Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0121824
Nº Convencional: JTRP00033661
Relator: AFONSO CORREIA
Descritores: PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
CONTAGEM DOS PRAZOS
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
Nº do Documento: RP200201080121824
Data do Acordão: 01/08/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J ESPOSENDE 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 166/95
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ART323 ART327 ART498.
Sumário: I - Interrompida a prescrição por notificação judicial avulsa, começa logo a correr novo e igual prazo, insusceptível de interrupção com nova notificação judicial avulsa.
II - Se, no momento em que termina o prazo da prescrição, por responsabilidade extracontratual, ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado, a prescrição suspende-se nos termos do artigo 321 n.1 do Código Civil.
III - Se forem vários os responsáveis e o lesado tiver logo conhecimento de um deles, não é afectado o decurso do prazo de prescrição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Relação do Porto

Laura..... e marido Olímpio....., residentes em....., instauraram, em 6 de Julho de 1995, acção com processo comum e forma sumária, emergente de acidente de viação, contra a Companhia de Seguros....., com sede em....., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 4.152.500$00, com juros à taxa de 15%, desde a citação até efectivo pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais (152.500$00) e não patrimoniais (4.000.000$00) sofridos em consequência da morte de seu filho António....., ocorrida na sequência de acidente de viação inteiramente devido a culpa de Manuel....., condutor do veículo JJ..-.., pertencente a Rui..... e seguro na Ré por contrato titulado pela apólice nº .....[Na contestação a Ré informa que a apólice tem o nº..... e que o condutor é proprietário do JJ-..-...], abrangente das pessoas transportadas gratuitamente.
Com efeito, no dia 1 de Setembro de 1989, pelas 3 horas e quinze minutos, o Manuel..... conduzia o JJ ao Km 45,2 da Estrada Nacional nº .., no sentido ....- ...., levando como passageiro, no banco direito da frente, ao lado do condutor, o filho dos AA, e um outro passageiro no banco de trás.
Porque circulava a velocidade superior a 90 kms/hora, ao descrever uma curva para a sua esquerda, junto à estalagem....., perdeu o domínio do veículo, invadiu a faixa de rodagem oposta àquela em que transitava, bateu com a frente no muro que ladeia a estrada do lado esquerdo, fez um peão e embateu com a traseira no mesmo muro.
Em consequência deste acidente o filho dos AA Olímpio sofreu lesões que foram causa necessária da sua morte, ocorrida pelas 23 horas do mesmo dia 1 de Setembro.
Em 10 de Agosto de 1992 os AA requereram a notificação avulsa da Ré, cumprida no dia 12 seguinte.
Citada, contestou a Seguradora para, além de imputar a responsabilidade pelo acidente, ao menos em grande parte, a encandeamento súbito do condutor do JJ por veículo circulante em sentido contrário, alegar a prescrição do direito dos AA pois, tendo ocorrido o acidente em 1 de Setembro de 1989 e logo aí ficando eles a conhecer o direito que eventualmente lhes competia, a Ré só veio a ser citada em 3 de Outubro de 1995, mais de três anos sobre a ocorrência do facto e do conhecimento, pelos AA, do direito que lhes pudesse assistir.
Nem se diga que a notificação judicial avulsa operou a interrupção da prescrição pois, além de tal não ser meio idóneo para tanto, também decorreram mais de três anos entre a notificação judicial avulsa - 12.8.92 - e a citação da Ré - 3.10.95.
Responderam os AA à excepção para afirmar que a acção deu entrada em 6 de Julho de 1995, dentro do prazo de três anos iniciado após a notificação judicial avulsa de 12 de Agosto de 1992, tendo-se a citação por efectuada cinco dias depois de requrida; de resto, em 1 de Agosto de 1995 requereram os AA nova notificação judicial avulsa, efectuada no dia 8 do mesmo mês, com o que se iniciou novo prazo dentro do qual se efectuou a citação da Ré.
Face à defesa da Ré - o acidente teria ficado a dever-se a encandeamento do condutor do JJ por condutor desconhecido - requereram os AA a intervenção principal do Fundo de Garantia Automóvel que impugnou a versão do acidente dada pela Seguradora de que resultaria a responsabilidade do desconhecido condutor e invocou a prescrição do eventual direito dos AA quanto ao Fundo.
Responderam os AA a esta excepção invocada pelo Fundo de Garantia Automóvel dizendo que só com a contestação da seguradora tiveram conhecimento de que o acidente pode ter sido causado por condutor desconhecido, pressuposto este da responsabilidade do Fundo.
Julgado o processo isento de nulidades e excepções dilatórias, o Ex.mo Juiz, por decisão de 20 de Fevereiro de 1997, julgou procedente a invocada excepção peremptória da prescrição e absolveu a Ré Seguradora do pedido por entender que a notificação judicial avulsa não é meio idóneo para interromper a prescrição; e decidiu da mesma forma quanto ao Fundo porque o início do prazo de prescrição não se compadece com a incúria do lesado em averiguar quem o lesou, sendo certo que a lei prescinde do conhecimento da pessoa do responsável.
Inconformados, apelaram os AA a pedir a revogação do decidido e prosseguimento da acção com especificação e questionário por não ocorrer a prescrição em relação a qualquer dos demandados.
Como resulta da alegação que coroaram com as seguintes Conclusões
- De acordo com o disposto pelo art. 323º, n.os 1 e 4, do Código Civil, a notificação judicial avulsa é um meio adequado ou idóneo para interromper a prescrição.
- Tendo o acidente a que os autos se reportam ocorrido em 1 de Setembro de 1989, por via da notificação judicial avulsa junta com a petição inicial sob o doc. nº 2 e efectivada em 12 de Agosto de 1992, foi interrompido nesta data o prazo prescricional estabelecido pelo art. 498º, nº 1, do Código Civil.
- Por via da aplicação da regra constante do art. 326º, do Código Civil, o termo do novo prazo prescricional ocorreu em 12 de Agosto de 1995.
- Tendo a acção sido intentada em 6 de Julho de 1995 e submetida à distribuição nesse mesmo dia, tem de se considerar que, na mesma data, foi requerida a citação da Ré “Companhia de Seguros....., S. A.”;
- Tendo sido formulado aos recorrentes o convite constante do despacho fls. 16 - do qual os recorrentes foram notificados por carta registada em 12 de Julho de 1995 - e que cumpriram dentro do prazo estabelecido após o termo das férias judiciais, tal convite não obsta a que, para os efeitos do art. 323º, nº 2, do Código Civil, se considere a prescrição por interrompida logo que te-nham decorrido os 5 dias sobre o pedido de citação;
- Em 1 de Agosto de 1995, os recorrentes requereram nova notificação judicial avulsa da Ré “Companhia de Seguros....., S.A.”, notificação essa que foi efectuada em 8 de Agosto seguinte - vd. doc. junto com a resposta à contestação da dita Ré;
- Assim, se se entender que não ocorreu em 12 de Julho de 1995 a interrupção do prazo prescricional de 3 anos iniciado em 12 de Agosto de 1992, deve considerar-se que o mesmo prazo foi interrompido em 8 de Agosto de 1995.
- Tendo a Ré “Companhia de Seguros....., S.A.” sido citada para a acção em 3 de Outubro de 1995, em tal data decorria um novo prazo prescricional de 3 anos, iniciado em 12 de Julho anterior ou, quando assim se não entenda, em 8 de Agosto do mesmo ano.
- O início da contagem do prazo prescricional estabelecido pelo art. 498º, nº 1, do Código Civil, depende do momento em que o lesado teve conhecimento dos pressupostos condicionadores da responsabilidade, e o pressuposto condicionante da responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel é o desconhecimento do responsável pelo acidente.
10ª - Nos art. 5º, 6º e 7º da resposta à contestação deduzida pelo interveniente Fundo de Garantia Automóvel, alegaram os recorrentes factos demonstrativos de que, à data da citação de tal interveniente, não se achavam decorridos 3 anos sobre a data em que tiveram conhecimento do pressuposto gerador da responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel.
11ª - Em face do alegado pelos recorrentes na resposta à contestação do Fundo de Garantia Automóvel, não pode considerar-se verificada ou reconhecida a excepção da prescrição, suscitada pelo referido interveniente na contestação.
12ª - O processo não contém todos os elementos para que, no despacho saneador, pudesse decidir-se pela procedência da excepção peremptória da prescrição, relativamente ao Fundo de Garantia Automóvel.
13ª - A decisão recorrida violou, por errada aplicação e interpretação, o disposto pelos art. 323º, n.os 1 e 4, 323º, nº 2, 326º, do Código Civil, e 477º, nº 2, do Cód. Proc. Civil - preceitos esses violados no que respeita à excepção peremptória da prescrição suscitada pela Ré “Companhia de Seguros....., S.A.; 498º, nº 1, do Código Civil, e 510º, n.os 1, alíneas b) e c) e 3 do Cód. Proc. Civil, - no que respeita à excepção peremptória da prescrição suscitada pelo interveniente Fundo de Garantia Automóvel
14ª - Decorrentemente, deverá ser revogada, determinando-se que se proceda à elaboração da especificação e do questionário.
Respondeu a Seguradora em defesa do decidido: a notificação judicial avulsa não é meio idóneo nem eficaz para interromper a prescrição e a citação ocorreu mais de seis anos depois do acidente; as notificações efectuadas foram-no apenas em relação à Seguradora, pelo que sempre a prescrição se verificou quanto ao segurado; e não sendo este responsável também o não é a Seguradora.
O Fundo voltou a lembrar o disposto no art. 498º, nº 1, do CC, que deitaria por terra o raciocínio dos recorrentes.
Mandados subir os autos a esta Relação em 12.1.98, só em 23 de Novembro de 2001 ocorreu tal remessa, demora esta devida ao facto de o Sr. escrivão ter trancado o processo num armário a que só ele tinha acesso e onde foi descoberto por um Sr. Inspector do C.O.J. (fs.94).
Colhidos os vistos de lei e nada obstando, resolvida que foi a questão do recurso per saltum para o Supremo Tribunal, cumpre decidir a questão submetida à nossa apreciação e que é, a final, a de saber se ocorreu ou não a prescrição do direito dos AA em relação à Seguradora e ou ao Fundo de Garantia Automóvel, se foram violadas as normas dias em 14ª. O que pressupõe saber se:
I - A notificação judicial avulsa é (aqui) meio idóneo para interromper a prescrição - conclusões 1ª a 3ª e 6ª a 8ª;
II - Influência da propositura da acção com requerimento de citação, efectuada esta para além de cinco dias depois de requerida e após convite ao A. para prestação de informação - conclusões 4ª e 5ª;
III - Em relação ao Fundo de Garantia Automóvel o prazo de três anos só se inicia depois de apurado ter o acidente ficado a dever-se, no todo ou em parte, a comportamento de condutor desconhecido - conclusões 9ª a 13ª.
Mas antes é mister ver estarem assentes, nemine discrepante, os seguintes Factos:
1 - O acidente em consequência de que faleceu o filho dos AA, passageiro transportado gratuitamente no automóvel seguro na Ré, deu-se pelas três horas e quinze minutos de 1 de Setembro de 1989 e a morte ocorreu cerca de vinte horas mais tarde.
2 - Os AA imputaram o acidente a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré por circular a velocidade superior a 90 km/hora, o que lhe não permitiu controlar o veículo na curva que descrevia, indo bater num muro que ladeia a estrada pelo lado esquerdo.
3 - Em 10 de Agosto de 1992 os AA requerem a notificação judicial avulsa da Seguradora a fim de esta ficar ciente de todo o conteúdo do presente requerimento e, bem assim, de que os requerentes irão intentar contra ela ... uma acção ... a fim de serem indemnizados, pela requerida, dos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram em consequência do acidente referido..., notificação efectuada por carta registada com aviso de recepção assinado em 12 de Agosto de 1992.
4 - A presente acção então anunciada entrou e foi distribuída em 6 de Julho de 1995 e na respectiva petição inicial requereram os AA a citação da Seguradora aí Ré.
5 - Em 10 de Julho de 1995 foram os AA convidados a, em cinco dias, informarem se o seu falecido filho era beneficiário de alguma instituição de Segurança Social e respectivo número, informação negativa que os AA prestaram no aludido prazo.
6 - Em 1 de Agosto de 1995 requereram os AA notificação judicial avulsa da Ré de terem instaurado contra ela a presente acção que identificam e em que ainda não fora ordenada a sua citação, notificação que ocorreu em 8 de Agosto de 1995.
7 - A Seguradora foi citada para esta acção em 3 de Outubro de 1995 e contestou, além de invocar a prescrição, imputando o acidente, pelo menos em grande parte, a encandeamento súbito do seu segurado por veículo desconhecido.
8 - Na sequência desta contestação, os AA requereram e viram deferida a intervenção principal do Fundo de Garantia Automóvel, citado em 8 de Janeiro de 1996.
9 - Além de aceitar a versão do acidente dada pelos AA e impugnar a da Seguradora, o Fundo também invocou a prescrição do direito dos AA por exercido mais de cinco anos depois do acidente.
Sintetizando estes factos, temos que o acidente mortal ocorreu em 1 de Setembro de 1989, a notificação judicial avulsa da Seguradora do alegadamente único culpado teve lugar em 12 de Agosto de 1992, a acção entrou em 6 de Julho de 1995 e para ela foi a Ré citada em 3 de Outubro de 1995, depois de os AA terem prestado, no prazo para tanto fixado, informação ordenada pelo Ex.mo Juiz sobre a situação do falecido em relação à Segurança Social e efectuada nova notificação judicial avulsa da Seguradora em 8.8.95.
O Fundo foi citado em 8.1.96, depois de requerida a sua intervenção pelos AA e na sequência de afirmação da Ré de que o acidente tinha ficado a dever-se, pelo menos em grande parte, a encandeamento do seu segurado por condutor de veículo desconhecido circulando em sentido contrário.
Sendo estes os factos atendíveis, resta aplicar-lhes o Direito
Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis - art. 298º, nº 1.
A prescrição (como a caducidade) supõe a vontade da lei (ou das partes) em que o direito se exerça dentro de certo prazo, tendo em vista a rápida definição dos direitos e a correspondente segurança jurídica.
Na prescrição, em rigor, não se fixam prazos de exercício do direito, mas apenas prazos a partir dos quais o devedor se pode opor ao exercício do direito, por não mais ser razoável, embora seja possível, exercê-lo. Na prescrição, além de proteger a segurança jurídica, a lei propõe-se sancionar a negligência do titular, pelo que o prazo prescricional, ao contrário da caducidade que apenas se impede, pode suspender-se e interromper-se nos termos próprios da prescrição.
A prescrição não é de conhecimento oficioso, antes carece, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita - art. 303º CC - ou por terceiro com interesse legítimo na sua declaração, ainda que o devedor ou primitivo interessado a não haja invocado - art. 305º CC [É o caso da seguradora que pode invocar a prescrição contra o lesado, ainda que o seu segurado não a haja invocado - BMJ 417-705.].
Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito - art. 304º, nº 1, CC.
O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido - art. 306º - e apenas se interrompe (além do compromisso arbitral e pelo reconhecimento do direito - art. 324º e 325º - que aqui não interessa considerar) pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, ou por qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido - art. 323º, n.os 1 e 4, do CC.
Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (art. 323º, nº 2), mesmo que a demora fique a dever-se ao funcionamento de regras de custas ou de organização judiciária [BMJ 367-483 e 507.], por acumulação de serviço ou negligência do tribunal [BMJ 420-444 e 444-571.] ou ter sido a acção proposta em tribunal incompetente [BMJ 478-321; Com larga indicação de Jurisprudência pode ver-se o mesmo Boletim, a pág. 324.].
Também é seguro, à vista do anterior art. 477º (hoje art. 476º) do CPC, que a acção considera-se proposta na data em que a primeira petição deu entrada na secretaria, desde que, convidado o autor a aperfeiçoar ou corrigir a petição, o faça dentro do prazo inicialmente marcado ou da prorrogação concedida [BMJ 418-687.].
Depois de acentuada divergência doutrinária e jurisprudencial, o Supremo Tribunal uniformizou jurisprudência no sentido de que a notificação judicial avulsa, pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito, é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do nº 1 do art. 323º do CC [AUJ no DR., I série, de 12.5.98 e no BMJ 475-21.]. E sendo os Assentos - hoje Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência (art. 732º A e 732ºB do CPC) - verdadeira interpretação da lei, eles integram-se na lei interpretada, nos termos do art. 13º, nº 1, do CC, e aplicam-se retroactivamente, com ressalva dos efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação ou por sentença passada em julgado.
Interrompida a prescrição, inutilizado fica para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo e igual prazo a partir do acto interruptivo - art. 326º, nº 1; mas se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo - art. 327º, nº 1.
Esta disposição legal levanta sérias dificuldades quando reportada à notificação judicial avulsa, pois é sabido que nesta não há qualquer decisão a pôr termo ao processo. Isso mesmo fez notar o Ex.mo Conselheiro Martins da Costa no seu voto de vencido [BMJ 475-33.] e não se vê possibilidade de conciliar a força do Acórdão Uniformizador com esta norma do art. 327º que não seja a de limitar a duração do efeito interruptivo da notificação judicial avulsa ao prazo inicial, começando a correr novo e igual prazo, insusceptível de interrupção com nova notificação judicial avulsa.
Na responsabilidade extracontratual o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável - art. 498º, nº 1, do CC.
Se no momento em que finda o prazo ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado nessa falta de conhecimento, nada impedirá a aplicabilidade ao caso do disposto no art. 321º: a prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo.
Se o lesado só tiver conhecimento da identidade do responsável depois de verificada a lesão, o prazo de três anos para propor a acção não se conta desse momento, mas a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito. Da mesma forma, se forem vários os responsáveis e o lesado tiver desde logo conhecimento de um ou vários deles apenas, não lhe será lícito intentar a acção já depois de findo o prazo fixado, a pretexto de só então ter tido conhecimento de outro ou outros dos responsáveis[P. Lima - A. Varela, CC Anotado, I, 504 e Obrigações, I, 9ª ed., 650-651.].
As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, no caso de existência de seguro, devem ser instauradas obrigatoriamente só contra a seguradora, quando o pedido formulado se contiver dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório - art. 29º, nº 1, a), do Dec-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro. A Seguradora é responsável, (pelo menos - art. 8º, nº 2, deste Dec-Lei), da mesma forma e enquanto o for o seu segurado [Col. Jur. 99-III-75.].
O Fundo de Garantia Automóvel garante a satisfação da indemnização devida por morte quando o responsável seja desconhecido - art. 21º, nº 2, a), do dito Dec-Lei -, ou seja, assume a responsabilidade que competiria ao responsável desconhecido e tem exactamente os mesmos direitos e obrigações das pessoas que garante. Pelo que pode opor ao lesado a excepção da prescrição se este não exerce o seu direito dentro do prazo legalmente previsto [Ac. do STJ, de 6.7.2000, na Col. Jur. (STJ) 2000-II-150.].
É claro que se o lesado demanda o Fundo de Garantia Automóvel como garante da indemnização devida por condutor desconhecido, não tem que provar a sujeição deste ao seguro obrigatório, precisamente porque o veículo é desconhecido. Mas não fica dispensado de alegar os factos integradores da culpa ou risco imputados a esse desconhecido porque só então se justifica a intervenção do garante que é o Fundo [Por todos, o Ac. do STJ no BMJ 490-221.].
Os factos, o Direito e o recurso
De posse destes ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais e presentes os comandos legais analisados, resta aplicá-los aos factos tidos por assentes.
Mas temos de considerar separadamente, para cada um dos recorridos, as razões da decisão em crise e dos recorrentes, que tanto impõe a diversidade de factos referentes a cada um.
Assim e quanto à Seguradora:
Assente que a notificação judicial avulsa é meio idóneo e capaz de interromper a prescrição do direito à indemnização do lesado notificante (AUJ de 26.3.98, interpretativo dos n.os 1 e 4 do art. 323º CC), é forçoso concluir que a notificação efectuada à Seguradora em 12 de Agosto de 1992 inutilizou para a prescrição todo o tempo decorrido desde a data do acidente, 1 de Setembro de 1989, começando desde então a correr novo prazo de três anos (art. 326º), novo prazo este insusceptível de interrupção pela nova notificação judicial avulsa efectuada em 1995 (art. 327º, nº 1, CC).
Intentada a acção, com pedido de citação, em 6 de Julho de 1995, interrompeu-se a prescrição em curso cinco dias depois de requerida a citação, em 12 de Julho de 1995 (art. 279º, b) e 296º do CC), apesar de esta só vir a efectuar-se em Outubro seguinte e não obstante a demora da citação ter ficado a dever-se ao pedido de informação aos AA, informação que estes prestaram em devido tempo (art. 323º, nº 2 CC, 267º, nº 1, anterior 477º e actual 476º do CPC).
Não careciam (nem podiam) os AA de requerer nova notificação judicial avulsa porque a prescrição tem-se por interrompida em 12 de Julho de 1995.
Nem diga a Seguradora apelada que não houve qualquer acto de interrupção da prescrição em relação ao seu segurado. Não houve nem tinha que haver porque a acção só podia ser, como foi, proposta contra a Seguradora - art. 29º, 1, a), do Dec-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro.
Assiste, nesta parte, razão aos AA e não pode manter-se, quanto à Seguradora, o decidido.
O mesmo não pode dizer-se no tocante ao Fundo de Garantia Automóvel. Quanto a este não houve qualquer acto interruptivo da prescrição que se iniciou, nos termos do art. 498º, nº 1, do CC, na data do acidente por logo aí terem os AA tomado conhecimento do direito a indemnização que só mais de seis anos depois reclamam do Fundo.
Como acima se disse pela voz autorizada dos Professores P. de Lima e Antunes Varela, «Se o lesado só tiver conhecimento da identidade do responsável depois de verificada a lesão, o prazo de três anos para propor a acção não se conta desse momento, mas a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito. Da mesma forma, se forem vários os responsáveis e o lesado tiver desde logo conhecimento de um ou vários deles apenas, não lhe será lícito intentar a acção já depois de findo o prazo fixado, a pretexto de só então ter tido conhecimento de outro ou outros dos responsáveis».
O Fundo foi citado em 8 de Janeiro de 1996. Mesmo admitindo que os AA fizeram validamente sua a versão da Seguradora (contraditória com a por si inicialmente assumida) - há muito decorrera o prazo de três anos previsto no nº 1 do art. 498º CC, jamais interrompido, quanto ao Fundo, por qualquer meio.
A procedência da excepção peremptória da prescrição importa absolvição do pedido - art. 493º, nº 3, CPC e 304º CC.
Bem se decidiu, pois, pela absolvição do Fundo. Nesta parte improcede a Apelação.
Decisão
Termos em que, na parcial procedência da Apelação, acordam os da Relação:
- Revogar o decidido na parte em que, por procedência da prescrição, absolveu a Seguradora do pedido; Consequentemente,
- Mandam que, no tocante à Seguradora, siga o processo seus legais termos;
- Confirmar a decisão na parte respeitante ao Fundo de Garantia Automóvel.
As custas da acção serão pagas de acordo com decisão a final; as do recurso são da responsabilidade dos AA e da Apelada Seguradora...., na proporção de metade para cada um - art. 446º, n.os 1 e 2, do CPC.
Porto, 08-01-2002
Afonso Moreira Correia
Albino de Lemos Jorge
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves