Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1117/14.0T8VNG-J.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MORAIS
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
CONTRADITÓRIO
NEGLIGÊNCIA DAS PARTES
Nº do Documento: RP202401221117/14.0T8VNG-J.P1
Data do Acordão: 01/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para a responsabilização da parte pela inércia no andamento do processo não basta a existência de uma paragem no processo para além de seis meses. É necessário que recaia sobre a parte o dever de praticar determinado acto que despolete o andamento do processo e que a mesma omita tal acto, sendo essa omissão imputável à parte faltosa a título de negligência.
II – O dever de cooperação entre o tribunal e as partes e entre estas e o tribunal visa permitir a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio, sendo a cooperação uma responsabilidade conjunta de todos os intervenientes que se manifesta em diversos domínios, nomeadamente no dever de o juiz providenciar pela remoção dos obstáculos que qualquer das partes encontre quando se trate de obter algum documento ou informação ou exercer algum ónus ou dever processual.
III - Demonstradas, no processo, pela Autora, as dificuldades em impulsionar os autos, nomeadamente na obtenção de elementos informativos quanto aos herdeiros e em coligir prova documental, e solicitado ao tribunal a sua colaboração com vista a ultrapassá-las, não se verifica, da parte da autora, a existência de um comportamento de inacção ou de desinteresse no normal prosseguimento dos autos.
IV - Quando, apesar das dificuldades transmitidas e da ausência de colaboração dos Requeridos, se verifica a prossecução de diligências, pela Autora, com vista a obter os elementos solicitados pelo tribunal e conseguindo atingir esse propósito, não existe omissão da prática de acto imputável a essa parte.
V – As causas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente previstas no artigo 615º do Código de Processo Civil, aplicável aos despachos, por força do disposto no artigo 613º, nº3, do Código de Processo Civil. Sendo a apreciação da questão feita em desconformidade com a lei, a decisão não enferma de nulidade que imponha a sua anulação mas, de ilegalidade que tem como consequência a sua revogação.
VI - Os recursos visam o reexame de questões precedentemente resolvidas pelo Tribunal a quo e não a pronúncia sobre questões novas. Só não será assim quando a própria lei estabeleça uma excepção a essa regra ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1117/14.0T8VNG-J.P.1

Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relatora: Anabela Morais
Primeira Adjunta: Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha
Segundo Adjunto: Manuel Fernandes

I_ Relatório
AA propôs a presente acção de honorários com processo sumário contra BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM e NN.
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I.1_ Em 3/3/2020, foi proferido o seguinte despacho:
“... Encontrando-se certificado nos autos o falecimento do habilitado OO (cf. fls. 496), declaro a suspensão da presente instância até que seja notificada decisão que considere habilitado(s) o(s) seu(s) sucessor(es) – cf. art. 269.º, n.º1 al. A) e 2, 270.º, n.º 2 e 276.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Notifique, remetendo cópia de fls. 495 e 496.
Aguardem os autos em conformidade, sem prejuízo do disposto no art. 281.º do Código de Processo Civil.”.
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I.2_ Por despacho proferido em 14/1/2021, foi decidido “julgar a presente instância extinta por deserção”, abrigo do artigo 281.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.[1]
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I.3_ Em 7/4/2021 a autora/recorrente apresentou requerimento no qual arguiu a nulidade do despacho e, invocou, entre o mais, justo impedimento e deduziu o incidente de habilitação de herdeiros do habilitado OO, “nos termos seguintes:
AA, (…) vem, por apenso ao processo supra referenciado, requerer, ao abrigo do disposto nos artigos 351º e seguintes do Código de Processo Civil, Incidente de Habilitação de Herdeiros contra PP, residente na Praceta ..., nº ..., 2º Esq, ... .... Vila Nova de Gaia. nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. O Habilitado OO faleceu em Angola, em 19 de Abril de 2018, conforme boletim de óbito já junto aos autos (fls. 496).
2. Sucedeu-lhe, nos seus direitos e obrigações, o seu filho PP, supra identificado, conforme confissão do mesmo (fls. 495 e 496).
3. Desconhece a A. a existência, identidade e morada de outros eventuais herdeiros do falecido, sem ter como aceder a tais informações.
4. Pelo que, vem Requerer que seja notificado o aludido filho, para vir indicar ao processo, ao abrigo do princípio da cooperação, se existem e quem são, para além dele, os herdeiros do seu falecido pai e as respetivas moradas, assim como se outorgaram ou não uma escritura de habilitação de herdeiros, juntando cópia da mesma ..”.
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I.4_ Apreciando a nulidade do despacho de 14/1/2021, arguida pela Autora, no requerimento de 7/4/2021, o Tribunal a quo, por despacho proferido em 18/10/2021[2], decidiu:
“Atento o exposto, declaro verificada a nulidade prevista no n.º 1 do art.º 195.º do Código de Processo Civil, por inobservância do princípio do contraditório previsto no art.º 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e em consequência:
- anulo o despacho proferido em 14/01/2021 (art.º 195.º, n.º 2, do Código de Processo Civil);
- concedo à A. o prazo de 10 dias para se pronunciar sobre a eventual deserção da instância, por falta de impulso processual, nos termos do art.º 281.º do Código de Processo Civil.
Notifique...”.
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I.5_ Em 3/11/2021, a Autora/Recorrente apresentou requerimento, pronunciando-se sobre a deserção da instância, por falta de impulso processual, nos termos do artigo 281.º do Código de Processo Civil.
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I.6_Por despacho proferido em 9/12/2021, o Tribunal a quo apreciou a questão da “Deserção da instância por falta de impulso processual”, tendo decidido:[3]
Pelo exposto, por não se verificar os pressupostos de que depende a deserção da instância, determino que os autos prossigam os seus termos e admito o acto que a A. se apressou a requerer logo que cessou o seu impedimento: a habilitação de OO, herdeiro habilitado do R. MM.
Notifique”.

No despacho de 9/12/2021, o Tribunal a quo pronunciou-se, ainda, sobre o requerimento apresentado em 7/4/2021, pela autora através do qual deduziu o incidente de habilitação de herdeiros de OO, nos seguintes termos:
Cumpra o disposto no art.º 352.º, n.º 1, do Código de Processo Civil quanto a PP, residente na Praceta ..., nº ..., 2º Esq.º, ... ..., Vila Nova de Gaia.
Uma vez que se desconhece se aquele OO tem outros filhos ou sucessores, notifique igualmente PP para, em 10 dias, indicar nos autos quem são, para além dele, os herdeiros do seu falecido pai e as respectivas moradas, assim como se foi ou não outorgada escritura de habilitação de herdeiros, juntando cópia da mesma, e se houve ou não nas finanças Processo do Imposto de Selo, juntando cópia do mesmo ou indicando pelo menos o respectivo número.
Notifique”.
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I.7_ Citado, nos termos determinados, PP apresentou requerimento em 24 de Janeiro de 2022, informando que, além de si, é herdeira de OO, QQ.
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I.8_ Em 26/1/2022, foi proferido o seguinte despacho:
Cumpra o disposto no art.º 352.º, n.º 1, do CPC quanto a QQ, sucessora de OO.
Solicite à Conservatória do Registo Civil certidão de nascimento de OO.
Notifique.
Notifique ainda a A. para, em 10 dias, dizer se face ao já decidido nos autos mantém o recurso interposto ou se a instância recursiva se tornou inútil”.
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I.8_ Devolvida a carta que havia sido expedida para citação de QQ, nos termos do artigo 352º, nº1, do Código de Processo Civil, foi expedida nova carta, em 18/2/2022, encontrando-se junto aos autos o aviso assinado em 25/2/2022.
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I.9_ Em 21/3/2022, foi proferido o seguinte despacho:
“…Notifique a A. para, em 10 dias, juntar aos autos certidão de nascimento de PP e de QQ com vista a proferir decisão de habilitação de OO.

Notifique igualmente a A. para, em 10 dias, indicar o montante de honorários que actualmente ainda lhe são devidos e os respectivos devedores”.
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I.10_ Em resposta ao ofício, a 3/2/2022, foi junta aos autos, pela Conservatória do Registo Civil, certidão de nascimento de OO.

I.11_ A autora apresentou requerimento em 7/4/2022, com o seguinte teor:
“…notificada do despacho de fls. , vem dizer que face ao já alegado desconhece se o falecido OO tem outros filhos ou sucessores, razão pela qual requereu a notificação do auto alegado filho, PP, para indicar nos autos quem são, para além dele, os herdeiros do seu falecido pai e as respetivas moradas, assim como se foi ou não outorgada escritura de habilitação de herdeiros, juntando cópia da mesma, e se houve ou não nas finanças Processo do Imposto de Selo, juntando cópia do mesmo ou indicando pelo menos o respetivo número.
Deferida tal notificação, em 24.01.2022, o aludido herdeiro apenas veio indicar o seu nome e morada bem como da sua alegada irmã, QQ, residente na Praceta ..., nº ..., 2º Esq. F, nada mais informando quanto ao supra solicitado.
Assim, continua a A. sem ter condições de juntar aos autos qualquer certidão de nascimento dos aludidos herdeiros, por desconhecer em absoluto, sem ter como saber, a sua data e local de nascimento.
Pelo que, vem mais uma vez solicitar, ao abrigo do princípio da colaboração, que os aludidos herdeiros sejam notificados para juntar aos autos as suas certidões de nascimento, ou pelo menos indicar a data e local do seu nascimento para a A. poder providenciar a junção das mesmas; e ainda responder ao já solicitado, nomeadamente, se foi ou não outorgada escritura de habilitação de herdeiros, juntando cópia da mesma, e se houve ou não nas finanças Processo do Imposto de Selo, juntando cópia do mesmo ou indicando pelo menos o respetivo número.
Quanto ao montante dos honorários que atualmente ainda são devidos à A. e os respetivos devedores, mantém-se o já alegado no requerimento apresentado em 22.06.2017 a fls. dos autos.

Pelo que, se requer que seja julgado procedente o incidente de habilitação de herdeiros com o posterior prosseguimento dos autos para marcação da audiência de julgamento.”.
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I.12_ Em 4 de Maio de 2022, foi proferido o seguinte despacho:
“Antes de mais, importa habilitar os herdeiros de OO (nos próprios autos ou por apenso, caso não haja escritura ou documento análogo de habilitação de herdeiros).
Assim, com cópia da certidão do assento de nascimento deste OO, oficie à Autoridade Tributária para, em 10 dias, informar quem foi indicado como sucessor daquele OO no processo de liquidação do imposto de selo e, se possível, a data desses sucessores.
Notifique”.
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I.13_ O despacho que antecede foi notificado, à autora, por expediente remetido em 10 de Maio de 2022.
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I.14_ Por ofício de 10/5/2022 - referência 436492723 -, foi solicitada informação à Autoridade Tributária cuja resposta foi junta aos autos, em 30/5/2022, com o seguinte teor: “não consta instaurado qualquer processo de imposto do selo por óbito e não consta averbada data de óbito”.
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I.15_ Notificada da informação prestada pela Autoridade Tributária, em 30/05/2022, a autora apresentou requerimento - referência 42559986 – reiterando que:
“…desconhece em absoluto, sem ter como saber, as datas e locais de nascimento dos alegados herdeiros do falecido OO, razão pela qual vem novamente requerer, ao abrigo do princípio da cooperação, que os aludidos herdeiros, PP e QQ, devidamente identificados no processo, sejam notificados para juntar aos autos as suas certidões de nascimento, ou pelo menos indicar a data e local do seu nascimento para a A. poder providenciar a junção das mesmas, a fim de ser considerado procedente o incidente de habilitação de herdeiros e os mesmos serem habilitados no lugar do falecido”.
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I.16_ Em 19 de Setembro de 2022, foi proferido o seguinte despacho:
“Requerimento (32544590) Formulário (472216383) de 13/06/2022:
Notifique os herdeiros conhecidos como requerido”.
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I.17_ Notificados, os herdeiros PP e QQ nada disseram.
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I.18_ Em 18 de Outubro de 2022, foi proferido o seguinte despacho:
“Notifique a autora para o que tiver por conveniente. Prazo: 10 (dez) dias”.
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I.19_ Notificada do despacho, em 21/10/2022, a autora nada disse.
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I.20_ Em 5 de Dezembro de 2022, foi proferido o seguinte despacho:
Aguardem os autos o impulso processual, sem prejuízo do decurso do prazo de deserção”.
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I.21_ O despacho que antecede não foi notificado à autora.
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I.22_ Em 7 de Fevereiro de 2023, a autora juntou aos autos certidão de nascimento de PP e de QQ e apresentou novo requerimento – referência 44656406 -, com o seguinte teor:
“… vem requerer o prosseguimento dos autos para o que junta as certidões de nascimento dos filhos do falecido OO que só agora logrou obter:
- PP, já identificado nos autos a fls., residente na Praceta ..., nº ..., 2º E. F, ... ... – V.N. Gaia;
- QQ, com a mesma morada (cfr. informações prestadas pelo primeiro, irmão desta, PP, em 24.01.2022), ambas as moradas a confirmar na base de dados dos Tribunais, uma vez que as suas notificações vieram devolvidas.
Desconhece a A. se existem outros herdeiros, embora resulte da pesquisa na Conservatória do Registo Civil que não existirão, assim como das declarações do próprio herdeiro PP supra referidas, nada mais informando quanto ao solicitado. nomeadamente se foi outorgada a escritura de habilitação de herdeiros.
Acresce que, resulta da informação prestada pela Repartição de Finanças do domicílio do falecido de fls. que não houve Processo de Imposto de Selo.
Pelo que, se Requer que seja julgado procedente o incidente de habilitação de herdeiros com o posterior prosseguimento dos autos para marcação da audiência de julgamento.
Sem prescindir, reitera-se que, à exceção de BB que contestou, todos os outros RR. regularmente citados, não contestaram, pelo que se devem considerar confessados os factos articulados pela A. que são do seu conhecimento pessoal, designadamente os serviços prestados e os honorários que não foram impugnados, devendo os mesmos ser condenados nos respetivos pedidos, nos termos legais, o que desde já se Requer, conforme o disposto no art. 567º do CPC, designadamente porque a contestação da R. BB não impugnou os serviços prestados aos outros RR. nem os respetivos honorários (art. 568º al. a) do CPC), nem o podia fazer porque tais factos são pessoais, pelo que, salvo melhor opinião, não tem a virtualidade de lhes aproveitar”.
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I.22_ Sobre este requerimento, foi proferido o seguinte despacho, em 7 de Março de 2023:
“Sempre ressalvando melhor opinião, o requerimento que antecede que não cumpre os pressupostos processuais, nem tributários da habilitação de herdeiros. Nessa medida, não consubstancia qualquer interrupção do prazo de deserção já em curso. Assim, deverá a autora, se assim o entender, deduzir acertadamente o incidente de habilitação de herdeiros”.
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I.23_ O despacho foi notificado à autora, mediante expediente eletrónico enviado em 15/3/2023 (referência 446447930).
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I.24_ Em 20/4/2023, foi proferido o seguinte despacho:
“Aguardem os autos o decurso do prazo de deserção até ao dia 25/04/2023”.
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I.25_ O despacho que antecede não foi notificado às partes.
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I.26_ Em 15 de Maio de 2023, foi proferido o seguinte despacho:
“Os autos estiveram, desde a prolação do despacho no dia 18/10/2022 até ao dia de hoje, parados por mais de 06 (seis) meses devido à inércia processual da parte demandante.
O requerimento agora formulado 07/02/2023 não tem a virtualidade de afastar o efeito jurídico da inércia processual das partes por mais de seis meses, conforme adiantado no despacho com a referência 445975601.
Como tal, declaro deserta a instância, nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 1 do C.P.C.
Valor da acção: 13.475,00€ (treze mil quatrocentos e setenta e cinco euros).
Custas pela autora.
Notifique.
Oportunamente, ao arquivo.”
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I.27_Este despacho foi notificado à autora mediante expediente eletrónico enviado em 23 de Maio de 2023 - referência 448716668.
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I.28_ Em 26 de Maio de 2023, a autora apresentou requerimento com o seguinte teor:
“…vem, por apenso aos autos à margem referenciados e ao abrigo do disposto nos artigos 351º e seguintes do CPC, deduzir o Incidente de HABILITAÇÃO DE HERDEIROS contra PP, nascido a .../.../1994, natural da freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, residente na Praceta ..., nº ..., 2º E. F, ... ..., Vila Nova de Gaia; QQ, nascida a .../.../1980, natural da freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, residente na Praceta ..., nº ..., 2º E. F, ... ..., Vila Nova de Gaia, ambas as moradas a confirmar na base de dados dos Tribunais, uma vez que as notificações que lhes foram enviadas no apenso J vieram devolvidas, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. O Habilitado OO faleceu em Angola, em 19 de Abril de 2018, conforme boletim de óbito já junto aos autos (fls. 496 do apenso J) – Doc. 1.
2.Sucederam-lhe, nos seus direitos e obrigações, os seus dois filhos PP, conforme confissão do mesmo (fls. 495 e 496 do Apenso J) e QQ, ambos supra identificados – cfr. duas certidões de nascimento já juntas e que se dão como totalmente reproduzidas e integradas para todos os efeitos legais – Docs, 2 e 3.
3. Desconhece a A. a existência, identidade e morada de outros eventuais herdeiros do falecido.
4. Desconhece a A. a existência de escritura de habilitação de herdeiros.
5. Segundo informação da Repartição de Finanças correspondente à última morada do falecido, prestada no Apenso J, não foi instaurado nenhum processo para apuramento do Imposto de Selo nem comunicada a data do óbito – Doc. 4.
TERMOS EM QUE deve ser julgado procedente por provado o incidente de Habilitação de Herdeiros, declarando-se os herdeiros habilitados a prosseguir com os autos na posição do falecido R..
Para tal, devem os Requeridos ser citados para contestar, querendo, no prazo e sob legal cominação.
VALOR: o da ação principal”.
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I.28_ Em 27 de Junho de 2023, foi junta aos autos a decisão proferida pela Segurança Social que recaiu sobre o requerimento apresentado pela autora, em 7 de Janeiro de 2022, concedendo-lhe o benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo[4].
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I.20 _Em 1 de Junho de 2023, foi proferido o seguinte despacho:
Referência(s) 35752971.
Atento o despacho proferido com a referência 448256403, por ora, nada a determinar”.
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Notificada do despacho proferido em 15 de Maio de 2023, a autora, em 27/6/2023, interpôs recurso desse despacho [despacho que decretou a deserção da instância] e do despacho datado de 7/3/2023, formulando as seguintes conclusões:
(…)
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Notificados, os réus/recorridos não apresentaram resposta.
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Por despacho de 12/10/2023, foi admitido o recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II_ Objecto do recurso
Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº. 4, e 639º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Assim, perante as conclusões da alegação da recorrente há que apreciar as seguintes questões:
i. Da verificação dos pressupostos da deserção da instância e cumprimento do princípio do contraditório.
ii. Caso se conclua, na apreciação da questão anterior, que se verificam os pressupostos da deserção da instância, importa apreciar se a ausência de impulso processual, no incidente de habilitação do herdeiro habilitado OO, tem como consequência a extinção, por deserção, do incidente de habilitação de herdeiros ou da acção principal.
iii. Da nulidade do despacho do despacho de 7 de Março de 2023, por contrário à lei.
iv. Da necessidade de o incidente de habilitação de herdeiros de OO – herdeiro do falecido do Réu - e da suspensão do incidente de habilitação de herdeiros e não da acção principal, no caso de falecimento do herdeiro habilitado.
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III. Fundamentação de facto
Os factos a considerar, relevantes para a decisão são os que decorrem do relatório supra, sem prejuízo dos mais que se ponderarão na apreciação do objecto do recurso.
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IV. Fundamentação de direito
1ªQuestão
Insurge-se a Recorrente com o despacho proferido pelo Tribunal a quo que julgou deserta a instância por entender que o mesmo mostra-se contrário à lei e viola o princípio da proibição das decisões surpresa, o princípio do contraditório e o dever da gestão processual.
Invoca que os deveres de colaboração e de gestão processual que impendem sobre o tribunal impõem a conclusão que a Recorrente não violou o seu dever de impulsionar tempestivamente a açcão.
Invoca, ainda, que os autos encontram-se pendentes há mais de 17 anos, sendo o “atraso maioritariamente induzido pelo próprio sistema judiciário”, “nada mais agora faltando, embora os habilitados em nada tivessem colaborado com a justiça”, apesar de ter solicitado a colaboração dos mesmos, ao abrigo dos arts. 417º, nº 2, 429º, 430º e 433º do Código de Processo Civil, designadamente fornecendo informações sobre a existência ou não de escritura de habilitação de herdeiros e de processo de imposto de selo, juntando as suas certidões de nascimento ou informando a sua respectiva data de nascimento e naturalidade. Na sequência da omissão de colaboração dos herdeiros, “requereu que fosse oficiada a Repartição de Finanças da última residência do falecido para vir informar os autos da existência ou não de processo de imposto de selo e andou a indagar nas diversas Conservatórias do Registo Civil acerca das certidões de nascimento e nos diversos Cartórios Notariais acerca da escritura de habilitação de herdeiros”.
Conclui que “não só os autos não estiveram parados por seis meses por inércia processual da recorrente, como não se pode considerar a sua conduta como negligente, já que tudo fez para lograr impulsionar os mesmos”.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o nº1 do artigo 6º do Código de Processo Civil que “Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável” e nos termos do nº2, “O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”.
No artigo 7º do Código de Processo Civil encontra-se consagrado o dever de cooperação entre o tribunal e as partes e entre estas e o tribunal (n.º 1) (cfr. n.º 3 e artigos 8.º e 151.º, n.º 2; n.º 4 e artigo 151º, n.º 1) que se destina a permitir a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio (nº 1). Em matéria probatória, as partes, bem como terceiros, têm o dever de cooperação para a descoberta da verdade (artigo 417.º, n.º 1) e o tribunal tem um dever de auxílio (artigos 418º, n.º 1, e 436º, n.º 1).
No processo civil vigora, ainda, o princípio da iniciativa, regulado no artigo 3º do Código de Processo Civil e o princípio da auto-responsabilidade da parte que se exprime na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do acto. A omissão continuada de actividade da parte, quando a esta cabe um ónus especial de impulso processual subsequente, tem também efeitos cominatórios, que podem consistir, designadamente, na deserção da instância.
Dispõe o artigo 281º, nº 1, do Código de Processo Civil que Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
Da leitura do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil resulta que a deserção da instância é uma sanção que se aplica à parte que, devendo dar impulso processual, por negligência o não faz, determinando a paragem do processo por mais de seis meses.[5]
Escreve Paulo Ramos Faria que “A deserção da instância é um efeito direto do tempo sobre a instância, pressupondo uma situação jurídica preexistente: a paragem do processo – situação indesejada (…) que fundamenta objetivamente este instituto. Como resposta legal para o impasse processual, a extinção da instância só se justifica, no entanto, quando tal impasse não possa (não deva) ser superado oficiosamente pelo tribunal. Assim, determina a lei que a paragem do processo que empresta relevo ao decurso do tempo deve ser o efeito, isto é, o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica integrada por dois elementos: a omissão de um ato que só ao demandante cabe praticar; a negligência deste.
(…)
Num processo cada vez mais marcado pelo impulso oficioso do juiz (art. 6.º, n.º 1), deverá ser (desejadamente) cada vez mais rara a efetiva ocorrência da deserção da instância, por mais raros serem os atos que que só a parte pode (deve) praticar e que importam a paragem do processo. A promoção da habilitação de herdeiros ou a constituição de novo advogado pelo autor, após a renúncia do anterior, são casos emblemáticos de impulso processual que só à parte cabe”.[6]
São pressupostos para que a deserção da instância possa ser declarada:
a) que o processo se encontre parado há mais de 6 meses;
b) que essa paragem do processo tenha como causa a omissão de um acto das partes que impulsionaria a acção;
c) que essa omissão seja imputável à parte faltosa a título de negligência, ou seja, que sobre ela recaísse o ónus da prática de determinado acto, naquele momento do processo e que o pudesse praticar.
A falta de impulso processual conta-se a partir do momento em que a parte tem o ónus de praticar o acto; não nasce com a advertência do tribunal de que o prazo de deserção se está prestes a completar ou já se completou[7].
Face à remissão efectuada pelo artigo 281º, nº1, do CPC para a negligência das partes, entende-se que não basta a existência de uma paragem no processo para além de seis meses para que se considere que a mesma lhes é imputável e logo que essa paragem determina automaticamente a deserção da instância: apenas no caso de a parte dever praticar determinado acto que despolete o andamento do processo e omita tal acto é que se pode responsabilizá-la pela inércia no andamento do processo.
Pronunciando-se sobre a questão, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 6/3/2018[8]:
«A “negligência das partes”, segundo a citada previsão legal, pressupõe, quanto a nós, uma efectiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto, não podendo, assim, vingar uma qualquer responsabilidade automática/objectiva susceptível de abranger a mera paralisação aparente (cfr. neste sentido os acórdãos da RC de 01.12.2015 processo 2061/10.5TBCTB-A.C1 e 14.6.2016 processo 500/12.0TBAGN.C1; Acórdão da RP de 14.3.2016 processo 317/06.0TBLSD.P1 e RC de 07.6.2016 processo 302/13.6TBLSA.C1, publicados no “site” da dgsi)».
Como se afirma no Ac. do STJ de 20.04.2021[9], “Para apurar da ocorrência de negligência das partes, ao juiz compete analisar o comportamento processual das partes no âmbito do processo, isto é, se a parte (ou partes) demonstraram no processo as dificuldades em impulsionar os autos, as diligências necessárias para remover os eventuais obstáculos com que se tem deparado para afastar a causa que levou à suspensão, e, inclusive, solicitar o contributo do tribunal para que as razões impossibilitadoras do prosseguimento normal dos autos sejam afastadas ou se a parte (ou partes) se manteve numa inação total, desinteressando-se do prosseguimento normal dos autos.”.
Por outro lado, para apurar se a parte deve praticar determinado acto, há que recorrer à lei: só quando a lei exige a prática de um acto concreto no processo é que se encontra um dever que a parte devia ter cumprido e não fez, não bastando a menção a um abstracto dever de promover a acção.
Nessa medida, só nos casos em que decorre directamente da lei que naquela fase do processo os autos aguardam por um acto que cumpria à parte praticar (ou nos casos sem que a parte foi alertada pelo juiz da necessidade da prática de determinado acto necessário para o desenvolvimento do processo, no âmbito dos poderes de gestão do processo) é que a omissão da prática desse acto se pode considerar como a falta ao dever de acção que em concreto se impunha e cuja falta conduz à deserção da instância.
Para além disso, o comportamento omissivo da parte a quem incumbe a prática do acto não se confunde, nem importa, de forma automática, a sua imputação a título de negligência, já que para além de ter de estar em causa uma paragem relativa à falta de um acto imposto pelo cumprimento de um ónus, que impeça o normal prosseguimento dos autos; tem tal omissão que, em concreto, evidenciar uma atitude negligente da parte, ou seja, uma atitude omissiva reveladora da falta de diligência normal e exigível em face das circunstâncias do caso concreto, a qual deve ser aferida em face dos dados conferidos pelo processo.
Por último, o juiz deve ouvir as partes por forma a avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas, bem como, e por força do princípio da cooperação, alertar as partes para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo, decorrido que seja o prazo fixado na lei.[10]
No entanto, “Se as partes já tiverem sido alertadas para a consequência da omissão do impulso pelo prazo de deserção, se não solicitarem a concessão de prazo adicional ou não invocarem o justo impedimento, o julgador não tem de aferir a causa subjacente ao comportamento omitido e pode declarar a deserção da instância sem estar vinculado a um comportamento proactivo no sentido de ultrapassar os obstáculos associados à habilitação de herdeiros”.[11] [12]
Transpondo tais princípios para os presentes autos, da análise da tramitação processual acima exposta, facilmente se constata que o processo não se encontrou parado, desde 18 de Outubro de 2022 a 15 de Maio de 2023, por inércia da autora.
Junto aos autos documento comprovativo do “falecimento do habilitado OO (cf. fls. 496)”, por despacho de 3/3/2020, foi declarada a “suspensão da presente instância até que seja notificada decisão que considere habilitado(s) o(s) seu(s) sucessor(es) – cf. art. 269.º, n.º1 al. A) e 2, 270.º, n.º 2 e 276.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Deduzido o incidente de habilitação de herdeiros, pela autora, em 7/4/2021, o Tribunal a quo não indeferiu o requerimento, nem proferiu qualquer despacho convidando ao seu aperfeiçoamento, determinando a citação do requerido PP e, posteriormente, da requerida QQ, nos termos do artigo 352.º, n.º 1, do CPC.
Citados ambos os requeridos[13], o Tribunal a quo proferiu despacho, em 21/3/2022, determinando a notificação da Autora para, “em 10 dias, juntar aos autos certidão de nascimento de PP e de QQ com vista a proferir decisão de habilitação de OO”, o que sucedeu, em 7 de Fevereiro de 2023, tendo a Autora, previamente, solicitado a colaboração do tribunal com vista a conseguir obter tais documentos.
No requerimento de 7/2/2023, a Autora solicitou que o incidente fosse julgado procedente, ou seja, o incidente que havia deduzido em 7/4/2021 e relativamente ao qual o Tribunal a quo determinou:
- por despacho proferido em 9/12/2021, o cumprimento do “disposto no art.º 352.º, n.º 1, do CPC quanto a PP, residente na Praceta ..., nº ..., 2º Esq.º, ... ..., Vila Nova de Gaia” e a notificação de “PP para, em 10 dias, indicar nos autos quem são, para além dele, os herdeiros do seu falecido pai e as respectivas moradas, assim como se foi ou não outorgada escritura de habilitação de herdeiros, juntando cópia da mesma, e se houve ou não nas finanças Processo do Imposto de Selo, juntando cópia do mesmo ou indicando pelo menos o respectivo número”.
- por despacho proferido em 26/1/2022, o cumprimento do “disposto no art.º 352.º, n.º 1, do CPC quanto a QQ, sucessora de OO”.
Considerando a gestão do processo, efectuada pelo Tribunal a quo, a Autora, após a junção aos autos das certidões de nascimento solicitadas, aguardava a prolação da decisão no incidente de habilitação deduzido em Abril de 2021, pois, havia dado cumprimento ao determinado por despacho proferido em 21/3/2022.
Os autos não se encontraram parados, desde 18 de Outubro de 2022 a 15 de Maio de 2023, por inércia da autora. Pelo contrário. Espelham a diligência da Autora no sentido de carrear para os autos todos os elementos que lhe foram solicitados pelo tribunal. Assim, após a citação dos requeridos identificados[14], a Autora diligenciou pela obtenção das certidões e transmitiu ao tribunal as dificuldades na obtenção de tais documentos.
Por requerimento de 7/4/2022, a Autora informou que “desconhece se o falecido OO tem outros filhos ou sucessores, razão pela qual requereu a notificação do auto alegado filho, PP, para indicar nos autos quem são, para além dele, os herdeiros do seu falecido pai e as respetivas moradas, assim como se foi ou não outorgada escritura de habilitação de herdeiros, juntando cópia da mesma, e se houve ou não nas finanças Processo do Imposto de Selo, juntando cópia do mesmo ou indicando pelo menos o respetivo número”.
Deferida tal notificação, em 24.01.2022, o aludido herdeiro apenas veio indicar o seu nome e morada bem como da sua alegada irmã, QQ, (…) nada mais informando quanto ao supra solicitado”.
Nesse requerimento, informou que “continua a A. sem ter condições de juntar aos autos qualquer certidão de nascimento dos aludidos herdeiros, por desconhecer em absoluto, sem ter como saber, a sua data e local de nascimento” e solicitou “ao abrigo do princípio da colaboração, que os aludidos herdeiros sejam notificados para juntar aos autos as suas certidões de nascimento, ou pelo menos indicar a data e local do seu nascimento para a A. poder providenciar a junção das mesmas; e ainda responder ao já solicitado, nomeadamente, se foi ou não outorgada escritura de habilitação de herdeiros, juntando cópia da mesma, e se houve ou não nas finanças Processo do Imposto de Selo, juntando cópia do mesmo ou indicando pelo menos o respetivo número”.
Por ofício de 10 de Maio de 2022 - referência: 436492723 -, solicitou o Tribunal a quo informação à Autoridade Tributária que foi junta aos autos em 30 de Maio de 2022, com o seguinte teor: “não consta instaurado qualquer processo de imposto do selo por óbito e não consta averbada data de óbito”.
Notificada da informação prestada pela Autoridade Tributária, em 30.05.2022, a autora apresentou requerimento - referência 42559986 – reiterando “que desconhece em absoluto, sem ter como saber, as datas e locais de nascimento dos alegados herdeiros do falecido OO, razão pela qual vem novamente requerer, ao abrigo do princípio da cooperação, que os aludidos herdeiros, PP e QQ, devidamente identificados no processo, sejam notificados para juntar aos autos as suas certidões de nascimento, ou pelo menos indicar a data e local do seu nascimento para a A. Poder providenciar a junção das mesmas, a fim de ser considerado procedente o incidente de habilitação de herdeiros e os mesmos serem habilitados no lugar do falecido”.
Em 19 de Setembro de 2022, foi proferido o seguinte despacho: “Notifique os herdeiros conhecidos como requerido”.
Notificados os herdeiros PP e QQ, por estes nada foi dito.
Em 18 de Outubro de 2022, foi proferido o seguinte despacho: “Notifique a autora para o que tiver por conveniente. Prazo: 10 (dez) dias”.
Notificada do despacho, em 21/10/2022, a autora nada disse, tendo sido proferido, em 5 de Dezembro de 2022, o seguinte despacho: “Aguardem os autos o impulso processual, sem prejuízo do decurso do prazo de deserção”.
Em 7 de Fevereiro de 2023 – ou seja, decorrido período inferior a seis meses a contar da data da notificação do despacho de 18 de Outubro de 2022 -, a autora apresentou novo requerimento – referência 44656406 -, com o seguinte teor: “… vem requerer o prosseguimento dos autos para o que junta as certidões de nascimento dos filhos do falecido OO que só agora logrou obter [negrito nosso]:
- PP, já identificado nos autos a fls., residente na Praceta ..., nº ..., 2º E. F, ... ... – V.N. Gaia;
- QQ, com a mesma morada (cfr. informações prestadas pelo primeiro, irmão desta, PP, em 24.01.2022), ambas as moradas a confirmar na base de dados dos Tribunais, uma vez que as suas notificações vieram devolvidas.
Desconhece a A. se existem outros herdeiros, embora resulte da pesquisa na Conservatória do Registo Civil que não existirão, assim como das declarações do próprio herdeiro PP supra referidas, nada mais informando quanto ao solicitado. nomeadamente se foi outorgada a escritura de habilitação de herdeiros.
Acresce que, resulta da informação prestada pela Repartição de Finanças do domicílio do falecido de fls. que não houve Processo de Imposto de Selo.
Pelo que, se Requer que seja julgado procedente o incidente de habilitação de herdeiros com o posterior prosseguimento dos autos para marcação da audiência de julgamento”. [negrito nosso].
Assim, não se verifica a omissão da prática de um acto, pela autora, desde 18 de Outubro de 2022 a 15 de Maio de 2023, que impulsionaria a acção, nem lhe é imputável, a título de negligência, a não junção, em data anterior a Fevereiro de 2023, dos documentos solicitados pelo tribunal.
É certo que antes de proferir despacho a declarar a instância deserta, o Tribunal a quo, por despacho de 7 de Março de 2023 [o despacho proferido em 5 de Dezembro de 2022 não foi notificado à Autora], alertou a autora para as consequências da sua inacção, ao mencionarnão consubstancia qualquer interrupção do prazo de deserção já em curso”. Porém, conforme já se explicou, os autos não se encontravam parados por inércia da Autora, recaindo sobre o tribunal o dever de providenciar pelo prosseguimento dos mesmos, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento do incidente.
Na situação dos autos, da tramitação processual acima assinalada, não decorre que nesta fase do processo, o incidente de habilitação de herdeiros estivesse a aguardar por um acto que cumpria à apelante praticar; nem decorre que esteja em causa uma paragem relativa à falta de um acto imposto pelo cumprimento de um ónus que impeça o normal prosseguimento dos autos; ou que se tenha verificado uma atitude omissiva da apelante, reveladora da falta de diligência normal e exigível em face das circunstâncias do caso concreto.
Nessa medida, contrariamente ao decidido, não se mostram reunidos os requisitos legais previstos no artigo 281º, nº 1 do Código de Processo Civil, para a declaração da deserção da instância executiva.
Por último, consta do despacho de 7 de Março de 2023, “…o requerimento que antecede que não cumpre os pressupostos processuais, nem tributários da habilitação de herdeiros. Nessa medida, não consubstancia qualquer interrupção do prazo de deserção já em curso…”.
O Tribunal a quo, ao proferir o despacho de 7 de Março de 2923, pronunciou-se sobre o requerimento apresentado em 7 de Fevereiro de 2023 e não sobre o requerimento apresentado em 7 de Abril de 2021. Isso resulta, claramente, do teor do despacho ao mencionar “o requerimento que antecede não cumpre os pressupostos processuais, nem tributários da habilitação de herdeiros”.
Ainda assim, importa referir que consta dos autos documento comprovativo da apresentação de pedido de apoio judiciário, pela Autora, junto dos serviços da Segurança Social, que foi indeferido por decisão de 21 de Maio de 2021, conforme decisão junta por email de 1 de Junho de 2021. Posteriormente, a autora apresentou novo requerimento, em 7 de Janeiro de 2022 que foi deferido, por decisão junta aos autos em 27 de Junho de 2023. Ainda que se entendesse existir omissão do pagamento da taxa de justiça – o que não sucedeu -, a consequência não é a deserção da instância, conforme resulta do disposto nos artigos 145º, nº3, 552º, nº10 e 570º, nºs 3, 4 e 5, do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, procede o recurso, nesta parte, e consequentemente deve ser revogada a decisão recorrida - despacho proferido em 15 de Maio de 2023 - que declarou “deserta a instância, nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 1 do C.P.C.” e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, com vista à apreciação e decisão do incidente de habilitação de herdeiros deduzido pela Autora, por requerimento de 7 de Abril de 2021.
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2ª Questão
Considerando a decisão proferida sobre a primeira questão, mostra-se prejudicada a apreciação da questão que consiste em saber se a ausência do impulso processual no incidente de habilitação do herdeiro habilitado OO tem como consequência a extinção, por deserção, do incidente de habilitação de herdeiros ou da acção principal.
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3ª Questão
Insurge-se a Recorrente com o despacho proferido pelo Tribunal a quo, em 7 de Março de 2023, sustentando que o mesmo é nulo por “representa[r] a repetição de um ato já praticado (habilitação de herdeiros) e cujos herdeiros já foram citados para contestar. Pelo que tal significaria a prática de atos inúteis, o que não é permitido por lei”.
Sobre o requerimento apresentado pela autora, em 7 de Fevereiro de 2023, recaiu o seguinte despacho, proferido em 7 de Março de 2023: “Sempre ressalvando melhor opinião, o requerimento que antecede que não cumpre os pressupostos processuais, nem tributários da habilitação de herdeiros. Nessa medida, não consubstancia qualquer interrupção do prazo de deserção já em curso. Assim, deverá a autora, se assim o entender, deduzir acertadamente o incidente de habilitação de herdeiros”.
O princípio da limitação dos actos, em função do qual não é lícito realizar no processo actos inúteis – cf. art.º 130º do CPC –, serve a eficácia e a economia processuais.
Dispõe o artigo 354º, nº1, do Código de Processo Civil que “o juiz decide o incidente logo que, findo o prazo da contestação, se faça a produção de prova que no caso couber”.
O Tribunal a quo, ao proferir o despacho de 7 de Março de 2923, pronunciou-se, conforme já referido, sobre o requerimento apresentado em 7 de Fevereiro de 2023 e não sobre o requerimento apresentado em 7 de Abril de 2021. Porém, fê-lo, sem esclarecer as partes quanto às razões pelas quais o requerimento de 7 de Março de 2023 “não cumpre os pressupostos processuais” e sem ter em consideração que já se encontrava deduzido o incidente de habilitação de herdeiros do falecido OO, através do requerimento apresentado em 7 de Abril de 2021 e citados os dois herdeiros identificados, em conformidade com o determinado por despacho de 9/12/2021 [determinou a citação, nos termos do artigo 352.º, n.º 1, do CPC, de PP] e por despacho de 26/1/2022 [determinou a citação, nos termos do artigo 352.º, n.º 1, do CPC, de QQ].
No que tange ao pagamento de taxa de justiça devida pela dedução do incidente, conforme já foi referido, a autora juntou aos autos documento comprovativo da apresentação de pedido de apoio judiciário junto dos serviços da Segurança Social, que foi indeferido por decisão datada de 21 de Maio de 2021, junta ao processo por email de 1 de Junho de 2021. Pela autora foi apresentado novo requerimento, em 7 de Janeiro de 2022 que foi deferido, por decisão junta aos autos em 27 de Junho de 2023.
No entender da Recorrente, o despacho em causa é nulo. Porém, a situação dos autos não se enquadra em nenhuma das causas de nulidade das decisões judiciais, taxativamente previstas no artigo 615º do Código de Processo Civil (aplicável aos despachos, por força do disposto no artigo 613º,nº3, do Código de Processo Civil), mas no erro de julgamento, da não conformidade da decisão com o direito aplicável, da apreciação da questão em desconformidade com a lei. As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao Direito.
Ensina o Professor José Alberto Reis, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.[15] – cfr. Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125.
Sobre os vícios e reforma da sentença, refere o Professor Antunes Varela[16] que “não se incluiu entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável”.
Transpondo tais princípios para os presentes autos, encontrando-se deduzido o incidente de habilitação de herdeiros do falecido herdeiro OO, por requerimento apresentado pela Autora, em 7 de Abril de 2021, e beneficiando esta de apoio judiciário, na modalidade de “dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo”, os autos deviam prosseguir com as diligências que se entendessem necessárias para a apreciação daquele incidente ou, dispondo o processo de todos os elementos, com decisão de mérito.
Ao decidir que os autos deviam ficar a aguardar a dedução de incidente de habilitação de herdeiros do falecido OO e o pagamento da taxa de justiça devida pela prática desse acto, o despacho proferido pelo Tribunal a quo mostra-se desconforme à lei, pelo que se impõe a sua revogação.
*
4ª Questão
No presente recurso dos despachos proferidos em 7 de Março e 15 de Maio de 2023, a Recorrente/Autora advoga que:
- “o caso em apreço representa uma situação de habilitações sucessivas.Com efeito, o falecido já era um habilitado de um dos Réus MM” e "O falecimento ou extinção de uma segunda parte ou de algum dos sucessores da anteriormente falecida ou extinta, ocorrendo na pendência da habilitação desses sucessores, implica, não a suspensão da instância principal – pois esta já estava em regra, - v. artº 276º n° 1 al. a) - suspensa até decisão do incidente em curso - mas a suspensão deste mesmo incidente, por apenso ao qual se há-de deduzir a nova habilitação dos representantes do primeiro habilitante, se foi este que faleceu, ou da parte falecida em segundo lugar e que era também parte no processo incidental pendente”.
- o devedor é a herança de MM, “representada pelos seus herdeiros habilitados (…). Pois, sendo a herança um património autónomo e não constando dos autos a sua partilha, é esta que responde pela totalidade da divida e não os herdeiros individualmente”.
Conclui a Recorrente que “não tem relevância para a parte passiva o falecimento de um herdeiro habilitado”.
A questão da necessidade, ou não, de deduzir o incidente de habilitação de herdeiros do herdeiro habilitado, entretanto falecido, OO, bem como a questão da possibilidade de a habilitação do Réu MM ser da própria herança, não foi suscitada no Tribunal de Primeira Instância. Aliás, pela Autora foi deduzido o incidente de habilitação de herdeiros do falecido OO e sobre esse requerimento foi proferido o despacho de 9/12/2021 que determinou a citação, nos termos do artigo 352.º, n.º 1, do CPC, de PP, e o despacho de 26/1/2022, que determinou a citação, nos termos do artigo 352.º, n.º 1, do CPC, de QQ.
O mesmo sucede com a questão de o falecimento de OO, herdeiro do Réu MM constituir causa da suspensão do incidente de habilitação de herdeiros desse réu, nos termos dos artigos 269.º, n.º1, al. a), e nº2, 270.º, n.º 2, e 276.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, e não causa de suspensão da acção principal. Por despacho de 3/3/2020, proferido na acção principal, foi declarada a “suspensão da presente instância até que seja notificada decisão que considere habilitado(s) o(s) seu(s) sucessor(es) – cf. art. 269.º, n.º1 al. A) e 2, 270.º, n.º 2 e 276.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil”.
Estas questões não foram objecto de apreciação, nas decisões recorridas, pelo Tribunal a quo. Os recursos visam o reexame, por parte do Tribunal ad quem, de questões precedentemente resolvidas pelo Tribunal a quo e não a pronúncia sobre questões novas. Só não será assim quando a própria lei estabeleça uma excepção a essa regra ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso.
Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, está vedado, a este Tribunal, o conhecimento de tais questões.
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Custas
No artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil estipula-se que: “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”.
De acordo com o estatuído no n.º 2 do art.º 527.º do Código de Processo Civil, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
O princípio da causalidade continua a funcionar em sede de recurso, devendo a parte neste vencida ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado.
No caso, se a decisão recorrida fosse objecto de confirmação, os réus teriam beneficiado da mesma, dada a extinção da acção. Conclui-se, pois, que, atento o oposto sentido decisório do presente acórdão, a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso deverá incidir sobre os recorridos, na exacta medida em que ficaram vencidos – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Considerando, no entanto, que a Autora não obteve provimento relativamente a todas as questões suscitadas, as custas do recurso ficam a cargo da Autora e Réus, na proporção de 1/4 e 3/4, respectivamente.
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V_ Decisão
Pelos fundamentos expostos, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão de 7 de Março de 2023 e a decisão que julgou extinta a instância por deserção, de 15 de Maio de 2023, proferidas pelo Tribunal a quo, que se substituem pela presente, determinando o prosseguimento dos autos para apreciação do incidente de habilitação de herdeiros deduzido pela Autora, por requerimento de 7 de Abril de 2021.
Custas pela Recorrente e pelos Recorridos, na proporção de 1/4 e 3/4, respectivamente - cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil -, sem prejuízo do apoio judiciário concedido (artigo 18º, nº4, da Lei nº34/2004, de 29/7, com a alteração introduzida pela Lei nº 47/2007.
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Sumário:
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Porto, 22/1/2024
Anabela Morais
Eugénia Cunha
Manuel Domingos Fernandes
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[1] Em 14/1/2021, foi proferido o seguinte despacho:
A presente instância foi declarada suspensa nos termos dos art. 269.º, n.º 1 al. a) e 270.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, por despacho proferido em 03/03/2020 e notificado à autora por ofício de 12/03/2020.
Desde então e até ao presente (14/01/2021), a autora não desenvolveu/requereu qualquer diligência com vista a que se processasse o necessário incidente de habilitação dos herdeiros do réu falecido.
Verifica-se, por conseguinte, que o processo se encontra parado, há mais de seis meses (note-se que este prazo não se suspende nas férias judiciais – cf. art. 138.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) por negligência dos autores em promover o incidente de habilitação de herdeiros e, nessa medida, o regular andamento dos presentes autos, pelo que ao abrigo do art. 281.º, n.º 1 e 3 do Código de Processo Civil, decido julgar a presente instância extinta por deserção…”.
[2] Do despacho consta:
Nulidade do despacho de 14/01/2021:
Veio a A. suscitar a nulidade do despacho proferido em 14/01/2021, que declarou extinta, por deserção, a instância, nos termos do art.º 281.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, por violação do princípio do contraditório.
Alegou, para tanto, que, antes de ser proferida a decisão, as partes deviam ser notificadas para, querendo, se pronunciarem, nos termos do art.º 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, sobre os pressupostos da deserção da instância e a sua eventual verificação ou não verificação no caso sub judice, máxime quanto ao apuramento da negligência. Não o fazendo, o tribunal incorre em nulidade processual, geradora, na conjugação dos artºs. 3º, nº. 3, e 195º, nºs. 1 e 2, da nulidade do despacho que vier a ser proferido.
Cumpre apreciar e decidir.
Resulta dos autos que em 03/03/2020 foi proferido o seguinte despacho:
Fls. 495 e ss.: visto.
Encontrando-se certificado nos autos o falecimento do habilitado OO (cf. fls. 496), declaro a suspensão da presente instância até que seja notificada decisão que considere habilitado(s) o(s) seu(s) sucessor(es) – cf. art. 269.º, n.º1 al. a) e 2, 270.º, n.º 2 e 276.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Notifique, remetendo cópia de fls. 495 e 496.
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Aguardem os autos em conformidade, sem prejuízo do disposto no art. 281.º do Código de Processo Civil.
Resulta igualmente dos autos que, na sequência da notificação daquele despacho em 15/01/2021, nada foi requerido pela A. e nenhum acto processual foi praticado nos autos, pelo que, em 14/01/2021, foi proferido o seguinte despacho:
A presente instância foi declara suspensa nos termos dos art. 269.º, n.º 1 al. a) e 270.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, por despacho proferido em 03/03/2020 e notificado à autora por ofício de 12/03/2020.
Desde então e até ao presente (14/01/2021), a autora não desenvolveu/requereu qualquer diligência com vista a que se processasse o necessário incidente de habilitação dos herdeiros do réu falecido.
Verifica-se, por conseguinte, que o processo se encontra parado, há mais de seis meses (note-se que este prazo não se suspende nas férias judiciais – cf. art. 138.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) por negligência dos autores em promover o incidente de habilitação de herdeiros e, nessa medida, o regular andamento dos presentes autos, pelo que ao abrigo do art. 281.º, n.º 1 e 3 do Código de Processo Civil, decido julgar a presente instância extinta por deserção.
Custas pelos autores.
Registe e notifique.
Com relevo para a decisão da presente questão, o art.º 281.º do Código de Processo Civil, estatui o seguinte:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
(…)
3 - Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
4 - A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.
(...)
É entendimento quase pacífico dos nossos tribunais que a extinção da instância por deserção, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 281.º do Código de Processo Civil, depende de dois pressupostos, um de natureza objectiva: demora superior a 6 meses no impulso processual legalmente necessário; e outro de natureza subjectiva: inércia imputável a negligência das partes (neste sentido, vide, por todos, Ac. do STJ de 05/07/2018, Rel. Cons. Abrantes Geraldes, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Já é, contudo, jurisprudencialmente controverso a exigência de observar o contraditório antes de proferir decisão sobre a deserção da instância ao abrigo da indicada norma legal.
Em nosso entender, atentas as consequências que da deserção da instância podem advir para a parte, deve ser observado o princípio do contraditório antes da prolação da decisão, para se aferir designadamente da negligência da parte em promover o andamento dos autos.
Como, certamente por lapso, não foi observado o princípio do contraditório consagrado no art.º 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, antes de ser proferido, verifica-se a nulidade prevista no n.º 1 do art.º 195.º do Código de Processo Civil.
Atento o exposto, declaro verificada a nulidade prevista no n.º 1 do art.º 195.º do Código de Processo Civil, por inobservância do princípio do contraditório previsto no art.º 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e em consequência:
- anulo o despacho proferido em 14/01/2021 (art.º 195.º, n.º 2, do Código de Processo Civil);
- concedo à A. o prazo de 10 dias para se pronunciar sobre a eventual deserção da instância, por falta de impulso processual, nos termos do art.º 281.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
Quanto ao justo impedimento alegado pela A., determino que se ouçam os RR. (com mandatário constituído ou patrono) sobre o mesmo.
Notifique.”
[3] Em 9/12/2021, foi proferido o seguinte despacho:
Deserção da instância por falta de impulso processual:
Com relevo para a boa decisão da causa, resulta dos autos o seguinte:
1)- Em 03/03/2020 foi proferido o seguinte despacho:
Fls. 495 e ss.: visto.
Encontrando-se certificado nos autos o falecimento do habilitado OO (cf. fls. 496), declaro a suspensão da presente instância até que seja notificada decisão que considere habilitado(s) o(s) seu(s) sucessor(es) – cf. art. 269.º, n.º1 al. a) e 2, 270.º, n.º 2 e 276.º, n.º 1, todos do CPC.
Notifique, remetendo cópia de fls. 495 e 496”.
*
Aguardem os autos em conformidade, sem prejuízo do disposto no art. 281.º do CPC.
2)- O referido despacho foi notificado à A. com data por notificação de 12/03/2020;
3)- Em 07/04/2021, depois de notificada, com data de 15/01/2021, do despacho de 14/01/2021 que julgou deserta a instância, veio a A. invocar o justo impedimento para a prática do acto e, com esse fundamento, alegar que o impulso processual não se deveu a negligência;
4)- Em 08/04/2021, a A. interpôs igualmente recurso do despacho de 14/01/2021;
5)- A A. sofre de depressão e ansiedade, doença que a impossibilitou de exercer a sua profissão de Novembro de 2020 a Abril de 2021.
Cumpre apreciar e decidir.
Considerando a notificação do despacho de 02/03/2020 efectuada à A. com data 12/03/2020 (presumindo-se a notificação efectiva em 16/03/2021, segunda feira), o prazo de 6 meses de deserção da instância previsto no art.º 281º do CPC terminaria no dia 16/09/2020.
Contudo, por força da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, os prazos judiciais estiveram suspensos desde 09/03/2020 até 03/06/2020, data da entrada em vigor da Lei 16/2020.
Os prazos judiciais estiveram igualmente suspensos de 22/01 a 05/04/2021 por força Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro (cfr. art.º 4.º) e da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril (art.º 7.º).
Atento o disposto nas referidas normas legais, o prazo de deserção da instância (de 6 meses) apenas se completaria no dia 10/12/2020.
Acontece, porém, que a A. sofre de depressão e ansiedade, doença que a impossibilitou de exercer a sua profissão de Novembro de 2020 a Abril de 2021.
A doença da A., na medida em que não é lhe é imputável, constitui justo impedimento, nos termos do art.º 140.º do CPC, para a prática de qualquer acto processual no indicado período.
Assim sendo, os actos processuais que a A. praticou após cessar tal impedimento (mormente o requerimento de 07/04/2021 e o recurso de 08/04/2021) devem ser admitidos (como, aliás, implicitamente já o foram, pois com base neles foi já anulado o despacho que julgou deserta a instância).
Além disso, o justo impedimento para a prática de actos processuais pela A. que se julgou verificado no indicado período de Novembro de 2020 a Abril de 2021, é igualmente relevante para se aferir da eventual negligência da A. para promover o andamento dos presentes autos.
Com efeito, se a A. esteve impedida de praticar actos processuais naquele período, não existiu da sua parte negligência em promover o andamento do processo. É certo que o processo esteve parado durante mais de 6 meses, mas tal paragem não lhe é imputável e resultou da doença.
Pelo exposto, por não se verificar os pressupostos de que depende a deserção da instância, determino que os autos prossigam os seus termos e admito o acto que a A. se apressou a requerer logo que cessou o seu impedimento: a habilitação de OO, herdeiro habilitado do R. MM.
Notifique”.
[4] Em 1 de Junho de 2021, foi junta aos autos a cópia da decisão proferida pela Segurança Social, datada de 21 de Maio de 2021, que indeferiu o pedido de concessão de apoio judiciário que havia sido deduzido pela Autora.
[6] Ac. do TRP de 20-10-2014, proferido no processo nº189/13.9TJPRT.P1, acessível em dgsi.
[7] Paulo Ramos de Faria, O julgamento da deserção da instância declarativa – breve roteiro jurisprudencial”, in Julgar, online, Abril 2015, em: http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf
Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-12-2019 (Pº 21927/15.0T8PRT.P1), acessível em www.dgsi.pt; em sentido divergente, Lebre de Freitas e Isabel Alhendre, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 4ª ed., pág. 572).
[8] Acórdão de 6/3/2018, do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo nº349/14.5T8LRA.C1, acessível em www.dgsi.pt.
[9] Ac. do STJ de 20.04.2021, proferido no processo nº 27911/18.4T8LSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[10] Paulo Ramos de Faria, em O julgamento da deserção da instância declarativa – breve roteiro jurisprudencial”, in Julgar, online, Abril 2015, em: http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf, págs. 17 a 19:
[11] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 30/05/2019, proferido no processo nº 170/17.9T8SRP.E1, acessível em www.dgsi.pt.
[12] No mesmo sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 24/10/2019, proferido no Processo nº 2165/17.3T8CSC.L1.L1-2, acessível em www.dgsi.pt.:
“II-Salvo casos excepcionais, o tribunal deverá alertar a parte para a consequência da deserção da instância por negligência no cumprimento daquele ónus durante aquele período de tempo, o que normalmente será feito com a referência expressa a essa possibilidade, ou com a menção de que o processo fica à espera da prática do acto sem prejuízo do decurso do prazo do art. 281/1 do CPC.
III– Se a parte onerada com esse ónus nada fizer nesse prazo, nem vier ao processo, no decurso do prazo, justificar o facto, tal será suficiente para se concluir pela sua negligência e, por isso, o tribunal poderá declarar a deserção sem ter que ouvir as partes sobre isso”.
No Acórdão citado, foi, ainda, decidido que “esta nulidade – do não cumprimento do dever de audição prévia – se verificar, se trata de uma nulidade processual, não de uma nulidade da decisão recorrida, que, como tal, teria de ser arguida no tribunal recorrido, e não neste recurso (neste sentido, por exemplo, os acórdãos do TRP de 11/04/2019, proc. 10135/05.8TBMAI.P1: IV - De qualquer modo, a inobservância do “princípio do contraditório ” traduz-se numa nulidade secundária a ser arguida pelo interessado em momento próprio e perante o tribunal recorrido (artigos 195/1 e 199/1 do CPC), não podendo ser relegada apenas para o recurso; Tem ela que ser suscitada no tribunal recorrido – no prazo de 10 dias - e será da decisão judicial que recair sobre a reclamação que será admissível o posterior recurso para o tribunal superior, e do TRE de 17/01/2019, proc. 3625/14.3T8LLE.E1). Lebre de Freitas, no artigo já citado, refere – págs. 198-199 - que a nulidade decorrente da omissão do dever de prevenção é uma nulidade processual [necessariamente com um regime diferente do erro de julgamento decorrente da decisão de considerar erradamente verificados qualquer um dos outros 6 requisitos da deserção, e antes – nota 13 da pág. 195 – tinha lembrado o ac. do TRL de 20/12/2016, proc. 3422/15.9T8LSB.L1-7 que só não pôde considerar verificada a nulidade decorrente da omissão desse despacho [no caso, de alerta] por o autor não a ter arguido nos termos dos arts. 195 e ss, limitando-se a invocá-la (directamente) em recurso]”.
[13] Dispõe o artigo 351º, nº1, do Código de Processo Civil que a habilitação deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes e nos termos do artigo 352º, nº1, do Código de Processo Civil, “Deduzido o incidente, ordena-se a citação dos requeridos que ainda não tenham sido citados para a causa e a notificação dos restantes, para contestarem a habilitação”.
[14] Nos termos do artigos 351º e 352º do CP.C, o incidente de habilitação é autuado por apenso à acção principal, excepto nas situações previstas no artigo 353º do Código de Processo Civil.
[15] Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125.
[16] Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686.