Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1178/22.8T8OVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Nº do Documento: RP202306291178/22.8T8OVR-A.P1
Data do Acordão: 06/29/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Decorre do art.º 980º, em conjugação com o art.º 983º nº 1, ambos do CPC, e do art.º 56º da LAV, que a revisão de sentenças estrangeiras é de índole formal, por contraposição a um juízo de mérito.
II - Porém, não se pode confundir o mérito da decisão revidenda com as questões suscitadas e apreciadas na decisão revisora, no âmbito das questões que ao Tribunal de revisão é lícito conhecer.
III - Quanto a estas, as questões suscitadas e apreciadas na decisão revisora no âmbito da sua competência (designadamente as elencadas no art.º 980º do CPC e no art.º 56º da LAV), ficam já sujeitas ao caso julgado e à autoridade de caso julgado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1178/22.8T8OVR-A.P1


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


I – Resenha histórica do processo

1. A... AG instaurou execução contra B..., Lda pretendendo obter o pagamento coercivo do montante de € 116.100,00, acrescido de juros e de € 70.470,00 a título de multa pelo atraso no pagamento.
Como título executivo apresentou uma sentença arbitral do Instituto de Arbitragem da Câmara do Comércio de Estocolmo, que determinou que:
«a) A B... LDA é condenada a pagar à A... AG o montante total de 116.100 EUR;
b) A B... LDA é condenada a pagar à A... AG o montante total de 3425 EUR a título de multa contratual pelo atraso no pagamento;»
Essa sentença arbitral foi objeto de revista e confirmação, por acórdão deste Tribunal de Relação do Porto, no processo nº 20/21.1YRPRT, transitada em julgado, que decidiu:
«(…) julgar provada e procedente a presente ação especial de reconhecimento de sentença arbitral estrangeira, decretando o reconhecimento, para efeitos de posterior execução, da sentença arbitral proferida a 11.03.2020 pelo Árbitro Único do Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo-Suécia, em que é demandante “A..., AG”, com sede na Suíça, e demandada “B..., LDA”, com sede em Estarreja-Portugal.»
Citada para a execução, veio a Executada deduzir embargos de executado suscitando as seguintes questões: existiu violação da forma e inexistência de acordo para a formação do tribunal arbitral; a anulabilidade da cláusula de arbitragem; a falta de legitimidade para assinatura da dita convenção por ter sido assinada por quem não era gerente; violação dos princípios e regras do processo arbitral (irregularidade de citação); os custos da arbitragem e a violação da lei portuguesa (denegação de justiça por insuficiência de meios económicos e à tutela jurisdicional efetiva); desproporcionalidade da condenação na cláusula penal; da falta de menção do trânsito em julgado; violação da competência territorial; o pagamento (que não chegou ao destino por a Exequente ter sido alvo de ataque informático).
A Exequente não contestou.

2. Em 28/10/2022 o Sr. Juiz proferiu um designado despacho pré-saneador, no qual abordou/comunicou às partes o seu entendimento da gestão processual; procedeu à enunciação da questão de saber se se verifica a exceção de caso julgado quanto às questões concretamente apreciadas e decididas no acórdão da Relação do Porto proferido no âmbito dos autos da ação especial de revisão de sentença estrangeira sob o n.º 20/21.1YRPRT, designadamente quanto aos seguintes aspetos:
a) A inexistência de acordo de arbitragem;
b) A inexistência de aceitação de um acordo de arbitragem;
c) A existir esse acordo, o mesmo padece de vício de forma;
d) Falta de legitimidade para assinar o documento onde consta o acordo de arbitragem, de modo a vincular a sociedade executada;
e) Violação da ordem pública internacional do Estado Português:
(xi) A citação não foi regularmente efetuada no âmbito do processo de arbitragem, não tendo a Executada intervindo nesse processo, colocando-se, assim, em crise os seus direitos essenciais de defesa, designadamente do contraditório e da igualdade das partes;
(xii) Falta de menção do trânsito em julgado da decisão arbitral;
(xiii) Violação das regras de competência internacional quanto ao tribunal arbitral.
f) Pagamentos da quantia exequenda efetuados em 05.02.2019, 19.02.2019 e 22.02.2019.
No final desse despacho, deixou consignado o seguinte: «Esta exceção dilatória é de conhecimento oficioso e obsta a que o Tribunal conheça das mesmas questões de mérito, conduzindo à absolvição da sociedade Exequente da instância executiva, nesta parte (cf. arts. 278.º, n.º 1, al e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. i) e 578.º, todos do CPC).»
Depois, abordou a exceção de preclusão relativamente aos seguintes pontos:
- Violação da ordem pública internacional do Estado Português
· A sentença arbitral não foi notificada por carta registada com aviso de receção;
· Os custos inerentes à arbitragem são incompatíveis com a realidade da empresa executada, existindo uma situação de insuficiência económica que implica a extinção da obrigação de recorrer à arbitragem;
· Violação do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva.
E terminou referindo: «Esta exceção dilatória obsta a que o Tribunal conheça das seguintes questões: (…) E conduz à absolvição da sociedade Exequente da instância executiva, nesta parte (cf. arts. 278.º, n.º 1, al e), 576.º, n.ºs 1 e 2, e 578.º, todos do CPC).»
Ainda nesse despacho pré-saneador, endereçou à Executada-Embargante um convite ao aperfeiçoamento da PI de embargos de forma a suprir a deficiência factual no tocante aos meios de defesa relativos à obrigação exequenda e à pretensão do credor, bem como à excessividade da cláusula penal.
Por fim, designou data para a audiência prévia.

3. A Executada-Embargante deu cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento, apresentando nova PI de embargos.
Para além disso, interpôs recurso de apelação do despacho pré-saneador datado de 28/10/2022.
Em 30/12/2022 realizou-se a audiência prévia, em que se proferiu o designado despacho saneador.
Aí, identificou-se o objeto do litígio como “apreciar e decidir se a multa fixada na decisão arbitral estrangeira que é dada à execução, mais concretamente no seu ponto 4 do dispositivo (por referência ao ponto 3.3.8 da mesma decisão), pode ser considerada excessiva ou desproporcional”.
Delimitados os temas de prova, foi junta documentação solicitada pelo Sr. Juiz.
O M.mº Juiz emitiu então despacho em que, considerando-se habilitado ao conhecimento da “exceção relativa à excessividade da multa aplicada na decisão arbitral estrangeira”, deu a palavra às partes para alegações, que dela usaram.

4. Em 04/12/2022 o M.mº Juiz proferiu decisão final (saneador-sentença) em que apreciou o mérito dos embargos, que julgou improcedentes.
Nesta decisão final consta como “questões a solucionar”:
«As questões a solucionar consistem em saber:
- Se se verifica a exceção de caso julgado (res judicata) quanto às questões concretamente apreciadas e decididas no acórdão da Veneranda Relação do Porto proferido no âmbito dos autos da ação especial de revisão de sentença estrangeira sob o n.º 20/21.1YRPRT (cf. arts. 580.º e 581.º do CPC);
- Se se verifica a exceção de preclusão (temporal e consumativa ou consuntiva) quanto aos fundamentos que na oposição deduzida àqueles autos de ação especial não foram oportunamente invocados pela Executada, na qualidade de requerida;
- Se a sanção pecuniária aplicada pelo árbitro, a título de multa contratual pelo atraso no pagamento, no valor de 0,05% do montante a pagamento, e por cada dia de atraso (que por referência à data de 2 de abril de 2019 ascendia a € 3.425,00), é desproporcional (cf. arts. 173.º da petição de embargos e 179.º do requerimento apresentado a 17/11/2022).»
E, em concreto, abordou a “exceção de caso julgado (res judicata)” e a “exceção de preclusão”, exatamente sobre os pontos referidos anteriormente, concluindo agora: «Esta exceção dilatória é de conhecimento oficioso e obsta a que o Tribunal conheça das mesmas questões de mérito, conduzindo à improcedência dos embargos, nesta parte (cf. arts. 278.º, n.º 1, al e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. i) e 578.º, todos do CPC).».

5. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Executada-Embargante.
Em 07/03/2023, o M.mº Juiz proferiu o seguinte despacho:
«Ao abrigo do art. 7.º, n.º 2, do CPC, convido a Embargante a esclarecer o seguinte:
A Embargante interpôs recurso do despacho pré-saneador (datado de 28/10/2022) e do despacho saneador (datado de 14/12/2022).
No despacho pré-saneador não se decidiu as questões que servem de fundamento à defesa, incluindo as exceções dilatórias de caso julgado e de preclusão. Com aquele despacho pretendeu-se usar o instrumento de gestão processual estabelecido no artigo 6.º, n.º 1 do CPC, confrontando-se as partes com o projeto de decisão (incluindo sobre aquelas exceções), para que pudessem influenciar, ativa e eficazmente, a decisão que viesse a ser proferida (e facultando às partes, ainda, a possibilidade de poderem dispensar a realização da audiência prévia).
No despacho saneador é que foi proferida a decisão dos embargos de executado (abrangente das questões processuais e substantivas).
Por conseguinte, para tornar mais claro nos autos qual é o objeto de censura da recorrente, convido a mesma a esclarecer qual o interesse e utilidade processual que tem no recurso interposto do despacho pré-saneador (que não decide os embargos), até porque, caso considere que o objeto da censura é apenas o recurso interposto do despacho saneador (que decide os embargos), apenas terá de pagar uma taxa de justiça.»
A Executada/Embargante veio esclarecer nos seguintes termos:
Efetivamente, entendeu, e continua a entender, a ora recorrente, que o despacho, intitulado pré-saneador, decidiu um conjunto de questões que foram apresentadas nos embargos de executado, tendo o referido despacho culminado com a decisão de absolver a “…sociedade exequente da instância executiva, nesta parte,…”. (…)
NESTES TERMOS, entende a ora recorrente que o despacho pré-saneador, porquanto determinou a absolvição da exequente da instância, é passível de recurso, nos termos do art. 644º nº2 alínea b), conjugado com o disposto no nº3 do art. 644º do CPC, revestindo o mesmo, para a recorrente, importância extrema, e como tal mantém, a ora recorrente o recurso apresentado, não obstante ter liquidado duas taxas de justiça.»

6. Já nesta Relação, a Relatora proferiu despacho em que, perspetivando a rejeição do recurso interposto sobre o despacho pré-saneador, notificou as partes nos termos e para os efeitos do art.º 3º nº 3 do CPC.
Por outro lado, convidou-se a Recorrente Executada-Embargante a apresentar, as conclusões de recurso reformuladas, e sintéticas, abordando as questões suscitadas em ambos os recursos.

7. Em cumprimento, a Executada-Embargante apresentou as seguintes «CONCLUSÕES DE AMBOS OS RECURSOS
1. O presente recurso vem, além do despacho final,
2. Relativamente ao despacho pré-saneador, proferida pelo tribunal a quo, o qual conduziu à absolvição da exequente da instância executiva, não concorda a ora recorrente com tal interpretação e decisão.
3. Porquanto, entende que o sistema de revisão das sentenças estrangeiras vigente ser de mera revisão formal, baseado no princípio da estabilidade das relações jurídicas internacionais, apenas sendo o mérito da sentença revidenda de residual e excecional apreciação (cfr. art. 980º e nº1 e 2, do art. 983º, sendo de mérito tão só a alínea f), daquele artigo, e o nº2, deste), consagrando-se, no essencial, um sistema de simples revisão formal das sentenças estrangeiras.
4. Facto que foi, notoriamente assumido pelo próprio Tribunal da Relação do Porto, ao proferir a decisão de revisão de sentença estrangeira, nos presentes autos, quando determina que “… o sistema de reconhecimento instituído pela aludida CNI é fundamentalmente formal.”.
5. Dito isto, a verdade é que a revisão de sentença estrangeira, é em si mesmo um sistema de revisão formal, não decidindo, em momento algum, o mérito da causa.
6. Dito isto, dúvidas não nos restam de que é nos embargos que se discute a materialidade da sentença, aliás como já decidido pelo STJ, no Proc. Nº 070047, quando determina que “…oposição dos embargos não pode ser suscitada nesse processo de revisão e confirmação, mas que terá de sê-lo no de embargos de executado, podendo aí opor a nulidade ….” sendo que tal Ac., concluiu, que “…Tornada exequível sentença arbitral estrangeira, ela pode ser atacada, em embargos de executado, … desde que a oposição não invada os fundamentos de oposição à concessão dessa exequibilidade, …, pois estes têm de ser apreciados e decididos no processo de revisão e confirmação.”
7. Da mesma forma decidiu o mesmo tribunal no Proc. Nº 96A676.
8. Dito isto, e atento o exposto, entende a ora recorrente inexistir qualquer caso julgado, como contrariamente decidiu o Douto Tribunal a quo.
9. Entende a ora recorrente que, admitindo que a confirmação da sentença arbitral configure caso julgado formal, a verdade é que não constitui a mesma caso julgado material, porquanto em momento algum, foi, ou poderia ter sido, discutida a relação material controvertida!
10. Em consequência, podia e deveria, o tribunal a quo, permitir a realização de prova, e consequentemente, determinar o julgamento para discussão dos factos elencados, pois, salvo o devido respeito, é este o momento certo (embargos de executado), para discutir o mérito da causa.
11. Por outro lado, entendeu o tribunal a quo, que não deveria conhecer dos factos alegados, atento o princípio da preclusão, e dessa forma obstar ao conhecimento da relação material controvertida, vejamos,
12. Ora, entende a ora recorrente que, não pode tal princípio ser invocado, pelos mesmos motivos anteriormente alegados.
13. Assim, só existiria a preclusão do direito da executada se efetivamente, os fundamentos ali expressos já tivessem podido ser alegados e analisados, o que atentos os limites da oposição à revisão de sentença estrangeira, não poderiam ter sido invocados ou mesmo analisados, veja-se nesse sentido o acórdão do TR Porto, Processo Nº 9150251.
14. Por outro lado, entende a ora recorrente, que serão sempre admissíveis a análise dos pressupostos que determinaram os embargos de executado, permissão decorrente do disposto no art. 730º do CPC.
15. Por outro lado, e salvo o devido respeito, entende a ora recorrente que, não tendo sido a violação do princípio da preclusão alegado, pela recorrida, a qual não deduziu contestação aos embargos, estava, o tribunal a quo, vedado a conhecer do mesmo, pois entende a ora recorrente que tal princípio não é do conhecimento oficioso, pelo que violou o tribunal a quo o disposto no art. 573º do CPC., nesse sentido veja-se o Ac. do STJ, datado de 17.11.2016.
16. Posto isto, entende a ora recorrente que deve, tal despacho/sentença, ser revogado e ordenar o tribunal a quo a prosseguir aqueles autos.
17. Posteriormente, a tal despacho pré-saneador, veio a ser proferido despacho saneador que decide julgar improcedente os embargos do executado.
18. A decisão de que ora recorre, estriba-se, no entendimento de que a excessividade da multa, resultante do cumprimento, é “… um enunciado fáctico sobre o qual já se pronunciou a Relação do Porto…”, resumindo dessa forma, se assim entendemos, que não poderá ser feita prova sobre tal facto, porquanto a prova a fazer-se reconduz-se a matéria analisada pelo Tribunal da Relação do Porto.
19. Não concorda, a ora recorrente com tal posição, até porque os fundamentos que se pretendem, e que aliás resultam dos temas da prova, era a excessividade da cláusula penal, factos que nunca, em momento algum foram decididos, nem podiam, uma vez que se trata de matéria a ser provado em sede de embargos.
20. Dedução, essa, feita ao abrigo do art. 730º do CPC, pelo que a matéria ali invocada teria de ser, consequentemente, objeto de prova e consequentemente objeto de decisão por parte do tribunal a quo.
21. Mais, resulta do título executivo a decisão do tribunal arbitral, a condenação da recorrente no pagamento do montante correspondente a 0,05% do montante a pagar por cada dia de atraso.
22. Tal cláusula, salvo o devido respeito, enquanto cláusula contratual geral, está subjacente ao regime das cláusulas contratuais gerais, nomeadamente no seu art. 19 alínea c), pelo que nos parece dever ser tal cláusula analisada à luz do nosso ordenamento português, o que como se sabe não foi feito pelo tribunal a quo.
23. Para tal importaria realizar toda a prova dos factos ocorridos, desde a celebração da suposta convenção, ao fornecimento, e ainda ao pagamento, sem que tal atingisse qualquer caso julgado, porquanto, como se viu, o pedido ora em análise limitava-se à existência da excessividade da cláusula penal, e teria o tribunal a quo que analisar os embargos apresentados e os documentos juntos, o que não foi feito, neste sentido Ac. TRC 20-06-2017.
24. Ao decidir, o tribunal a quo, o caso julgado, para dessa forma não permitir a realização da prova por parte da recorrente, faz uma interpretação errada da lei, e do princípio do caso julgado, nesse sentido veja-se o Ac. de 02-11-2006, STJ, Proc. N.º 06B3027.
25. Desta forma, com a prolação de tal despacho, violou o tribunal a quo dever de gestão processual, art. 6 CPC o princípio da cooperação, art. 7 do CPC, princípios que impunham a prolação dum despacho que permitisse a realização da prova, sem qualquer alegação, ou subterfúgio a conceitos indeterminados e ainda a meras ilações de caso julgado, quando na realidade inexistem, violando, igualmente, dessa forma, os arts. 3º, 7º, 8º, 20º, 202º, 205º, todos estes da Constituição da Républica Portuguesa.
26. Mais, entendeu o tribunal a quo decidir que “…À luz desse critério de adequação, no caso concreto, considera-se que, face à função compulsivo-sancionatória, não existe enriquecimento injustificado da credora…”, ora tal interpretação conduz a um erro na análise dos factos.
27. Na verdade, ao limitar a correta aplicação, atendendo apenas a uma percentagem definida na cláusula penal, faz, dessa forma tábua rasa, de todo o regime previsto nos termos do art. 812º do C.C., e ainda do DL 446/85, bem como as decisões dos tribunais superiores, veja-se, nesse sentido Ac. TRC Proc. Nº972/10.7TBLSA.C1 e nº 5202/12.4TBLRA.C1, bem como o Ac. TRP, no Proc. Nº 680/14.0T8STS.P1.
28. Assim, entende a ora recorrente que tribunal a quo, no que concerne à inexigibilidade da cláusula penal, violou dessa forma o disposto no art. 1º, 4º, 5º, 8º, 19º e 23º do DL 446/85, e ainda os arts. 3º, 7º, 8º, 20º, 202º, 205º, todos estes da Constituição da Républica Portuguesa.
29. A análise de tal excessividade, impõe ao julgador a análise do interesse das partes, a sua situação económica e social, o seu grau de culpa, a função que a cláusula penal visa prosseguir no caso concreto, o motivo de incumprimento, a boa ou má-fé do devedor, a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi realizado, etc., etc…, Ac. TRC datado de 20-06-2017.
30. Pelo que, para decidir sobre tal, deve o tribunal socorrer-se de todos os fatores de ponderação de que disponha, neste sentido veja-se o Ac. do STJ, datado de 19-06-2018, Ac. TRC datado de 20-06-2017, Ac. STJ datado de 12-09-2019, Ac. TRE datado de 26-03-2015, Ac. TRL datado de 27-01-2022, Ac. TRP datado de 22-11-2021 e ainda o Ac. STJ datado de 21-06-2022, entre outros.
31. Posto isto, e sem qualquer desprimor, aquando da prolação daquele despacho, já os embargos possuíam matéria e documentos suficientes que deveriam conduzir o tribunal a quo a decidir de forma diversa, pois já continham todo o substrato factológico necessário à boa decisão da causa, seja por intermédio dos embargos, seja mesmo pelos documentos juntos, e nunca impugnados, refira-se.
32. Dito isto, e ao não analisar todo o substrato, violou o tribunal a quo o disposto no art. 812º do C.C., bem como os arts. 3º, 7º, 8º, 20º, 202º, 205º, todos estes da Constituição da Républica Portuguesa, porquanto poderia, e deveria, ter procedido com a redução do montante da cláusula penal, atenta a sua excessividade.
33. Por fim, entendeu o tribunal a quo que, tal excessividade, já teria sido precludida.
34. Não pode, igualmente, a ora recorrente concordar com tal posição, atentos os motivos supra expostos, conjugado com o disposto no art. 730º do CPC.
35. Assim, e ao decidir da forma que o fez, violou o tribunal a quo o disposto no art. 730º e 573º do CPC, bem como o disposto no art. 48 da LAV.
36. Por outro lado, e atenta a prova produzida, entende a recorrente ter ocorrido um erro notório na apreciação da mesma.
37. Porquanto, na análise da excessividade da cláusula penal, tem entendido a jurisprudência que um dos fatores seria a boa-fé, bem como a diligência demonstrada pela ora recorrente, na resolução do problema, o que se encontra, devidamente, demonstrada quer nos embargos, que não foram contestados, quer mesmos nos documentos, que não foram impugnados, veja-se artigos 183º, 184º, 190º, 191º, 192º, 194º, 195º, 196º, 198º, 200º, 201º, 202º, 209º, 211º, 214º, 225º, 226º, 227º, 228º, dos embargos, bem como os documentos nsº 1, 5, 6, 7, 8 e 9 juntos com os embargos.
38. Assim, entende a ora recorrente que o tribunal a quo não atentou na prova junta, a qual, tivesse sido relevada, imporia uma decisão diferente.
39. Desta forma, o tribunal a quo, ao proferir a decisão, limitada ao montante da mesma, não analisou, convenientemente, toda a restante prova produzida.
40. Atento o exposto, ao não atentar à prova já apresentada, e não impugnada, e ao decidir da forma descrita, entende a ora recorrente que foi violada o princípio da prova, e consequentemente, deverá tal despacho ser objeto de censura, e consequentemente, terá a mesma de ser objeto de alteração, atento o erro notório na apreciação da prova.
41. Posto isto, entende a ora recorrente que deve, tal sentença, ser revogada e ordenar o tribunal a quo a prosseguir aqueles autos.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso, e revogada a decisão recorrida, com as legais consequências, fazendo-se assim a tão acostumada e sã justiça.»

8. A Exequente-Embargada contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
9. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, são as seguintes as QUESTÕES A DECIDIR:
· Rejeição do recurso interposto do despacho pré-saneador
· Caso julgado formado pela sentença de revisão-confirmação de sentença estrangeira
· Preclusão do direito de alegação de factos, e do respetivo conhecimento
· Excessividade da cláusula penal

9.1. Recurso de apelação do despacho pré-saneador datado de 28/10/2022.
Como já referido em despacho intercalar, as sentenças e os despachos constituem atos jurídicos e, nessa medida, aplicam-se-lhes as regras de interpretação que regem os negócios jurídicos: art.º 236º, 238º e 295º do Código Civil (CC).
Operando essa interpretação, e conjugando o teor da(s) decisão(ões) no contexto da tramitação atrás referida, designadamente o dito “despacho pré-saneador” (28/10/2022) e a “decisão final” (14/12/2022), temos de concluir que efetivamente, o despacho pré-saneador, pese embora a incorreção da linguagem, que indicia tomada de decisão, efetivamente não comporta decisão sobre o mérito dos embargos ou das exceções.
Que assim é, o facto de as questões abordadas no pré-saneador terem sido depois apreciadas na decisão final.
O que se pretendeu com o despacho pré-saneador foi alertar as partes de que se ponderava tomar decisão logo em sede de despacho saneador, pelo que se considerou conveniente ¯ no espírito de lealdade/transparência e cooperação que se impõe ¯, dar a conhecer às partes o sentido da decisão perspetivada, por forma a habilitá-las a influenciarem a decisão. Tudo em conformidade, aliás, com o disposto no art.º 590º nº 2 do CPC.
E, se algumas dúvidas houvesse, temos as próprias palavras do Sr. Juiz, no despacho que se seguiu à interposição de recurso, 07/03/2023: «No despacho pré-saneador não se decidiu as questões que servem de fundamento à defesa, incluindo as exceções dilatórias de caso julgado e de preclusão. Com aquele despacho pretendeu-se usar o instrumento de gestão processual estabelecido no artigo 6.º, n.º 1 do CPC, confrontando-se as partes com o projeto de decisão (incluindo sobre aquelas exceções), para que pudessem influenciar, ativa e eficazmente, a decisão que viesse a ser proferida (e facultando às partes, ainda, a possibilidade de poderem dispensar a realização da audiência prévia).».
Consequentemente, não se tratando de qualquer decisão sobre o mérito dos embargos, ou de qualquer exceção, rejeita-se o recurso interposto do despacho pré-saneador, datado de 28/10/2022.

9.2. Do caso julgado formado pela sentença de revisão-confirmação de sentença estrangeira
Segundo os art.º 619º e 621º do CPC, «Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele (…)» e, «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)».
Quando se trata de apurar da influência de uma decisão anterior num processo que lhe é posterior, trata-se do caso julgado material. Visa-se com ele obstar a que o tribunal possa vir a repetir ou contradizer a decisão anterior, invalidando a certeza e segurança jurídicas subjacentes às decisões dos tribunais.
E, como é sabido, ele pode ser visto ou influenciar a sorte da ação numa dupla dimensão, consoante os seus efeitos se repercutirem na esfera processual/adjetiva, ou na esfera substantiva.
No primeiro caso, estamos perante um efeito impeditivo ou negativo, o tribunal fica impedido de repetir ou contradizer a decisão anterior, e, daí, a sua operância como exceção dilatória (natureza simplesmente adjetiva): art.º 577º al. i) do CPC.
No segundo caso, está em causa o seu efeito positivo, dirigindo-se um comando ao tribunal, vinculando-o ao mesmo resultado (o de não repetir ou contradizer decisão anterior) com a autoridade de caso julgado, (natureza simultaneamente adjetiva e substantiva).
Em resumo, «Seja qual for o seu conteúdo, a sentença produz, no processo em que é proferida, o efeito de caso julgado formal, não podendo mais ser modificada (art. 672). Mas, quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sobre a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (...), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade do caso julgado).». [1]
Por outro lado, constitui jurisprudência assente que, «Nos limites objectivos do caso julgado material incluem-se todas as questões e excepções suscitadas e solucionadas, ainda que implicitamente, na sentença, que funcionam como pressupostos necessários e fundamentadores da decisão final.» [2]
No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa [3], «toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto ou de direito) o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.»
No caso, trata-se da execução de uma sentença arbitral estrangeira.
Nos termos do nº 7 do art.º 42º da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), o caso julgado arbitral é equiparado ao formado por sentença judicial, A sentença arbitral de que não caiba recurso e que já não seja suscetível de alteração no termos do artigo 45.º tem o mesmo carácter obrigatório entre as partes que a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado e a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual.
Esta interpretação já foi sancionada pelo Tribunal Constitucional, «A expressa referência constitucional aos tribunais arbitrais impede que seja questionada a sua legitimidade, pelo menos no que toca aos tribunais arbitrais voluntários (e o artigo 1522º insere-se nas disposições que conformam este tipo de tribunais). Consequentemente, não pode também ser questionada a força de caso julgado atribuída às respectivas decisões.» [4]
Sobre a execução das sentenças arbitrais, a LAV contém também regras específicas: art.º 47º e 48º.
O mesmo acontece sobre o procedimento de revisão e reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras, com vista a obter a sua executoriedade em Portugal: art.º 55º a 68º.
A fim de obter a executoriedade, a Exequente/Embargada suscitou o reconhecimento de decisão arbitral, que decorreu neste Tribunal da Relação sob o nº 20/21.1YRPRT. E a decisão nele proferida foi «decretando o reconhecimento, para efeitos de posterior execução, da sentença arbitral proferida a 11.03.2020 pelo Árbitro Único do Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo – Suécia».
É certo que, como decorre do art.º 980º, em conjugação com o art.º 983º nº 1, ambos do CPC, e art.º 56º da LAV, ao Tribunal revisor apenas compete exercer uma sindicância de carácter formal e não proceder a um reexame de mérito da decisão revidenda, seja pela apreciação dos factos sujeitos a julgamento, seja pelas regras de direito material que foram aplicadas aos factos. A revisão de sentenças estrangeiras é, pois, de índole formal, por contraposição a um juízo de mérito.
Porém, não se pode confundir o mérito da decisão revidenda com as questões suscitadas e apreciadas na decisão revisora, no âmbito das questões que ao Tribunal de revisão é lícito conhecer, designadamente as elencadas no art.º 980º do CPC e no art.º 56º da LAV. [5]
Estas, as questões suscitadas e apreciadas na decisão revisora, naturalmente que já ficam sujeitas ao caso julgado e à autoridade de caso julgado.
Ora, como decorre da análise do processo nº 20/21.1YRPRT, transitado em julgado, o acórdão aí proferido não integrou uma decisão de preceito, no sentido de se ter bastado com a apreciação dos items referidos no art.º 980º do CPC de forma acrítica ou meramente formal.
É que, aí citada a ora Executada/Embargante, teve ela uma posição ativa e substancial nesse processo. Assim, para além da suspensão dos autos, ela deduziu oposição, na qual suscitou as seguintes questões: (i) a sentença arbitral não reúne as condições legais para ser reconhecida, em particular em face do preceituado no artigo 980º, do CPC; (ii) não resultar dos autos a menção ao trânsito em julgado da decisão revivenda; (iii) a sentença estrangeira provém de tribunal cuja competência foi provocada em fraude à lei; (iv) a falta de jurisdição do tribunal arbitral, por falta de um prévio e válido compromisso arbitral entre as partes; (v) não ter sido regularmente citada no processo arbitral, colocando em crise os seus direitos essenciais de defesa, designadamente do contraditório e da igualdade das partes; (vi) o pagamento da quantia peticionada.
Nesse processo foi ainda produzida prova complementar e produzidas alegações.
E no acórdão conheceu-se e decidiu-se as seguintes questões:
i. a sentença arbitral proferida transitou em julgado.
ii. sobre a competência do tribunal arbitral sueco ter sido provocada em “fraude à lei” ─ «não existe qualquer violação do âmbito da competência internacional exclusiva dos tribunais portugueses, concorrendo a competência destes últimos com a competência internacional de qualquer outro Estado e face ao caracter plurilocalizado do litígio».
iii. Sobre a falta de jurisdição do tribunal arbitral sueco por mor da inexistência de um prévio e válido compromisso arbitral (forma escrita e assinatura por ambas as partes) ─ «ao contrário do sustentado pela Ré, nas sobreditas circunstâncias, nenhum óbice existe quanto à questão da forma escrita da convenção de arbitragem (cláusula compromissória) e, ainda, quanto à sua subscrição/aceitação, ainda que o documento que incorpora os termos e condições e a dita convenção não se mostre assinado por qualquer uma das partes. Improcede, pois, também este outro fundamento de oposição ao reconhecimento invocado pela Ré.»
iv. Sobre a falta e regularidade da citação, direitos essenciais de defesa, o princípio do contraditório e da igualdade das partes ─ «Ora, perante esta resenha da evolução do processo arbitral – que não foi minimamente posto em causa por alguma prova produzida ou oferecida pela Ré -, não se alcançam os fundamentos para a afirmação da Ré quanto à alegada violação do princípio do contraditório e da igualdade de armas processuais. De facto, em termos singelos e face às evidências antes expostas, dir-se-á que ao cumprimento do contraditório e da igualdade de armas basta-se a lei pela circunstância de ser concedida às partes, em termos efectivos, a possibilidade de exercerem os seus direitos ou faculdades processuais em pé de igualdade uma com a outra; se a própria parte, apesar de informada dos trâmites processuais e da possibilidade de exercer as faculdades que lhe são proporcionadas pela lei processual, como sucedeu com a aqui Ré, as não pretende usar, naturalmente, que inexiste qualquer violação daqueles princípios fundamentais, mas antes uma opção deliberada da parte, que, em tais circunstâncias, só lhe pode ser imputada. De facto, o que ressuma da intervenção da Ré no processo arbitral (e que a mesma acaba por reproduzir também neste processo) é a sua petição de princípio quanto à invalidade ou inexistência de uma convenção de arbitragem escrita e vinculativa, petição esta que, como já vimos, se mostra infundada.»
v. Também se decidiu sobre o respeito pelos princípios fundamentais da ordem pública internacional, que se consideraram verificados.
Visto isto, temos de concluir que as questões em causa no processo de revisão e reconhecimento de sentença arbitral estrangeira ficaram cobertas pela autoridade de caso julgado. Daí que não possam voltar a ser apreciadas em sede de embargos de executado.
Nessa medida, estando o Tribunal sujeito a essa autoridade de caso julgado, não pode dizer-se que se incorreu em violação do dever de gestão processual ou do princípio da cooperação. Ao contrário, eles são a sua concretização e impunham-se-lhe.

9.3. Princípio da preclusão
O efeito preclusivo constitui um dos efeitos do caso julgado, na mesma senda da função de estabilização que lhe é inerente.
«Dentro do processo, a definitividade da decisão impede que nele ela seja contraditada ou repetida. Fora do processo, produz-se um efeito preclusivo material: não só precludem todos os possíveis meios de defesa do réu vencido e todas as possíveis razões do autor que perde a ação, mas também, com maior amplitude, toda a indagação sobre a relação controvertida, delimitada pela pretensão substantivada (pedido fundado numa causa de pedir) deduzida em juízo.» [6]
E, como refere Rui Pinto, «O que apurámos até agora vigora, sem diferenças, em sede de arbitragem. A circunstância de a arbitragem apresentar uma legitimação e um procedimento específicos em nada tange tanto a eficácia negativa e positiva do caso julgado. Em termos simples: como foi expressamente reconhecido pelo Ac. do TC 506/96/Proc. 137/93 (FERNANDA PALMA) o recurso à arbitragem consubstancia o exercício do direito de ação em tribunais constitucionalmente reconhecidos (cf. artigos 202.º, n.º 4, e 209.º, n.º 2, da Constituição), pelo que a eficácia das respetivas decisões rege-se pelos mesmos princípios e regras de exceção de caso julgado e de autoridade de caso julgado decorrentes dos princípios da segurança jurídica, instrumentalidade ao direito material e proibição de decisões contraditórias.
Assim, e justamente, o artigo 42.º, n.º 7, da Lei n.º 63/2011, de 12 de dezembro, determina que a “sentença arbitral de que não caiba recurso e que já não seja suscetível de alteração nos termos do artigo 45.º tem o mesmo carácter obrigatório entre as partes que a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado e a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual”.
Daqui decorre, nomeadamente, que, fora das vias recursórias gerais ou anulatórias especiais (cf. artigo 46.º daquela Lei), as partes não dispõem de uma faculdade de revogar a decisão arbitral transitada em julgado, seja por promoção de uma nova arbitragem sobre o mesmo objeto, seja por promoção de arbitragem com efeitos conexos incompatíveis com a primeira. A exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado valem nos mesmos termos.
Em consequência, os tribunais estaduais estão vinculados àqueles efeitos, negativo e positivo, do caso julgado arbitral.» [7]
O M.mº Juiz considerou precludidas as seguintes questões:
· Violação da ordem pública internacional do Estado Português:
- A sentença arbitral não foi notificada por carta registada com aviso de receção;
- Os custos inerentes à arbitragem são incompatíveis com a realidade da empresa executada, existindo uma situação de insuficiência económica que implica a extinção da obrigação de recorrer à arbitragem;
- Violação do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva.
E efetivamente, assim é. A bem dizer, a violação da ordem pública internacional, com as sub-questões que lhe estão inerentes, foi objeto de conhecimento do acórdão de reconhecimento da sentença arbitral, que a(s) julgou improcedente(s).
Para além disso, no âmbito da preclusão há ainda a ter em conta o disposto no nº 2 do art.º 48º da LAV: Não pode ser invocado pelo executado na oposição à execução de sentença arbitral nenhum dos fundamentos previstos na alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º, se já tiver decorrido o prazo fixado no n.º 6 do mesmo artigo para a apresentação do pedido de anulação da sentença, sem que nenhuma das partes haja pedido tal anulação.
Ora, não foi instaurada a competente ação de anulação da decisão arbitral, nem respeitado o prazo de 60 dias a que se alude no nº 6 do art.º 46º da LAV, significando que já o não poderá ser por caducado o respetivo direito.
Assim, não podem constituir fundamento de oposição os seguintes:
i) incapacidade de uma das partes ou a invalidade da convenção de arbitragem;
ii) violação dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º (falta de citação, violação do princípio da igualdade ou do contraditório);
iii) que o litígio não esteja abrangido pela convenção de arbitragem ou a sentença contenha decisões que ultrapassam o âmbito dela;
iv) a composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes;
A LAV constitui lei especial face ao CPC.
Segundo o nº 3 do art.º 7º do CC, “a lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador”.
O art.º 730º do CPC não expressa qualquer vontade inequívoca de revogar o art.º 48º da LAV; ao contrário, respeita-a expressamente (“sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 48.º da Lei da Arbitragem Voluntária”)
Concluindo, o recurso não merece provimento.

9.4. Da excessividade da cláusula penal
Quanto a este fundamento, o M.mº Juiz não o considerou precludido nem coberto pelo caso julgado.
Passando a conhecer dessa questão, começou por referir que a Executada/Embargante não alegou os factos pertinentes para se concluir por essa excessividade; e que, pese embora o convite ao aperfeiçoamento, a Executada/Embargante persistiu na sua versão «de que a excessividade daquela multa resulta da circunstância de a Exequente não ter sofrido qualquer dano suscetível de ressarcimento em resultado do incumprimento do contrato, dado que o montante peticionado foi pago mesmo antes de a decisão arbitral ter sido proferida».
Ora, como refere Calvão da Silva não basta invocar-se a excessividade de forma genérica, ou por relação a um pretenso pagamento já efetuado (que a existir, aliás, eliminaria a razão de ser da cláusula penal, ao invés da sua redução): «Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não deverá deixar de atender à natureza e condições de formação do contrato (por exemplo, se a cláusula foi contrapartida de melhores condições negociais); à situação respectiva das partes, nomeadamente a sua situação económica e social, os seus interesses legítimos, patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo presumível no momento da celebração do contrato e ao prejuízo efectivo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor (aspecto importante, se não mesmo determinante, parecendo não se justificar geralmente o favor da lei ao devedor de manifesta má fé e culpa grave, mas somente ao devedor de boa fé que prova a sua ignorância ou impotência de cumprir); ao próprio carácter à forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório. É em função da apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má fé, que o juiz pode ou não reduzir a cláusula penal, (...)». [8]
Tendo-se verificado que o pagamento não pode aqui ser considerado [9], pelas razões atrás adiantadas, o M.mº Juiz decidiu considerando apenas a perspetiva invocada.
E mais considerou não haver excessividade, na medida em que a finalidade da multa de 0,05% não é indemnizatória, mas antes compulsória ao cumprimento pontual da obrigação (cláusula penal em sentido estrito).
«Podemos definir a cláusula penal como a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou não cumprir exactamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária. Se estipulada para o caso de não cumprimento, chama-se cláusula penal compensatória; se estipulada para o caso de atraso no cumprimento, chama-se cláusula penal moratória.
Dada a sua simplicidade e comodidade, a cláusula penal é instrumento de fixação antecipada, em princípio ne varietur, da indemnização a prestar pelo devedor no caso de não cumprimento ou mora, e pode ser eficaz meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação. Queremos com isto dizer que, na prática, a cláusula penal desempenha uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva». [10]
Como se verifica do clausulado contratual, a cláusula tem a seguinte redação: «Por violação do prazo de pagamento pelas Mercadorias por culpa do Comprador, o Vendedor tem o direito, por escrito, a exigir do Comprador o pagamento de uma sanção no valor de 0,05% do montante do pagamento em atraso por cada dia de tal atraso.»
Perante o texto da cláusula, concordamos que a mesma não visava compensar qualquer dano decorrente do cumprimento inexato; ela tem antes o valor de compelir o comprador a efetuar o pagamento a tempo e horas, hipótese em que fica desonerado do pagamento dessa multa.
Voltando aos ensinamentos de Calvão da Silva, «O caráter elevado da pena constrange indiretamente o devedor a cumprir as suas obrigações, visto desencoraja-lo ao não cumprimento, pois este implica para si uma prestação mais onerosa do que a realização, nos termos devidos, da originária prestação a que se encontra adstrito.» [11]
No caso, 0,05% não pode ser considerado manifestamente excessivo. Lembre-se que os juros civis para atraso no pagamento de obrigações pecuniárias se cifram em 4% e os juros comerciais em 10,5%.
Concluindo, não assiste razão à Executada/Embargante.

10. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
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III. DECISÃO
11. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.



Porto, 29 de junho de 2023
Isabel Silva
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
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[1] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª edição, 2008, Coimbra Editora, pág. 713/714.
No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, "O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material", estudo publicado no Boletim do Ministério da Justiça (BMJ), nº 325, pág. 167.
[2] Acórdão do STJ de 05.05.2005(nº do Documento: SJ200505050006027). No mesmo sentido, e do mesmo STJ, acs. de 09.07.998 (Proc. 620/98), de 24.02.2002 (Proc. 671/02), de 15.01.2004 (Proc. 3992/03), de 25.11.2004 (Proc. 3703/04), e de 25.11.2004 (Proc. 04B3703), todos disponíveis em www.dgsi.pt, sítio a ter em conta nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[3] In “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, LEX, Lisboa, 2.ª Edição, pág. 578-579.
[4] Acórdão nº 506/96, de 21/03/1996.
[5] Como refere António Sampaio Caramelo, citando Louis Christophe Delanoy, in “O Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras”, 2016, pág. 128-129: «Ao contrário, em sede de controlo da sentença, o juiz não se pronuncia sobre o litígio primário que foi objecto da sentença arbitral, mas apenas averigua a existência nesta de certas condições de regularidade que permitem a sua equiparação à sentença de um tribunal estadual; é exclusivamente sobre este litígio secundário que versa a apreciação do juiz de controlo.»
[6] Lebre de Freitas, “Um Polvo chamado Autoridade de Caso Julgado”, Revista da Ordem dos Advogados, pág. 692, disponível em https://portal.oa.pt/media/130340/jose-lebre-de-freitas_roa-iii_iv-2019-13.pdf
[7] Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Revista Julgar Online, novembro de 2018, pág. 46, disponível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/11/20181126-ARTIGO-JULGAR-Exce%C3%A7%C3%A3o-e-autoridade-do-caso-julgado-Rui-Pinto.pdf
[8] Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Almedina, 4ª edição, pág. 274/275.
[9] Aceitando por boa a explicação da Embargante de ter existido fraude na utilização do sistema informático, certo é que o pagamento não entrou na conta da Exequente.
[10] Calvão da Silva, ob. cit., pág. 247/248.
[11] Ob. Cit., pág. 250.