Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00035824 | ||
Relator: | PAIVA GONÇALVES | ||
Descritores: | GRAVAÇÃO DA PROVA IRREGULARIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP200305260351993 | ||
Data do Acordão: | 05/26/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T CIV PORTO | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | . | ||
Decisão: | . | ||
Área Temática: | . | ||
Legislação Nacional: | CPC95 ART522. | ||
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Sumário: | I - A incorrecta gravação áudio ou vídeo constitui omissão de acto que a lei prescreve. II - E constitui uma irregularidade que pode influir no exame ou na decisão da causa, ao condicionar a reacção das partes contra a decisão proferida em matéria de facto. II - A nulidade deve ser invocada no prazo de 10 dias a contar da data em que a parte teve conhecimento da gravação. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Na acção sumária que, no Tribunal Cível da comarca do Porto, contra si instaurou R..., B. V. SUCURSAL DE PORTUGAL, veio M..., Ldª interpor recurso de apelação e, simultaneamente, requerer cópia da gravação da audiência final com vista à reapreciação da prova, juntando, para o efeito, o meio técnico apropriado, o que lhe seria deferido. Entretanto, a ré-apelante foi notificada por carta registada de 25 de Junho de 2002 e em requerimento entrado, na secretaria judicial, no dia 8 de Julho de 2002, arguiu a respectiva nulidade processual com fundamento de que alguns depoimentos das diversas testemunhas não teriam sido ou ficado gravados, ou tê-lo-ão de forma absolutamente deficiente. O Mmo Juiz a quo desatendeu, por extemporânea, a reclamação. É desta decisão que sobe o presente recurso, devidamente minutado e no qual a agravante ofereceu as seguintes conclusões: 1- A agravante, notificada da sentença que nos autos está e não podendo com a mesma se conformar, interpôs recurso de apelação e no requerimento respectivo requereu, tendo em vista a reapreciação da prova gravada, cópia da gravação da audiência final. 2- Por despacho de fls. 138 dos autos, o Tribunal "a quo" admitiu o aludido recurso de apelação e ordenou que a requerida cópia da gravação fosse satisfeita e a agravante foi notificada da cópia da gravação por carta registada de 25 de Junho de 2002. 3- Por requerimento de 7 de Julho de 2002, a agravante deu a conhecer que o depoimento de diversas testemunhas não foram devidamente gravados, não gravados ou, então, foram-no de forma absolutamente deficiente. 4- Os quais depoimentos eram inaudíveis e, quando assim não sucedia, imperceptíveis e incompreensíveis e prevaleceu-se, para todos os efeitos legais, desta omissão, que constituía nulidade processual. 5- A Mma Juiz pelo despacho recorrido julgou a arguição da aludida nulidade processual intempestiva, uma vez que não fora deduzida no decurso da audiência de julgamento. 6- Na arguição de nulidades processuais concorrem dois prazos: quando a parte estiver presente no próprio acto processual, ou, quando não esteja, nos dez dias subsequentes à intervenção em algum acto praticado no processo ou da notificação para qualquer termo dele, quando não esteja, e só quando deva presumir-se o conhecimento da nulidade. 7- Em ambas as situações a sua arguição depende e pressupõe o conhecimento da parte de que nos autos foi praticado ou omitido um acto que a lei prescreve. 8- Na situação sub judice, a presença da agravante no decurso do acto processual não foi, nem é, idónea para tanto, porquanto o controle técnico da boa ou má execução da gravação compete a terceiros e porque foi como é, fisicamente impossível verificá-la ou controlá-la. 9- À agravante não pode exigir-se, assim, a arguição imediata da nulidade. 10- E, deste modo, não é aplicável à situação dos autos a norma da 1ª parte do nº 1 do artigo 205º do Código de Processo Civil, ao contrário do que entendeu a Mma juiz "a quo" e que a infringiu. 11- Na tramitação processual posterior havida nenhum acto foi praticado em que a agravante tenha intervindo e que fosse idóneo, por si mesmo, de dar-lhe conhecimento da deficiência da gravação. 12- A ora agravante, como é natural, só dela se apercebeu depois da notificação de 25 de Junho de 2002 e no decurso do prazo legal para a elaboração das alegações do recurso de apelação. 13- E arguiu a referida nulidade processual no prazo de dez dias a contar desta notificação, pois só com esta pôde tomar conhecimento da aludida irregularidade. 14- Ante o normativo da 2ª parte do nº 1 do artigo 205º do Código de Processo Civil e ao entendimento quase unânime da jurisprudência, a arguição da nulidade processual, deduzida quando o foi, é claramente tempestiva. 15- De resto, a notificação de 25 de Junho de 2002 não era, por si mesma, suficiente e idónea para dar a conhecer à agravante da deficiência da gravação e, por consequência, suficiente para presumir-se o conhecimento do seu mau estado. 16- O entendimento da Mma Juiz "a quo" da expressão "em qualquer momento" do artigo 9º do Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, não se compagina com o normativo do artigo 205º nº 1 do Código de Processo Civil, nem, muito menos, com o da restante jurisprudência. 17-Impunha-se à Mma Juiz "a quo" que, nos termos do disposto no artigo 205º nº 1, 2ª parte, julgasse tempestiva a arguição da invocada nulidade processual e a declarasse, com as legais consequências. 18- Ao ter entendido diversamente e ao julgar como efectivamente julgou, a Mma Juiz "a quo" violou as normas dos artigos 105º nº 1 - 1ª parte e 2ª parte - e 156º nº 1 do Código de Processo Civil, e do artigo 9º do Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro. 19- O despacho recorrido deve, assim, ser revogado e substituído por outro que julgue tempestiva a arguição da nulidade processual e que a declare, com as legais consequências. Na resposta, a recorrida pugnou pelo improvimento do recurso. O Ex.mo Juiz do processo manteve o despacho em crise. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Na apreciação do agravo, tomaremos em linha de conta os factos anteriormente relatados. Cinge-se o objecto do recurso à questão de saber se a reclamação da nulidade foi atempadamente exercida. Propendemos para uma resposta afirmativa. Expliquemos porquê. Segundo o artigo 522º-B do Código de Processo Civil, diploma a que pertencerão as demais disposições legais a citar sem outra indicação, as audiências finais e os depoimentos, informações e esclarecimentos são gravados sempre que alguma das partes o requeira, por não prescindir da documentação da prova nelas produzida, quando o tribunal oficiosamente determinar a gravação e nos casos especialmente previstos na lei. Por outro lado, estatui-se no nº 1 do artigo 522º-C que a gravação é efectuada, em regra, por sistema sonoro, sem prejuízo do uso de meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor. Importa, também, recordar que ao recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto incumbe, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do nº 2 do artigo 522º-C. Tal ónus decorre do artigo 690º-ª Nos termos do Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, a gravação é, em regra, efectuada com o equipamento para o efeito existente no tribunal, por funcionários de justiça e de modo que facilmente se apure a autoria dos depoimentos gravados ou das intervenções (artigos 3º nº 1, 4º e 6º nº 1). Além disso, durante a audiência são gravadas simultaneamente uma fita magnética destinada ao tribunal e outra destinada às partes, incumbindo ao tribunal que efectuou o registo facultar, no prazo máximo de oito dias após a realização da respectiva diligência, cópia a cada um dos mandatários ou partes que a requeiram (artigo 7º nºs 1 e 2). Finalmente, se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-à à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade (artigo 9º). Teve por objecto, este Diploma, essencialmente, a criação de um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito, como, de resto, se pode ler no seu preâmbulo. Acresce que as partes só podem sindicar a decisão de facto com a necessária amplitude no caso de ter existido efectiva gravação das provas ao longo da audiência de discussão e julgamento. Decorre também da lei que a omissão ou deficiência é unicamente imputável aos serviços judiciários que têm o dever de garantir o eficaz funcionamento da aparelhagem necessária ao registo fonográfico. Por seu turno, há que reconhecer que a incorrecta gravação áudio ou vídeo que seja efectuada constitui omissão de acto que a lei prescreve, por não ter sido feita de forma perfeita, podendo influir na decisão da causa, ao condicionar a reacção das partes contra a decisão proferida sobre a matéria de facto. Daí que uma tal irregularidade processual seja susceptível de gerar nulidade nos termos do artigo 201º. Como é sabido, o meio de reacção adequado contra este vício processual é a reclamação prevista no artigo 205º nº 1 que estabelece a regra geral sobre o prazo de arguição das nulidades não referidas nos artigos 193º, 194º e 200º, determinando-se nele que se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, terá de argui-la enquanto o acto não terminar ou, caso contrário, o prazo para denunciar a nulidade conta-se do dia em que, depois de cometida, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, desde que se presuma que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência. E esse prazo de reclamação, na falta de disposição especial, é de dez dias (artigo 153º nº 1). Ora, no caso em análise, tendo a agravante sido notificada por carta registada de 25 de Junho de 2002, é de presumir que só recebeu a cópia da fita magnética no dia 28 de Junho de 2002. Como arguiu a irregularidade processual mediante reclamação entrada na secretaria judicial no dia 7 de Julho de 2002, fê-lo dentro do prazo de dez dias a contar do seu conhecimento, dado que, contrariamente ao decidido, não lhe era possível nem exigível que durante a audiência de julgamento se apercebesse de anomalias ou deficiências da gravação que, como é óbvio, apenas são detectadas pelo interessado após a entrega do registo magnético e durante o período em que são elaboradas as respectivas alegações (cfr. acórdãos do S.T.J. de 15 de Janeiro de 2002 e 29 de Outubro de 2002, proferidos nas Revistas nºs 2055/02 e 2994/02, respectivamente; acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Maio de 2001, in CJ Ano XXVI, Tomo 3, págs. 77 e segs. e 80 e segs.). Assim sendo, forçoso é concluir que a arguição da nulidade é tempestiva, razão por que não deveria a reclamação ter sido indeferida. Procedem, deste modo, as conclusões da alegação de recurso. Termos em que se concede provimento ao agravo e, em consequência, se revoga a decisão impugnada que deverá ser substituída por outra que faça prosseguir o incidente em ordem a apreciar a irregularidade processual da eventual deficiência da gravação realizada em audiência. Custas pela agravante. Porto, 26 de Maio de 2003. António de Paiva Gonçalves Baltazar Marques Peixoto António José Pinto da Fonseca Ramos |