Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA LUCINDA CABRAL | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA DE PESSOA SINGULAR PARTILHA DOS BENS COMUNS DO CASAL PENHORA DA MEAÇÃO PROCESSO DE INVENTÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RP20220322895/18.1T8STS-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/22/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE/DECISÃO CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Quando é declarada a insolvência de um dos cônjuges ou de um dos ex-cônjuges, antes da partilha dos bens comuns do casal, devem ser apreendidos os bens comuns, aplicando-se, por força do disposto no artigo 17º, nº 1 do CIRE, o regime previsto no Código de Processo Civil, designadamente o disposto no artigo 740.º deste Código. II - Na sequência da reforma ao anterior CPC, introduzida pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro que aboliu a moratória legal, foi eliminando o nº 3 do artigo 1696º do CC, e, alterado o artigo 825º do CPC (actual 740º) que deixou de se referir à penhora da meação dos bens comuns, passando a prever a penhora dos próprios bens comuns. III - Na vigência do casamento estes bens comuns são efectivamente chamados a responder pelas dívidas pelas quais são substantivamente responsáveis, nos termos dos artigos 1695.º, nº 1, 1.ª parte e 1696., nº 1, 2.ª parte do C. Civil. III - Este regime substantivo tem moldado o regime processual, nomeadamente os actuais dispositivos dos artigos 740º a 742º do CPC IV - O meio de reagir à apreensão dos bens comuns pelo cônjuge não insolvente não é acção de separação do artigo 146.º do CIRE, mas antes o processo de inventário instaurado actualmente ao abrigo do disposto no artigo 1135.º do CPC (correspondente ao artigo 81.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05-03, revogado pela Lei n.º 117/2019, de 13-09). | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 895/18.1T8STS-B Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 2 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - Relatório Nos autos supra epigrafados foi proferido o seguinte despacho: “Requerimentos com refªs 40108255, 40226387 e 40294146: O(A) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência veio expor que “[E]stando concluída a liquidação do Ativo, vai prestar contas, nos termos do disposto no Artº 62º do CIRE, bem como efetuar pagamento à cônjuge do insolvente de metade do valor da venda”. A sociedade credora T..., Lda., veio opor-se à pretensão deduzida Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência de entrega de metade do valor da venda, por ter sido apreendida a totalidade do prédio e a ação de restituição ter sido julgada improcedente, por extemporânea. Concluiu que deve o valor da venda ser adjudicado ao pagamento das custas do processo, créditos reconhecidos, acrescidos de juros vencidos até à data do respetivo pagamento, e apenas no final, em caso de excesso, entregues aos herdeiros do insolvente na respetiva proporção do seu quinhão hereditário. Por seu turno, AA, cônjuge do falecido insolvente, veio pugnar pela entrega da metade do valor, por, em consequência da morte daquele, foi declarada a Insolvência da herança de BB. Mais arguiu que a causa de insolvência do devedor e, bem assim, as dívidas reclamadas nos presentes autos são dívidas exclusivamente da responsabilidade do referido insolvente, sendo certo que a cominação da separação de bens ter sido julgada improcedente tem a consequência que a totalidade dos bens sejam vendidos no processo de insolvência, mas não pode ser prejudicada nos pagamentos a efetuar nos presentes autos em favorecimento de credores, por dívidas pelas quais não é responsável. Cumpre decidir. Como decidido nos autos principais, “[F]alecendo um dos cônjuges durante a pendência de uma insolvência requerida contra ambos, o processo passa a correr contra o cônjuge sobrevivo e contra a herança indivisa do outro, sem necessidade de se proceder, sequer, a habilitação de herdeiros.” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-10-2016 - in www.dgsi.pt. Como se analisa do predito aresto, nos termos do (…) disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. a), do CIRE: “1 – No caso de falecimento do devedor, o processo: a) Passa a correr contra a herança, aberta por morte do devedor, que se manterá indivisa até ao encerramento do mesmo;”. Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, a págs. 116 e 117 “é seguro que, por imposição da última parte da alínea a) do preceito em anotação, que não foi atingida, a herança manter-se-á imperativamente indivisa até ao encerramento do processo, medida que manifestamente se destina a evitar a perturbação dos autos com a introdução, neles, de sujeitos e circunstâncias suscetíveis de afetar a sua normal marcha, dificultando a sua eficiente prossecução do seu objectivo. Temos aqui presente o diferente regime da responsabilidade da herança pelo seu passivo, antes e depois da partilha (art.ºs 2097.º e 2098.º do C. Civil). Segue-se desta determinação que não há lugar a incidente de habilitação. A massa patrimonial que a herança indivisa constitui, com o seu particular regime de afectação e responsabilidade, continua, ipso iure, a posição processual do de cuius”. Efectivamente, como decorre do disposto nos artigos 2097.º e 2098.º do Código Civil, ao passo que os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos, após a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança. Pelo que, à luz dos interesses dos credores da herança, se justifica a obrigatoriedade de a herança se manter indivisa até ao encerramento do processo de insolvência, tal como previsto no citado artigo 10.º, n.º 1, al. a), já que, nos apontados termos, enquanto tal situação se mantiver, os bens da herança respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos.” Por outro lado, resulta dos autos que foi apreendido o direito à meação do falecido insolvente sobre o prédio urbano, casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, com a área de 750,00 m2, sendo 101,65 m2 de área coberta, 273,35 m2 de quintal e 375 m2 de terreno (parte rústica), sita na Rua ...., freguesia ..., concelho de Santo Tirso, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana sob o Artigo ... e predial rústica sob o artigo ..., com os valores patrimoniais de €75.110,00 e €2,17, respetivamente. Mais resulta que foi cumprido o disposto no artº 740º do C. P. Civil e, face ao silêncio do cônjuge, a apreensão passou a incidir sobre a totalidade do predito bem. Por último, resulta que foi objeto de liquidação a totalidade do prédio supra identificado. Assim, a argumentação de AA, cônjuge do falecido insolvente, de que a dívida não é da sua responsabilidade cai por terra, uma vez que, dada a sua inércia, o bem passa a responder na totalidade pela dívida. Com efeito, “(…) os cônjuges não podem sequer dispor de qualquer quota ideal de participação no direito comum (comunhão conjugal), também qualquer diligência de cariz executivo por parte do tribunal (penhora, arresto, apreensão em insolvência, etc.) não pode incidir sobre o chamado direito à meação. O que “obrigou” o legislador processual, pese embora a existência duma disposição como a do artigo 781.º, do Código de Processo Civil (que prevê, entre outras, a penhora de quinhão em património autónomo e que, não fosse o específico regime substantivo dos bens comuns na sociedade conjugal, se ajustava, na sua aplicação, ao chamado direito à meação), a prever uma outra e diversa solução processual para os bens comuns, enquanto há casamento, tendo em vista estes bens comuns serem efetivamente chamados a responder pelas dívidas pelas quais são substantivamente responsáveis, nos termos dos artigos 1695.º, n.º 1, 1.ª parte e 1696.º, n.º 1, 2.ª parte, ambos do Código Civil. E, claro está, não havendo no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas nenhuma específica disposição sobre o tema, é a matéria regida, como se diz no artigo 17.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pelo Código de Processo Civil, o que significa que são aplicáveis os artigos 740.º a 742.º, do Código de Processo Civil (todos eles e não apenas o artigo 740.º), o mesmo é dizer que, enquanto há casamento e sociedade conjugal, o direito à meação é insusceptível de ser apreendido como bem integrante duma massa insolvente (em que só um cônjuge foi declarado insolvente), devendo, isso sim, ser apreendidos os próprios bens comuns, tendo que haver, a seguir, ou a citação para separação de meações ou o incidente de comunicabilidade da dívida. Uma vez assente que a solução que melhor se compagina com o regime substantivo e processual por dívidas dos cônjuges é a penhora e apreensão dos próprios bens comuns e não do “direito à meação nos bens comuns”, o que aliás sucedeu no caso vertente, passamos agora à análise relativa à intervenção do cônjuge no processo de insolvência. Com efeito, não se aceitando que possam ser apreendidos bens para a massa insolvente sem que os respetivos titulares sejam chamados a intervir, há que assegurar que a insolvência não corra sobre os bens comuns sem que o cônjuge seja colocado em condições de salvar a sua meação – cf. Alberto dos Reis a propósito da execução singular “Processo de Execução”, Vol. 1º, pág. 300. Assim, defendendo a apreensão dos bens comuns do casal no processo de insolvência, nomeadamente por aplicação das regras do Código de Processo Civil quanto à penhora, defendemos, consequentemente, a aplicação do regime previsto no Código de Processo Civil e a necessidade de citação do cônjuge estabelecida no artigo 740.º, do Código de Processo Civil, que cremos ser a única resposta que permite alcançar a necessária segurança jurídica. Tal citação será mesmo condição necessária para a conversão em definitivo do registo da declaração de insolvência que incida sobre cada um dos bens comuns apreendidos para a massa”.– cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-11-2020, in www.dgsi.pt. E como se conclui no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 02-05-2019, in www.dgsi.pt: “A falta de reação do ex-cônjuge do insolvente após a citação nos termos do art.º 740.º, leva ao prosseguimento da execução sobre os bens comuns apreendidos, vindo estes a responder na sua totalidade.” Como doutamente aí se expõe,“[O] silêncio do cônjuge após a citação nos termos do art.º 740.º, levará ao prosseguimento da execução sobre os bens comuns já penhorados, vindo estes a responder na sua totalidade e não apenas pelo valor da meação do devedor, que não se apura (…) Como salienta Cristina Manuela Araújo Dias, citada pela Autora anterior “Do regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, Problemas, Críticas e Sugestões”, pág. 407, nota 738: “a nossa lei processual permite que os bens comuns respondam por dívidas próprias de um dos cônjuges, sem se apurar a meação do cônjuge do devedor e sem dissolução do regime da comunhão (…) a favor de tal solução apontará ainda a circunstância de, na insolvência, ter sido eliminada a norma que previa a separação de meações como um efeito automático da declaração de insolvência do não comerciante” vide, Maria João Areias, Juíza Desembargadora no Tribunal da Relação do Porto “Penhora e apreensão de bens comuns na execução e na insolvência movidas contra um só dos cônjuges: regime substantivo e processual” – Conferência Ação Executiva e Insolvência – As reformas em Discussão, Atas da Conferência Coordenação Científica, Ana Filipa Conceição e Nuno Abranches Pinto, Setembro 2015, Edição Cátia Marques Cebola, página 43.” Destarte, indefere-se a requerida entrega de metade do valor do imóvel apreendido a AA, cônjuge do falecido, sendo todo o montante resultante da venda objeto de rateio e, no final, em caso de excesso, entregues aos herdeiros do falecido insolvente na respetiva proporção do seu quinhão hereditário. Notifique.” AA, cônjuge do insolvente, veio interpor o presente recurso de apelação, concluindo: 1. O Douto Despacho em crise assenta a sua fundamentação num aresto que nada tem a ver com o que é o thema decidendum que aqui é posto em discussão e cuja argumentação se discorda; 2. Naquela Douta Decisão trata-se de uma insolvência dos dois cônjuges, tendo falecido um deles no decorrer do processo, portanto existindo uma dívida comum e solidária dos Devedores, ao contrário dos presentes autos em que apenas um dos cônjuges, entretanto falecido, foi declarado insolvente por uma dívida que lhe era própria; 3. O Tribunal a quo não se debruça sobre a questão essencial do cônjuge insolvente falecer na pendência da acção de restituição e separação de bens (Apenso D); 4. E mesmo na improcedência daquela acção, não distingue o conceito de “propriedade ou património colectivo” do bem imóvel dos cônjuges, antes da morte de um deles, e, após a morte do Insolvente, de onde faz derivar a existência de uma quota (pelo menos ideal) de cada cônjuge no património que era dos dois; 5. Por outro lado, o Tribunal a quo não tem em atenção que a morte do cônjuge insolvente tem como efeito a dissolução do casamento e, consequentemente, a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges na data daquele falecimento; 6. No caso sub judice, no dia 13 de Março de 2018, BB, cônjuge da Recorrente, foi declarado insolvente por confessar a impossibilidade de pagar dívidas da sua responsabilidade; 7. O Insolvente era casado em primeiras e únicas núpcias, desde 1949, com a Requerente, AA, aqui Recorrente, que nenhuma responsabilidade tinha sobre as dívidas; 8. O senhor Administrador de Insolvência aprendeu o direito à meação sobre o bem imóvel e sobre os bens móveis do Insolvente; 9. Devido a dificuldades como registo daquele direito, o M.mo Juz do Tribunal a quo determinou que se desse a conhecer à mulher do insolvente, convidando-se a mesma para, no prazo de 10 [dez] dias, deduzir, por apenso e nos termos do CIRE, o incidente de separação de bens, expurgando-se os factos devidos. 10. O que a mesma fez no dia 20 de Fevereiro de 2020; 11. No dia 08 de Novembro de 2020, ou seja, na pendência da supra referida acção, faleceu o Insolvente; 12. No dia 05 de Janeiro de 2021, veio o Tribunal a considerar a acção de Separação de Bens da Massa extemporânea, improcedendo o pedido da Requerente; 13. No dia 07 de Outubro de 2021 o imóvel apreendido foi vendido; 14. No dia 12 de Outubro de 2021, o Senhor AI notificou a aqui recorrente para indicar o seu IBAN a fim de lhe ser pago metade do produto da venda; 15. No dia 14 de Outubro de 2021, o M.mo Juiz do Tribunal a quo proferiu a sentença relativamente à liquidação do activo, ao que, após a posição expressa pelas partes, se seguiu o Douto Despacho ora em crise. 16. A questão se aqui se coloca - e que motivou que o M.mo Juiz do Tribunal a quo decidisse não determinar a entrega de metade do montante da venda objecto do rateio à cônjuge do Insolvente falecido, mas antes todo o montante resultante da venda aos credores e, no final, em caso de excesso, entregue aos herdeiros do falecido insolvente na respectiva proporção do seu quinhão hereditário – não são os efeitos do falecimento do Devedor na insolvência; 17. Também não se discute a aplicabilidade do art.º 740º a 742º do CPC, ex vi o art.,º 17º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE); 18. A questão que aqui se pretende discutir e está em equação – realça- se - são as consequências da morte do Insolvente no património do casal, que era uma “quota colectiva” e passou a ser uma “quota individualizável” e as consequências da dissolução do casamento (no caso, por morte) no património que era dos dois; 19. No caso sub judice, o casamento do cônjuge devedor e do cônjuge não devedor (ocorrido em 1949), porque não precedido de convenção antenupcial, considera-se celebrado segundo o regime da comunhão geral de bens (artº 1732º do Código Civil); 20. No regime de comunhão geral de bens, existe fundamentalmente uma massa patrimonial: o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam exceptuados por lei; 21. O património comum dos cônjuges constitui uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia - embora limitada e incompleta - mas que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela; 22. Os bens comuns dos cônjuges constituem objecto não duma relação de compropriedade - mas duma propriedade colectiva ou de mão comum. 23. Sendo certo que com a morte de um dos cônjuges, in casu do insolvente, tudo se opera juridicamente de forma diferente; 24. Na verdade, o casamento dos interessados (um insolvente e outro não insolvente) foi dissolvido por morte de um deles (o insolvente); 25. Nos termos do disposto no art.º 10 º do CIRE, dúvidas não restam, aliás como é apontado do Douto Despacho em crise e no aresto que o mesmo segue, que o processo de insolvência passa a correr contra a herança aberta por parte do devedor, sem necessidade de habilitação dos herdeiros. 26. Todavia, a morte de um ou de ambos os cônjuges opera a cessação das relações patrimoniais entre os mesmos (artºs 1788º e 1688º do Código Civil); 27. E essa determinação da cessação da generalidade das relações patrimoniais entre os ex-cônjuges, implica a partilha do património do casal, na qual, em princípio, cada um dos cônjuges recebe os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, se os houver (artº 1689 nº 1 do Código Civil); 28. Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal (artº 1689 nº 1 do Código Civil); 29. Ora, reportando-nos aqui ao caso em discussão, dúvidas não podem restar que a composição da comunhão se deve considerar fixada no dia da morte do Insolvente, ou seja, no dia 08 de Novembro de 2020; 30. Retroagindo todos os efeitos da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges àquela data; 31. Data na qual, ainda estava pendente a acção para separação de bens da massa proposta pela aqui Requerente; 32. Mas mesmo que esta acção já estivesse decidida, o certo é, porém, que, com a dissolução do casamento por morte do Insolvente ocorrida no dia 08 de Novembro de 2020, o direito à meação que cada um dos cônjuges era titular, tornou-se exequível em consequência de ter findado a sociedade conjugal e cessado as relações patrimoniais entre os cônjuges; 33. Dito de uma outra forma mais desenvolvida, a partir do dia da morte de um dos cônjuges (no caso, do Insolvente), os bens comuns deixarem de constituir uma massa patrimonial abstrata, não individualizável, deixaram de fazer parte de um património colectivo e, outrossim, passaram a ser uma quota, pelo menos ideal, a que a Lei já concede autonomia, que é concretamente individualizável e que constitui um acervo perfeitamente concretizável, que é a meação de cada um dos cônjuges nos bens comuns; 34. O património que pertencia aos dois cônjuges em bloco antes da morte de um deles, passou a comportar divisão, mesmo ideal, deixando de existir um “património colectivo” e passando a existir dois patrimónios, um pertencente ao cônjuge sobrevivo, outro à herança indivisa do Cônjuge falecido; 35. De onde resulta, sempre salvo melhor opinião, que o cônjuge sobrevivo, a partir de 08 de Novembro de 2020, no caso, a Recorrente, passou a ser titular do direito a uma quota, um verdadeiro “direito de quota”, que é o direito à sua meação no património comum e que exprime a medida da divisão que virá a realizar-se no momento da partilha, podendo ser objecto imediato de partilha, num regime similar à separação judicial de bens ou à divisão de bens subsequente ao divórcio. 36. Dispõe o n.º 1 do artigo 1689º do Código Civil que, “cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum (…)”; 37. Sendo certo que as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam, nomeadamente, pela dissolução do casamento. – n.º 1 do art.º 1688º do CC; 38. Representando a morte de um dos cônjuges uma das causas da dissolução do casamento; 39. O que, salvo melhor e mais avalizada opinião, não foi atendido pelo Tribunal a quo; 40. Razões pelas quais, tendo ocorrido a morte do cônjuge Insolvente no decorrer da insolvência, no caso, no dia 08 de Novembro de 2020, mesmo antes de ser proferida decisão sobre a acção de restituição e separação de bens da massa; tendo existido a dissolução do casamento e a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges nessa data (08.11.2020); tendo sido unanimemente aceite entre todos os sujeitos processuais que o cônjuge aqui recorrente não tem qualquer responsabilidade nas dívidas reclamadas no processo de insolvência; então a mesma tem direito a receber a quota concreta e individualizável que lhe assiste em consequência da referida cessação da relação patrimonial com o seu cônjuge; 41. Daí que, pois, sempre salvo melhor opinião, assiste razão ao Ilustre Administrador de Insolvência e à aqui Imperpetrante ao sustentar que a si lhe cabe metade do valor proveniente da venda do bem imóvel. 42. Pelo que violou, assim, pelo exposto, o Tribunal a quo o disposto nos artigos 1688º, 1689º, 1695º e 1788º, todos do código civil, e ainda o disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 615 do Código de processo Civil, aplicável ex vi o art.º 17º do CIRE. TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER JULGADO NULO O DESPACHO ORA EM CRISE, DEVENDO SER REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR UM OUTRO QUE JULGUE CORRECTO QUE METADE DO MONTANTE RESULTANTE DA VENDA OBJECTO DE RATEIO DEVE SER ENTREGUE À CÔNJUGE DO INSOLVENTE, D. AA, AQUI RECORRENTE E, DA QUOTA DA HERANÇA DO INSOLVENTE FALECIDO É QUE DEVE SER PAGO OS CRÉDITOS RECLAMADOS E, EM CASO DE EXCESSO, O REMANESCENTE, DISTRIBUÍDO PELOS HERDEIROS DO FALECIDO, TUDO NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS. FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL JUSTIÇA. Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal. Assim, a questão a resolver consiste em saber se deve efectuado o pagamento à recorrente, na qualidade de cônjuge do insolvente, de metade do valor da venda do imóvel. II – Fundamentação de facto Para decisão do recurso releva a factualidade que se extrai do relatório supra e ainda a que se segue, recolhida do processo de insolvência via CITIUS: Em 10/3/2018, BB, apresentou-se à insolvência, declarando, em suma, que é uma pessoa singular, não titular de qualquer empresa, nascido no ... .../.../1930, contando, por isso, 87 anos de idade, sendo casado com AA. Que em .../.../2000, o seu filho e nora, respectivamente, CC e DD, aceitaram diversas letras de câmbio, cuja sacadora era a sociedade comercial por quotas “T..., Limitada”, e que titulavam transacções comerciais entre as duas partes, no montante aproximado de €40.000,00, tendo-se o requerente constituído, por aval, garante solidário da referida relação cambiária. Que uma parte significativa das referidas letras não foi paga, o que motivou que a referida sociedade credora intentasse contra os devedores principais e contra o requerente uma acção executiva que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução da Maia – Juiz 2, sob o n.º 1964/03.8TBSTS pela quantia aproximada de €30.000,00, incluindo juros e despesas. Que não tem forma de pagar, caindo numa situação irreversível de insolvência actual. Que se encontra reformado e vive com a esposa que tem sensivelmente a mesma idade (87 anos) e a única fonte de rendimento dos dois é a pensão de reforma por velhice do requerente, no valor de €325,35 e a pensão de reforma, igualmente por velhice da sua mulher, no montante de €342,65. Por sentença de 13/3/2018 foi decretada a insolvência do requerente. Em 20 dias do mês de Março do ano de dois mil e dezoito foi lavrado auto de apreensão de bens imóveis onde consta:” VERBA ÚNICA Direito à Meação sobre Prédio Urbano, casa de habitação de Rés-do-Chão e 1º andar, com a área de 750,00 m2, sendo 101,65 m2 de área coberta, 273,35 m2 de quintal e 375 m2 de terreno (parte rústica), sita na Rua ..., 4795-068 freguesia ... e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o Artigo ... e predial rústica sob o Artigo ..., com os Valores Patrimoniais de €75.110,00 e €2,17, respectivamente”. Pretendendo o Administrador da insolvência (AI), em 21/6/2018, registar na Conservatória do Registo Predial esta apreensão do direito à meação sobre o prédio urbano supra referido, foi exarado Despacho de Qualificação, ao abrigo no artigo 71º do Código de Registo Predial com o seguinte teor: “O registo da insolvência sobre a meação do insolvente é lavrado como PROVISÓRIO POR DÚVIDAS, porquanto: Enquanto não se dissolver a comunhão conjugal, não há meação no património conjugal, pelo que sendo o insolvente casado, apenas se pode requerer o registo do prédio, e desde que: Seja demonstrado que se requereu (ao abrigo do artº 141º/1-b do CIRE), ordenou (ao abrigo do artº 141º/3 do CIRE) ou proporcionou (ao abrigo do artº 740º do CPC) ao cônjuge não insolvente a efectivação da separação dos bens comuns. Tal exigência prende-se com o facto da necessidade de dar cumprimento ao princípio do trato sucessivo plasmado no artigo 34º, nº 4 do Código do Registo Predial…” Por carta registada, recepcionada em 22/10/2019, o AI citou AA, na qualidade de cônjuge do insolvente, para, querendo, no prazo de 20 dias, requerer a separação dos bens comuns do casal, ou juntar certidão da pendência de outro processo onde aquela separação já tenha sido requerida, sob pena de serem os mesmos vendidos no âmbito do processo de insolvência que identificou, nos termos do artigo 740º e 784º do CPC e artigo 17º do CIRE Por requerimento datado de 17/12/2019, o AI comunicou ao processo o seguinte:”… - Confirma que efetuou a notificação da mulher do insolvente, sendo que tal ato se justificou com vista à resolução das dúvidas com que foi efetuado o registo da insolvência sobre o imóvel apreendido nos autos – junta em anexo o despacho de qualificação que recaiu sobre o pedido de registo apresentado. Por tal facto, apenas com a comprovação da notificação efetuada, cujos comprovativos junta em anexo, e com a retificação do Auto de Apreensão, se torna possível a efetivação do registo. Em requerimento separado, do apenso da apreensão de bens, junta-se o Auto de Apreensão retificado.” III – Fundamentação de direito Quando é declarada a insolvência de um dos cônjuges ou de um dos ex-cônjuges antes da partilha dos bens comuns do casal, existe divergência na jurisprudência e na doutrina quando à questão de saber se devem ser apreendidos os bens comuns ou o direito à meação. A tese maioritária segue o entendimento de que devem ser apreendidos os bens comuns, aplicando-se, por força do disposto no artigo 17º, nº 1 do CIRE, o regime previsto no Código de Processo Civil, designadamente o disposto no artigo 740.º deste Código. É consabido que no regime substantivo os bens comuns dos cônjuges constituem objecto, não de uma relação de compropriedade, mas duma propriedade colectiva (propriedade/contitularidade de mão comum ou comunhão germânica), em que os sujeitos dessa propriedade colectiva são ambos os cônjuges, sem que se possa dizer, enquanto persiste a comunhão, existir uma divisão de quotas entre eles. Há sim a contitularidade de duas pessoas num único direito, em que os sujeitos da comunhão conjugal são titulares de um único direito sobre o bem comum, sendo essa comunhão una, indivisível e sem quotas. O direito à meação é algo que, verdadeiramente, não tem sequer uma consistente existência jurídica. Enquanto há casamento e sociedade conjugal, o direito à meação é insusceptível de ser apreendido como bem integrante duma massa insolvente, em que só um cônjuge foi declarado insolvente, devendo, antes, serem apreendidos os próprios bens comuns (v. g. os próprios imóveis), tendo que haver, a seguir, ou a citação para separação de meações ou o incidente de comunicabilidade da dívida. Para uma melhor compreensão há que fazer uma referência histórica à reforma introduzida pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro que aboliu a moratória legal, eliminando o nº3 do artigo 1696º do CC, e, alterando o artigo 825º do CPC (actual 740º), deixou de se referir à penhora da meação dos bens comuns, passando a prever a penhora dos próprios bens comuns. O particular regime de bens comuns dos cônjuges leva à sua exclusão do disposto artigo 781.º do CPC, o qual prevê, entre outras, a penhora de quinhão em património autónomo. É que na vigência do casamento estes bens comuns são efectivamente chamados a responder pelas dívidas pelas quais são substantivamente responsáveis, nos termos dos artigos 1695.º, nº 1, 1.ª parte e 1696., nº 1, 2.ª parte do C. Civil. Este regime substantivo tem moldado o regime processual, nomeadamente os actuais dispositivos dos artigos 740º a 742º do CPC. Em execução movida contra um só cônjuge, havendo apreensão dos bens comuns por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, seguindo o disposto no dito artigo 740º, tem de proceder-se à citação do cônjuge do executado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns. E do artigo 741º resulta que, numa execução proposta apenas contra um dos cônjuges, o exequente pode alegar fundamentadamente que a dívida, constante de título diverso de sentença, é comum, tendo o cônjuge do executado de ser citado deste pedido de comunicabilidade da dívida formulado no requerimento executivo, podendo: - reconhecer expressamente a natureza comum da dívida; - nada dizer, o que dita que a dívida será considerada comum; - recusar a comunicabilidade da dívida, por oposição/impugnação. Resultado: “Se a dívida for considerada comum, a execução prossegue também contra o cônjuge não executado, cujos bens próprios podem ser nela subsidiariamente penhorados; se, antes da penhora dos bens comuns, tiverem sido penhorados bens próprios do executado inicial, pode este requerer a respetiva substituição.” (nº 5) “Se a dívida não for considerada comum e tiverem sido penhorados bens comuns do casal, o cônjuge do executado deve, no prazo de 20 dias após o trânsito em julgado da decisão, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo anterior.” (nº 6) Como se sabe o processo de insolvência é um processo de execução universal, que tem por finalidade a satisfação dos credores, baseado, designadamente, na liquidação do património do devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores, conforme estabelece o nº1, do artigo 1º, do CIRE. Nos termos do artigo 36º, nº1, al. g),deste código, o juiz na sentença que declara a insolvência, decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência de todos os bens do devedor ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos. Existe aqui uma assinalada universalidade da apreensão, deixando-se expresso que ela abrange todos os bens integrantes do património do devedor, que lhe pertençam já à data da declaração de insolvência ou venham a pertencer-lhe na pendência do respectivo processo, sendo que fazem parte do património do insolvente os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns do casal. Logo a apreensão para a massa insolvente, tal e qual como na penhora em execução, engloba também os bens comuns do casal que são, como se viu, bens penhoráveis. Também se debate na doutrina e na jurisprudência se na insolvência o meio de reagir à apreensão dos bens comuns pelo cônjuge não insolvente deve ser a acção de separação do artigo 146.º do CIRE ou o processo de inventário instaurado, actualmente ao abrigo do disposto no artigo 1135.º do CPC (correspondente ao artigo 81.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05-03, revogado pela Lei n.º 117/2019, de 13-09). Dominante tem sido a tendência de considerar que o meio adequado é o da separação de bens, em processo de inventário. Com efeito, pretendendo-se com a separação de meações a realização da partilha dos bens comuns do casal (única forma de pôr fim à comunhão e de definir quais os bens abrangidos pelo património de cada um dos ex-cônjuges), de modo a que a apreensão se concretize sobre bens exclusivamente da titularidade do cônjuge insolvente e não sobre o direito à meação, são insuficientes as normas expressamente previstas no CIRE atinentes à separação de bens. Sobre esta matéria citam-se, a título exemplificativo, os acórdãos de 06-06-2019, proc. nº 2699/17.0T8VCT-J-G1 da Relação de Guimarães, de 18-05-2020, proc. nº 2510/19.7T8CBR-C.C1 da Relação de Coimbra e de 17-06-2021, proc. nº 234/20.1T8VPV.L1-2 da Relação de Lisboa, de 11-01-2022, proc. nº 4299/20.8T8MTS.P1 desta Relação do Porto, todos em www.dgsi.pt. No caso dos autos, e como resulta das ocorrências do processo acima narradas, o AI começou por apreender o direito à meação do insolvente no imóvel. Só que, ao apresentar na Conservatória do Registo Predial tal bem para registo, foi tal obstaculizado, precisamente por se entender, na sendo do que aqui se explicitou, que tal penhora não se encontra prevista no actual Código de Processo Civil, consignando-se que o regime ali previsto para a efectivação da responsabilidade por dívidas próprias de um dos cônjuges é o da penhora de concretos bens comuns, com a condição de ser citado o cônjuge para requerer a separação de bens do casal (nº1 do artigo 740º). Nessa medida, foi rectificado o auto de apreensão e o que foi vendido foi o concreto bem. Igualmente foi citada AA, cônjuge do insolvente, para, querendo, no prazo de 20 dias, requerer a separação dos bens comuns do casal, ou juntar certidão da pendência de outro processo onde aquela separação já tenha sido requerida, sob pena de serem os mesmos vendidos no âmbito do processo de insolvência que identificou. Ora, não foi requerida pelo conjunge do insolvente esta separação, nem junta certidão da pendência de outro processo onde aquela separação já tenha sido requerida, sendo confirmado no próprio recurso que houve um pedido Separação de Bens da Massa que foi julgado extemporâneo, sem que haja noticia de ter sido objecto de recurso e que, por isso, terá transitado em julgado. Depois de tudo o que se deixou explanado tem de inferir-se que a insolvência prosseguiu com a apreensão do bem comum, de acordo com a cominação do referido artigo 740º, nº 1 do CPC ex vi artigo 17º, nº 1 do CIRE. Daqui decorre o acerto do despacho recorrido ao negar a pretensão da entrega de metade do valor do imóvel apreendido a AA, cônjuge do ora falecido insolvente. Bem como resultam totalmente desadequadas as razões do recurso sempre no pressuposto que a apreensão é do direito à meação. Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente o recurso, confirmando-se o despacho recorrido. De acordo com o disposto dos n.º 1 (1.ª parte) e nº 2 do artigo 527.º do CPC, tendo apelante ficado vencida no recurso, competia-lhe suportar as custas do recurso. Dado, porém, que beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo não se condena a mesma no pagamento das custas. Porto, 22 de Março e 2022 Ana Lucinda Cabral Maria do Carmo Domingues Rodrigues Pires (A relatora escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.) |