Decisão Texto Integral: | Processo nº 60809/23.4YIPRT.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo de Competência Genérica de Anadia
Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. Teresa Pinto Silva
2º Adjunto: Des. Anabela Morais
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO
Recorrente: a Requerida/Reconvinte, A..., Lda
Recorrida: a Requerente/Reconvinda, B..., Lda
B..., Lda. apresentou contra A..., Lda., requerimento de injunção, que veio a transmutar-se em ação com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €3.971,14 (dos quais €3.222,43 são a título de capital, €393,71 são a título de juros vencidos até à data da entrada da injunção (1.6.2023), €304 a título de despesas com a cobrança e €51 a título de taxa de justiça).
Alega, para tanto e resumidamente, que, no exercício da sua atividade, a requerida lhe solicitou a reparação da máquina que refere, que reparou e faturou, conforme fatura 2021A/97, no valor de € 6.442,43, com vencimento em 15.10.2021, e que em 24.02.2022 a requerida realizou um pagamento de € 3.220,00 e nada mais pagou.
A Requerida deduziu oposição invocando em sua defesa a deficiente execução dos trabalhos, a impedir a utilização e normal funcionamento da máquina, que reclamou junto da Requerente ter a máquina sido entregue sem o sistema de travões a funcionar e que, sendo a mesma imprescindível para a sua atividade, teve de contratar uma empresa com uma máquina idêntica. Formula pedido reconvencional de condenação da Requerente a pagar-lhe a quantia de €4.508,93, alegando, para tanto, que, por causa da deficiente execução dos serviços que a Reconvinda lhe prestou, teve de recorrer aos serviços de terceiro tendo, para o efeito, despendido a referida quantia, em trabalhos, nomeadamente, de mini-giratória e camião, abertura de valas para águas e saneamentos, desaterro e fundações, demolição de paredes, abertura de alicerces e remoção de piso.
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De seguida, foi proferida a seguinte decisão:
“A R. veio deduzir pedido reconvencional.
Não é legalmente admissível a dedução de pedido reconvencional nas acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias reguladas no anexo do DL nº269/98, de 01.09., nos termos do artigo 266.º, n.º 2 do CPC, desde logo porque estas acções só admitem dois articulados, a que se segue a audiência, o que exclui a possibilidade de apresentação de réplica, nos termos do artigo 584.º do CPC. Neste sentido veja-se, apenas a título de exemplo, o acórdão do TRG de 5.3.2020, proc. 3298/16.9T9VCT-B.G1, cuja relatora foi Alexandra Viana Lopes e acórdão do TRE de 23.4.2020, proc. 90849/19.1YIPRT-A.E1, cujo relator foi Francisco Matos e acórdão do TRP de 21.6.2021, proc. 83857/20.1YIPRT-A.P1, cujo relator foi Pedro Damião da Cunha, todos consultáveis na integra em www.dgsi.pt
Acresce que é praticamente pacífico o entendimento da Jurisprudência no sentido da inadmissibilidade do recurso à injunção como forma de alcançar um título executivo para obter o pagamento coercivo de um valor pecuniário correspondente à indemnização por incumprimento, existindo erro na forma de processo – ver, apenas a título de exemplo, acórdão do TRP de 7.6.2021, proc. 2495/19.0T8VLG-A.P1, cujo relator foi Joaquim Moura, acórdão do TRP de 15.1.2019, proc. 141613/14.0YIPRT.P1, cujo relator foi Rodrigues Pires, acórdão do TRL de 8.10.2015 proc. 154495-13.0YIPRT.L1-8, cuja relator foi Cataria Arêlo Manso, acórdão do TRL de 17.12.2015, proc. 122528/14.9YIPRT.L1-2, cuja relator foi Maria Teresa Albuquerque, acórdão do TRL de 25.5.2021, proc. 113862/19.2YIPRT.L1-7, cuja relator foi Cristina Coelho, acórdão do TRP de 15.12.2021, proc. 17463/20.0YIPRT.P1, cujo relator foi Rui Moreira, acórdão do TRL de 23.11.2021, proc. 88236/19.0YIPRT.L1-7, cujo relator foi Edgar Taborda Lopes, entre tantos outros, consultáveis na íntegra em www.dgsi.pt
As formas de processo são a comum e a especial (546º, nºs 2 do CPC). O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei e o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial (art. 546º, n.º 2 do CPC).
Assim, deve aplicar-se o processo especial quando o pedido formulado na petição inicial corresponde ao fim para o qual a lei estabeleceu esse processo.
O DL nº 269/98, de 1.09, aprovou o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância.
Com as sucessivas alterações ao artigo 1º este procedimento é agora aplicável aos casos em que se pretende exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000.
A lei fala de obrigações pecuniárias emergentes do contrato e a jurisprudência vem entendendo que em causa estão as obrigações pecuniárias directamente emergentes do contrato, ou seja, a obrigação em que a quantia pecuniária é o próprio objecto da prestação, não cabendo aqui as cláusulas penais, que se inserem no âmbito da responsabilidade civil contratual por via do incumprimento (a qual, como resulta do disposto no artigo 2º c) do DL 32/2003, não pode ser exercida através do procedimento de injunção).
No acórdão do TRL de 25.5.2021, proc. 113862/19.2YIPRT.L1-7, cuja relatora foi Cristina Coelho, é feita referência a diversas posições doutrinárias, no sentido de excluir do âmbito de aplicação do processo de injunção as obrigações pecuniárias que não emirjam directamente do contrato. Assim, pode ler-se o seguinte: “A lei fala em obrigações pecuniárias, e a jurisprudência vem entendendo que em causa estão as obrigações pecuniárias stricto sensu, ou seja, “aquelas cuja prestação debitória consiste numa quantia em dinheiro (“pecunia”), que se toma pelo seu valor propriamente monetário” (e que se distinguem das obrigações de valor, porquanto, nestas “o objecto não consiste directamente numa importância monetária, mas numa prestação diversa, intervindo o dinheiro apenas como meio de determinação do seu quantitativo ou da respectiva liquidação” – Mário Júlio de Almeida Costa, em Direito das Obrigações, 12ª ed. rev. e actual., págs. 735/736).
Também Paulo Teixeira Duarte, em Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção, publicado na “Themis”, VII, nº 13, págs. 184/185, demarca negativamente a pretensão substantiva que pode ser processualizada no processo de injunção referindo que são “apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objecto da prestação seja directamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária”, concluindo que, “Daqui resulta que só pode ser objecto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes do contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro”.
Salvador da Costa, na ob. cit., pág. 41, também entende que o objecto dos procedimentos especiais previstos pelo DL nº 269/98, de 1.09, são as obrigações que se reportam a uma prestação em dinheiro, e que “o regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, …”..- acórdão consultável em www.dgsi.pt
No caso em apreço, a A. pede o pagamento de facturas pelo prestação de serviço; e a R., através da reconvenção, pretende ver apreciado um pedido de indemnização por violação contratual.
Ou seja, a R. pretende, através do processo de injunção – que foi posteriormente convolado em acção especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato –, fazer valer uma pretensão que está no âmbito da responsabilidade civil contratual por via do incumprimento, que não pode ser exercida através do procedimento de injunção.
O uso indevido do procedimento especial de injunção configura um erro na forma de processo.
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 193º do CPC, o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, de forma estabelecida na lei. Porém, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, não devem aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias da A..
No caso em apreço, a utilização do procedimento de injunção não pode ser aproveitada, porque implica menos garantias, designadamente em termos de prazo para oposição, que é sensivelmente inferior ao prazo para contestação numa acção comum.
O erro na forma de processo conduziria à nulidade de todo o processo, e constituiu uma excepção dilatória que determina a absolvição da instância - arts. 193º, 576°, n.º 2 e 577º, n.º 1, al. b) do C. P. C.
Custas do incidente a cargo da R., que se fixa em 1,5 UC – artigo 527.º do CPC”.* De tal decisão apresentou a Requerida/Reconvinte recurso de apelação, pugnando por que ao mesmo seja dado provimento e, em consequência, seja o despacho recorrido revogado e substituído por outro que admita o pedido reconvencional formulado pela Apelante, nos exatos termos peticionados, tudo com as legais consequências, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
“1- A decisão recorrida errou ao não ter admitido o pedido reconvencional.
Porquanto:
1. A Apelada/Autora propôs contra a ora Apelante requerimento de injunção no qual requer que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de Euros: 3.971,14, correspondendo Euros: 3.222,43 de capital, Euros: 304,00 de “outras quantias”, Euros: 51,00 de taxa de justiça e Euros: 393,71, a título de juros de mora.
2. Para tanto, alega em síntese que no exercício da sua atividade prestou serviços à Ré, serviços esses que se encontram melhor identificados na fatura mencionada no requerimento de injunção e que não foi paga na totalidade pela Ré, requerendo ainda que esta seja condenada nos termos descritos no ponto anterior, e que se trata(va) de uma obrigação comercial.
3. A ora Apelante/Requerida deduziu oposição com reconvenção alegando e requerendo que: A ora Apelada seja condenada a pagar-lhe a quantia de Euros: 4.508,93, “Face à deficiente execução dos serviços que a Requerente/Reconvinda prestou à Requerida/Reconvinte, esta teve necessidade de recorrer aos serviços da sociedade C... Unipessoal, Lda. ….tendo, para o efeito, despendido a quantia de Euros: 4.508,93 (quatro mil quinhentos e oito euros e noventa e três cêntimos) …. Relativos a trabalhos, nomeadamente, serviço de mini-giratória e camião, abertura de valas para águas e saneamentos, desaterro e fundações, demolição de paredes, abertura de alicerces, remoção de piso. …o que se deveu ao cumprimento defeituoso por parte da Requerente. …. Pelo que, a Reconvinte é credora da Reconvinda de quantia não inferior a Euros: 4.508,93 (quatro mil quinhentos e oito euros e noventa e três cêntimos).
4. A cujo montante deve ser operada a compensação de Euros: 3.971,14, correspondente ao peticionado pela Requerente nos presentes autos e que resulta da fatura que serve de base à presente Injunção.
5. O pedido aí formulado e aqui correspondente ao pedido reconvencional emerge da seguinte factualidade:
A Reconvinte face à deficiente execução por parte dos serviços executados na máquina por parte da Reconvinda, viu-se privada de utilizar a mesma, teve necessidade de recorrer a uma terceira sociedade, no caso vertente C... Unipessoal, lda, para efetuar os trabalhos com uma mini-giratória e camião, de abertura de valas para águas e saneamento, desaterro e fundações, demolição de paredes, abertura de alicerces, remoção de piso, já que a Reconvinda não reparou devidamente a máquina, ou seja, reparou de forma deficiente, tendo a mesma sido entregue sem o sistema de travões a funcionar, e sem as mínimas condições de segurança para funcionar, o que sucedeu.
6. A Reconvinda não cumpriu o contrato, melhor, executou de forma defeituosa o cumprimento da obrigação – reparação da máquina
7. Ao atuar nos termos supra descritos a Reconvinda violou ostensivamente o que havia contratado e se obrigado com a Reconvinte.
8. E com evidente prejuízo para a Reconvinte.
9. Que dessa forma viu frustrada a utilização do equipamento e teve necessidade de face a tal incumprimento de recorrer a uma empresa terceira tendo despendido a quantia de Euros: 4.508,93 que reclama da Reconvinda por incumprimento contratual ---- defeituoso --- por se tratar de conduta que lhe é imputável.
10. O pedido reconvencional formulado pela Apelante tem conexão com o pedido formulado no Requerimento de Injunção, pelo que deve ser somado ao valor do pedido inicial,
11. Donde decorre que o Tribunal “A Quo” fez uma errada aplicação, e consequentemente violou as normas constantes dos artigos 18.º do D.L. n.º 269/98, de 01 de Setembro, do artigo 10.º, n.º 2 e 4 do D.L. n.º 62/2013, e artigos 266.º e 299.º, n.º 2, estes últimos do Código de Processo Civil.
Pelo que também de acordo com o princípio da adequação processual, e da realização da justiça material, deve o tribunal admitir o pedido reconvencional.
12. O douto Despacho proferido pelo Tribunal “A Quo” não fez uma correta aplicação do direito”.* Respondeu a Autora ser o recurso inadmissível em razão do valor da causa e da sucumbência.* Foi fixado o valor da ação nos seguintes termos:
“Fixa-se o valor da acção em €8.429,07 (oito mil quatrocentos e vinte e nove euros e sete cêntimos), já que não engloba o valor da taxa de justiça paga - artigos 296.º, 297.º, 299.º e 306.º, n.º 1 e 2 do CPC”. * Admitido o recurso e após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto, admissível face ao valor fixado à causa, superior à alçada do tribunal de que se recorre (€8.429,07, sendo aquele 5.000,00€) e ao da sucumbência, superior a metade da alçada desse tribunal – cfr. nº1, do art. 629º, do CPC).
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, a questão a decidir é a seguinte:
- Da admissibilidade legal da reconvenção (deduzida em ação especial para cumprimento de obrigação pecuniária de valor inferior a 15.000,00 €).*
II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados com relevância para a decisão constam já do relatório que antecede, resultando a sua prova dos autos, e não se reproduzindo por tal se revelar desnecessário.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Da reconvenção nas Ações Especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior a 15.000€: a admissibilidade e sua abrangência.
A reconvenção é uma ação que o Réu vem cruzar na proposta pelo Autor (sendo este, no seu âmbito, Réu (reconvindo) e aquele autor (reconvinte)).
Só é admissível a sua dedução, em termos gerais, se ocorrer um dos fatores de conexão com a ação inicial, previstos nas alíneas do nº2, do art. 266º, do CPC, que consagra, taxativamente, requisitos substantivos de admissibilidade da reconvenção.
Estão preenchidos os fatores de conexão previstos na al. a), do referido preceito, no caso de a causa de pedir da reconvenção ser densificada por factos que componham a mesma relação jurídica da ação (1ª parte) ou que, compondo relação diversa (2ª parte), integrem a defesa, seja por impugnação seja por exceção, apresentada[1], que seria o caso dos autos, a poder considerar-se a reconvenção legalmente admissível nos termos gerais na presente ação especial.
Decidiu, contudo, o Tribunal a quo pela inadmissibilidade legal da reconvenção por o regime aplicável não prever a possibilidade de ser deduzida reconvenção, apenas permitindo que o requerido apresente oposição, não existindo mais nenhum articulado, e não fazendo sentido que neste processo especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias, em que a tramitação é mais simplificada, menos solene (a contestação não carece de forma articulada (artigo 1º n.º3) seja admissível reconvenção, a impor, por isso, necessariamente, uma “resposta”, subvertendo outro entendimento os efeitos pretendidos pelo legislador com este diploma legal.
A questão da admissibilidade legal da reconvenção nas Ações Especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior a 15.000€ tem vindo a ser debatida na Doutrina e na Jurisprudência, designadamente na dos Tribunais Superiores, desenhando-se diversas orientações, que fundamentalmente se resumem a três, como veremos, tendo a ora relatora tomado, já, posição, enquanto adjunta, por aquela que se lhe afigurou mais conforme com a letra da lei e a traduzir o espírito do legislador para o concreto meio adjetivo em causa.
Com efeito, assumiu-se, o restritivo, entendimento manifestado no Ac. desta Relação, proferido em 21/6/2021, no proc. 83857/20.1YIPRT.P1[2], cujo sumário, bem o espelha:
“I - Nas acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias reguladas no anexo do DL nº269/98, de 01.09., não é admissível a dedução de pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2 do CPC, em face: do escopo dos procedimentos especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias ser o de conferir força executiva aos requerimentos iniciais (art. 7º e 2º do anexo do diploma); da acção especial apenas dispor de dois articulados, seguidos da audiência de julgamento (arts. 3º e 4º do anexo do diploma), que exclui a possibilidade de apresentação de réplica, nos termos do art. 584º do CPC da acção comum.
II - Nestas acções especiais não pode vir a ser admitida a reconvenção, também: nem pela via da norma remissiva do art. 549º, nº 1 do CPC, uma vez que não existe lacuna da lei na tipificação do regime processual da acção especial; nem por força da adequação formal, nos termos dos arts. 6º e 547º do CPC, uma vez que a referida adequação não serve para resolver de forma estrutural a possibilidade de dedução de pedidos reconvencionais nas acções especiais limitadas a dois articulados, sempre que os réus nas mesmas tivessem vontade e fundamento para formular um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2 do CPC”.
Posteriormente, embora por maioria, foi decidida, por este Tribunal, a mesma questão da admissibilidade de reconvenção, para compensação, nas AECOPs, com os mesmos argumentos do referido Acórdão - cfr. Ac. RP de 13/3/2023, proc. nº. 109593/21.1YIPRT-A.P1, em que a ora relatora foi adjunta -, onde sumariado vem:
“1- Na ação especial regulada pelo DL 269/98 de 01/09 de valor não superior a € 15.000,00, a qual permite apenas dois articulados, baseada no modelo da (antiga) ação sumaríssima e cujo escopo foi o de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção de forma célere e simplificada de título executivo, não é admissível o pedido reconvencional.
2- Por força do previsto no artigo 266º nº 2 al. c) do CPC a exceção de compensação tem de ser obrigatoriamente deduzida por via reconvencional. Não sendo esta última admissível, tão pouco pode aquela ser apreciada por via de exceção no âmbito desta ação especial.
3- O princípio da adequação formal previsto no artigo 547º do CPC tão pouco será de utilizar como meio de alterar uma especial tramitação processual pensada pelo legislador com a específica finalidade indicada em 1.
4- Este entendimento não viola o direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20ºda CRP, porquanto ao credor é facultado o recurso aos tribunais para fazer valer em ação própria o seu direito”[3].
Sendo essencialmente três os entendimentos que têm vindo a ser seguidos quanto à admissibilidade de reconvenção no procedimento de injunção de valor inferior a € 15.000,00:
i) um mais restritivo, o da inadmissibilidade de reconvenção, não compatível com a simplicidade de tramitação e celeridade que o legislador pretendeu imprimir a esta forma processual, seguido pelo Tribunal a quo, que, como vimos, traduz o pensamento do legislador;
ii) outro, permeável ao não cerceamento da defesa, o da admissibilidade da compensação, como forma de garantir tal meio de defesa ao requerido, mas por exceção;
iii) um outro, mais amplo, o da admissibilidade de reconvenção, devendo o juiz, no uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal, ajustar a tramitação processual ao pedido reconvencional,
no referido Acórdão enveredou-se, como se havia feito no anterior, por uma rigorosa interpretação das regras deste procedimento, concluindo-se pela inadmissibilidade da dedução do pedido reconvencional nos termos do artigo 266º nº 2 do CPC em face “do escopo dos procedimentos especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias ser o de conferir força executiva aos requerimentos iniciais (art. 7º e 2º do anexo do diploma); da ação especial apenas dispor de dois articulados, seguidos da audiência de julgamento (arts. 3º e 4º do anexo do diploma), que exclui a possibilidade de apresentação de réplica, nos termos do art. 584º do CPC da ação comum”. Mais se entendeu não ser admissível nestas ações especiais a dedução de reconvenção “nem pela via da norma remissiva do art. 549º, nº 1 do CPC, uma vez que não existe lacuna da lei na tipificação do regime processual da ação especial; nem por força da adequação formal, nos termos dos arts. 6º e 547º do CPC, uma vez que a referida adequação não serve para resolver de forma estrutural a possibilidade de dedução de pedidos reconvencionais nas ações especiais limitadas a dois articulados, sempre que os réus nas mesmas tivessem vontade e fundamento para formular um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2 do CPC”[4].
Assim, não sendo admissível invocar a compensação por exceção, sem recurso a reconvenção (pois que o legislador no referido nº2, do art. 266º, assumiu posição expressa, a afastar essa possibilidade, ao impor (cfr. al. c)) seja atuada por via de reconvenção (ação cruzada em defesa/ataque), não o podendo, pois, assim, ser, por via de exceção (perentória)), e estando vedada reconvenção (por força do especial regime legal das AECOPs, para, por essa via, atuar a defesa por ação), o direito de defesa resultaria limitado, pelo menos, nas situações em que se quer fazer valer a compensação.
O voto de vencido do Acórdão acima referido, que se orienta no sentido de, na solução da questão, se não poder perder de vista a igualdade e o, imediato, eficaz e útil, exercício do direito de defesa, a justiça, a prevalência do fundo sobre a forma, a celeridade processual e economia de meios, que sempre se impõem, vai no sentido de dever ser admitida a reconvenção, por:
“No procedimento de injunção, uma vez apresentada a oposição, são os autos remetidos à distribuição, nos termos do disposto no 16.º do Anexo ao DL 269/98, de 1.09, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do art. 1.º e nos arts. 3.º e 4.º (art. 17.º, n.º 1 do referido Anexo), ou seja, deduzida oposição, se a ação tiver que prosseguir sem que os autos disponham de elementos para conhecer do mérito da causa, a audiência realiza-se dentro de 30 dias, sendo as provas apresentadas em audiência, e sendo o duplicado da contestação remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento.
O procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 ou, independentemente desse valor, de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas enunciadas alíneas a), b) e c) do predito decreto-lei 62/2013 (artigo 2º/2).
É certo que neste tipo de ações apenas se mostram legalmente previstos dois articulados – a petição inicial e a oposição.
Estando em causa um pedido inferior a 15.000,00€, a decisão recorrida considerou convocável o regime especial de procedimento e, portanto, a inviabilidade processual da reconvenção.
Contudo, o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor. Se estiver em causa uma injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial com valor superior a 15.000,00€, em que tenha sido deduzida oposição, ela segue os termos do processo comum (artigo 10º/2 do identificado decreto-lei n.º 62/2013). Se a injunção se destinar à cobrança de dívida de valor não for superior a 15.000,00€, ela segue a forma de processo especial (artigos 3.º a 5.º do referido decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro).
Ora, a lei não toma posição clara sobre a admissibilidade da reconvenção em processo originariamente de injunção.
A jurisprudência tem considerado, de forma geral, que a admissão da reconvenção, nestes casos, frustraria as finalidades de celeridade, simplicidade e desburocratização que estão subjacentes a este tipo de procedimentos e argumenta que daí não decorre qualquer prejuízo para o reconvinte porque, não sendo conhecida a reconvenção, não se forma caso julgado material e, assim, não está inibido de propor nova ação contra o atual requerente do procedimento com vista a ver conhecido aquele crédito.
Por todos, pode ver-se o ac. da RL, de 5.7.2018 (Proc. 87709/17.4YIPRT.L1-7) onde se lê: «temos como regra geral que, para os processos de injunção em que o pedido é inferior a €15.000,00 (v.g. Art. 44.º n.º 1 da Lei 62/2013 de 26/8, que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário), como é o caso dos autos, em circunstância alguma a reconvenção é processualmente admissível. Nestes casos, os princípios da simplicidade e celeridade processual, reportada à natureza dos litígios para que estes procedimentos foram criados, prevalece sobre o princípio da economia processual que justificaria a admissibilidade em geral dos pedidos reconvencionais, nos termos do Art. 266.º do C.P.C.
Esses limites impostos pelo interesse da celeridade e simplicidade em circunstância alguma prejudicam o direito de defesa do réu, porque este último não fica inibido do exercício do direito de ação, reclamando em processo próprio o crédito a que julga ter direito, não havendo por isso qualquer violação ao disposto no Art. 20.º da Constituição (neste sentido, vide: Ac. R.P. de 12/5/2015 (Proc. n.º 143043/14.5YIPRT.P1. – Relator: Rodrigues Pires); Ac. R.C. de 7/6/2016 (Proc. n.º 139381/13.2YIPRT.C1 – Relator: Fonte Ramos); e Ac. R.G. de 22/6/2017 (proc. n.º 69039/16.0YIPRT.G1 – Relatora: Ana Cristina Duarte) - todos disponíveis em www.dgsi.pt)».
Esta tendência jurisprudencial sofreu abalo mais recentemente quando o art. 266.º, n.º 2 al. c) CPC, passou a prever que a dedução da compensação deveria ocorrer por reconvenção.
Para não coartar a possibilidade de o requerido invocar tal forma de extinção das obrigações, alguma jurisprudência, nomeadamente desta Relação, entendeu que “face à redação do art. 266.º, n.º 2 al. c) do actual Cód. Proc.Civil é de concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação de créditos terá sempre de ser operada por via da reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis. Embora seja entendimento generalizado que no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei n.º 269/08 (…), não é admissível reconvenção, essa possibilidade, nesta forma de processo, deve ser dada ao réu de modo a que este possa invocar a compensação de créditos, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional. Não faz sentido que se retire ao réu a possibilidade de numa ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, quando essa mesma compensação poderá ser depois por ele invocada como fundamento de oposição à execução, conforme decorre do art. 729.º al. h) do Cód. do Proc. Civil” – ac. de 13.6.2018, Pro. 26380/17.0YIPRT.P1.
Porém, mesmo sem considerar a situação particular do instituto da compensação, já era defensável que, basicamente por razões de igualdade, se admitisse a reconvenção neste tipo de procedimentos.
Assim, o STJ, em recurso de revista excecional, admitido nos termos do n.º 3 do art. 672.º CPC, considerou inexistir “motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior” – ac. de 6.6.2017, proc. 147667/15.5YIPRT.P1.S2.
Do mesmo modo, enfatizando nestes casos a aplicação do princípio da adequação processual ínsito no art. 547.º CPC, o ac. RG, de 31.1.2019 (Proc.53691/18.5YIPRT.A-G1): «Afigura-se-nos de frágil sustentabilidade o entendimento de que a proibição de reconvenção se extrai da existência de apenas dois articulados e do escopo de celeridade que presidiu à criação dos procedimentos em causa. A celeridade é um valor inerente a qualquer procedimento processual, não apenas a estes, e a ilação extraída da existência de apenas dois articulados contraria frontalmente o princípio da adequação processual, consagrado no art.º 547 do C. P. Civil, com o qual se pretende evitar que razões de natureza adjectiva obstem à realização do direito substantivo.
O caso sub judice, tal como nos é dado conhecer, apresenta-se como um típico exemplo em que débeis razões processuais obstariam à realização da justiça, sem que se vislumbre valor jurídico que tal justifique. Com efeito, a apreciação da defesa apresentada pela requerida impõe-se sob pena de não se perceber a relação contratual entre as partes estabelecida e de se apreciar apenas uma pequena parte dessa relação (pequena parcela nos termos definidos pela recorrente).
(…)
ainda que a requerida não se encontre impedida de, em acção a instaurar posteriormente, vir a pedir o reconhecimento do seu crédito, tal reconhecimento não ocorrerá a tempo de o poder contrapor ao crédito da requerente, pois que vedando-lhe a invocação do contracrédito na presente acção, significará que, na prática, ainda que possua (no âmbito dessa mesma relação), um contracrédito contra a requerente, a requerida será obrigada a, em primeiro lugar, satisfazer o crédito da requerente, correndo o risco de o seu contracrédito não vir a ser satisfeito.»
Do mesmo modo, se defendeu no acórdão desta Relação, de 4.6.2019 (Proc. 58534/18.0YIPRT.P1) que estando em causa uma ação com processo especial, emergente de injunção de valor não superior a € 15.000, 00, deve o tribunal admitir a reconvenção, por razões de igualdade e de realização de justiça material, fazendo uso dos seus poderes de adequação e gestão processual, aí se enfatizando que «a jurisprudência tem vindo a alterar a posição de rejeição da reconvenção que antes vinha sendo pacificamente assumida com uma tripla ordem de argumentação: (i) a solução gera uma desigualdade entre os peticionantes de valores pecuniários resultantes de transações comerciais, sem que motivos de justiça material fundem tal desigualdade; (ii) o nosso ordenamento jusprocessual civil facilita a compensação, a qual é admissível mesmo em relação a créditos ilíquidos, já que esta, agora, parece só pode ser deduzida por reconvenção; (iii) a economia processual resultante da discussão simultânea dos dois pedidos em contraponto com a necessidade de interposição de ação autónoma para formular o pedido reconvencional. Não antevemos no regime do decreto-lei n.º 62/2013 (artigo 10º/2) o afastamento das regras processuais gerais sobre o cálculo do valor de uma ação. E, em função do preceituado no artigo 299º do CPC, o valor da reconvenção é adicionado ao valor da ação, salvo se o pedido for o mesmo, pelo que a dedução de oposição e da reconvenção determina a soma dos dois pedidos, valor em função do qual serão tramitados os ulteriores termos dos atos processuais (artigo 299º/3 do CPC).»
Mais recentemente, podem ver-se, ainda, desta Relação, entre outros, o ac. de 14.12.2022, Proc. 628/22.8T8VFR-A. P1, de 13.7.2022, Proc.102792/21.8YIPRT-A.P1, de 7.4.2022, Proc. 70921/21.9YIPRT-A.P1, de 8.11.2021, Proc. 2408.6T8PRD-A.P1.
Igualmente Miguel Teixeira de Sousa, em diversos textos publicados no Blog do IPPC(1), propugnou a aplicação, já relativamente à ação declarativa especial (AECOP), do regime da reconvenção. Sendo a AECOP um procedimento especial, são-lhe aplicáveis as regras gerais do CPC (art. 549.º n.º 1), entre as quais se conta as da reconvenção (art. 266.º), cabendo ao juiz, utilizando os seus poderes de gestão processual e de adequação formal (artigos 6.º e 547.º), adaptar o processo à tramitação da reconvenção. Relegar a invocação da compensação para a oposição a subsequente execução (art.º 729.º, al. h), implicaria um desnecessário desperdício de recursos e violaria o princípio constitucional da igualdade(2).
Também Laurinda Gemas, em The amendment of the Portuguese Civil Procedure Code, Revista Electrónica de Direito, julho de 2018, p. 7 e 8 (1_596.pdf (up.pt).considera:«nos processos especiais que apenas contemplam dois articulados obrigatórios, mormente nas ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 € com a tramitação prevista no Decreto-Lei n.º DL n.º 269/98, de 01-09 (AECOP), tem prevalecido a tese da inadmissibilidade legal da reconvenção. Com efeito, não obstante o artigo 549.º, n.º 1, disponha que os processos especiais se regulam “pelas disposições gerais e comuns”, em que se inclui, obviamente, o artigo 266.º, é certo que, primeiramente, manda aplicar a estes processos as “disposições que lhes são próprias”, destas não constando, contrariamente ao que sucede no processo comum (cf. artigos 583.º e 584.º), qualquer referência à reconvenção. E tal omissão não pode ser vista como luz verde para a aplicação subsidiária das disposições gerais e comuns e, muito menos, do que, neste particular, “se acha estabelecido para o processo comum”, sob pena de se desvirtuar a tramitação própria desses processos (AECOP), que é simplificada e tendencialmente célere, conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, mormente quando aí se refere que se avança “com medida legislativa que, baseada no modelo da acção sumaríssima, o simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de acções, em que é frequente a não oposição do demandado.” Ora, a necessidade de reconvir para invocar a compensação, limitaria o direito de defesa do réu, não faltando quem, numa interpretação conforme à Constituição da República, defenda que, pelo menos nestes processos, a compensação pode ser deduzida por via de exceção. Além disso, parece estranho obrigar à dedução de reconvenção na ação declarativa, mas permitir de seguida, na execução baseada na sentença aí proferida, a dedução de embargos de executado, com fundamento no contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos, conforme expressamente previsto na alínea h) do artigo 729.º, novidade deste Código introduzida precisamente por não ser admissível a reconvenção em sede de oposição à execução. Para agravar o cenário, já de si confuso, logo surgiu quem viesse defender a interpretação restritiva desta alínea h), em linha com o que está previsto na alínea g) e invocando o que se dispõe no n.º 1 do artigo 573.º: toda a defesa deve ser deduzida na contestação. Rebatem outras vozes, em que me incluo, que há exceções, conforme prevê o n.º 2 deste mesmo artigo, e que “onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir”: a compensação pode, pois, constituir fundamento de embargos de executado mesmo que o contracrédito seja anterior ao momento do encerramento da discussão na ação declarativa. Assim, reintroduzida que esteja a réplica para resposta à matéria de exceção, não se vê obstáculo legal a que, “quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos” [na expressão da parte final do n.º 3 do artigo 530.º], a compensação possa ser deduzida por via de exceção ou por via reconvenção, opção que o réu poderá fazer, ciente das vantagens e desvantagens, em especial no tocante ao caso julgado (cf. artigo 91.º), tanto mais que o valor da causa e a taxa de justiça devida são iguais em ambas as hipóteses (cf. artigos 299.º, n.º 2, e 530.º, n.ºs 1 a 3)».
Por nós, propendemos a aceitar que o facto de se tratar de ação que admite apenas dois articulados e de se visar com ela a simplicidade e celeridade processual, não significa que se não admita a reconvenção. Seria materialmente injusto e violador do princípio da igualdade, não permitir que o requerido, invocando factos que podem ser até base de exceções (pense-se na exceção de não cumprimento) e que, portanto, serão necessariamente conhecidos na corrente ação, fosse obrigado a propor ação posterior para ver reconhecido eventual crédito que daí resultasse para si com base nos mesmos factos. Recordemos que o processo civil tem uma função de instrumentalidade face ao direito material.
Cremos, por isso, não ser gerador de maiores delongas, uma vez cumprido o contraditório, admitir-se a reconvenção neste tipo de procedimentos.”.[5](negrito nosso)
Seguiu-se, também, o entendimento da admissibilidade de reconvenção nas AECOPs, embora limitado aos casos de exercício pelo Réu do Direito de compensação, no acórdão proferido em 13/11/2023, proc. nº 82957/22.8YIPRT-A.P1 (Relator: Carlos Gil), ao aí se considerar, como transparece do sumário:
“Em procedimento de injunção de valor não superior a quinze mil euros é admissível a dedução de reconvenção em que se faça valer a compensação”,
com “declaração de voto” da Relatora do acórdão anteriormente referido (de 13/3/2023) no sentido de rever a posição para secundar a orientação seguida pelo Relator.
Entendemos, e assim continuamos a considerar[6], que, efetivamente, se pretendeu vedar a admissibilidade de reconvenção na ação especial emergente de injunção de valor não superior a € 15.000,00, não sendo, como regra, admissível a reconvenção.
Contudo, também nesta ação, como em todas as outras, cabe:
i) assegurar, amplamente, o Direito de Defesa;
ii) dar prevalência a decisão substancial sobre a de forma
e, por isso, tem de ser ponderada e configurada a possibilidade de situações de prevalência de direitos e interesses preponderantes e a existência de princípios cujo respeito e observância imponha, em concreto, nas circunstâncias do caso, a sua admissão.
Assim, não podendo a reconvenção ser considerada admissível nesta ação especial e a esse meio se poder recorrer nos casos de conexão com o pedido do Autor contemplados no nº2, do art. 266º, do Código de Processo Civil, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência, não pode, contudo, deixar de ser admitida nas situações em que a defesa a oferecer tenha, necessariamente, de ser atuada por essa via, sob pena de ser imposta, inadmissível, restrição ao direito de defesa.
Assim, sendo de considerar admissível a reconvenção nos casos em que da mesma possa resultar uma extinção ou modificação do direito que o Autor se apresenta a exercer, como sucede com pretensão a fazer valer a compensação de créditos, que tem, necessariamente, de ser atuada por via de reconvenção, não pode, contudo, ser admitida, no rigor dos princípios, nos casos em que não é necessário o recurso à via reconvencional, bastando defesa por exceção e menos, ainda, quando a reconvenção nenhum efeito extintivo ou modificativo possa ter sobre a pretensão do Requerente, pois que, nessas situações, não é a reconvenção essencial à salvaguarda do direito de defesa.
Vejamos.
Para que seja admissível reconvenção, nesta ação especial, que a não admite, é essencial que o pedido reconvencional, sendo essa via necessária, seja, efetivamente, apto a importar extinção ou, ao menos, redução ou modificação da pretensão do Requerente, pois que só assim a sua não admissão, pelo julgador, implicaria limitações, incomportáveis, do direito de defesa.
Ao invés, nas situações em que, por reconvenção, se vem exercer um direito paralelo, um direito que, em nada, contende com o que o Requerente está a exercer, não se justifica, sem mais, o desrespeito pelas razões que presidiram à consagração do, específico, regime das AECOPs e se passe a considerar, em termos amplos, admissível a dedução de reconvenção.
E não podem, com recurso a gestão processual e adequação formal, ser introduzidas amplas alterações estruturais a um regime que se pretendeu simples e célere, a comportar, apenas, requerimento inicial e oposição (com mera possibilidade de ser oferecida resposta a matéria de exceção, em estrita observância do contraditório, nos termos do nº4, do art . 3º, do CPC).
Sendo certo que cumpre obstar a que razões de cariz formal impeçam a realização da justiça material e que, apesar de razões de celeridade processual e de economia de meios poderem justificar a utilidade e conveniência de uma simultânea apreciação do não cumprimento do contrato por ambas as partes, assim não o quis o legislador, para todas as situações, por razões que, como vimos, elegeu e a que atribuiu prevalência justificativa do afastamento, que determinou, da ação reconvencional nesta ação especial.
Na situação de compensação de créditos (cfr. al. c), do nº2, do art 266º), sendo obrigatória a dedução de reconvenção para exercício de tal direito do Réu, não admitir a reconvenção significaria, inadmissível, restrição ao direito da defesa, pelo que se impõe, para fazer valer a compensação, a admissão de reconvenção.
Nos demais casos de admissibilidade genérica de reconvenção (cfr. restantes alíneas do nº2, do art 266º) tem de haver ponderação casuística de fundamento para o afastamento do regime legal específico das injunções (que, como vimos, exclui a reconvenção), a poder o “cumprimento defeituoso do contrato” constituir terra fértil para situações em que se justifique a ampliação da referida abrangência da admissibilidade de reconvenção, fundada nos factos fundamentadores de defesa por exceção com vista à resolução de todo o litígio, não cumprimento/cumprimento defeituoso de ambas as partes (pensemos no atuar, via reconvenção, pelos mesmos factos da exceção dilatória do não cumprimento do contrato[7], invocada na defesa por exceção - exceção de direito material, que em termos adjetivos constitui exceção perentória e que sendo, também, defesa útil (cfr al. a), do nº2, do art. 266º) bem pode originar um pedido reconvencional que se tenha de considerar admissível para que o Direito de defesa não resulte injustamente limitado).
Não configurando, contudo, as circunstâncias do caso uma dessas situações, pois que, embora com invocação de factos a densificar cumprimento defeituoso, vem peticionada indemnização pelos danos que lhe foram causados à requerida, não se estando a pretender obter a extinção do direito da Autora, sequer a sua modificação, mas uma condenação da Requerente, paralela à condenação da Requerida, no pagamento de uma indemnização, não é admissível a reconvenção deduzida.
Assim, um pedido, formulado pela parte passiva em reconvenção, que não contenda com o pedido formulado na ação e fundado noutros factos, não pode ser admitido nesta ação especial, por, não sendo nela admissível reconvenção, também se não justificar o despoletar dos poderes de gestão processual e de adequação formal para o permitir, na salvaguarda de direitos e interesses prevalentes, pois que com a reconvenção deduzida não se visa atuar defesa apresentada, mas exercer um outro direito.
Em suma:
Na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior a 15.000,00€ (AECOPEs), emergente de procedimento de injunção, não é admissível reconvenção.
Contudo, sempre que a inadmissibilidade de reconvenção importe inadmissível restrição ao direito de defesa, para cujo exercício não baste defesa por exceção, impõe-se, no assegurar de um processo justo e equitativo, acrescentar a possibilidade da sua dedução, com recurso a poderes de gestão processual e adequação formal, afastando limitações suscetíveis de conduzir a indefesa (entre elas se contando a compensação de créditos).
Reconvenção insuscetível de produzir efeitos de extinção ou modificação do direito que o requerente está a fazer valer (como é o caso de pedido indemnizatório fundado em responsabilidade civil contratual, ainda que por cumprimento defeituoso do contrato objeto da AECOP), não pode ser admitida, por não estar em causa qualquer restrição do direito de defesa, embora se não possa deixar de ver a utilidade e a vantagem na apreciação e definitiva decisão do não cumprimento do contrato na sua totalidade, a envolver questões referentes ao cumprimento das prestações por ambas as partes.
Destarte, por o direito de defesa se não mostrar, nas circunstâncias do caso, limitado e a requerida ter ao seu dispor outro meio para poder exercer o seu direito (ação), não se verifica fundamento para, através de recurso a poderes de gestão processual e adequação formal, admitir reconvenção legalmente vedada pelo específico regime aplicável ao caso.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, devendo a decisão recorrida ser mantida.
*
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
* Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
Porto, 27 de janeiro de 2025
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Teresa Pinto Silva
Anabela Morais
__________________________
[1] Ac. da RP de 21/3/2022, proc. 1415/21.6T8VFR-A.P1 (Relatora: a aqui relatora), in dgsi.pt
[2] Ac. RP de 21/6/2021, proc. 83857/20.1YIPRT.P1, in dgsi.pt, com rigor e detalhe, se fundamentando, por unanimidade, como se cita para melhor compreensão da posição assumida:
“Esse procedimento alicerça-se no decreto-lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, cuja finalidade é conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de montante não superior ao valor de 15.000,00€, salvo quando esteja em causa transacção comercial para os efeitos do decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, caso em que inexiste limite quanto ao montante do crédito, para permitir, de modo mais célere, a obtenção de um título executivo que faculte o acesso directo à acção executiva.
O decreto-lei n.º 62/2013, de 10 de Maio (artigo 2º, nº 1), define o seu âmbito de aplicação a “pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais” e exclui “a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros”.
Por seu turno, a alínea b) do artigo 3º desse mesmo diploma, conforma a transacção comercial, como “uma transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”. E o seu art. 10º prevê o regime de “Procedimentos especiais” para “O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida” (nº 1), sendo que “ Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum” (nº 2). Caso em que “Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais” (n.º 3). E acrescenta que “As acções para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação” (nº 4).
Decorre do exposto que o procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 ou, independentemente desse valor, de obrigações emergentes de transacções comerciais que não integrem as excepções previstas nas enunciadas alíneas a), b) e c) do predito decreto-lei 62/2013 (artigo 2º, nº 2).
Estando em causa um pedido inferior a 15.000,00€, a decisão recorrida considerou convocável o regime especial de procedimento e, portanto, a inviabilidade processual da reconvenção.
Contudo, o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor.
Se estiver em causa uma injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transacção comercial com valor superior a 15.000,00€, em que tenha sido deduzida oposição, ela segue os termos do processo comum (artigo 10º, nº 2 do identificado decreto-lei n.º 62/2013).
Se a injunção se destinar à cobrança de dívida de valor não superior a 15.000,00€, ela segue a forma de processo especial (arts. 3º a 5º do referido decreto-lei n.º 269/98, de 1 de Setembro).
Entendendo que este procedimento de valor inferior a 15.000,00€ segue a forma de processo especial, vinha sendo pacífico (antes da entrada em vigor do NCPC) o entendimento que a reconvenção deveria ser liminarmente indeferida, por não ser consentida neste processo especial e ser insusceptível de adição o valor processual da reconvenção, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso[2].
Já quanto às injunções de valor superior a 15.000,00€, considerava-se admissível a formulação de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, essencialmente sob o argumento de que a tramitação processual imprimida passa a ser, após a oposição, a do processo comum[3].
De facto, esta solução não envolve qualquer óbice de índole adjectiva, porque a consequente distribuição da injunção como acção declarativa depois da oposição à injunção e a forma processual subsequente comporta a viabilidade da reconvenção e, por isso, se admite a reconvenção, sem controvérsia, nas acções de natureza comum decorrentes de injunção relativa a transacção comercial de valor superior a €15.000,00[4].
Sucede que este entendimento, após a entrada em vigor do Novo CPC, deixou de ser pacífico, mostrando-se a Jurisprudência e a Doutrina divididas, quanto a saber qual será melhor solução processual para os casos, como o concreto, em que, tendo sido intentada uma injunção de valor inferior a 15.000€, o Réu pretende deduzir a excepção de compensação (do seu alegado crédito) através de pedido reconvencional (como imporá agora o disposto no art. 266º, nº 2, al. c) do CPC).
Como decorre do exposto, no caso concreto, sendo a Injunção de valor inferior a metade da alçada do Tribunal do Tribunal da Relação, a injunção apresentada passou a seguir os termos da acção especial para cumprimento das obrigações pecuniárias, que comporta apenas dois articulados: o requerimento inicial e a oposição.
Por essa razão, entendeu o despacho recorrido não ser admissível a dedução de pedido reconvencional, invocando, o disposto no artigo 266º, nº 2, alínea c) CPC (que imporá agora que a excepção de compensação seja deduzida através de pedido reconvencional)[5].
Na verdade, segundo este normativo, a reconvenção é admissível: “Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.
No âmbito do direito processual anterior a esta alteração introduzida pelo NCPC, consolidara-se, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que a compensação deveria ser actuada pela via da excepção quando o contra-crédito invocado pelo réu fosse igual ou inferior ao crédito invocado pelo autor, e pela via reconvencional, nos restantes casos, em que o réu pedia a condenação do autor no remanescente[6].
Não podendo o legislador alhear-se desta polémica, tem-se entendido maioritariamente que pretendeu afastar aquela posição, consagrando o sistema de compensação–reconvenção[7].
Independentemente da posição que se assuma sobre a nova redacção do nº 2 do art. 266º do CPC, a questão que verdadeiramente se coloca no caso concreto é a de saber se numa acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior à alçada do Tribunal da Relação é possível ao réu deduzir a excepção de compensação através da dedução de pedido reconvencional (cfr. art. 266º, nº 2, al. c) do CPC).
Como já referimos, a Jurisprudência e a Doutrina tem-se dividido na resposta dada a esta questão.
O recorrente pediu a reapreciação do despacho que considerou inadmissível a dedução do pedido reconvencional, por entender:
a) que, nos termos do art. 266º, nº 2, al c) do CPC, o legislador passou a exigir que a compensação, como via de extinção da obrigação da contraparte, fosse invocada por reconvenção;
b) que a dedução da injunção e o seguimento da mesma como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias não impedem a dedução de reconvenção;
c) que havendo créditos recíprocos e estando os mesmos compensados com a extinção das obrigações recíprocas, deve a reconvenção ser admitida, sob pena de se onerar desproporcionalmente os cidadãos com o acesso à justiça.
Vejamos se podemos acolher aqui estes argumentos.
Em primeiro lugar, importa dizer que, como decorre do já exposto, a acção declarativa especial dos arts. 1º ss. do DL nº269/98, de 01.09., em cuja espécie é distribuída a providência de injunção quando sofre oposição, tem também como escopo principal “conferir força executiva à petição”, “com valor de decisão condenatória”, o que o juiz se limitará a realizar imediatamente, se o réu não contestar e não ocorrerem de forma evidente, excepções dilatórias ou o pedido não seja manifestamente improcedente (art.2º do DL nº269/98, de 01.09.).
Como referimos, nesta acção especial, finda a fase dos articulados (com petição inicial ou requerimento de injunção e com a oposição), se não for julgada procedente alguma excepção dilatória ou nulidade ou não for conhecido imediatamente o mérito da causa, segue-se imediatamente a realização da audiência de julgamento em 30 dias, nos termos dos arts.3º e 4º do DL nº nº269/98, de 01.09, ex vi do art.17º/1 do mesmo diploma.
Assim, esta acção especial, no contexto dos procedimentos especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, não contempla, por força da sua finalidade e do seu regime, a dedução de um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2 do CPC, com vista à condenação do autor/reconvindo na pretensão do autor: quer porque esta pretensão ultrapassa o fim dos procedimentos especiais (conferir força executiva à petição inicial ou ao requerimento de injunção); quer porque a limitação expressa da forma especial à existência de dois articulados, por razões de celeridade processual, não admite a apresentação de réplica que responda à reconvenção, nos termos do art.584º do CPC.
Neste sentido, o Prof. Rui Pinto[8] refere:
“São, pelo menos, duas as razões pelas quais esta acção especial não admite reconvenção. Por um lado, a reconvenção “pede” um articulado de resposta, o que o regime especial afasta; por outro lado, a reconvenção postula um pedido de condenação do autor ou, pelo menos, de reconhecimento do direito do devedor, o que está fora do escopo da acção especial: formar título executivo contra o devedor, nos termos do artigo 2º do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro”.
Nesta situação, a dedução da reconvenção (que modifica objectivamente a instância, e apenas é admissível nas situações previstas por lei, nos termos dos arts. 260º e 266º do CPC), também não pode vir a ser admitida na acção e procedimento especial para cumprimento de obrigações pecuniárias: nem por força da norma remissiva do art. 549º, nº 1 do CPC; nem por força da adequação formal, nos termos do art. 547º do CPC, defendida por razões de justiça material por parte da Doutrina[9] e da Jurisprudência[10] que o recorrente invoca.
O art. 549º do CPC prevê que «Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum».
No entanto, e como refere o Prof. Rui Pinto, não existe qualquer lacuna quanto à limitação prevista e definida no legislador quando previu que na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias existiriam apenas dois articulados, lacuna essa que pudesse ser resolvida com o aditamento de um articulado, pela via remissiva de aplicação ao processo especial do regime do processo comum, ex vi do art.549º do CPC:
“os processos especiais não são processos incompletos ou lacunares, a que o artigo 549º acrescentaria articulados, mas processos que veriam diminuída a sua eficácia específica se fossem engordados por normas do processo comum. Na verdade, a relação de subsidiariedade entre processo especial e processo comum guia-se por um princípio paradoxal: o legislador especial regulou o que considerou mais importante e deixou para a lei processual comum o que era secundário.
Assim, quando o legislador especial determina que um processo especial apenas tem dois articulados, quis mesmo limitar esse número. Não há lacunas. Mas se o legislador não regula questões como as do procedimento instrutório, i. e., o direito probatório formal, é porque as quis deixar para o disposto no processo civil comum.
Aliás, é este tipo de raciocínio que permitia, no passado, a diferenciação entre processo comum ordinário, sumário e sumaríssimo. Se assim não fosse, todos os processos teriam, em maior ou menor grau, o procedimento do processo ordinário ou, actualmente, do processo comum”[11].
O princípio da adequação formal previsto no art.547º do CPC, por sua vez, define que “O juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”, em cumprimento de um dever de gestão processual, nos termos do art. 6º do CPC.
Todavia, este relevante instrumento processual não serve para resolver de forma estrutural a dedução de pedidos reconvencionais nas acções especiais limitadas a dois articulados, sempre que os réus nas mesmas tivessem vontade e fundamento para formular um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2, als. a) a d) do CPC.
Neste sentido, Eduardo Bianchi Sampaio[12] refere:
“A utilização do princípio da adequação formal para admitir a reconvenção nas formas de processo em que não é admissível não se nos afigura indicada. (…) o princípio da adequação formal destina-se a ser aplicado em situações específicas que, pelas suas excepcionais particularidades, impõem a adopção de uma solução diversa da que foi prevista pelo legislador. Trata-se de um princípio de utilização pontual, para uma determinada situação concreta, que não pode ser utilizado para alterar genericamente um instituto jurídico ou o quadro legal relativo à tramitação de uma forma de processo, introduzindo uma alteração que apenas o legislador poderia introduzir. Como se afirma no Ac. da Relação de Coimbra de 14 de Outubro de 2014, “o princípio da adequação formal, consagrado no artigo 547.º do Código de Processo Civil, não transforma o juiz em legislador”.
Por fim, também na particular situação da enorme controvérsia jurídica sobre a admissibilidade da invocação da compensação pelo réu nas acções especiais, não existem razões de justiça material que exijam a admissibilidade da dedução excepcional do pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2, al. c) do CPC, por a compensação poder ser invocada como excepção peremptória que permite ao réu defender-se por via extintiva contra o pedido e o direito invocado pelo autor, assegurando os seus direitos constitucionais de defesa, nos termos do art. 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Como refere o Prof. Rui Pinto[13], “o ponto de partida, inquestionável, é o de que a compensação constitui um dos factos extintivos das obrigações além do cumprimento, como decorre do artigo 395º CC, da sua arrumação no Capítulo do Código Civil com essa epígrafe e do teor do artigo 847º, nº 1 CC. Em consequência, o devedor que dela faça uso, como provoca a extinção total ou parcial da dívida, há de querer invocar aquele facto extintivo no processo civil”.
Esta posição, aliás, é passível de ser compatibilizada com o entendimento daqueles que defendem que a actual redacção do art. 266º, nº 2, al. c) do CPC não obriga a que a compensação seja deduzida por reconvenção, como o Prof. Lebre de Freitas[14], pelo que a dedução da compensação por excepção não está impedida nestes casos pela lei processual.
De resto, o Prof. Lebre de Freitas também defende a inadmissibilidade da dedução do pedido reconvencional nestas acções[15], sem prejuízo de assinalar que “numa perspectiva racional, a especial conveniência de celeridade do processo especial (AECOP) (tal como do desaparecido processo sumaríssimo) que impregna todo o seu regime., é invocável no sentido desta solução (da inadmissibilidade da reconvenção). No entanto, a este argumento é fácil contrapor que a admissibilidade da reconvenção obedece a exigências de economia processual e que o interesse do réu em deduzir, no processo da acção contra ele proposta, pedidos estreitamente conexos com os do Autor não é de menosprezar. Esta contra-argumentação é mais forte quando se tenha em conta o regime de compensação do novo CPC (…). De qualquer modo, mesmo que a reconvenção só fosse exigível para fazer valer o excesso do crédito do réu sobre o crédito do autor seria manifesta a conveniência de decidir sobre esse excesso no mesmo processo em que se decide sobre a parte compensável, algo de semelhante se podendo dizer das outras situações de conexão que, segundo o art. 266º, nº 2, justificam a reconvenção (maxime, a de coincidência da causa de pedir reconvencional com a causa de pedir da acção ou com o fundamento da excepção deduzida e a de direitos a benfeitorias). A solução legal para a acção declarativa do DL 269/98 não parece ser a melhor. Outra é a solução no processo europeu para as acções de pequeno montante” [16].
Esta posição da inadmissibilidade da dedução do pedido reconvencional nas AECOPs vem sendo também defendida na Jurisprudência, por exemplo, nos seguintes acórdãos:
- acs. da Relação do Porto, de 10.02.2011 (relator: Telles de Menezes); de 30.11.2015 (relator: Correia Pinto), e de 20.05.2017 (relator: Rui Moreira);
- ac. da Relação de Coimbra, de 07.06.2016 (relator: Fonte Ramos);
- acs. da Relação de Guimarães de 27.04.2017 (relator: Beça Pereira); de 22.06.2017 (relator: Ana Cristina Duarte) e de 17.12.2018 (relatora: Maria Luísa Ramos);
- ac. da Relação de Évora, de 30.05.2019 (relatora: Isabel Peixoto Imaginário). * Essa posição também é seguida pelos seguintes acórdãos que, no entanto, concluem que deve ser admitida a dedução da compensação através da dedução de excepção.
Neste sentido:
- ac. Relação de Lisboa, de 05.07.2018 (relator: Carlos Oliveira);
- ac. da Relação de Coimbra, de 16.01.2018 (relatora Maria João Areias), quando, cumulativamente a forma de processo escolhida unilateralmente pelo autor não comporta a dedução de pedido reconvencional, a compensação já foi declarada extrajudicialmente, e o contra-crédito se movimenta no âmbito da mesma relação jurídica;
- acs. da Relação de Guimarães, de 17.12.2018 (relator: Alcides Rodrigues), de 10.07.2019 (relator: Ramos Lopes) e de 5.3.2020 (relatora: Alexandra Viana Lopes – que aqui seguimos em parte da exposição)”
[3] Ac. RP de 13/3/2023, proc. nº. 109593/21.1YIPRT-A.P1, (Relatora: Fátima Andrade) acessível in dgsi
[4]Ibidem
[5]V. Ac. RP de 13/3/2023, proc. nº. 109593/21.1YIPRT-A.P1, acessível in dgsi.pt, voto esse do qual se passam a citar-se as notas de rodapé: “(1) Também em Observações críticas sobre algumas das alterações ao Código de Processo Civil, B.M.J. 328, página 95.
(2) Cfr. posts publicados em 26.4.2017 – AECOPs e compensação -, 01.5.2017 – AECOPS e compensação (2), 24.5.2017 - A problemática da dedução da compensação: breves notas -, 30.4.2018 – AECOP; compensação; reconvenção -, 20.10.2018 – Compensação: quando é por via de reconvenção e quando é por via de excepção?, 17.3.2019 - A compensação em processo civil: uma proposta legislativa -, 19.6.2019 - Jurisprudência 2019 (40) Injunção; oposição; compensação, 15.5.2020 - AECOPs e compensação: que tal simplificar o que é simples?»”.
[6] Cfr. Ac. RP de 27/11/2023, proc. 5302/23.5YIPRT.P1, relado pela ora relatora.
[7] Cfr. Ac. de 23/10/2023, proc. nº 348/21.0T8VCD.P1, em que a ora relatora também aí o foi, onde se analisa “Visando-se com a consagração da exceptio non adimpleti contractus/esceptio non riti contractus, pela recusa da prestação, no exercício do direito de defesa, trazer ao caso o equilíbrio perdido, decorrente da falta da correspetiva prestação, a mesma apresenta-se como válvula de segurança do sistema (cfr. nº1, do art. 428º e nº2, do art. 762º, ambos do Código Civil)”: e “A procedência desta exceção dilatória de direito material ou substantivo (dilatória porque exclui de momento a pretensão do Autor; de direito material porque se funda em razões de direito substantivo), que, adjetivamente, se subsume nas exceções perentórias, densificada por factos modificativos do direito do Autor, não pode deixar de seguir o, consequente, específico, regime para ela estabelecido e querido pelo legislador (v. nº1, do art. 428º, do CC), afastando-se, por isso, do regime geral para estas consagrado (no nº3, do art. 576º, do CPC)” . |