Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
687/23.6T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO TAVEIRA
Descritores: DOCUMENTOS EM PODER DE TERCEIRO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Nº do Documento: RP20251028687/23.6T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 10/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Da conjugação dos artigos 7.º, n.º 4, 432.º e 436.º do Código do Processo Civil resulta que a requisição pelo tribunal de documentos em poder de terceiros, a pedido da parte onerada com ónus da prova dos factos, a cuja demonstração aqueles documentos se destinam, está condicionada à alegação e prova da impossibilidade ou da dificuldade séria em a parte requerente os obter por si.
II - O princípio do inquisitório – assim como o dever de gestão processual consagrado no artigo 6.º do Código do Processo Civil – não se destina a suprir incumprimento de ónus processuais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º[1] 687/23.6T8MAI-A.P1

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Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível da Maia - Juiz 4

RELAÇÃO N.º 261

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: Alexandra Pelayo

Pinto dos Santos


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

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I - RELATÓRIO.

AS PARTES


Reqte.: AA.

Reqda/Cabeça de casal: BB.


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A)


O Reqte por requerimento de 06.02.2023, veio o com o processo especial de inventário por óbito de CC, em que são herdeiros, reqte e reqda, sendo esta a cabeça de casal.

Que os bens da herança são constituídos por depósitos em contas bancárias, em número de 4, sendo que as mesmas eram co tituladas, pelo inventariado, pela cabeça de casal e pelo seu marido.

Que a totalidade dos saldos de tais contas bancárias eram pertencentes ao inventariado, sendo que foi já integralmente partilhado 1/3 de tal valor (85.318,23 €), cabendo a cada um 15.969,19 €.


B)

A cabeça de casal, após citação, veio deduzir oposição ao pedido de inventário.

C)

Por decisão de 19.02.2024, foi ordenado:

(…) determino se solicitem as seguintes informações, relativamente ás seguintes contas bancárias:

- D.O (000.001) CONTA N.º ..., que à data do óbito do de cuius tinha depositado o valor total de € 15.267,10;

- D.O (420.001) CONTA N.º ..., que à data do óbito do de cuius tinha depositado o valor total de € 10.007,19;

- D.O (420.002) CONTA N.º ..., que à data do óbito do de cuius tinha depositado o valor total de € 10.007,19; -

D.O (420.004) CONTA N.º ..., que à data do óbito do de cuius tinha depositado o valor total de € 50.036,55.


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Solicite, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 436.º do Cód. do Proc. Civil a notificação do Banco 1..., S.A., com sede na Rua ..., ... Porto, para vir informar os presentes autos,

1) da data de abertura de cada uma das indicadas contas no art. 20 da presente resposta,

2) da identificação do ou dos titulares das contas à data da sua abertura,

3) da data em que a cabeça de casal e o outro co-titular (seu marido) começaram a ser titulares das contas nas contas e a que título,

4) para fornecer os extratos bancários desde a data em que as referidas contas passam a ser co-tituladas por três intervenientes, para, assim, se aquilatar da proveniência e titularidade dos depósitos existentes à data do óbito do de cuius.”


C)

O Banco 1... respondeu por ofício de 22.03.2024, nos seguintes termos:

 


D)

O reqte AA, veio pedir esclarecimentos:

(…) Porém, a informação não esclarece, como lhe foi solicitado, a identificação dos respetivos titulares, pelo que se impõe a notificação do Banco 1..., S.A. para esse efeito., devendo antes disso, ser notificada a cabeça de casal e seu marido para autorizarem o fornecimento dessa informação aos autos.

3.

Ademais, e sem prejuízo da informação já junta, o exponente mantém o interesse em que os extratos dos movimentos das contas de depósitos à ordem n.º ... e as contas de depósitos a prazo n.os ... e ... e ... sejam juntos aos autos, pois só com tais elementos se poderá esclarecer a titularidade dos respetivos saldos, pelo que requer a notificação do Banco 1..., S.A. para esse efeito.

Por sua vez, a cabeça de casal por requerimento de 17.04.2024, veio expor que os elementos solicitados pelo reqte AA podem ser pedidos e prestados directamente, sem que tenha que haver intervenção do Tribunal.


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DA DECISÃO RECORRIDA


Após, foi proferida DECISÃO, nos seguintes termos:

Como bem refere a requerida, o interessado requerente, munido da escritura de habilitação de herdeiros, pode junto a Instituição bancária, requerer as informações que entender, não carecendo da cooperação do Tribunal.”


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DAS ALEGAÇÕES

O Reqte., AA, vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

Deverão V. Ex.as conferir provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida, nos termos propugnados pelo recorrente.”.


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O apelante apresenta as seguintes CONCLUSÕES:

I - O despacho recorrido viola o caso o caso julgado formal previsto no nº1 do art. 620º do CPC, segundo o qual “as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre relação processual têm força obrigatória dentro do processo.”, pois desconsidera, em absoluto, despacho anterior, proferido em 19 de fevereiro de 2024, sobre a mesma matéria, já transitado em julgado;

II - O caso julgado formal traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, que pode ser um despacho, uma sentença ou acórdão, decorrente do seu trânsito em julgado. O caso julgado formado através do trânsito em julgado da decisão proferida significa que essa decisão passa a ter força obrigatória dentro do processo, não podendo ser revertida ou modificada (pelo tribunal que a proferiu ou qualquer outro), nem podendo, nesse processo, admitir-se a prática de qualquer acto que seja contraditório com o seu conteúdo decisório.

III - A decisão recorrida viola, também, o disposto no n.º 3 do art. 1105.º do Cód. do Proc. Civil, pois descura a realização de diligências que, a determinada altura, reputou por necessárias e que por essa razão mandou realizar.

IV - Impõe-se, por conseguinte, e na procedência do presente recurso, determinar a revogação do despacho proferido em 26 de setembro de 2024, e a sua substituição por outro que determine a notificação do Banco 1..., S.A., para que venha, em complemento à resposta já oferecida em 22 de março de 2024, prestar as informações ainda em falta, designadamente: “2) a identificação do ou dos titulares das contas à data da sua abertura, 4) para fornecer os extratos bancários desde a data em que as referidas contas passam a ser co-tituladas por três intervenientes, para, assim, se aquilatar da proveniência e titularidade dos depósitos existentes à data do óbito do de cuius.”“.


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A reqda apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso.

Pugna pela rejeição do recurso por falta de pagamento da taxa de justiça devida, na sequência do não pagamento em prazo a contar do cancelamento do apoio judiciário ao apelante.


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Foi proferido despacho de 16.06.2025:

Requerimento, de 19 de Maio de 2025

Admite-se o pagamento da taxa de justiça relativa ao recurso interposto pelo requerente, em 14 de Outubro de 2024 – cfr. n.º 3 do artigo 642.º e n.º 10 do artigo 552.º, ambos do Código de Processo Civil.


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II-FUNDAMENTAÇÃO.


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

A questão a decidir, é aferir e decidir se o despacho objecto de recurso violou ou não caso julgado formal.

Por força do despacho de 16.06.2025, a questão suscitada pela reqda, da consequência do não pagamento atempado da taxa de justiça pela interposição de recuso, está já decidida.


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OS FACTOS


Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório.

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DE DIREITO.


Argumenta o apelante o Tribunal ao não ter deferido a sua pretensão (pedido de identificação dos titulares das contas; pedido dos extractos dos movimentos) violou anterior decisão, ie, violação de caso julgado formal.

Considerandos.

Em primeiro lugar, importa afirmar, que não há dúvidas que o caso julgado é uma daquelas questões, que é de conhecimento oficioso por parte do Tribunal, qualquer que seja a instância. Nos termos dos artigos 579.º a 581.º do Código de Processo Civil, de modo imperativo o Tribunal oficiosamente tem de conhecer destas questões, não estando dependente da alegação das partes (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Tanto assim, que independentemente do valor da causa e da sucumbência é sempre admissível recurso com fundamento na ofensa de caso julgado (artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil).

Apreciemos então a questão suscitada à luz do caso julgado formal.

O artigo 620.º do Código de Processo Civil com a epígrafe “Caso julgado formal”, dispõe:

1 - As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a rela-ção processual têm força obrigatória dentro do processo.

2 - Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º.

Por sua vez, o artigo 625.º do Código de Processo Civil com a epígrafe, Casos julgados contraditórios, dispõe o seguinte:

1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.

2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual. “.

Pressuposto essencial do caso julgado formal é que uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e que não foi recorrida seja objecto de repetida decisão. Se assim for, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão.“, in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 1306/14.7TBACB-T.C1.S1, de 08.03.2018, relatado pelo Cons FONSECA RAMOS.

No mesmo sentido Acórdão Tribunal da Relação do Porto 1320/14.2TMPRT.P1, de 17.05.2022, relatada pelo Des JOÃO RAMOS LOPES, “O caso julgado consubstancia-se ‘na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário’, tornando indiscutível o conteúdo da decisão “.

Quanto ao que seja caso julgado socorremo-nos dos seguintes ensinamentos:

1. A repetição da causa ocorre quando é proposta uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, sendo essa tripla identidade crucial para a verificação de alguma das exceções dilatórias de caso julgado e de litispendência. Contudo, apesar da aparente simplicidade do preceito, que foi ao ponto de definir cada um dos elementos (subjetivo e objetivo) da instância, a sua aplicação suscita enormes dificuldades, que resultam bem transparentes da leitura de arestos jurisprudenciais e de elementos doutrinais (RC 12-12-17, 3435/16).

2. A identidade de sujeitos não supõe a mera identidade física ou nominal, verificando-se ainda quando as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, ou seja, não apenas aquelas que intervieram formalmente no processo, mas ainda, designadamente, "aquelas que assumiram, mortis causa ou inter vivos, a posição jurídica de quem foi parte na causa depois de a sentença ter sido proferida e transitada em julgado" (Maria José Capelo, A Sentença Entre a Autoridade ca Prova, p. 324). (…)

4. Também ocorre a identidade dos sujeitos quando os mesmos são portadores do mesmo interesse substancial quanto à relação jurídica em causa (STJ 9-7-15, 896/09), solução que também foi assumida em STJ 22-2-15, 915/09, onde se refere que "para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente atuou e atua no processo". A identidade de sujeitos, com os limites assim definidos, constitui o pressuposto básico para a invocação quer da exceção de caso julgado (vertente negativa), quer para a afirmação dos limites do caso julgado (vertente positiva). Não é possível de modo algum extrair efeitos de uma decisão judicial relativamente a um sujeito que não possa considerar-se vinculado nos termos anteriormente referidos.

5. A identidade de pedidos afere-se pela circunstância de em ambas as ações se pretender obter o mesmo efeito prático-jurídico, não sendo de exigir uma adequação integral das pretensões (ST) 24-2-15, 915/09, STJ 14-12-16, 219/14 e STJ6-6-00, 00A327). Assim, se a forma como o autor se expressou na petição inicial e o modo como tal se refletiu na sentença são importantes para a aferição da identidade do pedido que foi formulado e apreciado, não deixa de ser importante o que, numa perspetiva substancial, está contido explicitamente e, por vezes, até implicitamente nessas formulações, seguindo sempre um critério orientador segundo o qual, para além de ser dispensável a repetição da mesma causa entre os mesmos sujeitos, deve vedar-se a possibilidade de ocorrer, com a sentença que venha a ser proferida, uma contradição decisória.

6. A identidade de pedidos pode, aliás, ser apenas parcial e, ainda assim, ser bastante para que se considerem verificadas a exceção de litispendência ou de caso julgado. Por exemplo, em face de uma anterior sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre um determinado prédio, com base num determinado fundamento (ação de simples apreciação positiva), existe repetição da causa se for proposta uma ação de reivindicação na qual, com base no mesmo fundamento, se pretenda ainda a condenação do réu na restituição do bem (cf. sobre a delimitação e características do pedido, cf. anot. aos arts. 3º, 1869 e 552).” in Código de Processo Civil Anotado, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS PIRES DE SOUSA, 2018, em anotação ao artigo 581.º do Código de Processo Civil.

LEBRE DE FREITAS, RIBEIRO MENDES E ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed., em anotação ao artigo 629.º, pág., 28, afirmam:

A ofensa de caso julgado, por seu turno, pressupõe que a decisão impugnada tenha contrariado outra decisão anterior, já transitada em julgado (arts. 619 e 620; cf. arts. 580 e 581), não se aplicando a norma com fundamento em o acórdão recorrido se ter baseado em ofensa do caso julgado que o recorrente pretenda que não se verificou.

No ac. do STJ de 18.12.13 (ABRANTES GERALDES), proc. 1801/10, decidiu- -se que ocorre ofensa de caso julgado quando a Relação, no âmbito do recurso de apelação interposto pelo autor, haja modificado ex officio o decidido na 1.ª instância, objeto de recurso, em termos que se revelem mais desfavoráveis para o apelante, com desrespeito pelo que dispõe o art. 635-5. Ver ainda os acs. do STJ de 17.11.15 (SEBASTIÃO POVOAS), proc. 34/12, e de 15.2.17 (NUNES RI-BEIRO), proc. 2623/11.

Feita estas precisões, voltando ao caso dos autos, é de concluir que a questão ora suscitada pelo apelante improceder.

Oficiosamente o Tribunal por despacho de 19.02.2024 (supratranscrito na alínea C)), ordenou que a entidade prestasse as informações descriminadas nos pontos 1 a 4.

A entidade bancária respondeu nos termos apontados em C).

O Tribunal a quo dado que nada mais solicitou à entidade bancária, está satisfeito com a resposta. Esta posição da M.ma Juíza, não merece censura.

Ora, ser o reqte, AA, pretende outras informações, para além daquelas que o Tribunal pediu e que a entidade bancária respondeu, deveria ter formulado tal pretensão de modo claro.

No seu requerimento inicial o interessado AA não teve qualquer problema na identificação dos titulares das contas bancárias, pelo que não se entende que agora o tenha.

O pedido de extractos, não tem sentido, em face da resposta da entidade bancária.

Por fim, será de afirmar, tal como o fez o Tribunal recorrido, e é entendimento da recorrida, cabeça de casal, o reqte tem na sua detenção todos os elementos necessários para satisfazer a sua pretensão pelos seus próprios meios.

Não cabe ao Tribunal substituir-se às partes para completarem o seu ónus, no caso de prova. O reqte sempre pode dirigir-se à entidade bancária na posse dos elementos que detém e pedir tais informações não carecendo do auxílio do Tribunal para tal. Caso o reqte alegue e demonstre que está impedido de obter tais informações, aí dirigirá pedido ao Tribunal para poder ultrapassar tal obstáculo. Assim o declara a Lei de modo claro, artigo 7.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, “Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.

Neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 9874/20.8T8LSB-A.L1-8, de 09.02.2023, relatado pela Des TERESA SANDIÃES: ““Se o documento estiver em poder de terceiro, a parte requer que o possuidor seja notificado para o entregar na secretaria, dentro do prazo que for fixado, sendo aplicável a este caso o disposto no artigo 429º” (artº 432º do CPC).

Nos termos do disposto no artº 436º, nº 1 do CPC “incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.”

Em anotação a este preceito Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC Anotado, Almedina, 2ª edição, vol. I, pág. 528, referem “apesar dos poderes oficiosos de que dispõe, a intervenção do tribunal deve ser entendida em termos subsidiários relativamente à iniciativa das partes, tornando-se já exigível tal intervenção quando a parte demonstre que fez as diligências ao seu alcance para conseguir as informações e/ou documentos, mas não os logrou obter, por facto que não lhe é imputável (cf. art. 7º, nº 4; STJ 1-6-04, 04A993).

Da conjugação dos preceitos citados resulta inequivocamente que a “requisição pelo tribunal de documentos em poder de terceiros, a pedido da parte onerada com ónus da prova dos factos, a cuja demonstração aqueles documentos se destinam, está condicionada à alegação e prova da impossibilidade ou da dificuldade séria em a parte requerente os obter por si” (Ac.RG de 20/04/2010, processo n.º 3316/08.4TBBRG-B.G1, www.dgsi.pt).

O princípio do inquisitório não dispensa as partes da observância dos princípios do dispositivo, da autorresponsabilização, nomeadamente do acatamento de ónus de alegação e prova e consequentes preclusões.

O princípio do inquisitório – assim como o dever de gestão processual consagrado no artº 6º do CPC - não se destina a suprir incumprimento de ónus processuais. Visando com os elementos bancários pretendidos demonstrar que a relação de bens omitiu a existência de saldos de contas bancárias de que era titular o de cujus, alegada na reclamação apresentada pela apelante, incumbia-lhe o ónus de prova. E apenas na impossibilidade ou dificuldade séria na sua obtenção cabia ao tribunal o poder-dever de os solicitar, desde que relevantes, pertinentes.“, Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães 299/22.1T8VVD-A.G1, de 23.11.2023, relatado pela Des MARIA JOÃO MATOS, sumariado “I. A iniciativa da prova cabe, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objecto, e não ao tribunal; e, por isso, o princípio do inquisitório não pode cometer ao juiz a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa, permitindo à parte contornar a preclusão processual decorrente da sua prévia inércia.”,

Deste modo, a afirmação/alegação de que o despacho recorrido violou anterior decisão não tem sucesso, improcedendo a apelação.


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III DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto, 28 de Outubro de 2025
Alberto Taveira
Alexandra Pelayo
Pinto dos Santos
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.