Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2783/21.5T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
TERRENO APTO PARA CONSTRUÇÃO
AVALIAÇÃO
CUSTO DA CONSTRUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP202404092783/21.5T8VLG.P1
Data do Acordão: 04/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para se apurar o custo da construção para efeitos do cálculo do valor da indemnização em processo de expropriação, o artigo 26º nºs 4 e 5 do Código das Expropriações prevê o recurso aos valores fixados administrativamente, (dos custos de construção em habitações de custos controlados ou de renda condicionada), os quais são utilizados unicamente como critério referencial, no sentido de permitir apurar o valor real e corrente de mercado, sem considerar critérios especulativos.
II - Tais montantes não são vinculativos, mas só não deverão ser atendidos se, comprovadamente, não corresponderem ao custo da construção na zona onde se localiza a parcela.
III - O artigo 26º nº 10 do Código das Expropriações tem por função diminuir o valor da avaliação com o fim de o ajustar ao valor do mercado. Embora os riscos e encargos existam por via de regra, o referido fator corretivo não é de funcionamento automático – pois a indemnização já é fixada por valores médios, o custo da construção a considerar na avaliação já tem em conta o esforço construtivo na situação concreta e, de resto, o risco construtivo pode nem sequer existir –, exigindo-se a demonstração dos riscos que seriam corridos e dos esforços que seriam suportados se houvesse edificação no terreno expropriado.
IV - Exite tal fator de risco a considerar no apuramento do valor indemnizatório se, apesar da parcela a construir se situar numa zona de expansão construtiva, a mesma não é dotada de infraestruturas, nomeadamente viárias, o que implica um risco acrescido para edificar a parcela nessas condições.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2783/21.5T8VLG.P1

Tribunal de origem:  Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Valongo - Juiz 1

Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos:

Rui Moreira

Fernando Vilares Ferreira

SUMÁRIO:

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:

Nos presentes autos de expropriação, em que é Expropriante Município ..., ente público com sede na Avenida ..., ..., ..., ..., e NIPC ..., e Expropriados AA, NIF ..., e mulher BB, NIF ..., residentes na Avenida ..., ..., ..., por despacho do Secretário de Estado da Descentralização e da Administração Local de 4 de março de 2020, publicado no Diário da República n.º 70, 2.ª Série, de 8 de abril de 2020, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da parcela de terreno n.º 1, com a área de 375m2, a destacar do prédio sito no Lugar ..., freguesia ..., Município ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., omisso na Conservatória do Registo Predial (cujas certidões da matriz e predial negativa se mostram juntas aos autos).

 A 23 de abril de 2021 foi atribuída a posse administrativa da parcela à entidade expropriante, conforme auto de posse administrativa junto aos autos.

A expropriação destina-se à execução da obra Variante à E.N. ... – sublanço 2 e 3 – ....

Após o relatório da vistoria ad perpetuam rei memoriam, teve lugar a arbitragem indicando o valor da indemnização de 27.600,00 € (vinte e sete mil e seiscentos euros).

Por despacho de 21 de dezembro de 2021, foi adjudicada a propriedade da parcela em questão à Expropriante.

Inconformados, recorreram da decisão arbitral:

- os Expropriados, em recurso, pedindo que a indemnização fosse fixada em 72.083,75 €, e

- a Expropriante, em recurso pedindo que a indemnização fosse fixada até 10.623,75 €.

Notificados, apenas a Expropriante respondeu ao recurso da parte contrária, propugnando pela sua improcedência in totum.

Nomeados os peritos, procedeu-se à realização da avaliação obrigatória, cujo relatório se encontra junto em 22.07.2022, tendo os Peritos indicados pelo Tribunal e pelos Expropriados concluído que o valor da justa indemnização a atribuir aos Expropriados, reportada à data da DUP, será de 33.090,00 (trinta e três mil e noventa euros) e o Perito indicado pela Expropriante concluído que o valor da justa indemnização a atribuir aos Expropriados, reportada à data da DUP, será de 18.213,75 (dezoito mil duzentos e treze eros e setenta e cinco cêntimos).

Na sequência, foram suscitados esclarecimentos por ambas partes, respondidos em 31.10.2022 e em 03.04.2023.

Realizou-se audiência de julgamento, com inspeção ao local.

Ambas as partes apresentaram alegações conforme o disposto no artigo 64.º, n.º 1 do Código das Expropriações

Veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

“Em face do exposto e tudo ponderado, decido julgar parcialmente procedente o recurso apresentado pelos Expropriados e improcedente o recurso apresentado pela Expropriante e, em consequência,

1. Decreto a expropriação da parcela de terreno com a área de 375m2, a destacar do prédio sito no Lugar ..., freguesia ..., Município ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., omisso na Conservatória do Registo Predial de Valongo;

2. Fixo a indemnização a pagar pela Entidade Expropriante Município ... aos Expropriados AA e mulher BB pela expropriação da parcela identificada em 1 no valor de 31.436,25 € (trinta e um mil quatrocentos e trinta e seis euros e vinte e cinco cêntimos).

O montante indemnizatório é atualizável de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, relativamente ao local da situação dos bens ou da sua maior extensão, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à disponibilização aos Expropriados de parte do depósito da entidade Expropriante e, quanto ao restante, até à data do trânsito desta decisão.

Transitada em julgado a sentença, sobre o montante indemnizatório, devidamente atualizado, vencerão juros de mora, a contar do fim do prazo para depósito da indemnização (cfr. artigo 71.º do Código das Expropriações), à taxa legal em vigor, atualmente de 4%. Custas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 34% para a Expropriante e em 66% para os Expropriados.”

Inconformado, o Expropriante, Município ... veio interpor o presente recurso de APELAÇÃO, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“A) O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente o recurso da decisão arbitral apresentado pelos Expropriados e improcedente o recurso da decisão arbitral apresentado pelo Expropriante e, em consequência, fixou a indemnização devida pelo Expropriante aos Expropriados no valor de € 31.436,25.

B) O Tribunal a quo chegou a esse valor tendo em atenção que “Em face dos parâmetros fixados, o valor do m2 do tereno da parcela a expropriar é de 83,83 €/m2 [1,2 m 2 / m 2 x 774,06 €/m2 x 9,5/ x 0,95 (100% - 5%)]” e que “Assim, o valor total do terreno da parcela expropriada, com a área de 375 m2, é de € 31.436,25”.

C) A sentença a quo determinou a aplicação de parâmetros que não correspondem aos valores mais adequados para a fixação da justa indemnização, e violou os princípios constitucionais da igualdade, da justiça, da proporcionalidade e da imparcialidade, bem como aos critérios legais de determinação do valor final da indemnização,

D) Quanto ao custo de construção, seguiu a sentença os valores determinados pelos Senhores Peritos designados pelo Tribunal e pelos Expropriados, tendo, assim, “considerado o custo de referência definido para o ano de 2014 na Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, que opara a Zona 1 (...) foi de 801,06 € por m2 de área útil. Mediante atualização da moeda até à data da Declaração de Utilidade Pública, conforme site do INE, atingimos o valor de 826,73 €/m2, que corresponde a 774,06 € por m2 de área bruta de construção”, sendo 0,90 o fator de conversão da área útil em área de construção.

E) O valor de € 31.436,25, determinado na sentença a quo como valor correspondente à indemnização pela parcela expropriada não corresponde ao valor real e corrente da mesma, numa situação normal de mercado e atendendo ao seu destino efetivo possível numa utilização económica normal.

F) O valor do custo de construção de €774,06 por m2 de área bruta de construção, apurado na sentença ora recorrida, é excessivo e desproporcional.

G) Seguindo o relatório maioritário dos Senhores Peritos, o Tribunal recorrido usou como referencial para determinação do custo de construção o valor indicado para a Zona I na Portaria nº 353/2013, de 4 de Dezembro, ou seja €801,06 tendo por referência o ano de 2014 e chegou ao valor de €774,06 por m2 de área bruta de construção.

H) O Tribunal laborou em erro, porquanto, através da Portaria n.º 65/2019, de 19-2, foi revisto o regime da habitação de custos controlados, consagrando, no seu art.º 9.º, que “O CS é fixado, com referência a 1 de janeiro de 2019, em 710 (euro), data a partir da qual se aplicará trimestralmente, com as necessárias adaptações, a revisão de preços calculada de acordo com o regime de revisão de preços das empreitadas de obras públicas e de obras particulares e de aquisição de bens e serviços.”

I) Ainda que assim não se entenda, a Portaria n.º 156/2014, de 12-8, fixa para vigorar em 2014, o preço da habitação por metro quadrado de área útil, bem como as condições de alienação e a fórmula de cálculo do preço de venda dos terrenos destinados a programas de habitação de custos controlados, sendo que para o Município ... e para o ano de 2014, tal valor se fixou em €679,35/m2 (cfr. al. a) do artº 1º).

J) À data da DUP (2020), este valor corresponde a €703,15, por aplicação do índice de preços do consumidor, disponibilizado pelo INE.

K) Considerando que o valor máximo previsto no n.º 6 do art.º 26.º do CE é de 15% do custo da construção e que há três fatores a apreciar –localização, qualidade ambiental e equipamentos existentes na zona –,a cada um deles deve ser atribuída uma percentagem de 5%. (15 / 3 =5).

L) Considerando que o valor máximo previsto no n.º 6 do art.º 26.º do CE é de 15% do custo da construção e que há três fatores a apreciar – localização, qualidade ambiental e equipamentos existentes na zona –,a cada um deles deve ser atribuída uma percentagem de 5%. (15 / 3 =5).

M) O terreno era isolado e afastado da cidade ..., sendo ainda que, à data da Declaração de Utilidade Pública, os acessos à parcela eram de péssima qualidade, cingindo-se, então, a caminhos de terra, frequentemente enlameados, pelo que, no que respeita à localização, o terreno deve ser valorado em 2,5%.

N) No que respeita à qualidade ambiental, a parcela expropriada não corresponde a um lugar com beleza paisagística, sendo, à data da Declaração de Utilidade Pública, praticamente inexistentes quaisquer construções perto da parcela, a não ser alguns barracos e construção abandonada e, como já referido, inexistiam acessos dignos, bem como inexistiam quaisquer infraestruturas.

O) A parcela expropriada dista apenas 171 metros lineares da Linha Ferroviária ..., a qual tem um tráfego de ferroviário intenso, que é causa de poluição sonora e ambiental, pois nem todos os comboios que circulam nesta linha são elétricos.

P) Pelo que, no que respeita à qualidade ambiental, o terreno deve ser valorizado em 2,5%.

Q) No que respeita aos equipamentos existentes na zona em causa, deve ser atribuída uma percentagem de 2,5%, já que, à data da Declaração de Utilidade Pública, não existia qualquer tipo de equipamento, a não ser, nas proximidades da parcela expropriada, uma escola de ensino básico.

R) É ajustado atribuir metade do valor previsto para a existência de equipamentos, até por comparação com a localização desta parcela com zonas mais próximas do centro de ..., onde se encontram todos os equipamentos, sociais, administrativos, desportivos e comerciais.

S) Também neste aspeto o Tribunal a quo laborou em erro, pois tendo em conta a localização da parcela, a qualidade ambiental do local e os equipamentos existentes na sua envolvente, e o aproveitamento possível, é adequada a aplicação de 7,5% do custo de construção, para determinação do valor do solo apto para a construção: 2,5% (localização) + 2,5% (qualidade ambiental) + 2,5% (equipamentos) = 7,5%.

T) Índices superiores devem ser reservados para zonas mais valorizadas, de nível superior ao da parcela expropriada.

U) Na determinação do índice fundiário deve ser aplicada a percentagem de 8,5%,: 7,5% (n.º 6 do art.º 26.º) + 1% (n.º 7 do art.º 26.º) = 8,5%.

V) O Tribunal laborou em erro, decidindo em conformidade com a posição dos Senhores Peritos designados pelo Tribunal e pelos Expropriados em relação aos nºs 8 e 9 do artº 26º do CE, não aplicando qualquer dedução ao abrigo dos mesmos.

W) Tendo em atenção as especiais condições concretas da parcela em causa, por referência à data da Declaração de Utilidade Pública, os acessos à parcela expropriada eram feitos exclusivamente através de caminhos vicinais de terra batida, não dispondo de qualquer infraestrutura além da rede de eletricidade.

X) A parcela expropriada fazia parte de um terreno isolado, situando-se numa zona praticamente rural e não dispondo de arruamentos.

Y) Caso os Expropriados pretendessem aproveitar a parcela para fins construtivos, além de terem de efetuar o arruamento, teriam também de construir todas as infraestruturas e promover a sua ligação a nascente, à Av. ..., suportando os custos inerentes.

Z) A construção na parcela expropriada estava dependente dos encargos de urbanização, designadamente da construção dos acessos, bem como da ligação das infraestruturas, a partir dos arruamentos onde as mesmas existem e até á parcela expropriada, o que agravaria o custo da construção.

AA) Relativamente ao custo da construção, impõe-se a aplicação de um coeficiente nunca inferior a 10,00%, nos termos do n.º 8 do art.º 26.º do CE.

BB) O aproveitamento urbanístico da parcela sempre obrigaria a um reforço das infraestruturas previstas no n.º 7 do art.º 26.º do CE, pelo que se impõe a aplicação de um coeficiente para criação e reforço das infraestruturas existentes, nunca inferior a 25,00%, à luz do n.º 9 do art.º 26.º do CE.

CC) Quanto à percentagem a definir relativamente ao fator de risco (n.º 10 do art.º 26.º do CE), deve a mesma ser fixada em 15%, tendo a sentença a quo errado na apreciação dos factos quando determina a fixação de uma percentagem de apenas 5%.

DD) A parcela de terreno, à data da Declaração de Utilidade Pública, dispunha de uma menor atratividade, pelas suas características e localização e, consequentemente, os interessados naquela parcela sejam muito reduzidos, com acessibilidades rodoviárias de má qualidade, o que determinava uma menor procura por aqueles terrenos, desvalorizando-os.

EE) À data da Declaração de Utilidade Pública, em ..., a oferta imobiliária era elevada e diversificada, existindo várias alternativas de terrenos com características idênticas à parcela expropriada.

FF) Caso os Expropriados pretendessem promover uma edificação no terreno objeto dos presentes autos, teriam sempre de suportar, para além do mais referido, os custos das respetivas taxas, dos projetos e ações de promoção da venda.

GG) A sentença devia ter aplicado a percentagem máxima por este fator de risco, uma vez que a Expropriada não desenvolveu qualquer atividade construtiva e, como tal, não suportou qualquer despesa inerente a essa atividade.

HH) Assim, o valor da parcela deve ser calculado tendo em consideração os seguintes parâmetros:

- valor da construção: €522,75/m2;

- índice de construção/edificabilidade – 1,0 m2/m2;

- índice fundiário: 8,5%

- nº 6 do artº   26º CE - 1%;

- custos de reforço das infraestruturas – 25%;

- fator corretivo pela ausência de risco – 15%.

II) O valor correspondente a cada m2 de terreno deve ser de €28,33, apurado pela seguinte fórmula: 1 x (1,0 m2/m2 x €522,75/m2) x 8,50% x (1-0,25) x (1-0,15) = €28,33/m2.

JJ) O valor da justa indemnização a fixar pela expropriação da parcela deve ser de €10.623,75, o que resulta da seguinte fórmula: 375,00 m2 x €28,33/m2 = €10.623,75.

Termos em que, e nos melhores de direito que Vas. Exas. doutamente suprirão, o presente recurso deve ser julgado procedente, fixando-se a justa indemnização pela expropriação da parcela objeto dos presentes autos, no valor de €10.623,75.”

Os Expropriados AA e BB vieram responder ao recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma:

“I.Por douta sentença proferida a 12 de novembro de 2023 foi decidido:…….

II. Ao contrário do alegado pelo Recorrente, a douta decisão esclarece exemplarmente os motivos pelos quais condenou a Recorrente nos moldes em que o fez.

III. De facto, de toda a prova produzida emerge a factualidade nos termos decididos na douta sentença em apreço. Assim,

IV. Salvo o devido respeito por melhor opinião, carece totalmente de razão a Recorrente, pelos motivos que infra melhor se demonstrarão, não merecendo a douta sentença em apreço, qualquer censura ou reparo. Vejamos,

V. A parcela expropriada encontra-se inserida em zona classificada como Solo Urbano – Espaços Residenciais do Tipo I, tendo sido classificado pelos Senhores Peritos nomeados como solo apto para construção.

VI. No caso sub judice o terreno a que corresponde a parcela expropriada insere-se em zona “nobre” e por isso reúne as condições e as características constantes do art.º 25.º, n.º 2, alínea a), b) e c) do Código das Expropriações, atingindo o preço por m2 valores superiores aos referidos no relatório pericial e nas Alegações de Recurso.

VII. Daí, que ao terreno em questão, não possa ser atribuído nem o valor atribuído no relatório de arbitragem, nem o atribuído no relatório pericial, nem o valor que a Recorrente/Expropriante pretende. De facto,

VIII. O prédio situa-se a cerca de 1 km da Estação ... que, por sua vez, tem igual movimento como a Estação 1..., servindo ambas a Linha .../ ... que, por outro lado, passa pelo ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., sendo que o número de comboios a passar nas duas Estações ... é, exatamente, o mesmo.

IX-O prédio situa-se ainda a:

a) cerca de 50 metros de um empreendimento de apartamentos com 5/6 pisos;

b) cerca de 160 metros de um empreendimento de moradias unifamiliares em banda com 3 pisos;

c) a 30 metros de um edifício antigo destinado a habitação;

d) cerca de 100 metros da Avenida ... (em toda a sua extensão rodeada de edifícios para habitação) e,

e) cerca de 120 metros do Centro Escolar ....

X. Toda a área circundante tem acesso rodoviário, com pavimentação, com passeios em toda a extensão do arruamento ou do quarteirão; acesso a rede de abastecimento domiciliário de água; a rede de saneamento, com coletor em serviço; a rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão; a rede de drenagem de águas pluviais com coletor em serviço; a estação depuradora; a rede distribuidora de gás e, ainda, a rede telefónica.

XI. Significa isto que aquele prédio tem aptidão a ter acesso a todas as infraestruturas urbanísticas mencionadas no aludido diploma legal, sem prejuízo do facto que o solo daquele prédio tem acesso a água potável.

XII. Todas estas caraterísticas não foram descritas pelos Senhores Peritos ou sequer tidas em consideração na avaliação o que, no modesto entendimento dos Expropriados/Recorrentes, é uma clara violação do disposto no art.º 26.º do Código das Expropriações.

XIII. No entanto, o douto tribunal esclarece, e bem, que pese embora esteja de acordo com os Senhores Peritos, a verdade é que discorda quanto ao nº 10 do art. 26º CEXP, justificando com jurisprudência e doutrina.

XIV. Sem olvidar que a parcela expropriada era utilizada para a produção agrícola e ainda para a criação de animais (ovelhas e suíno), lá existindo um anexo de abrigo de animais e ainda as 12 árvores de fruto ali existentes que os Senhores Peritos optaram por desvalorizar quando não o deviam ter feito, conforme os fundamentos explanados na douta sentença.

XV. Pelo que, a aplicabilidade da percentagem de 5%, de harmonia com o disposto no art. º 26º, nº 10 do CEXP, é proporcional, adequada e, acima de tudo, justa.

XVI. Face a tudo o que supra se expôs, os Expropriados/Recorridos dão aqui como totalmente reproduzidos os fundamentos explanados na douta sentença por dela concordar.

XVII. Daí que, atendendo a todos os critérios referidos, deve o montante para efeitos de indemnização ser fixado em € 83,83/m2.

XVIII. Refere Pedro Elias da Costa, in Guia das Expropriações por Utilidade Pública, págs. 210 e segs.: “ (…) para a indemnização por expropriação ser justa, consideramos que tem que cumprir os seguintes requisitos:

a) salvaguarda da dignidade da pessoa humana;

b) equidade;

c) compensação integral do prejuízo patrimonial sofrido pelo

Expropriado;

d) reposição do princípio da igualdade;

e) contemporaneidade”.

XIX. Para se poder ler no artº 1310º do Cód. Civil: «havendo expropriação por utilidade pública (...), é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afetados».

XX. Mas, expropriar, não é confiscar. E, por tal é que o legislador do Código das Expropriações procurou construir critérios operativos no sentido de encontrar a justiça da indemnização.

XXI. A expropriação, implicando a alienação forçada de um bem, rege-se por dois princípios constitucionais: - verificação de um interesse público, legitimamente declarado, e a obrigação de indemnizar o expropriado.

XXII. Assim, de acordo com o nº 1 do artº 23º do Cód. das Expropriações “ a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”.

XXIII. Ora, parece ser então, possível afirmar que, a base da indemnização é o valor real (à data da declaração de utilidade pública), devendo atender-se ao valor normal que o bem alcançaria se fosse posto no mercado.

XXIV. O dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de forma integral e justa se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado ou, por outras palavras, ao respetivo valor de mercado ou, ainda, ao seu valor de compra e venda. Este critério do "valor venal" ou do "justo preço", isto é a quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se tivesse sido objeto de um livre contrato de compra e venda, é seguido pela quase generalidade dos ordenamentos jurídicos, no seguimento de acordo (também nós com - Alves Correia-As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública - pág. 129).

XXV. Ter-se-ão, assim, que ter em consideração os princípios gerais do direito aplicáveis no cálculo da indemnização, designadamente os contidos nos artigos 562.º e 564.º, do C.C., ou seja, a reintegração patrimonial deve colocar o expropriado na situação que teria se não ocorresse a expropriação.

XXVI. Atentos estes parâmetros, haverá que concluir que a douta sentença, ora em crise, traduz, como deveria, uma justa e equitativa indemnização.

XXVII. Destarte, deve a indemnização ser fixada no montante de € 31.436,25 (trinta e um mil, quatrocentos e trinta e seis euros, e vinte e cinco cêntimos).

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V.ªs. Ex.ªs. muito doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso apresentado pela Recorrente, mantendo-se, in totum, a douta decisão ora em crise. Decidindo deste modo, farão V.ªs. Ex.ªs., aliás como sempre, um ato de INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.”

Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do CPC, não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).

Assim, as questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo recorrente, são as seguintes:

-O erro na determinação da justa indemnização, designadamente no que concerne às seguintes questões:

-valor do custo de construção, quanto aos montantes fixados administrativamente;

-aplicação do índice fundiário (relativo à localização da parcela, à qualidade ambiental e aos equipamentos existentes na zona);

-erro na aplicação dos coeficientes previstos nos nºs 7 e 8 do art. 26º do Código das Expropriações e;

-erro na aplicação do coeficiente de risco (nº10 da mesma norma).

III. FUNDAMENTAÇÃO:

 São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância:

1. A parcela expropriada correspondente a parte do prédio sito no Lugar ..., freguesia ..., Município ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., omisso na Conservatória do Registo Predial de Valongo.

2. A área do prédio constante da matriz é de 2800 m2, mas, por medição sobre imagem aérea (Google Earth), a área real do prédio não excederá 2500m2.

3. O prédio tem as seguintes confrontações, constantes da matriz: a norte, sul e nascente caminho e a poente CC.

4. A parcela expropriada tem a área de 375,00 m2.

5. A parcela tem uma tem uma forma aproximadamente retangular alongada com cerca de 62 metros de comprimento e cerca de 6 metros de largura média.

6. O prédio é sensivelmente plano, com solo fértil e de profundidade média e estava utilizado para a produção agrícola de produtos hortícolas e ainda para a criação de animais (três ovelhas e um suíno).

7. O prédio e a parcela eram servidos por caminho vicinal, em terra batida, com o qual confrontavam de nascente, de caraterísticas florestais e sem infraestruturas.

8. A propriedade dispunha de rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão.

9. A propriedade dispunha de água não potável proveniente de furo artesiano.

10. Não dispunha de acesso rodoviário pavimentado, de passeios, de rede de abastecimento domiciliário de água, de rede de saneamento com coletor em serviço, de rede de drenagem de águas pluviais, de estação depuradora ou de rede de gás.

11. Em termos ambientais, a zona onde o prédio se insere caracteriza-se pela reduzida presença de focos de poluição.

12. O prédio e a parcela situam-se no Lugar ..., da freguesia e Município ..., numa área compreendida entre a ... e a linha de caminho-de-ferro, coincidindo em parte com uma grande mancha de floresta na zona norte de ..., numa zona de transição entre espaços urbanos e rurais, junto a uma área em desenvolvimento que se estende para sul e nascente, e próximo da Escola ... e da Av. ....

13. O prédio dista cerca de 1,9 km da estação ....

14. A pouco mais de 500 metros tem supermercado e outras lojas de conveniência.

15. Utilizando as vias rodoviárias existentes à data da DUP, é de cerca de 1500 metros a distância que mediava entre a parcela expropriada e o acesso à Autoestrada ....

16. O local e a parcela tinham acesso por caminhos de terra batida, não infraestruturados.

17. Qualquer projeto que se viesse a apresentar para o terreno obrigava à execução do arruamento que ligaria à rotunda da Av. ..., numa extensão de cerca de 140,00 metros lineares, bem como às demais infraestruturas (passeios, redes públicas de abastecimento de água, de saneamento de água pluviais e residuais, de energia e iluminação pública, gás e comunicações entre outras).

18. A parcela e parte do prédio situam-se em solo urbanizável “Espaço Residencial Tipo I – RI (3)”, na envolvente da “...”, distando do seu limite norte cerca de 170 metros.

19. O Coeficiente de Ocupação do Solo previsto no Regulamento do PDM para os terrenos com a classificação indicada é de 1,2 m2/m2.

20. A Carta da REN e da RAN não apresentam qualquer tipo de condicionante para a área correspondente à Parcela n.º ....

21. A fração sobrante, devido à expropriação, fica servida por todas as infraestruturas urbanísticas, mantendo proporcionalmente a capacidade que detinha à data da DUP.

22. Na parcela existia um muro de vedação e existia um portão, os quais foram repostos pela entidade Expropriante.

23. Na parcela existia um anexo que serve de corte/abrigo de animais, sem infraestruturas nem acabamentos interiores, com uma implantação triangular com uma área aproximada de 22m2 e um pé direito de cerca de 2,5m.

24. Na parcela existiam 12 árvores de frutos localizadas junto ao muro de vedação, concretamente, 5 pessegueiros com cerca de 18 anos, 3 limoeiros com cerca de 18 anos, 2 marmeleiros com cerca de 15 anos e 2 figueiras com cerca de 8 anos.

IV-APLICAÇÃO DO DIREITO:

Nos termos do art. 1º do Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.º 168/99 de 18 de Setembro), a seguir designado abreviadamente por CE, “os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objeto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código”.

O direito à justa indemnização traduz-se num direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pelo que as suas restrições deverão limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, constituindo tal direito, um imperativo constitucional.

A indemnização deve ser uma indemnização integral pelo dano infligido ao expropriado. Como se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 52/90[1], “Em termos gerais, deve entender-se que a justa indemnização há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta», não sendo de considerar fatores especulativos ou ficcionados nem se devendo atribuir indemnizações irrisórias”.

Isto posto, importa analisar as razões de discordância da entidade Expropriante, aqui Apelante da sentença recorrida que fixou a justa indemnização aos Apelados em € 31.436,25 € (trinta e um mil quatrocentos e trinta e seis euros e vinte e cinco cêntimos), em ordem a determinar se ocorreu erro na aplicação do direito, como aquele defende.

Uma vez apurada a tipologia do solo, como “solo apto para construção”, classificação feita na sentença e que não é posta em causa neste recurso, importará atentar no disposto nos artigos 25.º e 26.º do Código das Expropriações, onde se encontram previstos os critérios de cálculo do valor do solo, para efeitos do cálculo da expropriação.

Como se afirma na sentença, “nos termos do disposto no n.º 1 do referido artigo 26.º, o valor do solo apto para construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efetuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor.

Uma vez que no processo não existem elementos que permitam utilizar os critérios estabelecidos nos números 2 e 3 do artigo 26.º, a avaliação terá se ser efetuada com base no disposto nos números 4 e seguintes do mesmo artigo, ou seja, o valor do solo apto para construção calcula-se em função do custo da construção, em função da sua capacidade construtiva, em condições normais de mercado.”

O valor do solo apto para a construção calcula-se assim, em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes do mesmo artigo 26.º do Código das Expropriações.

Estabelece o nº 5  do art. 26º do CE que, “Na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.”

E o nº 6, que, “Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15 % do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”

A introdução destes fatores de correção tem por finalidade, por um lado, afastar qualquer subjetividade no cálculo, que implicaria tratamento diferenciado entres os particulares sujeitos a expropriação e por outro, não incluir naquele custo, despesas normais de funcionamento do mercado, que se refletem necessariamente no preço de mercado, (os chamados custos indiretos de produção e promoção de venda) que o expropriado não teve.

Com efeito, visando a justa indemnização ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, não seria aceitável incluir no seu cômputo prejuízos que o expropriado não teve.

Por essa razão, o artigo 26º n.º 5 do CE estabelece o critério legal para a determinação do valor do solo apto para a construção, nos termos do qual deve atender-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou regime de renda condicionada.

Tais montantes não são, porém, vinculativos porque, além de versarem apenas a habitação, fixam o custo unitário da construção relativo à área útil que é sempre superior ao da área bruta.

Os mesmos só não deverão ser atendidos se, comprovadamente, não corresponderem ao custo da construção na zona onde se localiza a parcela.

Pedro Elias da Costas[2] refere a propósito que: “Este critério tem de ser visto conforme é, ou seja, como uma regra orientadora do cálculo, com carácter meramente referencial, tal como as percentagens do nº 6 e 7 do art. 26º, que também poderão não ter correspondência com as verificadas em dada situação concreta.

Assim, importante será que o resultado da avaliação seja o valor real e corrente da parcela expropriada. Considerando-se, justificadamente, que os valores fixados administrativamente não permitem alcançar o valor de mercado de determinado solo, pode recorrer-se a outros elementos, como, por exemplo, as estimativas orçamentais elaboradas pela AICCOPIN ou dados estatísticos publicados em revistas especializadas ou em jornais diários”.

Na jurisprudência seguindo a orientação exposta e reforçando a natureza de critério referencial, entre outros, pronunciaram-se o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 08 de outubro 2010[3], onde se pode ler: “(…) Quando uma fração é colocada em venda, além das despesas relativas ao custo de produção, haverá que tomar em atenção outras despesas, com grande repercussão sobre o custo final da obra, como sejam os encargos administrativos e que respeitam às despesas com projetos, licenças, taxas, gestão da obra, sua fiscalização, responsabilidades financeiras, consumíveis, equipamentos, promoções imobiliárias, lucros do promotor, etc, despesas essas relativas ao custo indireto de produção.

Donde se conclui que o valor da construção, ou seja, o preço final de venda ao público de uma fração, reflete o somatório do custo direto da produção (objetivo) com o custo indireto da produção (subjetivo).
Calcular a indemnização com base no valor de mercado da construção seria violar o princípio da igualdade no âmbito da relação interna da expropriação, porquanto a ampla subjetividade, que encerra, permitiria tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação que o legislador quis evitar.

Acresce que, visando a justa indemnização ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, não seria aceitável incluir no seu cômputo prejuízos que o expropriado não teve

Por essa razão, o artigo 26º, n.º 5 do CE estabelece o critério legal para a determinação do valor do solo apto para a construção, nos termos do qual deve atender-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados.

Tais montantes não são, porém, vinculativos porque, além de versarem apenas a habitação, fixam o custo unitário da construção relativo à área útil que é sempre superior ao da área bruta. No entanto, os mesmos só não deverão ser atendidos se, comprovadamente, não corresponderem ao custo da construção na zona onde se localiza a parcela.”

Também no acórdão do Tribunal da relação de Lisboa, de 09.02.2010[4] se pode ler: “O valor do solo edificável calcula-se por referência à construção que nele seria possível efetuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal.

Como primeiro critério referencial do custo da construção, manda a lei que (perante a inaplicabilidade do critério estabelecido no nº 2 do art. 26º) se ponderem os montantes fixados administrativamente no âmbito do regime de habitação a custos controlados ou de renda condicionada (art.º 26º/5).
Como tem sido entendido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional e por alguma doutrina, o n.º5 do art.º 26.º do Cód. Exp.: “não impõe uma correspondência do preço por metro quadrado e construção, para efeitos de expropriação, ao preço por metro quadrado de construção fixado administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada, mas apenas uma obrigação de consideração destes preços como padrão de referência ou como fator indiciário do custo do metro quadrado de construção para o cálculo da indemnização por expropriação. Ou seja, sendo o critério do cálculo do custo de construção meramente referencial, é possível atender a outros critérios, entre os aplicáveis previstos no art.º 26.º do Cód. Exp..
O custo da construção para efeitos do cálculo do valor da indemnização é o da construção possível e não o da construção destinada a ser implantada no terreno.”

É precisamente com os critérios utilizados no cálculo do custo de construção, que o Apelante discorda. Discorda desde logo, que tenha sido usado como referencial o custo da construção fixado administrativamente para o regime de renda condicionada.

Com efeito, na sentença recorrida, o referencial utilizado pelos senhores peritos, conforme laudo pericial junto aos autos em 22.7.2022, foi o custo de referência definido para o ano de 2014 para a renda condicionada, na Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, que para a zona I (...) que foi de 801,06 € por m2 de área útil.

Mediante atualização da moeda até à data da Declaração de Utilidade Pública, conforme site do INE, atingiu-se o valor de 826,73 €/m2, que corresponde a 774,06 € por m2 de área bruta de construção (826,73 €/m2 x 0,90 de acordo com o já explicitado fator de conversão da área útil em área bruta de construção).

Defende o Apelante que o valor do custo de construção que foi apurado no valor de €774,06 por m2 de área bruta de construção, é excessivo e desproporcional.

E que o Tribunal laborou em erro, porquanto, através da Portaria n.º 65/2019, de 19-2, foi revisto o regime da habitação de custos controlados, consagrando, no seu art.º 9.º, que “O CS é fixado, com referência a 1 de janeiro de 2019, em 710 (euro), data a partir da qual se aplicará trimestralmente, com as necessárias adaptações, a revisão de preços calculada de acordo com o regime de revisão de preços das empreitadas de obras públicas e de obras particulares e de aquisição de bens e serviços.”

Ainda que assim não se entenda, a Portaria n.º 156/2014, de 12-8, fixa para vigorar em 2014, o preço da habitação por metro quadrado de área útil, bem como as condições de alienação e a fórmula de cálculo do preço de venda dos terrenos destinados a programas de habitação de custos controlados, sendo que para o Município ... e para o ano de 2014, tal valor se fixou em €679,35/m2 (cfr. al. a) do artº 1º).

Vejamos.

Na sentença, foi acolhido como referencial o custo de construção fixado anualmente para a habitação de renda condicionada.

O regime de renda condicionada está previsto no Decreto-Lei n.º 329 -A/2000, de 22 de dezembro, em vigor por força do disposto no artigo 61.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto. Um dos fatores de determinação do valor atualizado do fogo em regime de renda condicionada é, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto -Lei n.º 329 -A/2000, de 22 de dezembro, o preço da habitação por metro quadrado (Pc), o qual, de acordo com o artigo 4.º do mesmo diploma, é fixado anualmente, para as diferentes zonas do País, mediante portaria.
De acordo com o art. 1º nº 2 do DL 329-A/2000 de 22 de dezembro o valor atualizado dos fogos em regime de renda condicionada será determinado, ponderando entre outros fatores a área útil definida nos termos do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

Na sentença, a opção pelo montante fixado administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de renda condicionada, através da Portaria 353/2013, de 4 de Dezembro, foi justificada da seguinte forma: “Os Senhores Peritos esclareceram (esclarecimentos juntos em 03.04.2023) que optaram pela utilização da Portaria n.º 353/2013, atualizada à data da DUP, em detrimento da Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, que revê o regime de habitação de custos controlados, por considerarem que os valores da primeira, atualizados nos termos expostos, se aproximam mais aos valores reais e correntes do custo de construção.

A lei não estabelece a prioridade de utilização dos valores relativos à construção a custos controlados ou à atinente às casas de renda condicionada. Tendo em conta o fim da lei, propendemos a considerar que os árbitros ou os peritos devem utilizar desses valores o que se revelar mais adequado à consecução do princípio da justa indemnização (SALVADOR DA COSTA – Ob. Cit., p. 181).”

Esta Portaria 353/2013 prevê o preço da habitação por metro quadrado, para efeito de determinação do valor atualizado do fogo em regime de renda condicionada, para o ano de 2014, consoante as zonas do país.

Estabelece no seu artigo 1º que:

“Os preços da habitação por metro quadrado de área útil que vigoram durante o ano de 2014 são os seguintes:
a) Na zona I - (euro) 801,06;(…)”

Uma vez que a referência é do ano de 2014, aquele valor foi devidamente atualizado para o ano de 2020, (da DUP) através dos coeficientes de atualização anuais publicados INE para a atualização dos diversos tipos de renda para os anos 2015, 2016, 2017 e 2018, respetivamente, Aviso nº ..., Aviso nº ..., Aviso nº ... e Aviso ....

O Recorrente defende que o tribunal deveria, ao invés, ter lançado mão dos fatores estabelecidos nas Portarias que fixam o custo de habitação de custos controlados:

-A Portaria 156/2014 de 12.8 que fixa, o preço da habitação por metro quadrado de área útil, bem como as condições de alienação e a fórmula de cálculo do preço de venda dos terrenos destinados a programas de habitação de custos controlados, para vigorar no ano de 2014.

-A Portaria n.º 65/2019 de 19 de fevereiro veio atualizar os conceitos e os parâmetros de área, custo de construção e valor máximos de venda a que as habitações de custos controlados estão sujeitas.

Como vimos, a utilização dos valores fixados administrativamente, nos termos do art. 26º nºs 4 e 5 do Código das Expropriações, é feita unicamente como  critério referencial, no sentido de apurar o valor real e corrente de mercado, sem considerar critérios especulativos.

Na situação em apreço, verifica-se que os peritos perante a inviabilidade de aplicação do critério previsto no nº 2 e 3 do art. 26º do Código das Expropriações, atenderam aos valores fixados administrativamente, conforme decorre do disposto no art. 23º nºs 4 e 5 do Código das Expropriações, seguindo para o efeito os valores fixados para efeitos da aplicação do regime de renda condicionada – Portaria 353/2013 de 4.12.

É certo que, a Portaria 65/2019 que fixa (administrativamente) o preço de construção para as habitações com custos controlados, é mais recente, porém, o valor do custo de construção fixado para o regime de renda condicionada pela Portaria 353/2013, para vigorar no ano de 2014, foi devidamente atualizado, através de critérios objetivos.

O que interessa na opção entre uma ou outra Portaria, a ser utilizada apenas como critério referencial, é que os valores a que conduzem para apuramento do preço de construção, por m2, se aproximam mais aos valores reais e correntes do custo de construção naquela área geográfica concreta.

De salientar que, apesar do relatório pericial não ter sido subscrito de forma unanime, todos os peritos  convergiram na utilização como referência dos valores fixados administrativamente pela Portaria 353/2013 de 4.12., por entenderem que os valores aí fixados administrativamente, atualizados nos termos expostos, “se aproximam mais aos valores reais e correntes do custo de construção.”

E solicitados a esclarecer a opção, deram também uma resposta unânime, no esclarecimento prestado em 3.4.2023, dizendo o seguinte: “Os Peritos entenderam adotar a mesma metodologia dos árbitros, para o referencial do preço para construção / m2, por considerarem que o valor obtido ser consentâneo com a realidade à data da DUP.”

Os senhores peritos justificaram o recurso à Portaria n.º 353/2013, atualizada à data da DUP, em detrimento da Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, por considerarem que os valores da primeira, atualizados nos termos expostos, se aproximam mais aos valores reais e correntes do custo de construção.

Como é comummente aceite, nos processos de expropriação, cuja decisão depende de importantes conhecimentos técnicos, o juiz deve dar particular relevo aos pareceres dos peritos, atentos os seus conhecimentos técnicos, sem que tal ponha em causa o seu poder/ dever de decisão de acordo com a legalidade.

O recorrente não justifica, a nosso ver suficientemente, em face do exposto,  que a opção pela  Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro (que fixa os custos das habitações de custos controlados”), no caso em apreço, se aproxime mais dos valores reais e correntes do custo de construção, ou que, a aplicação da portaria 353/2013, com atualização dos valores á data da DUP, por conseguinte se afaste destes.

Desta forma entendemos, não terem ficadas demonstradas razões concretas que permitam afastarmo-nos das diretrizes seguidas pelos peritos nesta questão, na posição por aqueles subscrita, que se mostra consentânea com as disposições legais aplicáveis e os princípios e objetivos do processo expropriativo.

Ainda relativamente aos custos de construção, discorda ainda a Expropriante dos fatores de correção utilizados, a que alude o nº 6 do art. 26º do CE,  - para cálculo do índice de incidência fundiária - defendendo que não deverão ser superiores a 7,5%, correspondendo 2,5% a localização, 2,5% a qualidade ambiental e 2,5 % a equipamento.

Vejamos.

Nos termos do artigo 26.º n.º 6 do CE, num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona.

Na sentença, foi, uma vez mais acolhida a percentagem apontada pelos Senhores Peritos, que também nesta questão, acolheram voto unanime, no valor de 8,5%.

A divergência do Recorrente, que defende que aquela percentagem deva diminuir em 1%, assenta nos seguintes fatores, que entende terem sido erroneamente apreciados: localização, qualidade ambiental e equipamentos existentes na zona.

Quanto à localização, defende o Apelante, deverá atender-se que o terreno era isolado e afastado da cidade ..., sendo ainda que, à data da Declaração de Utilidade Pública, os acessos à parcela eram de péssima qualidade, cingindo-se, então, a caminhos de terra, frequentemente enlameados;

No que respeita à qualidade ambiental, a parcela expropriada não corresponde a um lugar com beleza paisagística, sendo, à data da Declaração de Utilidade Pública, praticamente inexistentes quaisquer construções perto da parcela, a não ser alguns barracos e construção abandonada e, como já referido, inexistiam acessos dignos, bem como inexistiam quaisquer infraestruturas.

A parcela expropriada dista apenas 171 metros lineares da Linha Ferroviária ..., a qual tem um tráfego de ferroviário intenso, que é causa de poluição sonora e ambiental, pois nem todos os comboios que circulam nesta linha são elétricos.

No que respeita aos equipamentos existentes na zona à data da Declaração de Utilidade Pública, não existia qualquer tipo de equipamento, a não ser, nas proximidades da parcela expropriada, uma escola de ensino básico.

Defende que os índices superiores devem ser reservados para zonas mais valorizadas, de nível superior ao da parcela expropriada.

Nos termos do artigo 26.º n.º 6 do CE, num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte

Na sentença, a percentagem de 8,5%, ao invés dos 7,5% preconizados pelo ora Apelante, foram justificados desta forma: “Ora, atendendo a que a parcela expropriada é situada no Lugar ..., da freguesia e Município ..., numa área compreendida entre a ... e a linha de caminho-de-ferro, coincidindo em parte com uma grande mancha de floresta na zona norte de ..., numa zona de transição entre espaços urbanos e rurais, junto a uma área em desenvolvimento que se estende para sul e nascente, e próximo da Escola ... e da Av. ...; dista cerca de 1,9 km da estação ...; a pouco mais de 500 metros tem supermercado e outras lojas de conveniência; utilizando as vias Expropriação rodoviárias existentes à data da DUP, é de cerca de 1500 metros a distância que mediava entre a parcela expropriada e o acesso à Autoestrada ..., mas o local e a parcela tinham acesso por caminhos de terra batida, não infraestruturados; que a propriedade dispunha de rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, mas não dispunha de acesso rodoviário pavimentado, de passeios, de rede de abastecimento domiciliário de água, de rede de saneamento com coletor em serviço, de rede de drenagem de águas pluviais, de estação depuradora ou de rede de gás e que, em termos ambientais, a zona onde o prédio se insere caracteriza-se pela reduzida presença de focos de poluição, entendemos que a percentagem de 8,5% apontada pelos Senhores Peritos é adequada.

Nesta decisão mostram-se ponderados, a nosso ver, de forma adequada, atendendo à factualidade provada, os fatores concretos apontados pelo Recorrente, relativos à localização, qualidade ambiental e equipamentos existentes na zona.

Tal percentagem poderá ser acrescida até ao limite de cada uma das percentagens previstas nas alíneas do n.º 7 do artigo 26.º do CE, com a variação que se mostrar justificada.

Com base nos factos provados e devidamente fundamentado, os Senhores Peritos indicaram valores que conduzem a uma percentagem final de 9,5%. Considerou-se apenas, na ausência de outras infraestruturas valorizáveis, a existência de Rede de distribuição de energia elétrica, à qual corresponde a variação de 1,0%.

Também aqui houve unanimidade dos peritos, sendo que não se vislumbram razões para alterar aquele computo, que foi acolhido na sentença.

O índice fundiário mostra-se assim devidamente ponderado e calculado, pelos peritos, sendo diferenciador daquelas outras situações, que como alega ao recorrente devem ser feitas, não se justificando, a nosso ver  a alteração requerida, com fundamento em erro.

O perito da Expropriante divergiu apenas do cálculo efetuado, por entender que haveria ainda que agravar o custo de construção, em 10%, pois o local e a parcela tinham acesso por caminhos de terra batida, não infraestruturados, o que o aqui Apelante defende.

Esta solução não se mostra acolhida na sentença, que seguiu a opinião dos peritos nomeados pelo tribunal e pelos Expropriados, pela seguinte razão: “Os Senhores Peritos que subscreveram a posição maioritária não aplicaram qualquer percentagem ao abrigo destes n.os 8, 9 e 10 do artigo 26.º do CExp. e explicitaram o que os motivou nessa decisão, em particular nos esclarecimentos prestados e 03.04.2023, nos seguintes termos: A avaliação realizada considerou as características do prédio e da parcela à data da DUP, nomeadamente localização e infraestruturas. Assim, como a única infraestrutura junto ao prédio era a rede de distribuição de energia elétrica, esta foi a única considerada, ou seja, a percentagem a aplicar para a determinação do valor do terreno, conforme nºs 6 e seguintes do artº 26º do CE, apenas se teve em consideração a localização (8,5%) e a rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, não se tendo considerado mais nenhuma por não existir. Neste contexto, considera-se não fazer sentido deduzir o que não se acrescentou, ou seja, como não se considerou o terreno urbanizado não há lugar à dedução dos respetivos encargos.

Estamos de acordo com esta posição no que concerne aos n.os 8 e 9 do artigo em análise.”

Por estas razões entendemos ser de manter a decisão, que foi acolhida pela maioria dos peritos, não aplicando o fator corretivo previsto nos nºs 8 e 9 do art. 26º do CE.

Na sentença, o tribunal a quo, já não acolheu tal posição maioritária dos peritos quanto ao fator de correção relacionado com o risco de construção 8nº 10 do art. 26º do CE).

Resta pois, apreciar a aplicação do fator corretivo, (cujo valor máximo é de 15%) pela inexistência de risco e do esforço inerente à atividade construtiva, nos termos previstos no n.º 10, do mesmo artigo 26.º, que dispõe assim: “O valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.ºs 4 a 9 será objeto da aplicação de um fator corretivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à atividade construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação”.

Os peritos do Tribunal e dos Expropriados entenderam não ser de aplicar qualquer  fator corretivo do risco.

O perito da Expropriante defendeu a aplicação do fator de risco de 10%.

O ora apelante defende dever ser aplicado o valor máximo de 15%.

O tribunal, na sentença, afastou-se do entendimento maioritário dos peritos, tendo aplicado o fator corretivo que fixou em 5%.

O tribunal a quo justificou a aplicação deste “coeficiente de risco” desta forma: «não obstante os senhores peritos não terem fixado expressamente o valor deste risco, a verdade é que, num terreno deste tipo, este risco e esforço existe sempre. A este propósito, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/10/2019, proferido no processo 32/10.0TBSJP.C3, disponível em www.dgsi.pt, onde se concluiu que “Porque, por via de regra, a construção implica sempre custos, ónus, encargos, perdas de tempo, stress, etc, o fator corretivo previsto no nº10 do artigo 26º do CE apenas pode deixar de ser aplicado se inequivocamente se provar a inexistência de tais condicionantes”. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/07/2006, proferido no processo 0632987, nos termos do qual “Sendo uma parcela avaliada como terreno apto para construção, haverá sempre uma margem de risco, maior ou menor, pelo que só em situações absolutamente excecionais, em que haja garantia quase absoluta de sucesso da operação urbanística e imobiliária e sem qualquer esforço por banda do investidor, se poderá dizer que o aludido risco se não verifica”.

O artigo 26º nº 10 do CE tem por função diminuir o valor da avaliação com o fim de o ajustar ao valor do mercado.

Entende-se que com este normativo que introduz um “fator de correção” tem-se em vista reduzir o valor da avaliação resultante da aplicação dos fatores fixados nos nºs 4 a 9 do artigo 26º, através da incidência da percentagem nele prevista e no pressuposto de que o expropriado não suporta o risco e o esforço inerente à atividade construtiva, a fim de o ajustar ao valor de mercado.

Na apreciação desta questão, como vimos, os Senhores Peritos divergiram entre si, entendendo os peritos do tribunal e dos Expropriados não ser de aplicar qualquer percentagem corretiva, defendendo o Perito do Expropriante uma correção de 10%.

Nesta parte, o laudo pericial não foi acolhido pelo tribunal a quo, tendo na sentença sido decidido o seguinte: “… considerando o estado da parcela, que estava utilizado para a produção agrícola de produtos hortícolas e ainda para a criação de animais (três ovelhas e um suíno), aí existindo um anexo que serve de corte/abrigo de animais e ainda 12 árvores de frutos localizadas junto ao muro de vedação, julgamos adequado e razoável aplicar, dentro dos limites de 0% a 15%, a percentagem de 5%.”

A discordância do Apelante do decidido na sentença, é no sentido de dever ser aplicado o fator corretivo máximo de 15%, por entender que a parcela de terreno, à data da Declaração de Utilidade Pública, dispunha de uma menor atratividade, pelas suas características e localização e, consequentemente, os interessados naquela parcela seriam muito reduzidos, e tendo  acessibilidades rodoviárias de má qualidade, tal determinava uma menor procura por aqueles terrenos, desvalorizando-os.

Caso os Expropriados pretendessem promover uma edificação no terreno objeto dos presentes autos, teriam sempre de suportar, para além do mais referido, os custos das respetivas taxas, dos projetos e ações de promoção da venda. Assim, a sentença devia ter aplicado a percentagem máxima por este fator de risco, uma vez que a Expropriada não desenvolveu qualquer atividade construtiva e, como tal, não suportou qualquer despesa inerente a essa atividade.

Vejamos.

Entende-se que, com este normativo que introduz um “fator de correção”, tem-se em vista reduzir o valor da avaliação resultante da aplicação dos fatores fixados nos nºs 4 a 9 do artigo 26º, através da incidência da percentagem nele prevista e no pressuposto de que o expropriado não suporta o risco e o esforço inerente à atividade construtiva, a fim de o ajustar ao valor de mercado.

No acórdão do TRC, de 08.10.2019[5], afirma-se que esta norma “é ditada por exigências de igualdade entre o expropriado que, por virtude da expropriação, obtém uma indemnização sem sofrer os riscos e o esforço decorrentes do processo construtivo, e o não expropriado que, em idênticas condições, levasse a cabo a edificação possível.

(…) Estão em causa, vg., os riscos inerentes aos custos de organização, marketing, impostos, acidentes na obra, mau tempo, surpresas geológicas, encarecimentos da mão-de-obra e dos materiais e, até, riscos inerentes à comercialização, como, por exemplo, depreciação do imóvel, dificuldades de venda por retração do mercado por virtude de aumento das taxas de juro de empréstimos para habitação que o expropriado suportaria se tivesse podido realizar o empreendimento admitido como possível na avaliação.

A aplicação deste normativo funda-se, pois, no pressuposto de que o expropriado ao receber uma indemnização líquida dos custos que normalmente advêm dos riscos e do esforço inerentes à efetiva edificação, ficaria numa situação de intolerável vantagem ou benefício”.

É, todavia, pacífico na jurisprudência que este fator corretivo não é de funcionamento automático. Embora o risco e o esforço existam por via de regra, a indemnização já é fixada por valores médios e, no caso dos solos para construção, o custo da construção a considerar na avaliação já tem em conta o esforço construtivo na situação concreta. Acresce que o risco construtivo pode nem sequer existir, como sucederá se o terreno for vendido a alguém que depois o vai construir – Ver acórdão recente desta Relação de 30.1.2024.[6]

A este propósito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/10/2019,[7] concluiu-se que: “Porque, por via de regra, a construção implica sempre custos, ónus, encargos, perdas de tempo, stress, etc, o fator corretivo previsto no nº10 do artigo 26º do CE apenas pode deixar de ser aplicado se inequivocamente se provar a inexistência de tais condicionantes”. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/07/2006,[8] onde se afirma: “Sendo uma parcela avaliada como terreno apto para construção, haverá sempre uma margem de risco, maior ou menor, pelo que só em situações absolutamente excecionais, em que haja garantia quase absoluta de sucesso da operação urbanística e imobiliária e sem qualquer esforço por banda do investidor, se poderá dizer que o aludido risco se não verifica”.

No caso em apreço, o Expropriante defende a aplicação do fator corretivo do risco pelo valor máximo, de 15%, com fundamento em que “a parcela de terreno, à data da Declaração de Utilidade Pública, dispunha de uma menor atratividade, pelas suas características e localização e, consequentemente, os interessados naquela parcela sejam muito reduzidos, com acessibilidades rodoviárias de má qualidade, o que determinava uma menor procura por aqueles terrenos, desvalorizando-os. À data da Declaração de Utilidade Pública, em ..., a oferta imobiliária era elevada e diversificada, existindo várias alternativas de terrenos com características idênticas à parcela expropriada. Caso os Expropriados pretendessem promover uma edificação no terreno objeto dos presentes autos, teriam sempre de suportar, para além do mais referido, os custos das respetivas taxas, dos projetos e ações de promoção da venda.”

Assim, conclui, a sentença devia ter aplicado a percentagem máxima por este fator de risco, uma vez que a Expropriada não desenvolveu qualquer atividade construtiva e, como tal, não suportou qualquer despesa inerente a essa atividade.

Nesta matéria provou-se que o prédio e a parcela situam-se no Lugar ..., da freguesia e Município ..., numa área compreendida entre a ... e a linha de caminho-de-ferro, coincidindo em parte com uma grande mancha de floresta na zona norte de ..., numa zona de transição entre espaços urbanos e rurais, junto a uma área em desenvolvimento que se estende para sul e nascente, e próximo da Escola ... e da Av. ....

O local e a parcela tinham acesso por caminhos de terra batida, não infraestruturados e qualquer projeto que se viesse a apresentar para o terreno obrigava à execução do arruamento que ligaria à rotunda da Av. ..., numa extensão de cerca de 140,00 metros lineares, bem como às demais infraestruturas (passeios, redes públicas de abastecimento de água, de saneamento de água pluviais e residuais, de energia e iluminação pública, gás e comunicações entre outras).

Pensamos que o Expropriante tem razão, ao valorizar o risco da construção, em face desta factualidade que emergiu provada.

Com efeito, a quase total ausência de infraestruturas, (com exceção da rede elétrica), faz com que a nosso ver seja inegável a existência de um esforço ou risco grande a considerar para edificar a parcela nessas condições.

A inexistência de arruamentos, sendo que a parcela é apenas servida por caminhos de terra batida, dificultaria só por si, enormemente o processo edificativo.

Apenas a contrariar tal risco, o facto da mesma se situar, tal como se provou, na zona norte de ..., numa zona de transição entre espaços urbanos e rurais, junto a uma área em desenvolvimento que se estende para sul e nascente, e próximo da Escola ... e da Av. ....

Daí que, tenhamos de concordar com o Apelante, no sentido de dever ser aplicável o fator corretivo de risco previsto no art. 26º nº 10 do CE, que julgamos ser adequado e razoável aplicar, dentro dos limites de 0% a 15%, na percentagem de 10%,  valor que foi oportunamente atribuído ao risco pelo perito da Expropriante.

Nestes termos deve proceder parcialmente o recurso, nesta parte, introduzindo-se tal fator de correção.

Nestes termos deverá a indemnização ser calculada desta forma:

Em face dos parâmetros fixados, o valor do m2 do tereno da parcela a expropriar é de 83,83 €/m2 [1,2 m 2 /m 2 x 774,06 €/m2 x 9,5% x 0,95 (100% - 10%)], ou seja de 29.781,00 euros.

VI-DECISÃO

Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando parcialmente a sentença, reduzindo-se o valor da indemnização a pagar pela Entidade Expropriante Município ... aos Expropriados AA e mulher BB pela expropriação da parcela supra identificada ao valor de 29.781,00 € (vinte e nove mil setecentos e oitenta e um euros), atualizável nos termos já determinados na sentença.

Custas na proporção do decaimento, por ambas as partes.


Porto, 9 de abril de 2024
Alexandra Pelayo
Rui Moreira
Fernando Vilares Ferreira
___________________
[1] Publicado no DR, I Série, de 30.03.90.
[2] In Guia das Expropriações por Utilidade Pública, Almedina, Coimbra, 2013, pg. 291-293.
[3] Proferido no Proc. 2313/04.3 TBCLD.L1-6, encontrando-se disponível in www.dgsi.pt.
[4] Proferido no Proc. 2593/05.7 TMSNT.L1 e disponível no mesmo loc.
[5] Proferido no proc. n.º 32/10.0TBSJP.C3 e disponível in loc. Cit.
[6] Relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Artur Dionísio Oliveira, por nós subscrito, também subscrito pela ora relatora, no P 1108/09.2TBVNG.P1, disponível in loc cit.
[7] Proferido no processo 32/10.0TBSJP.C3, disponível no mesmo loc.
[8] Proferido no processo 0632987, disponível no mesmo loc.