a decisão recorrida, neste ponto.]
Maria Joana Grácio
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[1] Considerando-se a dita notificação efetuada no 5.º dia posterior (cfr. art.º 113.º, n.º 3, do Código de Processo Penal - C.P.P.).
[2] Considerando-se a dita notificação efetuada no 5.º dia posterior (cfr. art.º 113.º, n.º 3, do C.P.P.).
[3] Que se presume feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não tenha sido (cfr. art.º 113.º, n.º 12, do C.P.P.).
[4] Por sua vez, o coarguido apresentou contestação e arrolou testemunhas em 25-06-2020 (cfr. ref.ª 26110117 de 25-06-2020).
[5] AA ainda requereu a retificação do que classificou ser um erro do requerimento de interposição de recurso e do despacho de admissão do mesmo, por forma a que o efeito do recurso passasse a ser suspensivo em vez de meramente devolutivo (cfr. ref.ª 28165577 de 17-02-2021), o que foi indeferido por despacho de 18-02-2021 (cfr. ref.ª 422038571), do que reclamou para o Tribunal da Relação do Porto, primeiro apresentando a reclamação neste juízo central criminal (cfr. ref.ª 28188570 de 19-02-2021), que não foi admitida (cfr. ref.ª 422129830 de 22-02-2021), e em 22-02-2021 diretamente no Tribunal da Relação do Porto que, por decisão de 02-03-2021 da Exma. juíza desembargadora Vice-Presidente do referido Tribunal da Relação, teve “por bem indeferida a infundada reclamação do arguido” (cfr. ref.ª 28278625 de 03-03-2021).
[6] E não 17-05-2011 como certamente por lapso consta na parte final da decisão.
[7] “Quando efetuadas por via eletrónica, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja” (cfr. art.º 113.º, n.º 12, do C.P.P.).
[8] “A parte criminal fica definitivamente julgada, nesta instância” (cfr. ref.ª 15240837 de 21-12-2021).
[9] “A parte criminal fica definitivamente julgada, nesta instância” (cfr. ref.ª 15240837 de 21-12-2021).
[10] Quando efetuadas por via eletrónica, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja” (cfr. art.º 113.º, n.º 12, do C.P.P.).
[11] Foram invocadas as seguintes razões:
- O processo ainda não tinha então sido remetido eletronicamente de volta a este juízo central criminal do Porto, sendo que só após tal ocorrer é que este juízo central criminal do Porto, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, passaria a aceder ao que ali foi praticado;
- Desconhecia-se se sobre o requerimento em apreciação já se tinha pronunciado o Ministério Público e a assistente ou se já havia sido dado conhecimento aos mesmos do seu teor;
- Só com base nos elementos enviados em anexo aos referidos ofícios, não era possível aferir, com rigor, da verificação de eventuais causas de suspensão e interrupção da prescrição do procedimento criminal (cfr. arts. 121.º e 122.º do C.P.) e, assim, conhecer, com segurança, da invocada prescrição do procedimento criminal.
[12] Na verdade, o requerimento de 27-01-2023 não tem qualquer relevância autónoma pois em 30-09-2022 AA defendeu a não aplicabilidade ou irrelevância das suspensões da prescrição do procedimento criminal introduzidas pelas Leis nºs 1-A/2020 e 4-B/2021 e em 27-01-2023 veio dar conta de que, face ao tempo entretanto decorrido, mesmo atendendo a tais causas, sempre se verificaria a prescrição do procedimento criminal.
[13] No sentido da sua inaplicabilidade à prescrição do procedimento criminal por factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, por força da proibição de aplicação retroativa da lei penal de conteúdo desfavorável (cfr. arts. 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição da República Portuguesa, e 2.º, n.º 1, do C.P.), cfr., por exemplo, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21-07-2020, processo n.º76/15.6SRLSB.L1-5, e de 24-07-2020, processo n.º 128/16.5SXLSB.L1-5, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23.02.2021, processo n º 202/10.3GBVRS.E1, in www.dgsi.pt.Por seu turno, no sentido da sua aplicabilidade à prescrição do procedimento criminal por factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, por se entender que tal causa de suspensão não se encontra abrangida nem pela letra nem pela ratio da proibição da retroatividade in pejus estabelecida nos arts. 29º, n ºs1, 3e 4 da Constituição da República Portuguesa e 2º, n º 1 do C.P., cfr., por exemplo, fundamentação dos Acórdãos do tribunal Constitucional nºs. 500/2021, 660/2021 e 798/2021, in www.tribunalconstitucional.pt.