Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
37/23.1T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL
POSSIBILIDADE DE AS PARTES PODEREM DENUNCIAR O CONTRATO SEM AVISO PRÉVIO E INVOCAÇÃO DE JUSTA CAUSA
INÍCIO DO PRAZO DO PERÍODO EXPERIMENTAL NO CASO DE O TRABALHADOR TER OUTRAS FUNÇÕES DISTINTAS DAQUELAS PARA QUE FOI CONTRATADO
Nº do Documento: RP2024011537/23.1T8VFR.P1
Data do Acordão: 01/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO. CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL.
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do disposto no artigo 114º, nº 1, do Código do Trabalho, qualquer das partes pode, no período experimental, denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.
II - O período experimental inicia-se com a prestação do trabalhador para o empregador, ou a sua inserção na organização do empregador, sob sua ordem, direcção e fiscalização, ainda que, durante algum período, ou todo o período, tenha desempenhado outras funções, distintas daquelas para que foi contratado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 37/23.1T8VFR.P1



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto



I. Relatório
AA, residente na Rua ..., Santa Maria da Feira, com o patrocínio do Ministério Público, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra A..., S.A., com sede Rua ..., Guimarães.
Formula os seguintes pedidos:
I. Declarar-se ilícito o despedimento da A. efectuado pela Ré e, por via disso, ser a Ré condenada a pagar ao A.:
1. o montante de 7.089,00€ (sete mil e oitenta e nove euros) a título de indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo do contrato (17.10.2022);
2. juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.
II. Ser também a Ré , independentemente da procedência ou não dos demais pedidos, condenada a pagar ao A.:
a) a título de proporcionais de férias e de subsídio de férias, o montante de 1.226,14€ (mil duzentos e vinte e seis euros e 14 cêntimos),
b) a título de proporcionais de subsídio de natal, o montante de 613,00€ (seiscentos e treze euros).
Alega em síntese que: a Ré admitiu o A., a 18.01.2022, por contrato escrito a termo certo, por 9 meses, para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Distribuidor; O A. exerceu as suas funções no estabelecimento da A. em Santa Maria da Feira; O estabelecimento da A. em Santa Maria da Feira abriu ao publico em 16.02.2022, mas desde o inicio do seu contrato de trabalho que o A exerceu as suas funções sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré; Designadamente na preparação da loja para abertura ao público; A 15 de março de 2022, a Ré comunicou por escrito à A. a denúncia do contrato de trabalho em período experimental, referindo que o mesmo se considerava sem efeito desde essa data; O período experimental estipulado pela Ré no contrato de trabalho foi de 30 dias.
Realizou-se audiência da partes, não se tendo logrado obter conciliação destas.
A ré veio contestar alegando em síntese: O estabelecimento da Ré foi efectivamente inaugurado no dia 16.02.2022 mas apenas abriu ao público no dia 17.02.2022; foi só a partir desta data (17.02.2022) que o Autor iniciou efectivamente as funções de ajudante de motorista/distribuidor para a qual foi contratado; o trabalhador não exerceu de facto qualquer função compatível com a sua categoria profissional; Aquando da cessação do contrato de trabalho o Autor recebeu todos os seus créditos laborais; O Autor não restituiu à Ré tal quantia, na qual, como se referiu, se inclui todos os créditos laborais devidos pela cessação do contrato, o que constitui aceitação do despedimento.
Foi dispensada a audiência prévia, elaborado despacho saneador, que transitou em julgado, e fixado o objecto do processo.
Foi fixado à acção o valor de €7.089,00.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova testemunhal nela produzida.
Foi proferida sentença, com fixação da matéria de facto provada e não provada, decidindo-se a final: “julgando a acção parcialmente procedente:
A) Declara-se ilícito o despedimento do autor AA, levado a cabo pela ré A..., S.A.
B) Condena-se a ré a pagar ao autor a quantia total de €6.556,09 (seis mil, quinhentos e cinquenta e seis euros e nove cêntimos), sendo €5.250,00 (cinco mil, duzentos e cinquenta euros), correspondente à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor das retribuições que o autor deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo do contrato, €426,65 (quatrocentos e vinte e seis euros e sessenta e cinco cêntimos), a título de proporcionais de férias, €439,72 (quatrocentos e trinta e nove euros e setenta e dois cêntimos), a título de proporcionais do subsídio de férias e €439,72 (quatrocentos e trinta e nove euros e setenta e dois cêntimos), a título de proporcionais do subsídio de Natal.
C) Condena-se a ré a pagar ao autor os juros de mora, vencidos e vincendos, sobre a quantia referida em B), contados à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.
D) Absolve-se a ré do demais contra si peticionado.”
Inconformada interpôs a ré o presente recurso de apelação, concluindo:
1. Os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão, o que a torna nula;
2. A sentença recorrida fez também uma incorrecta subsunção da matéria de facto à lei, porquanto a matéria de facto provada e não provada imporia a total improcedência da acção;
3. O período experimental do trabalhador AA teve início a 17 de Fevereiro de 2022, com a abertura da loja da Apelante em Santa Maria da Feira, período a partir do qual o Autor pôde começar a desempenhar as suas funções.
4. Tendo o Autor sido contratado para exercer as funções de distribuidor/ajudante de motorista, tal como ficou provado, e tendo o mesmo passado a exercer efectivamente as funções para as quais foi contratado a partir de 17.02.2022, o período experimental deve contar-se apenas desde a data em que se iniciou a prestação efectiva do trabalho, só relevando o tempo de efectividade de funções.
5. No dia 15 de Março, quando a Apelante comunicou, por escrito, ao Autor, a denúncia do contrato de trabalho, o trabalhador AA ainda se encontrava em decurso o período experimental.
6. Assim, a cessação do vínculo contratual ocorreu de forma lícita.
7. Por esta via, não é devida ao trabalhador AA, a título de danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, qualquer indemnização que tenha como fundamento a ilicitude do seu despedimento.
8. A sentença recorrida violou os artigos 111º, 112º, 114º, 338º, 366º, 381º do Código do Trabalho, e o artigo 615º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil.
O Ministério Público alegou, concluindo:
1. Em 18/01/2022, mediante contrato de trabalho escrito a termo certo de nove meses, a ré admitiu o autor ao seu serviço para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de distribuidor, com um horário de 40 horas semanais e mediante a retribuição mensal de €750,00, e
2. desenvolver, ainda, quaisquer actividades profissionais próprias das categorias de armazém e correlativos a que corresponda o vencimento e qualificação equivalente,
3. Desde o dia 18/01/2022, o autor, sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré, trabalhou na preparação da loja para abertura ao público, procedendo à limpeza das instalações e arrumação/organização da mercadoria na loja.
4. No decurso da execução do contrato não podem as partes proceder à alteração da data de início do contrato, dado que isso altera o elemento essencial da relação laboral que é a data do seu início.
5. Conclui-se, pois, que a ré recorrente fez cessar o contrato para além do período de 30 dias estabelecido no artigo 112º, nº 2, alínea a) do Código do Trabalho.
6. Traduzindo-se tal facto num despedimento ilícito.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, não tendo emitindo parecer, devido ao patrocínio do autor.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº. 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Importa apreciar, se a sentença é nula, por oposição entre os fundamentos e a decisão, e se o despedimento do autor ocorreu no decurso do período experimental, ou depois de findo este.

II. Fundamentação de facto
Na sentença recorrida foram considerados os seguintes factos provados:
1. A ré é uma sociedade comercial que tem por objecto o comércio por grosso de géneros alimentares.
2. No exercício dessa actividade, em 18/01/2022, mediante contrato de trabalho escrito a termo certo de nove meses, a ré admitiu o autor ao seu serviço para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de distribuidor, com um horário de 40 horas semanais e mediante a retribuição mensal de € 750,00.
3. O autor exerceu as suas funções no estabelecimento da ré, sito em Santa Maria da Feira.
4. Esse estabelecimento foi inaugurado em 16/02/2022 e abriu ao público em 17/02/2022.
5. Desde o início do contrato (18/01/2022), o autor, sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré, trabalhou na preparação da loja para abertura ao público, procedendo à limpeza das instalações e arrumação/organização da mercadoria na loja.
6. Ao autor foram-lhe pagas as retribuições mensais referentes aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março.
7. O autor esteve sujeito ao horário de trabalho estabelecido pela ré.
8. A 15 de Março de 2022, a ré comunicou por escrito ao autor a denúncia do contrato de trabalho em período experimental, referindo que o mesmo se considerava sem efeito desde essa data.
9. O período experimental estipulado no contrato foi de 30 dias.
10. Não foi instaurado ao autor qualquer processo disciplinar para averiguação de justa causa de despedimento.
11. Só a partir da abertura do estabelecimento ao público (17/02/2022) iniciou o autor as suas funções de distribuidor/ajudante de motorista.
12. Aquando da cessação do contrato, em Março de 2022, o autor recebeu: €123,29, a título de proporcionais do subsídio de Natal; €123,29, a título de proporcionais do subsídio de férias; €136,36, correspondente a 4 dias de férias não gozados.
13. A quantia total paga pela ré ao autor em Março de 2022, ascendeu a €700,47, que o autor não restituiu à ré.
14. A partir do dia 16/03/2022, inclusive, o autor entrou de baixa médica por um período de 7 dias, prorrogado ulteriormente até 02/04/2022.
15. A denúncia do contrato foi reiterada por carta registada enviada ao autor no dia 16/03/2022, recebida por este no dia 18/03/2022.
16. O autor foi contratado para distribuir mercadorias por clientes ou sectores de vendas, acondicionar os produtos em armazém e prepará-los para distribuição, entregar e cobrar as mercadorias e registo de actividade, bem assim ser ajudante de motorista, acompanhando-o e auxiliando-o nas manobras e na conservação do veículo, procedendo às cargas e descargas.
17. São do seguinte teor as cláusulas 2ª e 5ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes:
2ª – “O segundo contratante trabalhará par o primeiro, no horário de 40 horas semanais, exercendo as funções da categoria profissional de Distribuidor, definida no anexo I à CCT para o sector e para que é contratado, com a retribuição mensal de 750 Euros, sujeita aos descontos legais”.
5ª – “O segundo contratante obriga-se a desenvolver quaisquer actividades profissionais próprias das categorias de armazém e correlativos a que corresponda o vencimento e qualificação equivalente, (...)”.
18. No mês de Fevereiro, o autor faltou dois dias ao trabalho, por motivo de falecimento da sua irmã.

III. O Direito

1. Nulidade da sentença
Começa por alegar a recorrente: “Na fundamentação da sentença pode ver-se que o tribunal recorrido seguiu uma determinada linha de raciocínio, apontando para uma determinada conclusão, mas em vez de a tirar, decidiu noutro sentido, oposto ou divergente, pelo que esta oposição é causa de nulidade da sentença. Razão pela qual, e com o devido respeito, a sentença ora sindicada é nula, o que ser requer seja apreciado e decidido.”
Nos termos do art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A este propósito considerou-se no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 7 de Dezembro de 2018, processo 9720/17.0T8PRT.P1, ao que se julga não publicado: o “art. 615º, nº 1, al. c), dispõe que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença. A nulidade invocada reporta-se a uma contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Ou, por outras palavras, quando existe uma quebra no raciocínio lógico, não retirando o juiz, das premissas de que parte, a conclusão lógica que se imporia no silogismo judiciário. De referir que tal nulidade não se confunde com eventual erro de julgamento, em que, embora podendo (eventualmente) fazer uma errada subsunção dos factos ao direito, não existe qualquer quebra ou contradição no raciocínio lógico, conduzindo o que diz com o resultado que retira.”
No mesmo sentido o recente acórdão desta Secção Social de 17 de Abril de 2013, processo 1321/20.1T8OAZ.P1, ao que se sabe, igualmente não publicado, no qual se acrescenta:
“De acordo com a alínea c) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, estando aqui em causa uma contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente [Vd. Fernando Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2ª edição, pág.49 (que apesar de se reportar à versão do Código de Processo Civil anterior à revisão operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho – art.º 668º –, mantém atualidade)].
Com efeito, entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.
Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.
Com efeito, como se escreve no acórdão do STJ de 17/10/2017 [Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1], as causas de nulidade da sentença visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, ou seja, são vícios intrínsecos da formação da sentença, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, sejam de facto ou de direito [Vd. igualmente o acórdão deste TRP de 18/05/2020, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 851/18.0T8GDM.P1].
No caso, e desde logo, não especifica a recorrente onde existe a contradição entre os fundamentos e a decisão, não indicando qual a parte da fundamentação da sentença que poderia levar à ilação de que seria outra a decisão que iria ser proferida. Por outro lado, analisada esta, não se vislumbra tal oposição ou contradição.
Efectivamente, consta da sentença: “Ficou demonstrado que, de facto, só a partir da abertura da loja ao público, a 17/02/2022, o autor iniciou as funções para as quais foi contratado (distribuidor/ajudante de motorista), sendo que, até essa data, desempenhou tarefas de auxílio de preparação para abertura da loja, tais como, de limpeza das instalações e arrumação/organização da mercadoria na loja. Poder-se-á considerar que, por isso, ocorreu a suspensão do período experimental de 18 de Janeiro até 17 de Fevereiro? Não cremos.” [sublinhado nosso] Seguem-se os fundamentos que levaram a tal conclusão, terminando-se com a condenação da ré, ora recorrente, em função da consideração de ter decorrido o período experimental aquando da decisão de denúncia do recorrido.
Assim, improcede a arguição de nulidade.

2. Da (i)licitude da denúncia do contrato de trabalho
Consta da sentença:
“Quanto ao início do contrato de trabalho, ficou demonstrado que o mesmo ocorreu a 18 de Janeiro de 2021 (não tendo ficado provado que o autor apenas tenha trabalhado nos dias 18 a 21 de Janeiro e 08 de Fevereiro).
Alega, no entanto, a ré que, não obstante isso, só a partir de 17 de Fevereiro de 2022, o autor iniciou o desempenho efectivo das funções para as quais foi contratado, pelo que só a partir dessa data pôde efectivamente aferir das suas aptidões e, como tal, o prazo de 30 dias, apenas terminaria no dia 17 do mês seguinte, sendo pois a denúncia por si operada tempestiva.
Ficou demonstrado que, de facto, só a partir da abertura da loja ao público, a 17/02/2022, o autor iniciou as funções para as quais foi contratado (distribuidor/ajudante de motorista), sendo que, até essa data, desempenhou tarefas de auxílio de preparação para abertura da loja, tais como, de limpeza das instalações e arrumação/organização da mercadoria na loja.
Poder-se-á considerar que, por isso, ocorreu a suspensão do período experimental de 18 de Janeiro até 17 de Fevereiro?
Não cremos.
Não restam dúvidas de que o autor iniciou a execução da prestação de trabalho a 18/01/2022, desempenhando tarefas não correspondentes ao núcleo essencial daquelas para as quais foi contratado (distribuidor é, nos termos da CCT aplicável, “o trabalhador que entrega as mercadorias aos clientes, de acordo com solicitações previamente efectuadas: recebe dos serviços competentes as mercadorias a entregar e as respectivas guias de remessa ou facturas; entrega a mercadoria na morada indicada, contra a assinatura da guia de remessa; colabora na carga e descarga da mercadoria, sempre que necessário. Por vezes acondiciona ou desembala os produtos com vista à sua expedição ou armazenamento. Pode proceder à cobrança da mercadoria que entrega”), mas ainda assim com as mesmas conexas, já que a organização das mercadorias na loja implica também a sua descarga, bem assim relacionadas com as que são próprias das categorias de armazém.
Por outro lado, mesmo que assim não fosse, as causas de suspensão de contagem do período experimental são, ao que julgamos, taxativas, desde logo porque, contendendo o período experimental com a estabilidade do vínculo laboral, só nas situações indicadas (falta, licença, dispensa ou suspensão do contrato), poderá admitir-se a sua suspensão. In casu, haverá que ponderar a este respeito o desconto de apenas dois dias ao período experimental, na medida em que o autor faltou ao trabalho, por motivo de falecimento de um familiar.
Ademais, se na contagem do período experimental se compreende ainda a “acção de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da duração daquele período” (nº 1 do artigo 113º), ou seja, a formação profissional já constitui execução da prestação devida pelo trabalhador, precisamente porque o trabalhador, nesses casos, está sob o poder de direcção da empregadora, por maioria de razão se deverá compreender na sua contagem o período de tempo em que o trabalhador esteve ao seu serviço, ainda que afecto, por motivos a si alheios, a funções diversas do núcleo essencial daquelas para que foi contratado.
A não se entender assim, estaria encontrada a forma de prolongar, ao arrepio da lei e das normas relativas à duração do período experimental, os limites da sua duração, sem que ao trabalhador fosse dada sequer qualquer indicação nesse sentido pela empregadora.
Embora tenha sido tirado numa situação diversa factualmente daquela que se aprecia, julgamos ser pertinente chamar à colação o decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 07/11/2011, proc. nº 242/10.0TTOAZ.P1, acessível in www.dgsi.pt, na medida em que a argumentação aí expendida tem total cabimento in casu, (...)
Tal como no caso assim decidido, o facto de o autor não ter desde logo desempenhado as funções para as quais foi contratado deveu-se apenas a uma circunstância do foro exclusivo e unilateral da ré, para além de que esta, não enjeitando o trabalho do autor num momento em que o mesmo ainda não as poderia desempenhar, o colocou a desenvolver outras tarefas, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização.
Nenhum facto foi alegado no sentido de que, perante tal circunstância, a ré tivesse alertado o autor de que o período experimental se suspendia, como se lhe impunha ao abrigo do princípio da boa fé, pelo que não julgamos ser admissível que, perante o quadro factual apurado – com efectiva prestação de trabalho por parte do autor – a ré venha fazer-se prevalecer de uma qualquer alegada suspensão ou prorrogação do período experimental (podendo eventualmente ter motivos para despedir o autor, competia-lhe seguir o procedimento exigível, ao invés de enveredar pela forma mais simples de cessação do contrato).
Donde, tendo a denúncia do contrato operado a 15 de Março de 2022, há muito havia decorrido o prazo de 30 dias do período experimental (20/02/2022).
Conclui-se, pois, que a ré fez cessar o contrato para além do período de 30 dias estabelecido no artigo 112º, nº 2, alínea a) do Código do Trabalho, não lhe sendo aplicável, por isso, o disposto no artigo 114º, nº 1 quanto à possibilidade de denúncia livre e sem necessidade de invocação de justa causa ou de pagamento de indemnização.”
Insurgindo-se, alega a recorrente:
“(...) o Autor celebrou um contrato de trabalho com a Ré no dia 18.01.2022.
Sucede, porém, que, e para o que ao presente caso interessa, que o Autor/recorrido apenas começou a exercer efectivamente as funções para as quais foi contratado a partir do dia 17.02.2022, ou seja, a partir do dia em que a loja de Santa Maria da Feira abriu ao público.
Antes disso, ou seja, antes da abertura da loja ao público, não havia qualquer possibilidade de assim suceder, desde logo porque não havia clientes para atender, vendas para efectuar, reposição de stocks e de produtos ou entregas de mercadorias para distribuir.
Por isso mesmo, apesar de ter sido contratado para distribuidor, até à abertura ao público, fez o que lhe foi pedido e necessário para preparar a loja para a abertura, uma vez que até ao dia 17.02.2022 o Autor não podia desempenhar as tarefas para as quais havia sido contratado, “como até a própria mulher do autor reconheceu, diferenciando as funções desempenhadas por aquele antes e depois da abertura da loja” (sublinhado nosso – cfr. pág. 7 da sentença recorrida).
(...)
O que, uma vez mais, confirma, não só o facto de a loja só ter aberto ao público no dia 17.02.2022, mas também que apenas a partir daquela data é que foi possível à Ré aferir das reais capacidades do Autor para o desempenho das funções para as quais fora contratado, concretamente para a distribuição.
(...)
É pacífico que o período experimental deve contar-se apenas desde a data em que se inicia a prestação efectiva do trabalho, só relevando o tempo de efectividade de funções.
O período experimental é fixado precisamente para que as partes se conheçam mutuamente e decidam se estão interessadas ou não na manutenção da relação laboral.
Ora, só depois de o Autor ter iniciado de facto as suas funções de ajudante de motorista/distribuidor, o que só ocorreu depois do dia 17.02.2022, e nunca antes desta data, é que a Ré pôde aferir das suas capacidades e competências para o exercício das funções para as quais foi contratado.
(...)
(...) estava completamente vedado à Ré fazer cessar o contrato com o Autor, sob pena de actuação ilícita até ao dia 17 de Fevereiro de 2022, data de abertura da loja!
Tal comportamento violaria o supra aludido dever de experiência, visto que, independentemente de a assinatura do contrato datar de 18 de Janeiro de 2022, só foi possível à Apelante começar a formar uma ideia sobre a aptidão do trabalhador para as tarefas contratadas aquando da abertura da loja ao público, a qual só ocorreu a dia 17 de Fevereiro.
Ora, já daqui resulta – crê a Apelante que de forma inequívoca – que, da aplicação conjugada de lei e da doutrina ao caso concreto, que o período experimental do trabalhador AA, com todas as suas consequências legais, só se iniciou no dia 17 de Fevereiro, precisamente porque antes deste dia ficaria a apelante A... impedida de lançar mão da faculdade prevista pelo artigo 114º do Código do Trabalho ao abrigo do período experimental.
Um entendimento distinto, como o propugnado pelo douto tribunal a quo, salvo o devido respeito, esbarra num absurdo: como podia afinal a Apelante ter lançado mão do direito conferido pelo artigo 114º do Código do Trabalho?
NÃO SABEMOS!
É que antes de dia 17 de Fevereiro não o podia fazer por violação do dever de experiência, mas, segundo o critério escolhido pelo tribunal a quo (já deduzidos os dois dias de suspensão da contagem por ausência do trabalhador) depois do dia 18 de Fevereiro também não!
Restando assim, neste cenário caricato, apenas dois dias durante os quais a Ré/Apelante poderia licitamente denunciar o contrato celebrado com o Autor, período que, não só é irrisório e não permite a aferição de nada em relação ao Autor, como fica bastante aquém dos 30 dias contratualmente previstos por ambos.
Como fica evidente, tal redundaria numa solução jurídica injusta e inaceitável, negadora da própria figura do período experimental.
(...)
Crê a Apelante poder fundadamente concluir que a sentença proferida pelo douto tribunal recorrido priva, de forma absoluta, a Apelante, enquanto empregadora, do acesso a uma figura jurídica pensada pelo legislador para seu interesse e confirmada de forma explícita pela vontade das partes, por contrato; uma sentença que, portanto, se sobrepõe não só à lei como à vontade das partes.
(...)
(...) a Apelante compreende que se a abertura do estabelecimento comercial ao público apenas no dia 17 de Fevereiro tivesse sido resultado de uma decisão estratégica por si desejada e tomada, impondo, por sua vontade e através do seu poder de direcção, ao trabalhador AA que exercesse funções distintas daquelas para as quais foi contratado, não poderia já aqui alegar que o período experimental do mesmo só começara a contar a partir do dia 17 de Fevereiro, sob pena de incorrer em venire contra factum proprium.
Porém, não é esse o caso!
Assim, se é certo que esta imprevista alteração de circunstâncias não deve prejudicar o trabalhador AA, porque lhe é estranha, certo é também que não deve operar contra a Apelante, privando-a da possibilidade de avaliar devidamente o trabalhador durante um período conforme à lei e, de resto, contratualmente aceite por ambas as partes, o que, no limite, se traduziria numa vantagem injustificada para o trabalhador que assim se tornaria efectivo sem ter dado plenas provas da sua competência, durante os 30 dias à experiência que também assumiu, para as funções pelas quais a Apelante estava disposta a remunerá-lo.
(...)
(...) a Apelante não entende como a interpretação legal que propugna, segundo a qual o período experimental deve começar a contar a partir da data em que o trabalhador inicia o desempenho das funções contratadas, poderia servir de um perigoso precedente para legitimar uma extensão do período experimental a prejuízo do trabalhador.
Isto porque no caso entre a Apelante e o Autor, não está – de forma alguma – em causa uma qualquer tentativa de manipular o autor, forçando-o a desempenhar funções fora daquelas para as quais este foi contratado de modo a poder extrair qualquer benefício da sua precariedade.
(...)
A Apelante não põe em causa que durante o período compreendido entre 18 de Janeiro e 17 de Fevereiro o Autor esteve sob o poder de direção desta.
Não concorda é que essa sujeição ao seu poder de direção por parte do trabalhador deva produzir efeitos legais no âmbito da contagem do período experimental dado que, pela circunstancialidade descrita, apenas pôde fazer uso desse poder de direção para fazer com que o Autor trabalhasse em tarefas preparatórias da abertura da loja.
(...)
(...) aqui, estamos perante um trabalhador que conhecia o contexto no qual tinha sido contratado, que sabia que o desempenho das funções pelas quais a Apelante estava disposta a pagar-lhe se inseriam numa dinâmica de exploração de uma loja que a Apelante ia abrir e que, soube sempre que, durante o período balizado entre 18 de Janeiro e 17 de Fevereiro, não estava a desempenhar as funções de distribuidor/ajudante de motorista porque a loja da Apelante ainda não tinha aberto ao público, não sendo razoável que o mesmo adquirisse expectativas tuteláveis.
Assim, não se entende de que maneira pretendeu o douto tribunal a quo fundar a sua imposição de um dever de aviso a cumprir por parte da Apelante em relação ao Autor/recorrido, ainda para mais quando a lei não prevê tal dever de informação ou outro que se aplicasse por analogia legis, estando o Autor perfeitamente a par da sua situação de facto e não cabendo a Apelante qualquer papel de intermediação jurídica.
Por tudo o vertido está a Apelante convicta de que fez cessar o vínculo laboral com o Autor no dia 15 de Março, dentro ainda do período experimental de 30 dias convencionado pelas partes, por este se ter iniciado no dia 17 de Fevereiro, data em que a Apelante abriu o seu estabelecimento comercial ao público em Santa Maria da Feira.”
Sustenta o Ministério Público que:
“(...) como resulta do disposto no art. 106, nº 3, al. d) (no que toca à data da celebração do contrato e do início dos seus efeitos, que a lei impõe que conste do contrato), art. 127, nº 1, al. d). O trabalhador durante essas ações está sujeito ao poder de direção do empregador, e a ele subordinado juridicamente.
Tal decorre outrossim do disposto no art. 113, nº 1, do Código do Trabalho: “o período experimental conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo ação de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da duração daquele período.
Na contagem do período experimental relevam os dias de prestação efetiva de trabalho, com exceção dos dias “de falta, ainda que justificada, de licença, de dispensa ou de suspensão do contrato”.
Ou seja, inclui-se na contagem do período experimental o dia de início da prestação do trabalho, bem como os dias de descanso semanal e feriados, estes não excetuados no nº 2 do art. 113º do CT.
Daqui se retiram, no caso em apreço, salvo melhor ponderação, as seguintes conclusões:
1- o trabalhador no dia18 de janeiro de 2022 outorgou contrato de trabalho a termo certo.
2- dos artigos 2 e 5 desse contrato consta que:
“O segundo contratante trabalhará par o primeiro, no horário de 40 horas semanais, exercendo as funções da categoria profissional de Distribuidor, definida no anexo I à CCT para o sector e para que é contratado, com a retribuição mensal de 750 Euros, sujeita aos descontos legais”.
“O segundo contratante obriga-se a desenvolver quaisquer actividades profissionais próprias das categorias de armazém e correlativos a que corresponda o vencimento e qualificação equivalente, (...)”.
3- A definição das funções de distribuidor de acordo com o CCT aplicável ”o trabalhador que entrega as mercadorias aos clientes, de acordo com solicitações previamente efectuadas: recebe dos serviços competentes as mercadorias a entregar e as respectivas guias de remessa ou facturas; entrega a mercadoria na morada indicada, contra a assinatura da guia de remessa; colabora na carga e descarga da mercadoria, sempre que necessário. Por vezes acondiciona ou desembala os produtos com vista à sua expedição ou armazenamento. Pode proceder à cobrança da mercadoria que entrega”
4- dos factos provados, artigo 5 consta “Desde o início do contrato (18/01/2022), o autor, sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré, trabalhou na preparação da loja para abertura ao público, procedendo à limpeza das instalações e arrumação/organização da mercadoria na loja”.
5- Donde, o inicio da execução do contrato de trabalho ocorreu em 18.01.2022 com a realização de tarefas correspondentes;
6- Tendo a denúncia do contrato operado a 15 de Março de 2022, há muito havia decorrido o prazo de 30 dias do período experimental (20/02/2022).
7- A ré recorrente fez cessar o contrato para além do período de 30 dias estabelecido no artigo 112º, nº 2, alínea a) do Código do Trabalho.”
Nos termos do disposto no art. 111º, nº 1, do Código do Trabalho, o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção.
Face a isso, determina-se no art. 114º, nº 1, do mesmo Código, que, durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.
A discordância da recorrente radica no entendimento de qual seja a data de início do período experimental, para efeitos do nº 1 do art. 113º do Código do Trabalho, o qual prescreve que o período experimental conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador.
Assim, enquanto na sentença se entendeu que tal prazo de período experimental se iniciou com o começo da actividade do trabalhador ao serviço da ré (“sob a sua autoridade, direcção e fiscalização”), suspendendo-se apenas durante dois dias em que o trabalhador faltou por falecimento de um familiar, sufragando assim o entendimento do autor, a ré, ora recorrente, defende que tal período experimental se iniciou apenas após a abertura da loja, que ocorreu a 17 de Fevereiro de 2022, uma vez que só a partir daí o trabalhador começou a desempenhar as funções para que tinha sido contratado (“inerentes à categoria profissional de distribuidor”), dado que até tal altura não as podia desempenhar, por não estar a loja aberta, tendo despenhado outra tarefas até tal altura, na preparação da abertura da loja.
Argumenta a recorrente, no essencial, que esteve até à data da abertura da loja impedida de avaliar o desempenho do trabalhador no exercício das funções para que foi contratado, porquanto, não tendo ainda, por motivos alheios à sua vontade, podido abrir a loja, não havia como proceder à entrega de mercadorias a clientes, que seria a função do trabalhador, o que só ocorreu depois do dias 17 de Fevereiro, pelo que o início do período experimental se deve reportar a tal data, embora o trabalhador tenha prestado a sua actividade para si desde 18 de Janeiro, mas desempenhando outras funções distintas daquelas para que foi contratado, precisamente por estar na altura impossibilitado de o fazer.
Importa considerar a seguinte matéria de facto:
No exercício dessa actividade, em 18/01/2022, mediante contrato de trabalho escrito a termo certo de nove meses, a ré admitiu o autor ao seu serviço para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de distribuidor, com um horário de 40 horas semanais e mediante a retribuição mensal de €750,00 (facto provado 2).
O autor foi contratado para distribuir mercadorias por clientes ou sectores de vendas, acondicionar os produtos em armazém e prepará-los para distribuição, entregar e cobrar as mercadorias e registo de actividade, bem assim ser ajudante de motorista, acompanhando-o e auxiliando-o nas manobras e na conservação do veículo, procedendo às cargas e descargas (facto provado 16).
O autor exerceu as suas funções no estabelecimento da ré, sito em Santa Maria da Feira (facto provado 3).
Esse estabelecimento foi inaugurado em 16/02/2022 e abriu ao público em 17/02/2022 (facto provado 4).
Desde o início do contrato (18/01/2022), o autor, sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré, trabalhou na preparação da loja para abertura ao público, procedendo à limpeza das instalações e arrumação/organização da mercadoria na loja (facto provado 5).
Só a partir da abertura do estabelecimento ao público (17/02/2022) iniciou o autor as suas funções de distribuidor/ajudante de motorista (facto provado 11).
A 15 de Março de 2022, a ré comunicou por escrito ao autor a denúncia do contrato de trabalho em período experimental, referindo que o mesmo se considerava sem efeito desde essa data (facto provado 8).
O período experimental estipulado no contrato foi de 30 dias (facto provado 9).
No mês de Fevereiro, o autor faltou dois dias ao trabalho, por motivo de falecimento da sua irmã (facto provado 18).
Refere Pedro Romano Martinez, em Direito do Trabalho, 3ª edição, 2006, Coimbra: Almedina, pág. 457, “A admissibilidade do período experimental no contrato de trabalho justifica-se, porque, sendo a relação laboral duradoura, as partes. antes de a iniciarem de forma definitiva, devem apreciar mutuamente as respectivas qualidades: importa que o empregador avalie se o trabalhador possui as qualidades necessárias para execução do trabalho e, da mesma forma, é relevante para o trabalhador verificar se confia no empregador, mormente no que respeita às condições de trabalho, a um tratamento condigno e ao pagamento atempado da retribuição. O próprio intuitus personae leva ao estabelecimento de um período de experiência.”
No mesmo sentido Maria do Rosário Palma Ramalho, no Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 4ª edição, 2012, 2006, Coimbra: Almedina, pág. 172, que acrescenta: “só com a prestação efectiva da actividade laboral é que o empregador pode avaliar as qualidades e aptidões do trabalhador para a função”.
É esta razão de ser do período experimental que a recorrente invoca como fundamento do seu entendimento de que o mesmo só se iniciou com a efectiva prestação pelo trabalhador decorrido das funções para as quais fora contratado.
Carece, contudo de razão. O período experimental inicia-se com o começo da actividade do trabalhador para o empregador, ou seja sob subordinação jurídica do mesmo, independentemente de ser no exercício das funções para as quais foi contratado, ou de outras determinadas pelo empregador, no interesse do mesmo. Ou, nas palavra de Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., pág. 172, “com a sua integração na organização do empregador (ou seja, verificado o elemento de inserção organizacional do contrato)”. Ou, segundo João Leal Amado, em Contrato de Trabalho à Luz do Novo Código do Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2009, pág. 183, o que torna aceitável o período experimental é o facto de se tratar da “primeira fase do ciclo vital do contrato, fase em que o vínculo jurídico-laboral revela ainda uma grande fragilidade, apresentado escassa consistência e sendo facilmente dissolúvel por qualquer das partes.”
O facto de o trabalhador começar a sua actividade exercendo outras funções não impede a entidade patronal de apreender a sua aptidão para integrar a organização da mesma, devendo, se o reputa necessário, e se não puder de imediato verificar o desempenho do trabalhador no exercício das funções específicas que pretende que o mesmo venha a desempenhar e para as quais o contratou, diligenciar para que o possa fazer, quer colocando-o provisoriamente noutro local ou simulando tal situação, uma vez que não pode protelar indefinidamente a situação de insegurança na relação laboral.
Ou seja, o empregador deve procurar aferir em tal período se o trabalhador se integra na sua organização, ou se lhe interessa a sua colaboração concreta, não só em termos de execução das funções para as quais o contrata mas também em termos pessoais, nomeadamente de relacionamento consigo, ou com os demais trabalhadores da empresa (conforme Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 458). Neste sentido também o acórdão l do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Março de 2007, processo 27/2007-4, acessível em www.dgsi.pt, quando se refere, “Para que o período de experiência assegure a referida função, é necessário que o contrato esteja a ser executado, isto é, que se inicie a prestação no seio da organização.” No mesmo sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Junho de 2016, processo 291/15.2T8CBR.C1, ainda acessível em www.dgsi.pt. Ou seja, independentemente das funções específicas que começou por executar.
A sufragar-se o entendimento da recorrente, se a entidade patronal verificar logo no início da actividade do trabalhador na empresa que o mesmo não se integra, nem é previsível que se possa enquadrar na sua organização, por não se relacionar pessoal ou profissionalmente com os demais trabalhadores, ou por não revelar o mínimo empenho com a mesma, não poderia por termo ao contrato, invocando o período experimental, porquanto o mesmo ainda não se teria iniciado (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14ª edição, Coimbra: Almedina, 2009, pág. 342, e acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Março de 2021, processo 3478/19.5T8VFR.P1, acessível em www.dgsi.pt). O que se revela absurdo, sobretudo porque a abertura da loja, ainda que por motivos alheios à recorrente, poderia, em vez de um mês, atrasar vários meses.
Do mesmo modo, e por este último motivo, não poderia a recorrente manter o trabalhador numa situação de completa desprotecção por largo período de tempo, em situação de total insegurança quanto à estabilidade da sua relação laboral, em violação do disposto no art. 53º da Constituição. Conforme refere João Leal Amado, ob. cit., pág. 187, “O período experimental traduz-se, na verdade, num instituto que coloca o trabalhador numa posição de extrema vulnerabilidade, visto que, ao longo desse período vigora a regra do «despedimento livre», ao arrepio da proibição constitucional.”
Acrescenta o mesmo autor, na pág. 188, “O trabalhador encontra-se «à prova», e quem vai ajuizar se ele supera ou não essa prova será, exclusivamente, o empregador, exercendo um poder discricionário virtualmente insindicável pelo tribunal. Por isso, se o período experimental não deve ser proscrito, impõe-se extrema cautela ao legislador quando disciplina esta figura. Trata-se, repete-se, de uma figura que se situa em manifesta rota de colisão com a garantia da segurança no emprego, o que implica a respectiva submissão a um rigoroso e exigente crivo de requisitos, em ordem a que o mesmo não se venha a revelar inconstitucional. Não sendo inconstitucional em si mesmo, a verdade é que o período experimental se situa, como disse, no limiar da constitucionalidade. E o legislador não pode, em circunstância alguma ignorar ou menosprezar esse dado.” Face a este quadro, também o julgador não pode colher uma interpretação da norma que possa agravar de forma substancial, como pretende a recorrente, a precariedade e insegurança inerentes ao período experimental.
Conforme refere Luís Miguel Monteiro, no Código do Trabalho Anotado, coord. Pedro Romano Martinez, 9ª edição, Coimbra: Almedina, 2013, pág. 305, “A denúncia do contrato – que a lei não submete a forma escrita (cfr. artigo 219º do CC) – é, aqui como noutras situações, declaração recetícia, pelo que (...) produz efeitos, neste caso extintivos da relação jurídica, quando chega ao conhecimento do declaratário ou por ele podia ter sido recebida (artigo 224º, nºs 1 e 2, do CC).”
Assim, tendo o autor iniciado a sua actividade para a ré em 18 de Janeiro de 2022, e tendo a ré denunciado o contrato de trabalho, invocando que o faz dentro do período experimental, em 15 de Março de 2022, sendo tal período experimental de trinta dias, revela-se que tal “denúncia” se traduz efectivamente num despedimento ilícito, conforme decidido na sentença sob recurso.
Não questionando a recorrente as consequências que de tal conclusão se tiraram na sentença, improcede a apelação.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença sob recurso.

Custas do recurso pela recorrente.

Porto, 15 de Janeiro de 2024
Rui Penha
Paula Leal de Carvalho
Eugénia Pedro