Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2810/20.3T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: RETRIBUIÇÃO
COMISSÕES
RECIBO DE VENCIMENTO
Nº do Documento: RP202210032810/20.3T8VLG.P1
Data do Acordão: 10/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - As comissões pagas ao trabalhador constituem uma prestação complementar e fazem parte da sua retribuição a par da retribuição base.
II - Nada resultando dos factos provados quanto a metas ou objetivos a atingir que hajam sido fixados e dados a conhecer à Autora e que hajam sido atingidos, não há causa para o pagamento do chamado «adiantamento de comissões» pelo que este deve considerar-se, pese embora a sua designação, como integrando a retribuição acordada para a prestação da atividade no período normal de trabalho, isto é, a retribuição base e, como tal, incluída no subsídio de Natal, em face do nº 2 do artigo 258º do Código do Trabalho.
III - O recibo de vencimento é um documento obrigatório, emitido pela entidade empregadora que o deve entregar ao trabalhador e do qual deve constar «a identificação daquele, o nome completo, o número de inscrição na instituição de segurança social e a categoria profissional do trabalhador, a retribuição base e as demais prestações, bem como o período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber», (artigo 276º, nº3 do Código do Trabalho).
IV - Nada resultando assente que permita aferir ter a Ré transmitido à Autora que os montantes dos chamados ‘adiantamentos’ lhe foram, estavam e continuariam a ser pagos independentemente dos objetivos comerciais definidos, ou seja, o volume de vendas ou o resultado líquido anual, não integra abuso de direito, o pedido reconvencional deduzido para a sua restituição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2810/20.3T8VLG.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 1

Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: Des. António Luís Carvalhão
2º Adjunta: Des. Paula Leal de Carvalho



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório (transcrição do relatório efetuado na sentença):
1.1. ‘AA intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra «L..., Lda», pedindo, na procedência da ação, a condenação da R. a pagar-lhe:
a) a quantia de €9.261,00 (nove mil e duzentos e sessenta e um euros) a título de encargos indevidamente descontados à Autora, desde 01.01.2011 até ao mês de Abril de 2016, no valor mensal de €147,00, durante cinco anos e três meses,
b) a quantia de €24.931,49 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e um euros e quarenta e nove cêntimos) correspondente à diferença dos valores que deveriam ter sido pagos e dos que efectivamente foram pagos (€1.559,91-€669,50=€890,41) a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal desde o ano de 2005 até 2019– €890,41x2 (subsídio de férias e de Natal) x14 (anos),
c) a quantia de €7.644,00 (sete mil seiscentos e quarenta e quatro euros) indevidamente descontada no vencimento da Autora (a título de valores, “comissões”), no montante mensal de 147,00€, desde Abril de 2016 até Julho de 2020,
d) a entrega da declaração de compra e venda do veículo da marca Opel, modelo ... com a matrícula ..-..-ZA,
e) os juros de mora calculados à taxa legal, perfazendo um total de 6.836,00€ (seis mil oitocentos e trinta e seis euros),
f) Acrescido dos juros vincendos desde a data da citação até integral pagamento, custas e demais encargos legais,
g) Ser a Ré obrigada doravante a emitir os recibos de vencimento da Autora, considerando as quantias pagas sob as rubricas “vencimento” e “adiantamento de comissões” como uma só, a título de vencimento.
Em breve síntese, alegou que foi admitida pela ré ao seu serviço, em Outubro de 2004, para, mediante a retribuição mensal de €1.559,90 (resultante de €669,50 a título de vencimento e de €890,41 a título de adiantamento de comissões), trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização, como gerente, mediante um contrato de trabalho sem termo; que a autora desempenha as tarefas que lhe são atribuídas num período normal de trabalho diário de 8 horas; que de modo a assegurar-lhe a mobilidade no desempenho das suas funções, a Ré adquiriu um automóvel de marca Opel, modelo ..., matrícula ..-..-ZA no valor de €10.484,00, com a finalidade de o mesmo ser pago pela Autora em prestações mensais de €147,00 a serem-lhe descontadas no seu vencimento, correspondentes cada uma à prestação do referido automóvel, e, a final, ser-lhe entregue a propriedade do mesmo; tal pagamento seria feito em 72 (setenta e duas) prestações mensais com início a 1 de Janeiro de 2005 e fim a 1 de Janeiro de 2011, tendo a Autora cumprido com o pagamento, até porque o mesmo era descontado directamente do seu salário; porém, a Ré continuou a descontar indevidamente à Autora a quantia de €147,00 mensais do seu vencimento, até ao mês de Abril de 2016, apesar de o referido automóvel já se encontrar pago desde 01.01.2011, não tendo assim qualquer justificação para tal; que, após o término do pagamento da última prestação(01.01.2011) até ao mês de Abril de 2016, a Ré descontou do vencimento da Autora indevidamente o valor mensal de €147,00 (cento e quarenta e sete euros), durante cinco anos e três meses, perfazendo um total de €9.261,00 (nove mil, duzentos e sessenta e um euros) – €147x12x5 + €147x3, valor este que a Ré deve à Autora.
Acresce que em Abril de 2016, e sem o consentimento ou informação à Autora, a Ré começou a deduzir indevidamente e sem qualquer explicação, o montante de €147,00 (cento e quarenta e sete euros), do salário da Autora (abatendo às indevidamente referidas no salário como comissões), tendo, assim, a Ré reduzido o valor do vencimento da Autora no exacto montante de €147,00; que a indevida redução do salário da Autora, desde Abril de 2016 até Julho de 2020, perfaz um total de €7.644,00 (sete mil seiscentos e quarenta e quatro euros), de que a Autora é credora da Ré; que a retribuição mensal que a Autora auferia pela prestação do seu trabalho não contemplava qualquer valor a título de comissões, até porque a Autora não era comercial, nunca enviou relatório de vendas, nunca foi acordado o recebimento de comissões, nem qual a eventual percentagem a receber; que apesar da distinção que a Ré efectuava nos recibos de vencimento da Autora entre vencimento e comissões, como demonstram os vários recibos desde 2005, as denominadas “comissões” nunca corresponderam a comissões, pois apesar da nomenclatura usada pela Ré nos recibos de vencimento, a prestação satisfeita foi sempre a mesma, não havendo qualquer relação ou dependência entre a sua denominação e o desempenho ou mérito profissionais da Autora; que as quantias pagas pela Ré à Autora, a que chamava indevidamente de “comissões”, nunca dependeram dos resultados ou vendas, sempre foram pagas com carácter regular e periódico, todos os meses, no mesmo valor, com a exceção desde Abril de 2016, data em que o alegado valor de “comissões” foi indevidamente reduzido; que o montante pago à Autora, a que a Ré indevida e unilateralmente chama de “comissões”, integra efetivamente o conceito de retribuição da Autora, contando esta com o seu recebimento integral, não variável, para fazer face ao seu sustento como contrapartida do trabalho por si executado e como corolário do princípio da boa-fé contratual; que em consequência, aquando do pagamento do subsídio de férias e subsídio de Natal, o valor pago pela Ré à Autora deveria ter sido de €1.559,91 (mil quinhentos e cinquenta e nove euros e noventa e um cêntimos), mas apenas pagou €669,50(seiscentos e sessenta e nove euros e cinquenta cêntimos); Mesmo que, por exercício teórico e mera hipótese académica, se entendessem esses valores a título de “comissões”, o valor da retribuição em férias e subsídio de Natal, deveria compreender ainda o valor de referência dos últimos doze meses das comissões; que desde o ano de 2005 e até o ano de 2019(14 anos) que a Autora deveria ter recebido o subsídio de férias e de Natal de igual montante ao do seu salário(onde obrigatoriamente se incluem as alegadas “comissões”), mas que a Ré não pagou, sendo por isso devedora à Autora da quantia de €24.931,49 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e um euros e quarenta e nove cêntimos) – €890,41x2(subsídio de férias e de Natal)x14(anos); que a referida viatura automóvel, para uso da Autora no exercício das suas funções, foi adquirida pela Ré e a Autora suportou o custo inerente à compra da referida viatura, bem como a manutenção da mesma e a Ré o valor do seguro e do imposto único de circulação; que a referida viatura já se encontra paga desde Janeiro de 2011, pela Autora, mas, apesar de interpelada, a Ré mantém a propriedade do automóvel, sendo, porém, a Autora quem sempre manteve o veículo na sua posse; que a relação laboral entre Autora e Ré ainda se mantém, pelo que deve a Ré ser compelida a emitir os recibos de vencimento da Autora, considerando as quantias pagas nas rubricas “vencimento” e “adiantamento de comissões” como uma só, a título de vencimento; que às quantias supra indicadas acrescem juros calculados à taxa legal, perfazendo um total de €6.836,00 (seis mil oitocentos e trinta e seis euros), pugnando ainda que deverá a Ré ser compelida a emitir os recibos de vencimento da Autora, considerando a quantia única a título de vencimento no valor de €1.559,91.

Realizada a audiência de partes, frustrou-se a tentativa de conciliação.

Contestou e reconveio a R., invocando, em síntese, que de acordo com o previsto no contrato de trabalho as comissões seriam de 0,2% sob todas as vendas efetuadas no estabelecimento e de 10% do resultado líquido do estabelecimento comercial desde que a A. cumprisse com o volume de vendas do estabelecimento, que consta do documento anexo ao contrato de trabalho, no valor anual de €1.500.000,00 repartido mensalmente, encontrando-se no caso em apreço as comissões contratualmente estabelecidas; que a A. nunca conseguiu cumprir com os objetivos comerciais definidos no contrato de trabalho, pelo que considera que não assiste direito à A. a receber as comissões sobre o subsídio de férias e de Natal, ou as diferenças salariais que vem exigir a juízo, que os “adiantamentos de comissões que lhe foram sempre pagos pela R., na expectativa de que os volume de vendas e o resultado anual fossem superados pela A., o que oportunamente seria objeto de acerto de contas com a sua entidade patronal” “como também a R. não está obrigada a restituir os valores indevidamente descontados no vencimento da A. desde abril de 2016 a julho de 2020, por se tratar de valores correspondentes a comissões que a A. não tem direito a auferir e a reclamar por incumprimento de objetivo comercial” (sic); que por adenda ao contrato de trabalho outorgado em outubro de 2004, a R. entregou à A. o veículo marca Opel com a matrícula ..-..-ZA com a obrigação da A. efetuar o pagamento da quantia de 15.210,00 euros, a liquidar em 72 prestações mensais de 210,00 euros, o que posteriormente foi retificado por nova adenda ao contrato de trabalho outorgada em 14 de janeiro de 2005, conforme consta dos autos na qual alteraram o montante da quantia em divida para 10.584,00 euros, a liquidar em 72 prestações mensais de 147,00 euros, quantia que efetivamente foi paga pela A. até Janeiro de 2011, pelo que, desde essa data o veículo com a matrícula ..-..-ZA é, de facto, propriedade da A. pese embora tenha continuado a ser descontada do salário da A. a quantia de 147,00 euros, indevidamente, o que se aceita; que no entanto, após o pagamento das responsabilidades inerentes ao veículo supra identificado de acordo com o estabelecido na adenda e retificação da mesma contrato, desde janeiro de 2011 que a R. continuou a pagar as quantias referentes ao imposto de único de circulação com o que despendeu a quantia global de 317,94 € bem como o seguro de responsabilidade civil automóvel com o que despendeu a quantia global de 2.777,62 euros, o que perfaz a quantia global de 3.095,56 euros, referente a responsabilidades assumidas pela R. que deveriam ser liquidadas pela A. pelo que, a R. é credora da A. na quantia de 3.095,56 euros, quantia que a R. pretende ver compensada ou deduzida ao crédito de 9.261 euros que a A. reclama relativa ao veículo ..-..-ZA e por via disso, a R. considera ser devedora apenas da quantia de €6.165,44 € no que ao veículo diz respeito.
Deduziu ainda a Ré reconvenção invocando que de Janeiro de 2005 a Março de 2016 a R. reconvinte efetuou o pagamento mensal da quantia de €890,41 a título de adiantamento por conta de comissões num total de €119.314,94 e no período de abril de 2016 a Outubro de 2020 a R. reconvinte pagou á A. reconvinda a quantia mensal de €743,11 a título de adiantamento por conta de comissões num total de €31.210,62, pagamentos que a R. reconvinte considera ter efetuado indevidamente a favor da A. reconvinda, que perfazem o valor de €150.525,56, quantia de que a R. se considera credora em virtude de lhe ter entregue quantias a que contratualmente não estava obrigada em virtude da A. reconvinda não cumprir com os objetivos comerciais definidos no contrato de trabalho “e por via disso não lhe assiste qualquer direito a receber as quantias que foi recebendo de janeiro de 2005 a outubro de 2020” (sic) pelo que se constituiu a A. reconvinda na obrigação de restituir à R. reconvinte a quantia de €150.525,56, quantia de que a R. reconvinda pretende ver-se ressarcida, o que reclama por esta via de reconvenção, devendo o crédito da A. reconvinda ser deduzido por via de compensação, concluindo pela improcedência da presente ação, por não provada, e pela procedência da exceção de compensação e da reconvenção, por provada, e em consequência pela condenação da A. reconvinda a pagar à R. reconvinte a quantia de €150.525,56, a compensar com os pedidos formulados pela A. nos autos.
A Autora respondeu à contestação, pugnando pela improcedência das exceções invocadas e do pedido reconvencional deduzido, concluindo como na P.I. e peticionando a condenação da Ré como litigante de má fé multa, requerendo ainda o reembolso das despesas em que fez incorrer a Autora e os honorários dos seus mandatários nos termos do disposto nos artigos 542º e 543º ambos do CPC.
Para tanto invocou a Autora em síntese, que durante quinze anos a Ré manteve na sua propriedade o veículo que a Autora em 2011 já tinha integramente pago, mas de que a Ré nunca lhe transmitiu a propriedade, sendo que só a Ré podia contratar o seguro de responsabilidade civil automóvel, nunca tendo a Ré durante todos esses anos atualizado o valor comercial do veículo em questão com a matrícula ..-..-ZA, o que teria consequências no valor do seguro a pagar anualmente, além de que, a Autora, tendo a viatura mais de 16 anos, nunca contrataria um seguro com um prémio tão elevado; que o pedido de compensação deduzido pela Ré pelo pagamento do imposto de circulação e de seguro de responsabilidade civil automóvel, assenta em factos que extravasam a relação laboral e fora do âmbito de competência material deste Tribunal, pelo que não se encontram preenchidos os pressupostos legais, previstos no artigo 30.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, considerando não ser processualmente admissível o pedido de compensação/reconvenção apresentado pela Ré, pois refere não existir conexão objetiva entre os pedidos da Autora e os pedidos da Ré; que a autora não é sócia da Ré nem exerce cargo de decisão, pelo que nunca poderia controlar os custos com publicidade, limpeza, pessoal etc. sendo inadmissível que as “eventuais” comissões fossem aferidas por tais critérios; que não explica a Ré de que modo foram calculados os custos e as eventuais comissões, após 2017, altura em que a Autora passou a trabalhar apenas na loja on-line e atualmente a Ré já não labora no estabelecimento comercial sito na Av. ... em Matosinhos pelo que os custos provavelmente, serão também diferentes dos previstos no doc 1 junto pela Ré; que durante quinze anos nenhum mapa de apuramento de comissões foi entregue à Autora, nenhum documento foi entregue à Autora para validação das “eventuais” comissões, nenhum valor foi dado a conhecer à Autora acerca dos resultados líquidos anuais e de vendas, e de despesas da Ré, nenhum informação foi dada à Autora acerca da altura em que seriam acertadas as eventuais comissões (mensal, trimestral, semestral ou anualmente), nenhum acerto de eventuais comissões foi feito, nenhum contacto foi estabelecido com a Autora no sentido de a informar que estaria a receber indevidamente comissões; que só com a instauração da presente ação é que a Ré, na sua versão, que se impugna, se deu conta que durante mais de quinze anos pagou à Autora “alegadamente” valores que não seriam devidos; que a Autora nunca recebeu adiantamento de comissões, os valores lançados no seu salário com a menção de “comissões” não correspondem a comissões, a prestação satisfeita foi sempre a mesma, não havendo qualquer relação ou dependência entre a sua denominação e o desempenho ou mérito profissionais da Autora, pois sempre fizeram parte integrante do seu salário; que as quantias pagas pela Ré à Autora, a que chama indevidamente de “comissões”, nunca dependeram dos resultados ou vendas, sempre foram pagas com carácter regular e periódico, todos os meses, no mesmo valor e após Abril de 2016, o salário da Autora foi reduzido em 147,00€ por mês; que a Ré reduz, sem razão, o salário da Autora em 147,00€ mensais pelo que, na sua versão, que não se aceita, pelo menos, desde 2016 o ”eventual” acerto de comissões terá sido efetuado e consequentemente “descontado” do salário da Autora sem o seu conhecimento - o que não é permitido por lei; que o artigo 848º do Código Civil, prevê que a compensação seja feita por meio de declaração de uma das partes à outra, mas nunca a Ré comunicou à Autora qualquer “alegada compensação” por “alegadas comissões” que tivesse recebido; que pelo exposto, o montante pago à Autora, a que a Ré indevidamente e unilateralmente chama de “comissões”, integra efetivamente o conceito de retribuição da Autora, contando esta com o seu recebimento integral, não variável, para fazer face ao seu sustento como contrapartida do trabalho por si executado e como corolário do princípio da boa-fé contratual; que a Ré relativamente ao mês de Novembro de 2020 pagou à Autora o valor ilíquido de 1.239,13€; que a Autora nada deve à Ré pelo que não pode esta pretender operar uma qualquer compensação ou pedido reconvencional contra aquela, por não ser devido; que a Ré vem agora com uma encapotada alegação de que os valores pagos regular e periodicamente à Autora durante mais de quinze anos, são valores que, na sua versão, foram pagos indevidamente por conta de comissões, alegadas comissões que nunca foram apuradas nem comunicadas à Autora e que esta não aceita; que a Ré faz do processo um uso manifestamente reprovável, bem sabendo que os factos, tal como os apresenta, não correspondem à verdade, deturpa a realidade, visando assim obter um objetivo ilegítimo e sem causa, sem fundamento e/ou nexo de causalidade, pelo que nos termos do disposto no artigo 542º do Código de Processo Civil, litigando, pois, de má fé, considerando que a Ré deve ser condenada como litigante de má-fé numa indemnização que contemple o reembolso das despesas a que tenha obrigado a Autora, incluindo os honorários dos seus mandatários.

A ação prosseguiu os seus termos, tendo sido proferido despacho saneador tabelar, tendo admitido liminarmente a reconvenção deduzida pela Ré, fixou à causa o valor de €201.198,05 e foi dispensada a realização de audiência prévia e a fixação dos temas da prova, (fls. 87).

Seguidamente, realizou-se o julgamento.
Em 14.11.2021, o Mmº Juiz a quo proferiu sentença, a qual terminou com o seguinte dispositivo:
- “Pelo exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações:
I-julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência condeno a Ré:
a) a pagar à Autora a quantia de €9.261,00, a título de encargos indevidamente descontados à Autora, desde 01.01.2011 até ao mês de Abril de 2016, no valor mensal de €147, durante cinco anos e três meses, acrescida dos juros vencidos calculados à taxa legal, perfazendo à data da citação (22.10.2020) o montante total de €2.647,53 e ainda acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação (22.10.2020) até integral pagamento;
b) a pagar à Autora a quantia de €12.465,74 (doze mil quatrocentos e sessenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos), correspondente à diferença dos valores que deveriam ter sido pagos e dos que efetivamente foram pagos a título de subsídio de férias desde o ano de 2005 até 2019, acrescida dos juros vencidos calculados à taxa legal, perfazendo à data da citação (22.10.2020) o montante total de €4.483,78 e ainda acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação (22.10.2020) até integral pagamento;
c) a pagar à Autora a quantia de €7.644,00 (sete mil seiscentos e quarenta e quatro euros), indevidamente descontada no vencimento da Autora (a título de valores, “adiantamento de comissões), no montante mensal de €147,00, desde Abril de 2016 até Julho de 2020, acrescida dos juros vencidos calculados à taxa legal, perfazendo à data da citação (22.10.2020) o montante total de €744,03 e ainda acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação (22.10.2020) até integral pagamento;
d) a entregar à Autora a declaração de compra e venda do veículo da marca Opel, modelo ..., com a matrícula ..-..-ZA;
e) Absolvo a Ré do demais contra si peticionado pela Autora na presente ação;

II- julgo a reconvenção totalmente improcedente por não provada e em consequência absolvo a Autora reconvinda da totalidade do pedido reconvencional contra si deduzido na presente causa.
*
As custas da ação são suportadas pela A. e pela R., na proporção do respetivo decaimento, respetivamente de 26,50% (quanto à A.) e de 73,50% (quanto à R.), nos termos do artigo 527º do Código de Processo Civil.
*
As custas da reconvenção são totalmente suportadas pela R. reconvinte, nos termos do artigo 527º do Código de Processo Civil.
*
Não se anota qualquer litigância de má fé da Ré na presente causa.
*
Registe e notifique.”

1.2. A Autora, inconformada, interpôs recurso desta decisão, defendendo a revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões:
‘A- A Recorrente não se conforma PARCIALMENTE com a Douta sentença de fls. , proferida pelo Tribunal “a quo” que julgou a ação parcialmente procedente por parcialmente provada, porquanto, é seu entendimento ter havido errada interpretação da prova produzida em julgamento e por isso recorre também quanto à matéria de facto que foi considerada como provada e não provada, tendo por isso o presente recurso como objeto, além de outros fundamentos, a reapreciação de toda a prova, nomeadamente os depoimentos das testemunhas prestados em julgamento e que foram gravados.
B- A Recorrente intentou a presente ação pedindo a condenação da sua entidade patronal a pagar-lhe: a quantia de €9.261,00 (nove mil e duzentos e sessenta e um euros) a título de encargos indevidamente descontados à Autora, desde 01.01.2011 até ao mês de Abril de 2016, no valor mensal de €147,00, durante cinco anos e três meses, a quantia de €24.931,49 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e um euros e quarenta e nove cêntimos) correspondente à diferença dos valores que deveriam ter sido pagos e dos que efetivamente foram pagos (€1.559,91-€669,50=€890,41) a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal desde o ano de 2005 até 2019– €890,41x2 (subsídio de férias e de Natal) x14 (anos), a quantia de €7.644,00 (sete mil seiscentos e quarenta e quatro euros) indevidamente descontada no vencimento da Autora (a título de valores, “comissões”), no montante mensal de 147,00€, desde Abril de 2016 até Julho de 2020,a entrega da declaração de compra e venda do veículo da marca Opel, modelo ... com a matrícula ..-..-ZA,os juros de mora calculados à taxa legal, perfazendo um total de 6.836,00€ (seis mil oitocentos e trinta e seis euros),Acrescido dos juros vincendos desde a data da citação até integral pagamento, custas e demais encargos legais, Ser a Ré obrigada doravante a emitir os recibos de vencimento da Autora, considerando as quantias pagas sob as rubricas “vencimento” e “adiantamento de comissões” como uma só, a título de vencimento.
C- A recorrente é funcionária da Recorrida desde 2004, mediante contrato de trabalho e a retribuição mensal de €1.559,90 (no recibo vem mencionado €669,50 a título de vencimento e €890,41 a título de adiantamento de comissões), tendo sido convencionado que a Recorrida adquiria um automóvel com a finalidade de o mesmo ser pago pela Recorrente em prestações mensais de €147,00, e descontadas no seu vencimento, durante 72 (setenta e duas) prestações mensais, com início a 1 de Janeiro de 2005 e fim a 1 de Janeiro de 2011, o que aconteceu.
D- Após o pagamento integral da viatura a recorrida continuou a descontar à recorrente do seu salário a quantia de €147,00 até ao mês de Abril de 2016, sem que até à data da sentença tivesse devolvido tal quantia.
E- Do depoimento da testemunha BB retira-se que a mesma envia os recibos para serem processados pela contabilidade da Recorrida mas quem dá ordens para alterar recibos é a gerência, e que quando deram conta que estavam a retirar indevidamente 147,00 à recorrente, nada fizerem, não devolveram o dinheiro e não sabe como se calculam as eventuais e alegadas comissões da Recorrente.
F- A retribuição da Recorrente não contemplava qualquer valor a título de comissões, estas nunca existiram, pois apesar da nomenclatura usada pela Recorrida, a prestação satisfeita foi sempre a mesma, não havendo qualquer relação ou dependência entre a sua denominação e o desempenho ou mérito profissionais da Recorrente, pois as quantias pagas nunca dependeram de qualquer fator, sempre foram pagas com carácter regular e periódico, todos os meses, no mesmo valor, com a exceção desde Abril de 2016, data em que o alegado valor de “comissões” foi indevidamente reduzido; sendo apelidadas indevidamente de adiantamento de comissões, pois integram efetivamente o conceito de retribuição da Recorrente,
G – Aliás das declarações de parte do sócio gerente da Recorrida resulta que não soube explicar porque é que o ordenado da Recorrente era inferior ao valor fixo das comissões, nem sabia como se calculavam as eventuais comissões, e porque não existiam, a Recorrida deveria ser compelida a emitir os recibos de vencimento da Recorrente, considerando a quantia única a título de vencimento no valor de €1.559,91.
H – do depoimento das testemunhas CC e DD nenhum soube explicar em que consistiam e como se calculavam as eventuais comissões da Recorrente.
I- Não existindo comissões, o subsídio de Natal, deveria ter sido pago pelo valor total do vencimento, no valor de €1.559,91 (mil quinhentos e cinquenta e nove euros e noventa e um cêntimos), CADA, mas desde o ano de 2005 até ao ano de 2019 (14 anos), a Recorrida apenas pagou o valor de €669,50 e a Douta sentença de que se recorre entendeu não ser devido o pagamento de tal valor, isto é, €890,41x14anos, no valor de 12.465,75€ desde 2005 a 2019, acrescida de juros de mora no valor de 6.980,81€.
J- Só após a sentença, a Recorrida enviou declaração/requerimento de compra e venda do veículo automóvel (apesar de já se encontrar paga desde Janeiro de 2011)
K- Face à improcedência total do pedido reconvencional da Recorrida, a Recorrente solicitou a sua condenação como litigante de má fé, em multa, requerendo ainda o reembolso das despesas em que fez incorrer a Autora e os honorários dos seus mandatários nos termos do disposto nos artigos 542º e 543º ambos do CPC.
L - Durante quinze anos não houve qualquer valor, informação ou fator comunicado à Recorrente no sentido de a informar que estaria a receber indevidamente comissões; tendo a Recorrida feito do processo um uso manifestamente reprovável, bem sabendo que os factos, tal como os apresenta, não correspondem à verdade, deturpa a realidade, visando assim obter um objetivo ilegítimo e sem causa, sem fundamento e/ou nexo de causalidade, pelo que nos termos do disposto no artigo 542º do Código de Processo Civil, litigando, pois, de má fé.
M- Como demonstram os recibos desde 2005, apesar da nomenclatura “Adiantamento de Comissões” usada pela Recorrida nos recibos de vencimento da Recorrente, a prestação mensal satisfeita no valor de €890,41 foi sempre a mesma desde mês de Janeiro de 2005 até ao mês de Março de 2016 e a prestação mensal satisfeita no valor de €743,11 foi sempre a mesma desde Abril de 2016 até Março de 2021, não tendo a Recorrida feito qualquer prova de que a Recorrente tenha sido admitida para exercer as funções de gerente comercial mediante a retribuição ilíquida de €650,00, nem de que iria auferir comissões, dependendo das vendas, deduzidos os custos com renda, administração publicidade, pessoal, telefones, transportes, água, luz, limpeza, etc.
N- A Recorrida não provou (art.º 350.º, n.º 2 do Código Civil) que os valores pagos à Recorrente não tinha carácter retributivo e nessa medida quer para efeitos de subsídios de férias e de Natal, quer para efeitos de benefícios futuros da Recorrente deve o recibo conter apenas a descrição de ordenado no valor de €1.559,91, suprimindo-se a parte que se refere a adiantamento de comissões por não corresponder à verdade dos factos.
O- Resulta do depoimento de todas as testemunhas e das declarações de parte do gerente da Recorrida, conjugado com os documentos juntos (recibos de vencimento), e com o facto de ninguém saber explicar como se calculariam as eventuais comissões, que durante 15 anos nunca foram abordadas ou acertadas, e mesmo tendo o Tribunal “a quo” assim considerado, não condenou a Recorrida a pagar os valores restantes dos subsídios de Natal em falta à Recorrente, pelo que a Douta Sentença aqui recorrida não fez uma correta aplicação dos factos dados como provados, pois considerando que as quantias pagas denominadas de “adiantamento de comissões” passaram a integrar a retribuição mensal da Recorrente, então esse complemento salarial deveria ter integrado a retribuição relativa ao subsídio de Natal nos anos de 2005 a 2019.
P – Considerou o Douto Tribunal “a quo” que não existiu litigância de má-fé por parte da Recorrida, nem abuso de direito:
“Além disso, previne o legislador que o não pagamento pontual da retribuição na forma devida, para além de fazer constituir em mora a entidade empregadora, o que a obriga a indemnizar (art.323º, nº2, do CT e art. 806.º do CC), confere ao trabalhador a faculdade de suspender o contrato de trabalho, (artº323º, nº3, 1ª parte e artº325º, ambos do CT) e consubstancia justa causa para o trabalhador resolver o contrato de trabalho, nos termos do artº394º, nºs 1, 2, al.a), 3, al.c) e 5 do CT, (cfr. ainda art.323, nº3, 2ª parte, do CT), prevendo mesmo o CT a prática de um crime a esse propósito nos termos previstos no nº3 do artigo324º do CT. Mas acima de tudo, o que aqui mais nos importa considerar, o legislador proíbe à entidade patronal diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos no CT ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, (artigo 129º, nº1, al.d) do CT). Em Abril de 2016, e sem o consentimento ou informação à Autora, a Ré começou a deduzir sem qualquer explicação, o montante de €147,00 (cento e quarenta e sete euros), do valor de €890,41 (oitocentos e noventa euros e quarenta e um cêntimos) que a título de «adiantamento de comissões», sempre foi pago todos os meses à Autora desde o mês de Janeiro de 2005 até ao mês de Março de 2016, abatendo o aludido montante de €147,00 àquele valor de €890,41, passando a pagar a partir de Abril de 2016 a título de «adiantamento de comissões», o remanescente no valor de €743,11 (= €890,41 – 147,00), Para além de ter descontado os valores da prestação do veículo automóvel (quando este já estava integralmente liquidado), a Ré reduziu o valor da retribuição mensal, no valor pago mensalmente a título de «adiantamento de comissões», no exacto montante de €147,00 (cento e quarenta e sete euros), ...”
Q- mais referindo: “Com efeito, a aludida diminuição da remuneração da autora assim efetuada pela Ré é ilícita e ilegal, para além de enfermar, conforme também já referimos, de nulidade.(sublinhado nosso).Com efeito, inexiste qualquer justificação e fundamento contratual ou legal (como vimos) para a decisão unilateral da Ré de, a partir de Abril de 2016 ter reduzido em €147 a componente retributiva denominada de “adiantamento de comissões” que desde Janeiro de 2005 vinha sendo pago à Autora no montante de €890,41.Resulta, assim, manifesta a ilegalidade da redução efetuada na retribuição da autora a partir de Abril de 2016 (inclusive), que violou o princípio da irredutibilidade da retribuição, impondo-se julgar, com este fundamento, procedente a presente ação na parte em que a autora peticiona a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €7.644,00 (sete mil seiscentos e quarenta e quatro euros) indevidamente descontada no vencimento da Autora (a título de “adiantamento de comissões”), no montante mensal de 147,00€, desde Abril de 2016 até Julho de 2020. Por outro lado, os direitos devem ser exercidos de acordo com o fim social e económico para que a lei os concebeu. Se forem exercidos para fins diferentes daqueles para que a lei os consagrou, ainda que tal exercício seja útil ao seu autor, poderá haver abuso de direito, se tal exercício ofender claramente a consciência social dominante.
R- Ora o exercício de um direito tal como configurado pela Recorrida é abusivo, excedeu manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé e pelo direito, pois como provado as reduções inexplicáveis do salário da Recorrente, enfermam de nulidade, por violarem a norma imperativa da al. d) do nº1 do artº129º do CT2009, sendo uma prática reiterada, tendo a Recorrida alegado em sede de reconvenção factos que bem sabia não serem verdadeiros, factos que colidiam com a sua conduta ao longo dos últimos quinze anos, pretendendo iludir o Tribunal, denegrir a imagem da Recorrente e impedir a descoberta da verdade. E verificando-se que existiu abuso de direito por parte da Recorrida e litigância de má-fé, deveria a mesma ter sido condenada como peticionado, em valor correspondente ao das taxas de justiça e na totalidade dos honorários do mandatário, baseado em 100% dos valores pagos pelas partes a título de taxas de justiça, independentemente das custas de parte, isto é 714,00x4+204,00 num total de 3.060,00€, e com a conjugação de todas estas provas, tais factos deveriam ter sido dados como Provados e a Recorrida condenada.
S - O Tribunal “a quo” considerou as quantias pagas sob as rubricas “vencimento” e “adiantamento de comissões” como uma só a título de vencimento, mas não condenou a Recorrida a executar tal facto, o que a prejudica, nomeadamente, quer em termos de apoios sociais, quer aquando da sua reforma, quer em caso de doença. Note-se que após a publicação da sentença, no mês de Dezembro de 2021, a Recorrida apenas pagou à recorrente o valor de 850,00€ a título de ordenado. (conforme documento nº 1 que junta).
T - A pretensão da Recorrente analisada à luz dos artigos 129º nº1 alínea d), 258º, 276º, 278º, 323º, 325º, 394º todos do Código do Trabalho; artigos 334º, 344º, 805º do Código Civil e artigo 524 do Código de Processo Civil, pelo supra exposto, por via dos depoimentos das testemunhas, dos documentos apreciados, resultaria a procedência total da ação, o que não aconteceu por erro de interpretação do Douto Tribunal “a quo” porquanto, no modesto entender da Recorrente, a Douta sentença de que se recorre violou o disposto nos artigos 607º, nºs 3, 4 e 5º, do Código de Processo Civil e artigo 799º do Código Civil.
Termos pelos quais, nos mais de Direito Doutamente supridos por Vossa Excelência e nos do disposto nos artigos 524º e 607º, nºs 3, 4 e 5º, do Código de Processo Civil, artigo 799º do Código Civil, 129º nº1 alínea d), 258º, 276º, 278º, 323º, 325º, 394º todos do Código do Trabalho; artigos 334º, 344º 3 805 nº2 do Código Civil, deve ser dado provimento ao presente recurso, e consequentemente ser revogada a “Douta Sentença” proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, de que se recorre, decretando-se a procedência da ação, na parte de que se recorre, com as legais consequências.’

1.3. A apresentou contra-alegações que finalizou da seguinte forma:
‘Em conclusão diremos que, ao contrário do pretendido pela Recorrente, as comissões não são modo específico de prestar o trabalho, mas, outrossim, modo específico de o retribuir, o que não é a mesma coisa.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado improcedente o recurso, mantendo-se a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, com o que se fará Justiça.’

O recurso foi admitido por despacho de fls. 158.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência da apelação.

A s partes, ouvidas, não se pronunciaram quanto ao douto parecer do Ministério Público.

Foi cumprido o disposto na primeira parte do nº2 do artigo 657º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06., aplicável “ex vi” artigo 87º, nº1, do Código de Processo do Trabalho.

2. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2.1. Na 1ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
‘Discutida a causa, resultou provada a seguinte factualidade (alinhada de forma lógica e cronológica):
1. A Autora foi admitida pela Ré, em 24 de Agosto de 2004 por contrato de trabalho sem termo, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de gerente comercial, sob a direção e fiscalização da Ré, sendo o período normal de trabalho diário de 8 (oito) horas, (cfr. artº1º da P.I.).
2. Mediante a retribuição mensal de €1.559,90 (mil quinhentos e cinquenta e nove euros e noventa cêntimos), sendo que no recibo da Autora o valor acordado entre as partes vinha descrito como sendo €669,50 (seiscentos e sessenta e nove euros e cinquenta cêntimos) a titulo de vencimento e o valor de €890,41 (oitocentos e noventa euros e quarenta e um cêntimos) a título de «adiantamento de comissões», (cfr. artº2º da P.I.).
2-A - No contrato de trabalho celebrado entre as aqui partes, datado de 24 de Agosto de 2004, consta que o segundo outorgante exercerá as suas funções nas instalações do 1º outorgante:
‘4º
Mediante a retribuição mensal ilíquida de €650,00 (seiscentos e cinquenta euros), a que acresce subsídio de alimentação.

A título de isenção de horário será pago o valor ilíquido de €175,00 (cento e setenta e cinco euros).

1- Ao 2º outorgante serão pagas comissões:
Desde que deduzidos os custos conforme tabela anexa (que fica desde já a fazer parte integrante do presente contrato9) e se verifiquei os aumentos de faturação aí previstos,
a) De 0,2% sob todas as vendas efetuadas no estabelecimento comercial
b) B) 10% nos resultados líquidos do estabelecimento comercial
Custos a deduzir
2-
a) Renda- sendo que nos primeiros 12 meses será imputado a título de custo de renda mensal cerca de €2.000,00, sendo atualizada para €3.000,00 nos 12 meses seguintes e sucessivamente.
b) Administrtação – 5% mensais dos custos de Administração, existindo um período de carência de 12 meses.
c) Publicidade – 2% mensais de publicidade, existindo um período de carência de 12 meses.
d) Pessoal
e) telefones
f) -Transportes
g) luz e água
h) limpeza
i) Outros
3- Vendas
a) Crescimento de 10%
b) Crescimento de 15%’

3. A A. auferia ainda a quantia mensal de €180,00 a título de subsídio de isenção de horário, (cfr. artº 5º da Contestação com reconvenção).
4. De Setembro de 2004 até 2017 a A. exerceu as suas funções no estabelecimento da Ré sito na Avenida ..., nº .... em Matosinhos, tendo em 2017 a Autora passou a trabalhar apenas na loja on-line e atualmente a Ré já não labora no estabelecimento comercial sito sito na Avenida ..., nº .... em Matosinhos, (cfr. artº4º da Contestação com reconvenção e cfr. artº14º da Resposta).
5. De modo a assegurar a mobilidade da Autora no desempenho das suas funções, a Ré adquiriu e entregou à A. um automóvel da marca Opel, modelo ..., matrícula ..-..-ZA com a finalidade de o mesmo ser pago pela Autora em prestações e a final, ser-lhe entregue a propriedade do mesmo, (artº 3º da P.I. e cfr. artº 16º da Contestação com reconvenção).
6. A referida viatura automóvel, para uso da Autora no exercício das suas funções, foi adquirida pela Ré, (artº 19º da P.I.).
7. O valor da aquisição foi de €10.584,00 (dez mil quinhentos e oitenta e quatro euros), sendo descontado, por acordo escrito entre a Ré e a Autora, a quantia mensal de €147,00 (cento e quarenta e sete euros), correspondente à prestação do referido automóvel, (artº 4º da P.I.).
8. O pagamento seria feito em 72 (setenta e duas) prestações mensais com início a 1 de Janeiro de 2005 e fim a 1 de Janeiro de 2011, tendo a Autora cumprido com o pagamento, até porque o mesmo era descontado diretamente do seu salário, (cfr. artº 5º da P.I. e artº20º da Contestação com reconvenção).
9. Porém, a Ré continuou a descontar indevidamente à Autora a quantia de €147,00 mensais do seu vencimento, até ao mês de Abril de 2016, apesar de o referido automóvel já se encontrar pago desde 01.01.2011, não tendo assim qualquer justificação para tal, (artº 6º da P.I.).
10. Pelo que, após o término do pagamento da última prestação (01.01.2011) até ao mês de Abril de 2016, a Ré descontou do vencimento da Autora o valor mensal de €147,00 (cento e quarenta e sete euros), durante cinco anos e três meses, perfazendo um total de €9.261,00 (nove mil, duzentos e sessenta e um euros) – €147x12x5 + €147x3, (cfr. artº 7º da P.I.).
11. No artº 22º da Contestação com reconvenção a Ré aceita que “tenha continuado a ser descontada do salário da A. a quantia de 147,00 euros indevidamente”, (cfr. artº22º da Contestação com reconvenção).
12. A Autora suportou o custo inerente à compra da referida viatura, bem como a manutenção da mesma e a Ré o valor do seguro e do imposto único de circulação, (artº20º da P.I.).
13. Desde janeiro de 2011 que a R. continuou a pagar as quantias referentes ao imposto de único de circulação com o que despendeu a quantia global de 317,94€, (cfr. artº23º da Contestação com reconvenção).
14. Bem como o seguro de responsabilidade civil automóvel com o que despendeu a quantia global de 2.777,62 euros, (artº24º da Contestação com reconvenção).
15. A referida viatura já se encontra paga desde Janeiro de 2011, pela Autora, mas, apesar de interpelada, a Ré mantém a propriedade do automóvel, sendo a Autora quem sempre manteve o veículo na sua posse, (artº21º da P.I.).
16. No artº28º da Contestação com reconvenção a R. admite que “é devedora da quantia 6.165,44 euros, no que ao veículo diz respeito”, (cfr. artº28º da Contestação com reconvenção).
17. De janeiro de 2005 a março de 2016, a R./reconvinte efetuou o pagamento mensal da quantia de 890,41 euros, a título de adiantamento por conta de comissões conforme consta dos recibos, o que totaliza a quantia de 119.314,94 euros (134 meses x 890,41euros=119.314,94), (artº38º da Contestação com reconvenção).
18. Em Abril de 2016, e sem o consentimento ou informação à Autora, a Ré começou a deduzir sem qualquer explicação, o montante de €147,00 (cento e quarenta e sete euros), do valor de €890,41 (oitocentos e noventa euros e quarenta e um cêntimos) que a título de «adiantamento de comissões», sempre foi pago todos os meses à Autora desde o mês de Janeiro de 2005 até ao mês de Março de 2016, abatendo o aludido montante de €147,00 àquele valor de €890,41, passando a pagar a partir de Abril de 2016 a título de «adiantamento de comissões», o remanescente no valor de €743,11 (= €890,41 – 147,00), (cfr. artº 8º da P.I.).
19. Para além de ter descontado os valores da prestação do veículo automóvel (quando este já estava integralmente liquidado), a Ré reduziu o valor da retribuição mensal, no valor pago mensalmente a título de «adiantamento de comissões», no exacto montante de €147,00 (cento e quarenta e sete euros), (cfr. artº 9º da P.I.).
20. A referida redução do salário da Autora, desde Abril de 2016 até Julho de 2020 perfaz um total de €7.644,00 (sete mil seiscentos e quarenta e quatro euros), (cfr. artº 10º da P.I.).
21. A Autora não era comercial, nem nunca enviou relatório de vendas, (cfr. artº11º da P.I.).
22. Como demonstram os vários recibos desde 2005, apesar da nomenclatura “Adiantamento de Comissões” usada pela Ré nos recibos de vencimento da Autora, a prestação mensal satisfeita no valor de €890,41 foi sempre a mesma desde mês de Janeiro de 2005 até ao mês de Março de 2016 e a prestação mensal satisfeita no valor de €743,11 foi sempre a mesma desde Abril de 2016 até Março de 2021, (cfr. artº12º da P.I.).
23. No período de abril de 2016 a outubro de 2020, a R./reconvinte pagou à A./reconvinda a quantia mensal de 743,11 euros, a título de adiantamento por conta de comissões conforme consta dos recibos, o que totaliza a quantia de 31.210,62 euros. (42 meses x 743,11euros=31.210,62), (artº 39º da Contestação com reconvenção).
24. Desde o ano de 2005 até ao ano de 2019 (14 anos), aquando do pagamento do subsídio de férias e subsídio de Natal a Ré apenas pagou €669,50, (cfr. artº16º da P.I.).
25. A relação laboral entre Autora e Ré ainda se mantém, (cfr. artº22º da P.I.).
26. Durante quinze anos:
- nenhum mapa de apuramento de comissões foi entregue à Autora;
- nenhum documento foi entregue à Autora para validação das “eventuais” comissões; - nenhum valor foi dado a conhecer à Autora acerca dos resultados líquidos anuais e de vendas, e de despesas da Ré;
- nenhuma informação foi dada à Autora acerca da altura em que seriam acertadas as eventuais comissões (mensal, trimestral, semestral ou anualmente);
- nenhum acerto de eventuais comissões foi feito;
- nenhum contacto foi estabelecido com a Autora no sentido de a informar que estaria a receber indevidamente comissões, (artº15º da Resposta).
*
Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos anteriormente referidos, designadamente que :
- a Autora apenas tenha sido admitida pela Ré no mês de Outubro de 2004, (cfr. artº1º da P.I.);
- nunca tenha sido acordado o recebimento de comissões, nem qual a eventual percentagem a receber, (cfr. artº11º da P.I.);
- a A. tenha sido admitida ao serviço da R. por contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de 6 meses, (cfr. artº3º da Contestação com reconvenção);
- a A. tenha sido admitida para exercer as funções de gerente comercial mediante a retribuição ilíquida de €650,00, (cfr. artº4º da Contestação com reconvenção);
- a A. estivesse sujeita ao regime de isenção de horário de trabalho, (cfr. artº5º da Contestação com reconvenção);
- a A. auferisse apenas a quantia mensal de €175, a título de subsídio de isenção de horário de trabalho, (cfr. artº5º da Contestação com reconvenção);
- a A. tenha auferido quaisquer comissões, deduzidos os custos com renda, administração publicidade, pessoal, telefones, transportes, água, luz, limpeza e verificados aumentos de faturação, (cfr. artº6º da Contestação com reconvenção);
- as comissões fossem de 0,2% sob todas as vendas efetuadas no estabelecimento e de 10% no resultado anual líquido do estabelecimento comercial, , (cfr. artº7º da Contestação com reconvenção);
- o volume de vendas do estabelecimento tenha alguma vez atingido o valor anual de 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), (cfr. artº 8º da Contestação com reconvenção);
- o volume de vendas do estabelecimento tenha alguma vez atingido o valor de 150.000,00 euros no mês de Outubro, (cfr. artº 8º da Contestação com reconvenção);
- o volume de vendas do estabelecimento tenha alguma vez atingido o valor de 150.000,00 euros no mês de Novembro, (cfr. artº 8º da Contestação com reconvenção);
- o volume de vendas do estabelecimento tenha alguma vez atingido o valor de 150.000,00 euros no mês de Dezembro, (cfr. artº 8º da Contestação com reconvenção);
- o volume de vendas do estabelecimento tenha alguma vez atingido o valor de 105.000,00 euros nos meses de Janeiro a junho, (cfr. artº 8º da Contestação com reconvenção);
- o volume de vendas do estabelecimento tenha alguma vez atingido o valor de 140.000,00 euros no mês de Julho, (cfr. artº 8º da Contestação com reconvenção);
- o volume de vendas do estabelecimento tenha alguma vez atingido o valor de 140.000,00 euros no mês de Agosto, (cfr. artº 8º da Contestação com reconvenção);
- o volume de vendas do estabelecimento tenha alguma vez atingido o valor de 140.000,00 euros no mês de Setembro, (cfr. artº 8º da Contestação com reconvenção);
- a A. nunca tenha conseguido cumprir com os objetivos comercias definidos no contrato de trabalho, (cfr. artº11º da Contestação com reconvenção);
- os adiantamentos de comissões tenham sido sempre pagas à A. pela R. na expetativa de que os volume de vendas e o resultado anual fossem superados pela A., o que oportunamente seria objeto de acerto de contas com a sua entidade patronal, (cfr. artº13º da Contestação com reconvenção);
- os valores indevidamente descontados pela R. no vencimento da A. desde abril de 2016 a julho de 2020 se tratem de valores correspondentes a comissões, (cfr. artº14º da Contestação com reconvenção);
- desde Janeiro de 2011 o veículo com a matrícula ..-..-ZA seja propriedade da A., (cfr. artº14º da Contestação com reconvenção);
- desde o início do contrato de trabalho em agosto de 2004, a A./reconvinda não tenha conseguido atingir o volume de vendas que lhe foi proposto e que lhe permitiria auferir as comissões que se encontram estabelecidas contratualmente, (cfr. artº35º da Contestação com reconvenção);
- desde agosto de 2004 (abertura do estabelecimento) a 31 de outubro de 2020, os volumes de vendas anuais tenham sido em 2004 €256 293,07, em 2005, €1 032 404,00 -302,82%, em 2006, € 931 551,95 -9,77%, em 2007 €827 199,48 -11,20%, em 2008, €744 835,12 -9,96%, em 2009, €723 411,68 -2,88%, em 2010, €773 656,79 6,95%, em 2011, €544 183,42 -29,66%, em 2012, € 402 090,99 -26,11%, em 2013, €325 123,08 -19,14%, em 2014, €318 476,03 -2,04%, em 2015, €306 061,49 -3,90%, em 2016, €404 065,17 32,02%, em 2017, €464 188,15 14,88%, em 2018, €420 803,90 -9,35%, em 2019, € 366 846,77 -12,82% e em 2020, €172 374,86, (cfr. artº36º da Contestação com reconvenção);
- a A./reconvinda nunca tenha atingido o volume de vendas ou o resultado líquido anual que lhe permitiria auferir comissões, (cfr. artº37º da Contestação com reconvenção);
- a R. reconvinte tenha efectuado indevidamente a favor da A. reconvinda pagamentos que perfazem o valor de €150.525,56 , (cfr. artº40º da Contestação com reconvenção);
- a A./reconvinda não tenha cumprido com os objectivos comerciais definidos, , (cfr. artº42º da Contestação com reconvenção).
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O art. 341.º do Código Civil dispõe que as provas têm por função demonstrar a realidade dos factos.
Mas como esclarece ANTUNES VARELA (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 419 e 420), “a demonstração da realidade a que tende a prova não é uma operação lógica, visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente), como é, por exemplo, o desenvolvimento de um teorema nas ciências matemáticas. (…). A prova visa, apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto”.
Também LEBRE DE FREITAS (Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, págs. 157, 160 e161) escreve que, no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, “ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as sua conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis”, acrescentando que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança”.
Assim, tendo em conta tais ensinamentos, e bem assim o princípio da imediação, sendo esse contacto direto com a prova testemunhal, que melhor possibilita ao julgador a perceção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento acerca da credibilidade dos depoimentos e quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas, (cfr. a este propósito, ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2ª ed., págs. 657, e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil, 374), o princípio da livre apreciação das provas constante do artigo 607º, nº5, do CPC, decorrendo de tal normativo que o juiz, fora dos casos de prova legalmente tarifada, goza de liberdade na apreciação das provas e decide segundo a convicção prudente sobre cada facto, o princípio da aquisição processual nos termos do qual que o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las-art. 413º CPC - neste sentido, J. ALBERTO DOS REIS, C.P.C. Anotado, Vol.III, pág.272) e o princípio do inquisitório de onde resultam poderes gerais para o Juiz, no sentido e lhe conferir a direção do processo e o poder-dever de determinar oficiosamente as diligências necessárias ao regular e célere andamento do processo e de, ainda, oficiosamente realizar a diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (artºs 6º e 411º, ambos do CPC), tendo presente o facto histórico ou “recorte de vida”, enquanto acontecimento da vida real dotado de unidade de sentido submetido a julgamento e tendo em conta que os factos provados 5), 6), 7), 8), 9), 12) e 15) constituem matéria de facto assente por acordo entre as partes (cfr. artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 19º, 20º e 21º da P.I. e cfr. artigo 2º da contestação com reconvenção), a convicção do Tribunal quanto à determinação da demais matéria de facto provada atrás descrita, fundou-se na análise e apreciação crítica, à luz das regras da lógica e da experiência comum, da globalidade da prova produzida, analisada e contraditada em audiência de discussão e julgamento, designadamente dos documentos juntos a fls.8 v. a 49 v., conjugados com os documentos juntos a fls.89 a 93 v., 7 e v., 8 e 60 a 81, com a certidão permanente do registo comercial da Ré junta em 19/10/2020 (Refª 418325810), com a assentada de fls.95 do depoimento de parte do legal representante da Ré, EE, com a parte que mereceu credibilidade ao Tribunal da restante parte do depoimento de parte e das declarações de parte do legal representante da Ré, EE, com o depoimento credível e convincente da testemunha FF (caixeira ajudante, funcionária da ré há cerca de 17 anos e colega de trabalho da autora nessa empresa, daí decorrendo a sua razão de ciência) e com a parte que mereceu credibilidade ao Tribunal do depoimento das testemunhas GG, (cônjuge da autora, daí decorrendo a sua razão de ciência), CC (escriturário da secretaria de redação do J... , conhecendo a autora e a Ré, daí decorrendo a sua razão de ciência), DD (empresário e referiu ter negócios com a Ré e conhecer a autora, daí decorrendo a sua razão de ciência) e BB (sócia da ré e sua responsável financeira desde 2006/2007, daí decorrendo a sua razão de ciência).
Assim, a testemunha FF, num depoimento claro, exato e consistente, referiu que desde 2010 a testemunha esteve a trabalhar com a autora na loja em Matosinhos, na dependência dela; que a testemunha trabalhava no escritório e a autora estava na loja sita na Av. ...; que em 2017 a testemunha e a autora partilhavam o mesmo gabinete em Matosinhos, tendo a testemunha continuado a fazer toda a parte do escritório e a autora ajudava na loja on line; que há cerca de um ano foram para outras instalações; que a testemunha não sabe quais as condições sob as quais a autora trabalha na empresa, designadamente qual o vencimento da autora, mas que se constatava que a autora “ia ganhar bem” (sic); que a autora foi contratada como gerente da loja de Matosinhos; que a autora tinha o uso exclusivo da viatura, que tinha publicidade da empresa; que a viatura estava sempre com a autora e todos os dias esta andava com a viatura; que de há 2 ou 3 anos para cá a viatura deixou de ter publicidade da empresa quando foram para ..., tendo sido nessa altura que tiraram a publicidade da viatura; que a empresa tem 14 ou 15 funcionários; que a testemunha tem o horário de trabalho de 8 horas diárias; que é a testemunha, a autora, o HH e uma outra colega e qualquer um tem formação para atender ao público; que “neste momento a porta está aberta” (sic); que os recibos de vencimento não são entregues aos funcionários todos os meses; que recebem os recibos quando os solicitam, sendo-lhes enviados; que quem entrega os recibos é a Drª BB, sócia da empresa; que quem processa os recibos é a contabilidade; que o representante legal da empresa é o Sr. EE; que se houver algum problema com o vencimento os trabalhadores dirigem-se à Drª BB que é quem entrega os recibos; que a testemunha nunca teve conhecimento de quanto é que a Ré paga de água, luz e telefone; que a A. tinha poder para contratar pessoas, sendo ela quem fazia as entrevistas e escolhia as pessoas e que a testemunha nunca viu o contrato de trabalho da autora, nem os recibos de vencimento da autora.
Na restante parte do seu depoimento de parte e na parte das suas declarações de parte que mereceram credibilidade ao Tribunal, o legal representante da Ré, EE referiu que é o único gerente da empresa; que o vencimento da Autora “será de €700” e “o resto são adiantamentos de comissões, pois “não era razoável um vencimento de 600€ ou 700€” (sic); que “durante 17 anos foram pagos esses adiantamentos” e que “a partir daí as coisas foram andando” (“eu tenho mais que fazer…”; “quem tratava dos recibos era a contabilidade”), (sic); que a autora é a única trabalhadora da empresa que tem essas condições contratuais; que o mapa de fls.62 nunca teve uma aplicação prática; que “nunca foram feitas as contas” (sic) que o depoente não sabe a base de cálculo das comissões; que nunca foram pagas à autora comissões; que o estabelecimento comercial tinha 4 funcionários mais a autora; que devido à faturação tiveram que fechar as instalações da empresa em Matosinhos; que a autora tem atualmente como funções trabalhar no site e de atendimento na loja de ...; que estiveram meio ano de porta fechada apenas com o armazém e que só de há 2 meses a esta parte é que estão de porta aberta; que relativamente à viatura fizeram o seguinte contrato : a empresa pagou e adquiriu a viatura em 2004 e a autora ficou de pagar a viatura em 6 ou 7 anos; que a autora pagou a viatura durante aqueles 6 ou 7 anos; que lhe eram retirados mensalmente €147 e a autora acabou de pagar a viatura em 2010; que desde 2004 a autora tem sido a possuidora da viatura; que a Ré tem de pagar o seguro, o IUC e as portagens; que esses custos não foram abatidos “e deixa andar para cima e para baixo” (sic); que a autora nunca reclamou para ser colocado o carro em nome dela; que de Janeiro de 2005 a Março de 2016 foram pagos à autora, a título de adiantamento de comissões €890,41 por mês, num total de €119.314,24 e que a partir de Março de 2016 e até Outubro de 2020 passaram a pagar-lhe €743,11 por mês a título de adiantamento de comissões e “a autora não reclamou disso” (sic).
Na parte do seu depoimento que mereceu credibilidade ao Tribunal, a testemunha GG referiu que a autora trabalha para a Ré desde 2004; que a Autora ganha um salário fixo, que era cerca de €1.300 em 2004 e atualmente a A. ganha cerca de €1.200; que a prestação de €147 era relativo ao carro que foi “dado” logo no início do trabalho; que a autora pagou para no final ficar com o carro; que era descontado no salário da autora todos os meses um valor que era de €147, o que sucedeu durante uma série de anos; que o contrato para adquirir o carro, de marca Opel, era de 6 ou 7 anos; que em 2010 ou 2011 o carro estaria pago mas a autora continuou a ter um desconto de €147 no vencimento; que o carro ainda não está no nome da autora como deveria estar; que a autora tentou falar com alguém da empresa a esse respeito mas o carro nunca mais foi passado para o nome dela; que a autora saía às 19 horas ou 20 horas, quando a loja fechava; que a autora tinha uma isenção de horário no recibo de vencimento que foi retirada mas nunca lhe foi comunicado que ia ser retirada; que a autora não tinha acesso aos recibos todos os meses; que de vez em quando vinham 2 ou 3 recibos juntos; que os recibos chegaram a ser entregues pessoalmente mas ultimamente passaram a ser enviados por e-mail pela Drª BB, irmã do Dr.EE; que este disse à autora para selecionar as pessoas e a autora fazia as entrevistas e escolhia as pessoas selecionadas, mas não era a autora que depois celebrava os contratos de trabalho; que em 2017 a autora passou a trabalhar on line no site da Ré; que a autora chegou a estar de noite a gerir esse site on line; que a autora estava no computador a trabalhar on line; que no estabelecimento de ... a autora só trabalhava on line; que nunca ninguém disse à Autora que estava a receber indevidamente comissões; que até hoje nunca foi feita a transferência da propriedade do carro para a autora; que a autora pagou a totalidade do carro e pagou sempre a sua manutenção; que o carro é usado para todos os efeitos : “para todos os efeitos o carro é nosso” mas “o carro devia estar no nosso nome há mais de 6 ou 7 anos seguramente” (sic); que a autora está sempre lá; que a testemunha nunca viu o contrato de trabalho da autora; que a testemunha viu nos recibos “adiantamento de comissões” e que é a empresa que paga o seguro e o IUC do carro.
Na parte do seu depoimento que mereceu credibilidade ao Tribunal, a testemunha CC referiu que conhece a autora desde 2004, quando ela entrou na empresa; que em 2004 havia mais 4 ou 5 pessoas pelo menos; que a autora tinha o horário da loja, em que esta aberta, que seriam 8 horas; que a autora tal como os outros funcionários estava na loja desde a abertura até ao encerramento; que a autora andava com um carro de cor ... e tinha publicidade da empresa e que a testemunha não sabe nada do contrato de trabalho da autora, nunca tendo visto o contrato de trabalho.
Na parte do seu depoimento que mereceu credibilidade ao Tribunal, a testemunha DD referiu que foi quem sugeriu que no contrato da autora, para além das comissões fossem tidas em conta também as despesas da loja, com a dedução dos custos, e que a ideia era “a participação nos resultados”, (sic) embora a testemunha não tenha memória do contrato que foi sugerido e não tenha visto o contrato.
Na parte do seu depoimento que mereceu credibilidade ao Tribunal, a testemunha BB referiu que a autora foi contratada em 2004 pela Ré para ser a responsável por uma loja da Ré em Matosinhos; que foi a autora que abriu a loja; que a autora escolhia as pessoas e propunha à gerência a sua contratação; que a autora zelava pelo estabelecimento; que a autora tinha isenção de horário e deixou de ter; que em termos formais e práticos a testemunha não é gerente da Ré; que a testemunha está todos os dias em contacto com a autora; que a testemunha ia ao aludido estabelecimento uma vez por semana; que a testemunha mandava os recibos para a contabilidade por ordem da gerência; que a única trabalhadora com isenção de horário é a autora : “é um caso único” (sic); que a autora nunca tratou com a testemunha as questões do contrato e as questões dos recibos de vencimento; que à testemunha apenas é dado conhecimento dessas questões; que a contabilidade é feita por uma empresa exterior; que o gerente da Ré, EE, é irmão da testemunha; que a testemunha se limitava a enviar os elementos fornecidos pela gerência para a contabilidade; que “o recibo da autora é único” (sic); que o carro foi descontado no vencimento da autora “e até foi há mais anos mas não foi por mal…isso foi andando” (sic); que quando se deram conta que continuavam a “tirar” do recibo da autora a prestação do carro “já se tinham passado uns anos” (sic); que a loja de Matosinhos foi fechada; que a autora dizia que não precisava de recibos para nada; que o vencimento da autora era pago por transferência bancária; que é a testemunha que entrega os recibos; que a autora tinha recibos embora não fossem todos, mas tornaram a entregar os recibos todos à autora; que a ré não devolveu à autora o que lhe tinham tirado a mais por causa do carro; que a empresa tem 15 trabalhadores, a testemunha e o seu irmão e a Ré só tem atualmente uma loja e meia, pois a 2ª loja é muito pequena, ficando no armazém e têm uma loja na ..., no Porto que é onde a testemunha está; que foram descontados €147 do vencimento da autora de 2011 a 2016; que a testemunha não sabe porque é que foi retirada ao vencimento da autora a quantia de €147 desde Abril de 2016 até Julho de 2020; que desde o início da loja foram pagos “adiantamentos de comissões” à autora; que a Ré “deixou andar” (sic); que o vencimento da autora é constituído por ordenado base + subsídio de refeição + adiantamento de comissões; que a testemunha nunca fez quaisquer mapas; que o irmão da testemunha dizia-lhe; “É isto e vai”(sic) e que a testemunha não é gerente mas “até gostava de ser” (sic), limitando-se a receber as instruções da gerência para a contabilidade, a quem as transmitia para o processamento dos salários.
**
A factualidade não provada supra discriminada não resultou provada por não ter sido feita qualquer prova a esse respeito que permitisse ao Tribunal tomar uma posição diversa acerca de tal factualidade.’

2.2. O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1 do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608, nº2, in fine, e 635º, nº5, do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões:
- impugnação da matéria de facto;
- saber se o complemento salarial denominado ‘adiantamento de comissões’ deveria ter integrado a retribuição relativa ao subsídio de Natal nos anos de 2005 a 2019;
- saber se o recibo deve conter apenas a descrição da retribuição de €1559,91, suprimindo-se a parte que se refere a adiantamentos de comissões;
- abuso de direito e litigância de má-fé da Ré.

2.2.1. 2.1.3. Impugnação da decisão de facto:
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “... a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º.
Dito de outro modo, cabe à Relação, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)».
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, in www.dgsi.pt, “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. (…)”, (sublinhado nosso).
Servindo-nos também do texto do acórdão desta secção de 22.10.2018, proferido no processo 246/16.OT8VLG.P1, (Relatora Desembargadora Rita Romeira, no qual foi 1ª adjunta a aqui relatora):
«Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
Além disso, nas palavras, (…) de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).».
Ainda a este propósito, lê-se no Acórdão desta secção de 15.04.2013 (relatora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt, também citado no acórdão de 22.10.2018), “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”».
Em concreto, ainda que em sede de alegações a Apelante tenha concluído ‘ter havido errada interpretação da prova produzida em julgamento’, afigura-se-nos que em sede de impugnação da decisão de facto, a mesma não logrou cumprir os ónus que se lhe impunham, desde logo indicando os concretos factos provados que em seu entender deveriam ter sido dados como não provados e os factos não provados que deveriam ter sido dados como provados.
O que a Apelante faz é uma leitura diferente dos factos que resultaram provados, à qual faz coincidir declarações de parte do sócio gerente da Ré e depoimentos de testemunhas que indica, concluindo ‘que a Douta sentença recorrida não fez uma correcta aplicação dos factos dados como provados’.
Rejeita-se em conformidade a impugnação.
Sem prejuízo do assim decidido, ao abrigo dos poderes oficiosos contemplados no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil, impõe-se alterar a decisão sobre a matéria de facto dada como provada, aditando à mesma:
2-A - No contrato de trabalho celebrado entre as aqui partes, datado de 24 de Agosto de 2004, consta que o segundo outorgante exercerá as suas funções nas instalações do 1º outorgante:
‘4º
Mediante a retribuição mensal ilíquida de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), a que acresce subsídio de alimentação.

A título de isenção de horário será pago o valor ilíquido de € 175,00 (cento e setenta e cinco euros).

1- Ao 2º outorgante serão pagas comissões:
Desde que deduzidos os custos conforme tabela anexa (que fica desde já a fazer parte integrante do presente contrato9) e se verifiquei os aumentos de faturação aí previstos,
c) De 0,2% sob todas as vendas efetuadas no estabelecimento comercial
d) B) 10% nos resultados líquidos do estabelecimento comercial
Custos a deduzir
2-
j) Renda- sendo que nos primeiros 12 meses será imputado a título de custo de renda mensal cerca de € 2.000,00, sendo atualizada para € 3.000,00 nos 12 meses seguintes e sucessivamente.
k) Administrtação – 5% mensais dos custos de Administração, existindo um período de carência de 12 meses.
l) Publicidade – 2% mensais de publicidade, existindo um período de carência de 12 meses.
m) Pessoal
n) telefones
o) -Transportes
p) luz e água
q) limpeza
r) Outros
3- Vendas
c) Crescimento de 10%
d) Crescimento de 15%’

2.2.2. Fundamentação de direito:
O Código de Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27.08., o artigo 249, nº3 estipulava que «Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador».
O artigo 258º, nº3 do atual Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº7/2009, de 12 de Fevereiro, estipula «Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador».
Seguindo agora de perto, o Acórdão do S.T.J. de 18.12.2013, in www.dgsi.pt «a retribuição representa, assim, a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efetuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exige regularidade (no sentido de constância) e periodicidade (no sentido de ser satisfeita em períodos aproximadamente certos) no seu pagamento, o que tem um duplo sentido: por um lado apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador; por outro lado assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo relevância à íntima conexão existente entre a retribuição e a satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador».
Temos como pertinente ainda a fundamentação do Acórdão desta secção de 16.12.2015 (Relatora Desembargadora Paula Maria Roberto, in www.dgsi.pt):«(…) a retribuição do trabalho é “o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)”[6], integrando a mesma não só a remuneração de base como ainda outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, incluindo as remunerações por trabalho extraordinário, quando as mesmas, sendo de carácter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário.
Por outro lado, «a retribuição pode ser certa, variável ou mista, sendo esta constituída por uma parte certa e outra variável» - artigo 261.º, do C.T. de 2009.
Na verdade, muitos trabalhadores, nomeadamente, os vendedores, além da retribuição mensal certa, auferem um acréscimo remuneratório variável constituído por uma determinada percentagem sobre o valor das vendas efetuadas, ou seja, pelas chamadas comissões.
«Estamos, pois, perante casos típicos de retribuição mista, constituída por uma retribuição base certa (por exemplo, 700 € mensais) e por uma parte variável representada pelas aludidas comissões»[7].
Ou, como refere Lobo Xavier[8] «as comissões ou percentagens referem-se a negócios realizados, representando uma fracção do custo desses mesmos negócios. Porque se não confundem com a participação nos lucros, antes representando encargos ou despesas com o pessoal com influência no apuramento dos lucros líquidos, as comissões são geralmente encaradas como integrando a retribuição, constituindo uma parte variável da mesma. Tratam-se, no fundo, de uma forma de retribuir o trabalho em função do desempenho: assim, nas comissões de vendas, o empregador, em vez de atribuir uma quantia fixa ao trabalhador, remunera o trabalho de acordo com o número ou o volume de negócios realizados pelo trabalhador».
Assim sendo, tendo em conta o que ficou dito supra sobre o conceito de retribuição, também nós entendemos que as comissões pagas ao trabalhador constituem uma prestação complementar e fazem parte da sua retribuição a par da retribuição base [9].
(…)
[6] - Cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 11ª, Ed., Almedina, 2002, pág. 439.
[7] Leal Amado, Comissões, Subsídio de Natal e Férias (Breve Apontamento à Luz do Código do Trabalho), Prontuário de Direito do Trabalho, 76-77-78, Coimbra Editora, pág. 235.
[8] Iniciação ao Direito do Trabalho, 3ª edição, Verbo, Lisboa-São Paulo, 2005, págs. 336 e 337.
[9] Neste sentido, cfr. o acórdão do STJ de 16/01/2008, disponível em www.dgsi.pt.», (sublinhado nosso).
Em concreto, resultou provado:
- a Autora foi admitida pela Ré, em 24 de Agosto de 2004 por contrato de trabalho sem termo, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de gerente comercial, sob a direção e fiscalização da Ré, sendo o período normal de trabalho diário de 8 (oito) horas, (Facto provado 1);
- mediante a retribuição mensal de €1.559,90 (mil quinhentos e cinquenta e nove euros e noventa cêntimos), sendo que no recibo da Autora o valor acordado entre as partes vinha descrito como sendo €669,50 (seiscentos e sessenta e nove euros e cinquenta cêntimos) a titulo de vencimento e o valor de €890,41 (oitocentos e noventa euros e quarenta e um cêntimos) a título de «adiantamento de comissões», (Facto provado 2);
- A A. auferia ainda a quantia mensal de €180,00 a título de subsídio de isenção de horário, (Facto provado 3);
- De janeiro de 2005 a março de 2016, a R./reconvinte efetuou o pagamento mensal da quantia de 890,41 euros, a título de adiantamento por conta de comissões conforme consta dos recibos, o que totaliza a quantia de 119.314,94 euros (134 meses x 890,41 euros =119.314,94), (facto provado 17);
- Em Abril de 2016, e sem o consentimento ou informação à Autora, a Ré começou a deduzir sem qualquer explicação, o montante de €147,00 (cento e quarenta e sete euros), do valor de €890,41 (oitocentos e noventa euros e quarenta e um cêntimos) que a título de «adiantamento de comissões», sempre foi pago todos os meses à Autora desde o mês de Janeiro de 2005 até ao mês de Março de 2016, abatendo o aludido montante de €147,00 àquele valor de €890,41, passando a pagar a partir de Abril de 2016 a título de «adiantamento de comissões», o remanescente no valor de €743,11 (= €890,41 – 147,00), (facto provado 18);
- Para além de ter descontado os valores da prestação do veículo automóvel (quando este já estava integralmente liquidado), a Ré reduziu o valor da retribuição mensal, no valor pago mensalmente a título de «adiantamento de comissões», no exacto montante de €147,00 (cento e quarenta e sete euros), (facto provado 19);
- A referida redução do salário da Autora, desde Abril de 2016 até Julho de 2020 perfaz um total de €7.644,00 (sete mil seiscentos e quarenta e quatro euros), (facto provado 20);
- Como demonstram os vários recibos desde 2005, apesar da nomenclatura “Adiantamento de Comissões” usada pela Ré nos recibos de vencimento da Autora, a prestação mensal satisfeita no valor de €890,41 foi sempre a mesma desde mês de Janeiro de 2005 até ao mês de Março de 2016 e a prestação mensal satisfeita no valor de €743,11 foi sempre a mesma desde Abril de 2016 até Março de 2021, (facto provado 22);
- No período de abril de 2016 a outubro de 2020, a R./reconvinte pagou à A./reconvinda a quantia mensal de 743,11 euros, a título de adiantamento por conta de comissões conforme consta dos recibos, o que totaliza a quantia de 31.210,62 euros. (42 meses x 743,11 euros=31.210,62), (facto provado 23).
- A relação laboral entre Autora e Ré ainda se mantém, (facto provado 25).
Da factualidade assente como provada, resulta que aquando da celebração do contrato individual de trabalho que vincula a Autora à Ré, ficou previsto o pagamento de um complemento salarial denominado de comissões. E decorre da matéria de facto provada que o ora designado “adiantamento de comissões” foi pago durante o período de janeiro de 2005 a outubro de 2020 (ainda que, a partir de abril de 2016 por valor inferior).
Ainda que tal complemento foi de € 890,41 no referido período de janeiro de 2005 a março de 2016 e de €743,11 de abril de 2016 a outubro de 2020.
Perante a regularidade com que tal complemento foi pago - ininterruptamente desde Janeiro de 2005 até ao mês de outubro de 2020, ou seja, durante– 15 anos e 8 meses seguidos - dúvidas se não nos suscitam relativamente à regularidade e periodicidade com que a Ré pagou ao Autor o designado ‘adiantamento de comissões’.
Dadas as presunções previstas nos transcritos artigos 249, nº3 do anterior Código de Trabalho e 258º, nº3 do atual Código do Trabalho, as prestações em causa presumem-se retribuição, ‘tendo-se gerado a legítima expectativa do seu recebimento’ como foi entendido também na decisão recorrida, em segmento que não foi objeto de recurso.
No entanto, e pelo que se dirá, não se afigura que os “adiantamentos” pagos consubstanciem adiantamentos de “comissões”.
Com efeito, não consta da matéria de facto provada, qualquer facto que sustente que os designados "adiantamentos de comissões" se destinasse ao pagamento antecipado de comissões, antes pelo contrário.
"Adiantamento" é a antecipação do pagamento de qualquer prestação que seja posteriormente devida. Pese embora o clausulado no contrato de trabalho escrito, o certo é que da matéria de facto provada nada resulta quanto ao recebimento, pela Autora, de comissões durante todo o período de janeiro de 2005 a outubro de 2020 ou quanto ao direito que a Autora teria de as receber e que os pagamentos efectuados visassem “adiantar”. Note-se que segundo a própria Ré, a Autora nunca teria atingido os objetivos que justificassem o pagamento de comissões e os "adiantamentos" efetuados e, não obstante isso, a Ré pagou-os ao longo de cerca de 16 anos (ainda que, a partir de Abril de 2016, por valor inferior.
Considerando os factos provados 2), 17), 18) e 22), quanto ao subsídio de férias pago nos anos de 2005 a 2019, concluiu o Tribunal a quo, ‘(…) incluem-se na retribuição e subsídio de férias os valores pagos ao trabalhador a título de “adiantamento de comissões”, postos que pagos regular e periodicamente (nesse sentido, cfr., quanto ao trabalho noturno, os Ac. RP, de 7-4-2014, de 21-3-2013-Proc. nº405/11; Ac. RL, de 24-4-2013-Proc. nº465/10; Ac. RP, de 14-10-2013-Proc. nº516/11; Ac.RP, de 10-2-2014-Proc. nº397/11 e Ac. RP, de 17-11-2014 – Proc. nº293/13).
(,,,)
Assim sendo, necessariamente que a presente ação terá de proceder quanto à quantia de €12.465,74 (doze mil quatrocentos e sessenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos), correspondente à diferença de valores que deveriam ter sido pagos e dos que efetivamente foram pagos a título de subsídio de férias desde o ano de 2005 até 2019 - €890,41 x 14 anos, acrescida dos juros vencidos calculados à taxa legal, perfazendo à data da citação (22.10.2020) o montante total de €4.483,78 e ainda acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação (22.10.2020) até integral pagamento.’
Na verdade, quanto ao subsídio de férias estatuía já o artigo 255º do Código do Trabalho de 2003 que a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo (nº 1), a que acresce um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho (nº 2).
O Código do Trabalho de 2009 manteve redação semelhante nos artigos 264º, nº 1 e 2, e 263º, nº 1, respetivamente.
Já relativamente ao subsídio de Natal estabelece o artigo 254º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003 que «O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano».
O Código do Trabalho de 2009 manteve a mesma redação no artigo 263º, nº1.
Importa, porém, atender também ao disposto no artigo 250º, nº1 do Código do Trabalho do Trabalho de 2003, onde se prevê que «Quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em sentido contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades».
O Código do Trabalho de 2009, preceitua de forma idêntica no artigo 262º, nº1.
«Assim, o montante do subsídio de Natal afere-se apenas pelo montante da retribuição base a que se soma o montante de diuturnidade, quando este exista, excluindo os complementos salariais, ainda que auferidos regular e periodicamente.», Diogo Vaz Marecos in “Código do Trabalho Anotado”, Coimbra Editora, 1ª edição, página 667.
Lê-se na decisão recorrida, o segmento que se passa a transcrever:
‘Peticiona ainda a Autora a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €24.931,49 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e um euros e quarenta e nove cêntimos) correspondente à diferença dos valores que deveriam ter sido pagos e dos que efetivamente foram pagos (€1.559,91-€669,50=€890,41) a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal desde o ano de 2005 até 2019– €890,41x2 (subsídio de férias e de Natal) x14(anos).
Porém, o valor do subsídio de Natal é o correspondente a um mês de retribuição-base, e diuturnidades, nos termos do regime consagrado nos artigos 254º, nº 1, e 250º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003, e 263º, nº 1, e 262º, nº 1, do Código do Trabalho de 2009, ou seja, na ausência de disposição convencional em contrário, que no caso não existe, a base de cálculo do subsídio de Natal é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades.
(…)
Assim sendo, e tendo em conta que a Autora auferia a retribuição mensal de €1.559,90 (mil quinhentos e cinquenta e nove euros e noventa cêntimos), sendo que no recibo da Autora o valor acordado entre as partes vinha descrito como sendo €669,50 (seiscentos e sessenta e nove euros e cinquenta cêntimos) a titulo de vencimento e o valor de €890,41 (oitocentos e noventa euros e quarenta e um cêntimos) a título de «adiantamento de comissões», (cfr. facto provado 2), necessariamente que no cálculo do subsídio de Natal apenas se poderia atender à retribuição base de €669,50, como se atendeu, (cfr. facto provado 24.) improcedendo assim necessariamente a pretensão da autora de que em tal cálculo também fosse integrado o valor de €890,41 (oitocentos e noventa euros e quarenta e um cêntimos) pago a título de «adiantamento de comissões.
Assim sendo, não devendo o complemento salarial denominado de “adiantamento de comissões” integrar a retribuição relativa ao subsídio de Natal nos anos de 2005 a 2019, improcede necessariamente a presente ação quanto a essa parte do pedido formulado.’, (alteração do tamanho da letra nosso).
Como ficou já dito, nada decorre da matéria de facto provada quanto a metas ou objetivos a atingir que hajam sido fixados e dados a conhecer à Autora e que hajam sido atingidos. E se não há causa para o pagamento do chamado «adiantamento de comissões», este deve considerar-se, pese embora a sua designação, como integrando a retribuição acordada para a prestação da atividade no período normal de trabalho, isto é, a retribuição base e, como tal, incluída no subsídio de Natal.
Ou seja, o chamado «adiantamento de comissões» é afinal retribuição e não "outra prestação" (não assume o carácter de "comissão"), pelo que em face do nº 2 do artigo 258º do Código do Trabalho, importa considera-lo como retribuição base, e assim entra no cálculo do subsídio de Natal.
Tem, pois, o Autor direito a receber também o que reclamou a título de subsídio de Natal, entre o que foi efetivamente pago e aquilo que deveria ter sido.
Analisando agora a questão de saber se o recibo deve conter apenas a descrição da retribuição de €1.559,91.
Peticionou a Autora ser a Ré obrigada doravante a emitir os recibos de vencimento da Autora, considerando as quantias pagas sob as rubricas “vencimento” e “adiantamento de comissões” como uma só, a título de vencimento.
E concluiu em sede do presente recurso que a Recorrida deveria ser compelida a emitir os recibos de vencimento da Recorrente, considerando a quantia única a título de vencimento no valor de €1.559,91.
A este respeito, lê-se na decisão recorrida:’(…) não se vislumbrando qualquer disposição legal ou preceito de regulamentação coletiva que obrigue a Ré no sentido pretendido pela Autora, necessariamente terá de improceder esse pedido por falta de fundamento legal ou convencional.’
Face ao referido acima, a alteração pedida dos recibos de vencimento quanto aos valores de remuneração justifica-se, ou seja, deve vir mencionado nos recibos a retribuição base incluindo as rubricas “vencimento” e “adiantamento de comissões” na mesma.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 276º, nº3 do Código do Trabalho «Até ao pagamento da retribuição, o empregador deve entregar ao trabalhador documento do qual constem a identificação daquele, o nome completo, o número de inscrição na instituição de segurança social e a categoria profissional do trabalhador, a retribuição base e as demais prestações, bem como o período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber.»
É assim procedente tal pretensão da Apelante.

Resta analisar a questão do abuso de direito e da litigância de má-fé da Apelada.
A este propósito, concluiu em suma a Apelante:
- O exercício de um direito tal como configurado pela Recorrida é abusivo, excedeu manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé e pelo direito;
- as reduções inexplicáveis do salário da Recorrente, violam a norma imperativa da al. d) do nº1 do artº129º do CT2009, sendo uma prática reiterada;
- A Recorrida alegou em sede de reconvenção factos que bem sabia não serem verdadeiros e que colidiam com a sua conduta ao longo dos últimos quinze anos, pretendendo iludir o Tribunal, denegrir a imagem da Recorrente e impedir a descoberta da verdade;
- Verificando-se que existiu abuso de direito por parte da Recorrida e litigância de má-fé, deveria a mesma ter sido condenada em valor correspondente ao das taxas de justiça e na totalidade dos honorários do mandatário, baseado em 100% dos valores pagos pelas partes a título de taxas de justiça, independentemente das custas de parte, isto é 714,00x4+204,00 num total de 3.060,00€.
A este propósito lê-se na decisão recorrida:
‘(…) pese embora a Ré tenha ficado parcialmente vencida, não se vislumbra que a mesma tenha alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, nem que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação, nem que tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Acresce que a circunstância de a Ré ter ficado parcialmente vencida nas teses e entendimentos jurídicos por si defendidos, não implica, por si só, que a mesma tenha litigado de má fé, concluindo-se assim que a mesma não litigou de má fé na presente causa.
Assim, não se anota qualquer litigância de má fé da Ré na presente causa.’
Vejamos:
Dispõe o artigo 542º, nº2 do Código de Processo Civil:
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
O Professor Alberto dos Reis escreveu, in CPC Anotado, 2º, pg. 263, “(…) a litigância de má-fé pressupõe a violação da obrigação de não ocultar ao tribunal, ou, melhor, de confessar os factos que a parte sabe serem verdadeiros”, prosseguindo este autor que “não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada, de tal modo que a simples proposição da ação ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; (…)”, (sublinhado nosso).
Atualmente a lei basta-se com o facto de existir “negligência grave”.
Ainda assim, só na presença de elementos de prova seguros de que a parte atuou com a consciência de não ter razão é que deve ser censurada como litigante de má fé.
Como se lê no Acórdão do STJ de 28.05.2009, “a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico. Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu. Há que ser, pois, muito prudente no juízo sobre a má fé processual”.
Em suma, ‘a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não será bastante para se concluir pela existência de má-fé’, é referido no recente Acórdão desta secção de 12.09.2022, proferido no processo nº 1661/19.2T8PNF.P1 (relator Desembargador Nélson Fernandes, com intervenção da aqui relatora como segunda adjunta) com referência em rodapé a demais jurisprudência (Ac. STJ de 11 de dezembro de 2003, Proc.º 03B3893, Quirino Soares; e, 17 de maio de 2011, Proc.º 3813/07.9TVLSB.L1.S1, Gregório Silva Jesus, igualmente disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj).
É este também o caso, como infra se reafirmamos, ainda que manifesta a falta de fundamento da pretensão da Apelada na reconvenção que deduziu.
Dispõe por seu turno o artigo 334º do Código Civil que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Como escreveu o Professor Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estudo das questões e perspetivas”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2005 – Estudos em Honra do Professor Doutor António Castanheira Neves, (citação incluída na dissertação para obtenção do Grau de Mestre de Rui Manuel Ataíde de Araújo, página 26) trata-se de “uma disposição legal que (…) remete para o sistema e para a Ciência do Direito, confiando, ao intérprete aplicador, a tarefa do seu adensamento”. No fundo, o “abuso do direito é uma expressão consagrada para traduzir, hoje, um instituto multifacetado, internamente complexo e que prossegue, in concreto, os objetivos últimos do sistema”.
Em concreto, não confirmamos a alegada situação de abuso de direito por parte da Ré, na modalidade de venire contra factum proprium, ao deduzir a reconvenção invocando que de Janeiro de 2005 a Março de 2016 a efetuou o pagamento mensal da quantia de €890,41 a título de adiantamento por conta de comissões num total de €119.314,94 e no período de abril de 2016 a Março de 2021 a quantia mensal de €743,11 a título de adiantamento por conta de comissões num total de €31.210,62, que perfazem o valor de €150.525,56, considerando ter efetuado tais pagamentos indevidamente a favor da reconvinda e ser credora do mesmo valor, a que contratualmente não estava obrigada, em virtude da reconvinda não cumprir com os objetivos comerciais definidos no contrato de trabalho.
Da factualidade provada resulta é certo que o pagamento dos adiantamentos decorreu desde o início do contrato.
Ainda que durante 21 anos (considerando os períodos de Janeiro de 2005 a março de 2016 e de Abril de 2016 a Março de 2021 ainda que, quanto a este, por valor inferior)
- nenhum mapa de apuramento de comissões foi entregue à Autora;
- nenhum documento foi entregue à Autora para validação das “eventuais” comissões; - nenhum valor foi dado a conhecer à Autora acerca dos resultados líquidos anuais e de vendas, e de despesas da Ré;
- nenhuma informação foi dada à Autora acerca da altura em que seriam acertadas as eventuais comissões (mensal, trimestral, semestral ou anualmente);
- nenhum acerto de eventuais comissões foi feito;
- nenhum contacto foi estabelecido com a Autora no sentido de a informar que estaria a receber indevidamente comissões.
Porém nada resultou assente que permita aferir ter a Ré transmitido à Trabalhadora que os montantes dos chamados ‘adiantamentos’ jamais por esta última seriam restituídos.
Dito de outro modo, nada resultou assente que permita aferir ter a Ré transmitido à Autora que os mesmos montantes lhe foram, estavam e continuariam a ser pagos independentemente dos objetivos comerciais definidos, ou seja, o volume de vendas ou o resultado líquido anual.
A factualidade apurada e considerada assente não permite, sem mais, concluir que a Apelante tenha atuado, intencionalmente ou com negligência grave, no sentido de alterar ou subverter a verdade dos factos, apresentando uma versão que sabia não corresponder à realidade ou omitindo factualidade relevante para a decisão da causa.
Nestes termos, face ao que se acabou de expor, não haverá lugar a qualquer condenação como litigante de má-fé da Ré.

3. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação julgar parcialmente procedente o recurso e em conformidade, condenar ainda a Ré:
bb) a pagar à Autora a quantia de €12.465,74 (doze mil quatrocentos e sessenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos), correspondente à diferença dos valores que deveriam ter sido pagos e dos que efetivamente foram pagos a título de subsídio de Natal desde o ano de 2005 até 2019, acrescida dos juros vencidos calculados à taxa legal vencidos e vincendos até integral pagamento;
dd) doravante a emitir os recibos de vencimento da Autora, considerando as quantias pagas sob as rubricas “vencimento” e “adiantamento de comissões” como uma só, a título de retribuição base.

Manter o demais decidido na sentença recorrida.

As custas do recurso pela Apelante.


Porto, 03 de Outubro de 2022
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho