Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANABELA DIAS DA SILVA | ||
| Descritores: | PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENOR ENCAMINHAMENTO PARA ADOPÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP201411112026/12.2TMPRT | ||
| Data do Acordão: | 11/11/2014 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – Não tendo a apelante especificado quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; não tendo indicado quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação realizada, que impõem decisão sobre cada um dos concretos pontos impugnados; não tendo indicado com exactidão as passagens da gravação em que se funda, nem tendo procedido à respectiva transcrição, nem desenvolvido qualquer a análise crítica dessas provas, por forma demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável, e finalmente não tendo indicado a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, há que rejeitar, de harmonia com o disposto no art.º 640.º n.º1 e n.º2 al. a) do C.P.Civil, o recurso da decisão da matéria de facto. II - Segundo o disposto no art.º 69.º, n.º1, da Lei Fundamental, as crianças têm o direito fundamental à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. III – Tendo os progenitores dos menores desperdiçado durante cerca de dois anos a rede de apoio criada em seu redor, sendo que durante este tempo os menores permaneceram e permanecem institucionalizados, situação que não serve os superiores interesses dos mesmos, atentas suas tenras idades, têm os mesmos direito a uma família estruturada, que se constitua como modelo de referência estruturante e securizante, capaz de os cuidar, educar e orientar, possibilitando-lhes um normal desenvolvimento da sua personalidade. IV - Tendo em consideração o decurso do tempo de institucionalização destes menores e que se mostra esgotada a intervenção possível junto da sua família natural, tem de se concluir que o princípio da prevalência da família decorrente do art.º 4.º, al. g) da LPCJP foi observado pelo Tribunal recorrido, pois que o encaminhamento de uma criança para uma futura adopção significa sempre a prevalência de um projecto de vida familiar em detrimento de uma institucionalização por tempo indeterminado, constituindo, “in casu” tal opção a única e verdadeira alternativa de vida para os menores. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Apelação Processo n.º 2026/12.2 TMPRT Tribunal de Família e Menores do Porto – 2.º Juízo Recorrente – B… Recorridos – Ministério Público e os menores C… e D… Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntos – Desemb. Ana Lucinda Cabral Desemb. Maria do Carmo Domingues Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível) I – O Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores do Porto instaurou o presente processo de promoção e proteção relativamente aos menores C…, nascido a 23.02.2011 e D…, nascido a 18.12.2009, filhos de B… e de E…, à data, residentes na Rua …, n.º .., cave, Porto. Em 3.10.2012, foi proferida decisão a qual confirmou a medida de acolhimento institucional provisório dos menores, levada a cabo, em procedimento urgente, pela comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) do Porto Oriental. Solicitou-se ao Instituto da Segurança Social relatório social sobre como decorreu a integração dos menores em contexto institucional, as condições de vida dos progenitores e sobre eventuais alternativas para os menores, no âmbito da família alargada, o qual está junto a fls. 142 e seguintes. Foi também junto aos autos o processo que decorreu na referida CPCJ. Os progenitores dos menores foram ouvidos em declarações E solicitou-se ao I.S.S. o envio de nova informação sobre o evoluir da situação dos menores, a qual está junta a fls. 176 e seguintes dos autos. Por decisão de 21.02.2013, foi prorrogada por três meses a medida de acolhimento institucional dos menores. Solicitou-se ao I.M.L. a realização de perícia sobre a personalidade e a avaliação das competências parentais de ambos os progenitores, tendo sido juntos os respetivos relatórios a fls. 188 e seguintes dos autos. Por decisão de 05.06.2013, foi prorrogada por dois meses a medida de acolhimento institucional dos menores. Foi junta aos autos informação prestada pela instituição que acolhe os menores. Foi solicitado ao I.S.S., o envio de novo relatório sobre a situação vivencial dos progenitores, o qual está junto a fls. 225 e seguintes dos autos. Solicitou-se também à equipa Técnica do I.S.S. a emissão de parecer sobre o projeto de vida para os menores, o qual está junto a fls. 239 e seguintes dos autos. Por decisão proferida em 19.09.2013, foi prorrogada por dois meses a medida de acolhimento institucional dos menores um acordo de promoção e protecção. Foi designada uma conferência, tendo em vista a obtenção de um acordo de promoção e protecção, não tendo os progenitores concordado com a medida de encaminhamento dos menores para a adopção. * O Ministério Público apresentou as suas alegações, pronunciando-se pela aplicação da medida prevista no art.º 35.º, n.º1 al. g) da L.P.P e arrolou testemunhas. A defensora dos menores apresentou também alegações, pronunciando-se pela aplicação da medida prevista no art.º 35.º n.º1, al. g) da L.P.P. A progenitora dos menores apresentou alegações, pronunciando-se pelo regresso dos mesmos para junto dos pais e arrolou testemunhas e juntou documentos. Designado o debate judicial, foi dado cumprimento ao disposto no art.º 114.º, n.º 3 da Lei n.º147/99 de 14.09; foi junta informação pelo Centro de Respostas Integradas Porto Oriental e foi junto relatório social de acompanhamento da execução da medida. Realizou-se o debate judicial com gravação em sistema audio dos depoimentos aí prestados. Findo o qual e nas suas alegações o Ministério Público requereu a aplicação da medida de acolhimento institucional com vista a futura adopção, tendo a Defensora dos menores assumido idêntica posição. Após foi proferida sentença que decidiu: - “(…) aplicar aos menores C… e D… a medida de confiança a instituição, com vista a futura adoção conjunta, revista no art.º 35.º, n.º1, al. g), da Lei n.º 147/99 de 1.09. O I.S.S. acompanhará a execução da medida, permanecendo os menores na instituição que os acolhe. Os progenitores ficam inibidos do exercício das responsabilidades parentais. Não são permitidas visitas e contactos dos progenitores e demais família biológica aos menores (…)”. * Não se conformando com tal decisão, dela veio a progenitora dos menores recorrer de apelação pedindo que a mesma seja revogada e substituída por outra que mantenha os menores na família biológica.A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões: 1. A douta sentença recorrida decidiu a entrega dos menores C… e D… a Instituição com vista a futura adopção. 2. Salvo o devido respeito, a recorrente não se conforma com o conteúdo da sobredita sentença, particularmente no que respeita à escolha da medida de promoção e protecção, que neste caso aponta para a irreversibilidade da situação de separação das crianças dos seus pais biológicos. 3. A matéria de facto apurada, sendo considerada e levada aos factos provados, impõem solução diferente quanto à medida de protecção a decidir. 4. Foi relatado no Debate Judicial pela Pedopsiquiátrica que acompanhou os menores da Maternidade Júlio Dinis que estes se apresentavam "bem nutridos e sempre bem arranjados, sempre com brinquedos" - consta da prova gravada em DVD. 5. De acordo com a perícia médico-legal de psicologia realizada à progenitora no IMML do Porto, conforme relatório junto aos autos a fls 190 a 193 "a examinada parece evidenciar uma clara baixa autoestima, elevada dependência afectiva e dificuldades de gestão emocional, podendo revelar dificuldades no planeamento da acção e resolução de problemas e não inabilitando tais características, por si só, o exercício da parentalidade, todavia, quando conjugadas com as suas dificuldades ao exercício da parentalidade de forma autónoma, estável e funcional, devendo a mesma beneficiar de acompanhamento psicológico". 6. A recorrente nunca beneficiou de qualquer tratamento psicológico nem tal lhe foi proposto. 7. A recorrente e o progenitor dos menores sempre verbalizaram que pretendiam ter consigo os menores e esforçaram-se por consegui-lo. 8. Inscreveram-se no Centro de Emprego e vão com regularidade ao CRI-CAT de … e Hospital … fazer a toma da metadona, encontrando-se junto aos autos documentos que comprovam esta alegacão. 9. Devia ter-lhes sido proporcionado acompanhamento psicológico e a apoio com terapia familiar, trabalhando com os pais e menores as relações afectivas e reforçando os vínculos entre todos. 10. Por outro lado, nunca maltratou os menores, física ou psicologicamente, e relativamente à alegada falta de estímulos, se aconteceu foi por ignorância da recorrente, que poderia ser ultrapassada com acompanhamento psicológico e até domiciliário; 11. É desejo dos progenitores tudo fazer para continuar a poder ter junto de si os menores, ainda que reconheçam que necessitam de apoio a vários níveis. 12. A tutela constitucional conferida nos art.ºs 61º e 68º da CRP ao relacionamento entre pais e seus filhos e ao papel decisor que aqueles devem ter no desenvolvimento e educação destes impõe o reconhecimento de direitos e interesses juridicamente tutelados dos próprios pais no âmbito deste relacionamento familiar. Uma decisão que interfira nesse relacionamento, retirando os filhos à guarda dos pais, excluindo ou limitando a supervisão destes a educação e o desenvolvimento dos filhos, constitui afectação daqueles direitos constitucionalmente tutelados, elo que só se poderá revelar como legitima em circunstâncias excepcionais. (cfr. Ac. Relação Porto) 13. No presente processo, impunha-se intensificar previamente, as medidas de apoio junto dos pais, executadas no meio natural de vida, 14. Os menores tinham direito a que essa tentativa fosse realizada, no entanto sente a recorrente que existiu desinvestimento nessa solução. 15. Reconhecendo-se no Relatório do Instituto de Medicina Legal que a recorrente necessita de acompanhamento psicológico a medida de institucionalizar os menores com vista à adopção é violenta, 16. A mãe ama os seus filhos e quer tê-los com ela, apenas necessita de ajuda para desempenhar essa tarefa. 17. Violou-se assim o Princípio da Prevalência da Família. * O Ministério Público junto do Tribunal recorrido e a Ilustre Defensora dos menores juntaram aos autos as suas contra-alegações onde pugnam pela confirmação da decisão recorrida.II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos: 1. Os menores C… e D… nasceram, respetivamente, nos dias 23.02.2011 e 18.12.2009 e são filhos de B… e de E…. 2. Aquando do início da intervenção os menores C… e D… residiam com os respectivos progenitores; 3. Os dois menores eram e continuaram a ser acompanhados no Núcleo Hospitalar de Apoio a Crianças e Jovens em Risco (NHACJR), da maternidade Júlio Dinis, no Porto, tendo-lhes sido diagnosticado grave atraso global de desenvolvimento por ausência de comportamentos de vinculação, colocando em risco o respetivo desenvolvimento psico-afectivo e psicomotor, tendo sido encaminhados para o Departamento de Pedopsiquiatria; 4. O menor C… foi o primeiro a ser sinalizado na CPCJ Porto Central, em 28.06.2012, por comunicação daquele Núcleo Hospitalar que deu conta da necessidade de serem adotadas outras medidas tutelares pelas instâncias competentes legais e responsáveis que possibilitassem uma intervenção médica objectiva e estruturada, concluindo-se que os dois menores se encontravam em situação de privação, carência e maus tratos psicológicos e, como tal, uma vez que a família não era na altura mobilizável, deviam ser retirados da família nuclear com carácter urgente; 5. Em 03.09.2012, na referida Comissão, foi alcançado acordo relativo à aplicação a favor do menor C… da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, nos termos do qual se impunha aos progenitores o dever de cumprirem com o plano de saúde nos termos ali prescritos, em benefício do menor; 6. No dia 11.09.2012, a CPCJ Porto Central recebeu nova comunicação do Centro Hospitalar do Porto, dando conta que os progenitores dos menores mantinham postura não colaborativa e ausente, não tendo sido capazes de assegurar as condições necessárias para a intervenção médica, voltando a faltar a consultas agendadas; 7. A CPCJ Porto Central solicitou àquele Centro Hospitalar que informasse caso os progenitores dos menores não cumprissem o agendamento que havia sido efectuado para o dia 20.09.2012, tendo, entretanto, também contactado os ditos progenitores, que então foram novamente informados da necessidade de cumprirem o plano de saúde; 8. No dia 27.09.2012, o Núcleo Hospitalar de Apoio a Crianças e Jovens em Risco informou a CPCJ, com base em relatório do departamento de pedopsiquiatria, dando novamente conta que os menores C… e D… se encontram em situação de privação, carência e maus tratos psicológicos e, como tal, dado a família não ser mobilizável, deveriam ser retirados da família nuclear, com carácter urgente; 9. Face à situação de perigo em que também o menor D… se encontrava, a CPCJ Porto Central instaurou então processo de promoção e protecção a favor de tal menor; 10. Com fundamento na situação de perigo iminente e actual em que os dois menores, estando a viver com os seus progenitores, se encontravam e com a finalidade de os retirar de tal situação para que lhe fossem prestados os cuidados adequados, proporcionando-lhes as condições que permitissem proteger e promover o seu bem-estar e cuidados de saúde e designadamente viabilizar a continuidade do acompanhamento médico, a CPCJ Porto Central assegurou a sua protecção de emergência, entregando-os, no dia 2.10.2012, na Instituição "F…"; 11. Por douta decisão judicial proferida no dia 3.10.2012, foi tal providência confirmada, com fundamento na situação de perigo iminente e actual para a saúde e segurança, em face da falta de mobilização dos progenitores para cumprirem o plano de saúde estabelecido, aplicando-se, pelo período útil de três meses, a favor dos menores, a medida de promoção e protecção de acolhimento institucional na Instituição "F…", ficando o ISS a assegurar o acompanhamento da execução da medida; 12. A mesma medida tem sido prorrogada; 13. Os progenitores dos menores tem uma história de vida relacionada com a toxicodependência, continuam em tratamento no CRI-Centro de Respostas Integradas, são portadores do vírus HIV, não têm qualquer actividade profissional, beneficiando de prestações de RSI que recebem mensalmente; 14. O progenitor dos menores mantem contacto regular com os seus progenitores, avós paternos dos ditos menores. A progenitora dos menores não mantém contactos de proximidade com a sua família natural; 15. Os menores C… e D… permaneceram na Instituição “F…” desde o dia 2.10.2012 até agora, tendo sido efectuada uma avaliação psicológica e de desenvolvimento, no 10.º mês de acolhimento, revelando atraso de desenvolvimento, relativamente a ambos; 16. O menor D… apresentava atraso de desenvolvimento global bastante significativo ao nível das diversas áreas, atingindo em todas uma idade mental muito inferior à sua idade real, resultados que, segundo se concluiu, ficaram a dever-se mais a falta de estimulação, do que a algum deficit cognitivo e também às suas características pessoais e emocionais, situando-se a maior dificuldade ao nível da linguagem compreensiva e, sobretudo, na expressiva, tendo sido proposto o seu encaminhamento para avaliação em terapia da fala e posterior acompanhamento; 17. O menor C… apresentava atraso de desenvolvimento global bastante significativo ao nível das diversas áreas, atingindo em todas uma idade mental muito inferior à sua idade real, sendo que, à data da institucionalização, a área mais deficitária era a relacionada com os aspectos da locomoção, o que, atenta a evolução que o mesmo teve nesse âmbito, leva a concluir que tais dificuldades de desenvolvimento ficaram a dever-se a falta de estimulação, passando a área mais problemática a ser a da linguagem, com idade mental inferior a 12 meses; 18. Os progenitores visitaram pela primeira vez os menores na Instituição “F…”, no dia 5.10.2012, tendo sido, inicialmente, assíduos em tais visitas, que se realizam às segundas e quintas-feiras, das 10:00 às 11:00 horas; 19. Nas primeiras visitas com os progenitores constatou-se que os menores D… e C… ficavam visivelmente emocionados; 20. Com o decorrer do tempo, tal emoção foi perdendo notoriedade; 21. No decurso das visitas os progenitores, não conseguiam desenvolver actividades que cativassem os filhos, revelando estes cada vez menos dificuldade em separar-se dos pais, no final das visitas; 22. No decurso da intervenção, os progenitores não procuraram ajuda junto da técnica de acompanhamento de RSI de que beneficiam e no mês de Janeiro de 2013, não tinham conseguido alterar as suas condições de vida; 23. Por decisão judicial datada de 21.02.2013, foi a medida de acolhimento institucional decretada prorrogada por mais três meses; 24. Foi realizada perícia médico-legal de psicologia a cada um dos progenitores dos menores, no INML do Porto; 25. A progenitora evidencia uma baixa autoestima, elevada dependência afectiva e dificuldades de gestão emocional, podendo revelar dificuldades no planeamento da acção e resolução de problemas, características que quando conjugadas com dificuldades económicas e com a ausência de rectaguarda familiar, trarão dificuldades ao exercício da parentalidade de forma autónoma, estável e funcional; 26. O progenitor E… evidencia dificuldades de modulação emocional, sugerindo baixos níveis de tolerância à frustração e ao stress, sendo tal padrão de funcionamento psicológico susceptível de configurar um sério obstáculo na aceitação de ajuda externa na resolução da sua situação social e de parentalidade, nomeadamente, na colaboração com as entidades competentes, características que, quando conjugadas com dificuldades económicas e com a ausência de rectaguarda familiar, trarão dificuldades ao exercício da parentalidade de forma autónoma, estável e funcional; 27. Por decisão judicial datada de 5.06.2013, a medida de acolhimento institucional decretada, foi prorrogada por mais dois meses por os progenitores dos menores continuarem a não lograr alterar as suas condições de vida, para que pudessem voltar a ter os filhos a seu cargo e a viver com eles; 28. A partir do mês de Janeiro de 2013, as visitas dos progenitores aos menores na Instituição em que estes se encontram, ocorreram de forma irregular, quer faltando pura e simplesmente, quer atrasando-se, desvalorizando aqueles os atrasos que justificaram as ausências com a ocorrência de episódios de urgência, como idas ao Hospital, consultas médicas, entrevistas de emprego, deslocações à Segurança Social/posto dos CTT, mudança de habitação; 29. Os progenitores chegaram a pedir para trocarem o dia da visita e na nova data programada, a faltarem; 30. Pelo menos a partir do mês de Julho de 2013, os menores D… e C… passaram a aceitar com facilidade separarem-se dos pais no final das visitas, manifestando reacção positiva à presença do colaborador da Instituição que os vai buscar; 31. Nas visitas, os progenitores verbalizaram estarem preocupados com os menores e bem assim, terem vontade de que os filhos regressem a casa, passando a viver consigo, manifestando ainda na Instituição vontade em acompanhar as consultas médicas dos filhos; 32. No dia 26.04.2013, os progenitores foram informados pela Instituição, das datas das consultas médicas marcadas para cada um dos filhos, para que os pudessem acompanhar em tais consultas, verificou-se que, das sete consultas médicas dos filhos que lhes foram indicadas, apenas compareceram a uma, a qual, todavia, por coincidência, foi desmarcada e reagendada para o mês de Agosto de 2013; 33. Os progenitores não deram qualquer justificação pelo facto de haverem faltado às consultas médicas dos filhos e não procuraram saber junto da Instituição como correram e, assim, do estado de saúde dos menores; 34. Foi dada aos progenitores a possibilidade de visitarem os espaços frequentados pelos na Instituição “F…", o que chegou a ser agendado para o dia 9.05.2013, após a visita que nesse dia efetuariam. Os progenitores não só faltaram, como de tal não apresentaram qualquer justificação, sendo certo que, tendo, posteriormente, sido marcado o dia 23.05.2013 para o efeito, também neste dia não compareceram, nem para tal deram qualquer justificação; 35. No mês de Setembro de 2013, os progenitores continuavam a não ter emprego declarado, a referir que os seus rendimentos advêm de trabalhos ocasionais e da prestação de RSI de que beneficiam, tinham mudado para uma casa onde lhes é possível fazer todas as suas actividades, como refeições e tratamento de roupas de modo independente, a qual se localizava num 5.º andar do edifício situado na rua de trás, n.º 172, reportando-se o espaço de tal habitação a um quarto de reduzidas dimensões, que em anexo tem uma cozinha e um quarto de banho. Mantinham tratamentos no CRI-Centro de Respostas Integradas e no Hospital …, para acompanhamento da situação do HIV de que sofrem e, bem assim, considerando-o programa de substituição de metadona, estando, controlada a sua situação ao nível da saúde. Não contavam com outros apoios que não os da acção social. Não visitam os filhos na Instituição em que se encontram com assiduidade, como que adaptados à situação de separação dos filhos; 36. O ISS pronunciou-se no sentido de ser de manter a medida de acolhimento institucional aplicada a favor dos menores; 37. Não há elementos da família alargada com condições para acolher os menores C… e D…; 38. O ISS, no relatório social datado de 14.10.2013, por as alterações nas condições de vida dos progenitores serem manifestamente insuficientes, nomeadamente em termos habitacionais, não terem, qualquer dos progenitores, emprego, os respectivos recursos económicos serem parcos e de carácter instável, não existindo família alargada que possa constituir rectaguarda de apoio, nem sendo previsível que, em tempo oportuno para os menores, a reunificação familiar seja viável em condições de segurança para os referidos menores, propôs que o projecto de vida dos menores passe pelo respectivo encaminhamento para a adopção; 39. Na conferência realizada em 26.11.2013, os progenitores recusaram aceitar que o projecto de vida dos filhos seja o da adopção. No âmbito de tal diligência, os progenitores foram confrontados com a fraca evolução no que respeita à existência de condições para poderem assumir os seus filhos e novamente esclarecidos sobre a necessidade de reorganização das condições familiares, colocando as necessidades dos filhos como uma prioridade das suas vidas e alertados para os riscos e impacto negativo nos filhos resultantes de uma institucionalização prolongada; 40. De então para cá, os progenitores não tiveram a preocupação de transmitir à técnica gestora do processo e de demonstrar à mesma de forma inequívoca o que tinham alterado nas respectivas condições de vida, as diligências que efectuaram para o efeito e as dificuldades que encontraram; 41. Em 13.02.2014, a medida de acolhimento institucional foi prorrogada por mais dois meses; 42. Os progenitores frequentam o Centro de Terapêutica Combinada, no âmbito dum programa de intervenção terapêutica diária que tem uma frequência diária, apresentando nos últimos tempos uma frequência irregular ao programa; 43. Em Abril de 2014, os progenitores solicitaram junto da técnica responsável pela atribuição de R.S.I., apoio económico para pagar o quarto, cujo custo era de 300,00 euros/mês, não demonstrando receptividade para procurar alojamento mais acessível; 44. Em 02.06.2014, os progenitores referiram junto da técnica gestora do processo estar a residir numa nova residência, cuja renda é de 250,00 euros/mês, fugindo de falar dos encargos inerentes, com água e eletricidade; 45. Os progenitores não efectuaram até ao debate judicial contrato de arrendamento de tal residência e, no decurso daquele, o progenitor referiu que a referida renda será paga com o que auferem a título de R.S.I.; 46. Ambos os progenitores permanecem desempregados; 47. Os progenitores mantiveram até ao debate judicial a irregularidade nas visitas aos filhos, registando-se atrasos com frequência e uma franca diminuição das visitas realizadas. Nem sempre comparecem às visitas alternativas que solicitam sejam marcadas. Nos últimos seis meses, em Dezembro de 2013, das nove visitas possíveis realizaram uma, em Janeiro de 2014, das nove visitas possíveis realizaram uma, em Fevereiro de 2014 das oito visitas possíveis não efectuaram nenhuma, em Março de 2014, das nove visitas possíveis realizaram 4, em Abril de 2014, das nove visitas possíveis realizaram três, em Maio de 2014, de oito visitas possíveis realizaram duas; 48. Os menores demonstram contentamento quando percebem que vão ter visita dos pais. No final das visitas, os menores despedem-se dos progenitores sem dificuldade; 49. Os progenitores mantiveram, ainda, a falta de envolvimento no que concerne ao acompanhamento da situação de saúde dos filhos, não comparecendo às consultas dos filhos, apesar de informados das respectivas datas. Deram autorização para a intervenção cirúrgica efectuada em Fevereiro de 2014 ao menor D…, não o acompanharam durante o internamento e não demonstraram preocupação em se inteirar sobre o resultado da mesma; 50. Desde o início do seu acolhimento, o menor D… efectuou uma evolução notória no seu desenvolvimento, registando ainda um padrão inferior ao esperado para a sua faixa etária e demonstrando um bom potencial de desenvolvimento. É actualmente uma criança sociável que aprecia e procura o contacto com o adulto, assim como com os pares. É acompanhado em terapia da fala bi-mensalmente. A cirurgia a que foi submetido decorreu de forma positiva; 51. O menor C… apresenta um padrão de desenvolvimento abaixo do esperado para a sua idade. Desde o início do seu acolhimento, registou uma evolução positiva, ao nível da postura, locomoção, motricidade fina e ampla. Estabelece diálogos simples com os pares e figuras cuidadoras, sobre o ambiente que o rodeia, tendo criado figuras significativas na instituição. Registou uma evolução ao nível do tempo de atenção e concentração. Ao nível da linguagem evoluiu significativamente, ficando ainda aquém dos parâmetros indicados para a sua idade. Beneficia de uma sessão semanal de terapia da fala e outra de terapia ocupacional; 52. Os menores demonstram uma relação de proximidade significativa entre si e comparativamente com os progenitores, estabelecem relações mais seguras com adultos cuidadores da instituição, identificando esta última como um meio securizante; 53. No decurso do debate judicial, os progenitores opuseram-se ao encaminhamento dos menores para a adopção. III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do N.C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Sendo que ao presente recurso já é aplicável o regime processual decorrente do N.C.P.Civil, por a decisão em crise ter sido proferida depois de 1 de Setembro de 2013. * Ora, visto o teor das alegações da apelante são questões a decidir no presente recurso:1.ª – Da impugnação da decisão da matéria de facto. 2.ª – Da medida de promoção e de protecção dos direitos dos menores. * 1.ªquestão - Da impugnação da decisão da matéria de facto.A apelante começa por expressamente afirmar que o recurso tem por objecto a decisão quanto à matéria de facto, nos termos do art.º 640.º do C.P.Civil. Mais alega que “há matéria de facto que devia ser dada como provada e não foi considerada e essa alteração prejudica a decisão tomada relativamente aos menores; Por outro lado, nos factos não provados lê-se: “Não ficou provado que os progenitores não se dedicassem à mendicidade”. Mais alega a apelante que não ficou provado nos autos os factos alegados pelo Magistrado do Mº Público sob os art.ºs 13.º e 19.º, pelo que os mesmos deveriam ter sido dados por não provados. * Em sede de contra-alegações os recorridos pugnam pela rejeição do recurso no que concerne à matéria de facto por inobservância dos ónus prescritos no art.º 640.º do C.P.Civil. * Ora, no que concerne à impugnação da decisão de facto proferida em 1.ª instância, importa atentar no que dispõe no art.º 662.º do C.P.Civil.Como refere F. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, pág. 127, resulta de tal preceito que “...o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação…”, ainda que não em toda a sua pureza, porquanto comporta excepções, as quais se mostram referidas pelo mesmo autor na obra citada. Os recursos de reponderação, segundo o ensinamento do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudo Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 374, “...satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas - pode dizer-se - a “justiça relativa” dessa decisão”. Por isso, havendo gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, como no presente caso se verifica, temos que, nos termos do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, o tribunal da Relação deve alterar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, desde que, em função dos elementos constantes dos autos (incluindo, obviamente, a gravação), seja razoável concluir que aquela enferma de erro. Não nos podemos esquecer de que ao reponderar a decisão da matéria de facto, que, apesar da gravação da audiência de julgamento, esta continua a ser enformada pelo regime da oralidade (ainda que de forma mitigada face à gravação) a que se mostram adstritos, entre outros, o princípios da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do juiz; pois que, como referem A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 657, a propósito do “Princípio da Imediação”, “...Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar. ...”. Decorre também do preâmbulo do DL 39/95 de 15.12, que instituiu no nosso ordenamento processual civil a possibilidade de documentação da prova, que a mesma se destina a correcção de erros grosseiros ou manifestos verificados na decisão da matéria de facto, quanto aos pontos concretos da mesma, dizendo-se aí que “a criação de um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto”. Vendo ainda esse preâmbulo, dele consta também que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede da matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”. Quanto ao resultado da apreciação da prova testemunhal não pode esquecer-se que, nos termos do art.º 607.º n.º 5 do C.P.Civil, “O juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, mantendo o princípio da liberdade de julgamento. E, quanto à força probatória, os depoimentos das testemunhas são apreciados livremente pelo tribunal, como resulta do disposto no art.º 396.º do C.Civil. Atendo em atenção o que preceitua o art.º 640.º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil, ou seja, que é ónus do apelante que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, isto é, não basta ao apelante atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, sendo ainda indispensável, e “sob pena de rejeição”, que: a) - Especifique quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; b) - Indique quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da recorrida sobre cada um dos concretos pontos impugnados da matéria de facto; indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. Devendo ainda, desenvolver a análise crítica dessas provas, por forma demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável, cfr. entre outros, Acs. do STJ de 25.09.2006, de 10.05.2007 e de 30.10.2007, todos in www.dgsi.pt. c) – Indique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Está assim hoje legalmente consagrada o dever deste tribunal de recurso alterar a decisão de facto proferida em 1.ª instância, devendo para tal reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo ainda em consideração o teor das alegações das partes, para o que terá de ouvir os depoimentos chamados à colação pelas partes. E assim, (re) ponderando livremente essas provas, deve, por força do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Ou seja, deve o tribunal de recurso formar a sua própria convicção relativamente a cada um dos factos em causa não desconsiderando, principalmente, a ausência de imediação na produção dessa prova, e a consequente e natural limitação à formação desta convicção, o que em confronto com o decidido em 1.ª instância terá como consequência a alteração ou a manutenção dessa decisão. E isso, por se ter concluído que a decisão de facto em causa, (re) apreciada “segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica” cfr. Ac. do STJ, proc. n.º 3811/05, da 1.ª secção, citado no Ac. do mesmo tribunal de 28.05.2009, in www.dgsi.pt., corresponde, ou não, ao decidido em 1.ª instância. Por outro lado, deve ainda a Relação, por força do disposto no n.º 2 do art.º 662.º do C.P.Civil, “mesmo oficiosamente”: a), a renovação “da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento”; b) a produção de novos meios de prova em segunda instância, “em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada”; c) a anulação da decisão da matéria de facto, mesmo oficiosamente, sempre que não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) se determine que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. No caso em apreço, é manifesto que a apelante não cumpriu minimamente os supra referidos ónus de alegação, cfr. art.º 640.º do C.P.Civil. Na verdade, ela não especifica quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; não indica quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação realizada, que impõem decisão sobre cada um dos concretos pontos impugnados; não indica com exactidão as passagens da gravação em que se funda, nem procede à respectiva transcrição, nem desenvolve qualquer a análise crítica dessas provas, por forma demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável, e finalmente não indica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Destarte, e de harmonia com o disposto no art.º 640.º n.º1 e n.º2 al. a) do C.P.Civil, rejeita-se o recurso da decisão da matéria de facto. Improcedem as respectivas conclusões da apelante. * 2.ªquestão - Da medida de promoção e de protecção dos direitos dos menores.Pela sentença sob recurso foi decidido aplicar aos menores C… e D…, nascidos em 23.02.2011 e 18.12.2009, respectivamente, a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, ao abrigo dos art.º 35.º n.º 1, al. g) da Lei 147/99 de 1/09, e a sua consequente colocação sob a guarda da “F…”, onde se encontram, com vista a futura adopção. Ora, dadas as idades dos menores em causa, eles estão sujeitos ao poder paternal de que são titulares os seus progenitores, cfr. art.ºs 122.º, 123.º, 124.º. 130.º, 187.º e 1877.º, todos do C.Civil. Como preceitua o art.º 36.º n.ºs 5 e 6 da C.R.Portuguesa, os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e não podem deles serem separados, salvo quando não cumpram os deveres fundamentais para com eles. O poder paternal, como efeito da filiação é, nos termos do art.º 1877.º e segs. do C.Civil, definido como um conjunto de poderes-deveres funcionalmente afectados à prossecução do bem-estar moral e material do filho e que competem aos pais relativamente à pessoa e bens dos filhos menores não emancipados, na actual terminologia designado por “responsabilidade parental”. O poder paternal não se trata de um puro direito subjectivo, visto que o seu exercício não está dependente da livre vontade do seu titular, sendo antes de um poder funcional, um poder-dever, isto é, como escreve Armando Leandro in “Poder Paternal, Temas de Direito da Família”, pág.119, “um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral”. Constituindo nítido exemplo de direito pessoal familiar, o poder paternal não é, porém, um direito a que se ajuste a noção tradicional de direito subjectivo, trata-se antes, de um poder-dever, um poder funcional, nos termos do qual incumbe, a cada um dos pais, no interesse exclusivo do filho, guardar a sua pessoa, manter com ele relações pessoais, assegurar a sua educação, sustento, representação legal e administração dos seus bens, cfr. art.ºs 1878.º n.º 1, 1881.º e 1885.º, todos do C.Civil. O menor não é, porém, apenas um sujeito protegido pelo direito, é ele próprio, titular de direitos reconhecidos juridicamente, designadamente o direito à protecção especial da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, cfr. art.ºs 64.º n.º2, 67.º, 68.º e 69.º da Constituição da República Portuguesa. Ora, quando os pais não cumprem com tais deveres fundamentais, a ordem jurídica confere às crianças, cfr. art.º 36.º n.º5 da C.R.Portuguesa, enquanto sujeitas de direito, mecanismos de protecção, podendo os filhos deles serem separados. Pois que segundo o disposto no art.º 69.º, n.º1, da Lei Fundamental, as crianças têm o direito fundamental à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. Para além do mais, tendo o Estado Português assinado, em 26.01.1990, a Convenção Sobre Os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20.11.89, e mostrando-se esta aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 de 12.09.1990, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, ambos publicados no D.R. I-série n.º 211, de 12.10.90, ficou obrigado a tomar medidas de protecção das crianças contra todas as formas de violência, quer na família, quer fora dela. A Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP-Lei 147/99 de 1.09) prevê no seu art.º 35.º um conjunto de medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e jovens em perigo, com o objectivo apontados nas diversas alíneas do seu art.º 34.º, isto é, de afastar o perigo em que estes se encontram; de proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e de garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso. Dispõe o n.º1 do art.º 3.º da LPCJP que a intervenção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar “quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”. Exemplificando o n.º2 desse mesmo preceito o que se deve entender por situações de perigo, designadamente quando a criança “não recebe os cuidados ou afeição adequados à sua idade e situação pessoal” ou “está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional”. Finalmente há que ter sempre presente que toda a intervenção deve ter em conta o superior interesse da criança, princípio esse consagrado no art.º 3.º n.º1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, segundo o qual: “Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”. Também a LPCJP dá ênfase ao “interesse superior da criança”, quando no seu art.º 4.º n.º1 al. a) o coloca como o primeiro dos princípios orientadores da intervenção, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto. E também o nosso Código Civil, no n.º2 do seu art.º 1978.º, preceitua que na verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos “direitos e interesses do menor”. Segundo Rui Epifânio e António Farinha, in “Organização Tutelar de Menores”, pág.326, o “interesse superior da criança”: “trata-se afinal de uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem-estar material e moral”. O desenvolvimento pleno da criança implica a realização de direitos sociais, culturais, económicos e civis; concepção, esta, que resulta, designadamente, da supra citada Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, e da própria Lei 147/99 de 1.09. A criança apresenta um conjunto de necessidades cuja satisfação é necessária ao seu bem-estar psicológico e cuja não realização compromete o seu desenvolvimento posterior e o seu ajustamento social. Entre essas necessidades avultam, os cuidados físicos e de protecção; afecto e aprovação, estimulação e ensino, disciplina e controlo consistente e apropriados, oportunidade e encorajamento da autonomização gradual. O conceito de necessidades e o imperativo da sua satisfação cria as condições para o reconhecimento do direito que assiste à criança de as ver realizadas. As necessidades da criança convertem-se, assim, em direitos subjectivos extensivos que constituem normas educativas relativamente às quais se afere a qualidade, competência e adequação dos pais. Ora, a dignidade da pessoa do filhos e o papel dos pais - que exercem poderes funcionais para desempenharem deveres no interesse do primeiro – impõem que o exercício das responsabilidades parentais seja colocado ao serviço do desenvolvimento, são e harmonioso, da personalidade da criança e do seu bem-estar moral e material. E o reconhecimento dos direitos da criança exige o estabelecimento de um equilíbrio com os dos seus responsáveis legais, contudo, a vida, a saúde e a educação do filho, como atributos fundamentais da pessoa humana, colocam-se, na escala axiológica dos valores sociais, acima do poder jurídico dos pais sobre os filhos. A Constituição da República estabelece a favor dos pais, uma garantia de não privação dos filhos, que é também um direito subjectivo daqueles. As restrições a este direito estão subordinadas a uma dupla reserva: sob reserva de lei e sob reserva de decisão judicial. Os filhos não podem ser separados dos pais, excepto quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais a que estão adstritos relativamente a eles, sempre mediante decisão judicial, cfr. citado art.º 36.º n.º6 da C.R.Portuguesa. * No caso concreto dos autos vendo o complexo factual apurado relativo aos menores C… e D… é manifesto que estes, dada a disfuncionalidade da sua família biológica, mais concretamente, dos seus progenitores, vivenciaram uma situação de perigo iminente e actual para a saúde, segurança, desenvolvimento físico, afectivo, emocional e intelectual. Tal situação foi, como resulta dos autos, interrompida, quando os menores tinham três e um ano de idade, ocasião em que ocorreu uma primeira intervenção sob a forma de procedimento urgente, com acolhimento institucional dos menores na instituição "F…". Os menores, volvidos cerca de dois anos, permanecem, até à presente data, em acolhimento institucional. E isto porque, como decorre dos factos provados nos autos, até hoje os seus progenitores não conseguiram, nem procuraram de forma activa e empenhada, reunir condições para assumir a respectiva guarda, nem se perspectiva que a curto ou médio prazo o venham a fazer, atento o seu percurso de vida e a forma como vêm encarando a situação pessoal e dos seus filhos, já que tendo um percurso de toxicodependência, sendo portadores de doença crónica importante como é o HIV, e não obstante terem aderido ao programa de intervenção terapêutica no Centro de Terapêutica Combinada, têm tido, nos últimos tempos uma frequência irregular ao mesmo; permanecem desempregados; sem habitação relativamente à qual estejam em condições de suportar os encargos e sem rectaguarda familiar que os possa apoiar. Por outro lado, os progenitores dos menores têm vindo a demonstrar progressivo desinteresse e afastamento gradual pelos menores, sendo cada vez menos frequentes e mais espaçadas as visitas que lhes fazem, evidenciando ainda falta manifesta de envolvimento no que concerne ao acompanhamento da situação de saúde dos filhos, não comparecendo às consultas marcadas para os mesmos, apesar de informados das respectivas datas, demonstrando assim uma progressiva desvinculação afectiva própria da filiação. Situação, esta, que tem como reverso, o natural e evidente afastamento afectivo dos próprios menores face aos seus progenitores, o que se revela nas relações que os menores vêm estabelecendo com adultos cuidadores da instituição, identificando esta última como um meio securizante. Na verdade, não obstante os progenitores dos menores, e agora mais concretamente, por via do presente recurso, a mãe dos mesmos afirmar o propósito de pretender ter os filhos consigo, é óbvio que tal manifestação de vontade não se nos revela sólida nem estruturada. Visto o teor das alegações da apelante, parece-nos óbvio que a mesma não nega a manifesta disfuncionalidade familiar onde os menores estavam inseridos e o consequente perigo iminente e actual para a saúde, segurança desenvolvimento físico, afectivo, emocional e intelectual dos mesmos. A apelante limita-se a dizer que os progenitores dos menores “necessitavam que a Segurança Social e a Comissão de Protecção de Menores tivessem investido no sentido de lhes proporcionar acompanhamento psicológico e tivessem encaminhado esta família para o apoio em terapia familiar, trabalhando com os pais e menores as relações afectivas e reforçando os vínculos entre todos”. Todavia e atento o que resulta dos factos assentes nos autos, não pode a apelante, com verdade, apontar falta de empenho e trabalho do respectivo organismo da segurança social ou da Comissão de Protecção de Menores junto dos progenitores destes menores. Na verdade, nestes quase dois anos, é manifesto que houve muito trabalho e investimento nesta família, do ponto de vista de apoio material, da ajuda na busca de uma habitação digna, da ajuda no tratamento da toxicodependência e certamente a nível pessoal e psicológico, por parte dos vários técnicos da segurança social e de organismos congéneres. Mas ao que parece os progenitores dos menores não souberam ou não quiseram aproveitar estas oportunidades e darem um novo rumo à sua vida, estruturando-a por forma a que reunissem as necessárias condições pessoais, económicas, habitacionais e competências afectivas para poderem cuidar devidamente dos seus filhos. Ora, os progenitores dos menores, designadamente a ora apelante, desperdiçaram durante cerca de dois anos estas oportunidades, esta rede de apoio criada em seu redor, sendo certo que durante este tempo os menores permaneceram e permanecem institucionalizados, situação esta que não serve os superiores interesses do D… e do C…, os quais, atentas as suas tenras idades, têm direito a uma família estruturada, que se constitua como modelo de referência estruturante e securizante, capaz de os cuidar, educar e orientar, possibilitando-lhes um normal desenvolvimento da sua personalidade, sem esquecer que estes menores quando ao cuidado dos seus progenitores foram manifestamente negligenciados, designadamente no que dizia respeito ao cumprimento do seu plano de saúde, e que ainda nesse período, foi diagnosticado aos dois menores um atraso global grave do seu desenvolvimento, por ausência de comportamentos de vinculação e de estimulação, situação esta que, desde a sua institucionalização, tem vindo a evoluir de forma positiva. Considerando que segundo o que se dispõe no art.º 4.º da Lei 147/99, de 1.09, são princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança em perigo, que essa intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e aos direitos da criança, e que ela deve ser efectuada logo que a situação de perigo seja conhecida, deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança em perigo, que tal intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança se encontre no momento em que a decisão é tomada e que só pode intervir na sua vida e na da sua família, na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade. Assim, tendo em consideração o decurso do tempo de institucionalização destes menores e que se mostra esgotada a intervenção possível junto da sua família natural, tem de se concluir que o princípio da prevalência da família decorrente do art.º 4.º, al. g) da LPCJP foi observado pelo Tribunal recorrido, pois que o encaminhamento de uma criança para uma futura adopção significa sempre a prevalência de um projecto de vida familiar em detrimento de uma institucionalização por tempo indeterminado, constituindo, “in casu” tal opção a única e verdadeira alternativa de vida para o C… e para o D…. Assim conclui-se que a aplicação da medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção é adequada e necessária, no caso destes dois irmãos, crianças de 3 e 5 anos de idade, institucionalizadas, provisoriamente, desde Outubro de 2012, cujos progenitores não dispõem, nem se perspectiva que venham a dispor, de condições reais e efectivas para assegurar o seu integral desenvolvimento, tendo adoptado comportamentos omissivos comprometedores dos vínculos afectivos próprios da filiação, revelados pela verificação objectiva de situações previstas nas als d) e e) do art.º 1978.º do C.Civil. Improcedem as respectivas conclusões da apelante, havendo de se confirmar a decisão recorrida. Sumário – I – Não tendo a apelante especificado quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; não tendo indicado quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação realizada, que impõem decisão sobre cada um dos concretos pontos impugnados; não tendo indicado com exactidão as passagens da gravação em que se funda, nem tendo procedido à respectiva transcrição, nem desenvolvido qualquer a análise crítica dessas provas, por forma demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável, e finalmente não tendo indicado a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, há que rejeitar, de harmonia com o disposto no art.º 640.º n.º1 e n.º2 al. a) do C.P.Civil, o recurso da decisão da matéria de facto. II - Segundo o disposto no art.º 69.º, n.º1, da Lei Fundamental, as crianças têm o direito fundamental à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. III – Tendo os progenitores dos menores desperdiçado durante cerca de dois anos a rede de apoio criada em seu redor, sendo que durante este tempo os menores permaneceram e permanecem institucionalizados, situação que não serve os superiores interesses dos mesmos, atentas suas tenras idades, têm os mesmos direito a uma família estruturada, que se constitua como modelo de referência estruturante e securizante, capaz de os cuidar, educar e orientar, possibilitando-lhes um normal desenvolvimento da sua personalidade. IV - Tendo em consideração o decurso do tempo de institucionalização destes menores e que se mostra esgotada a intervenção possível junto da sua família natural, tem de se concluir que o princípio da prevalência da família decorrente do art.º 4.º, al. g) da LPCJP foi observado pelo Tribunal recorrido, pois que o encaminhamento de uma criança para uma futura adopção significa sempre a prevalência de um projecto de vida familiar em detrimento de uma institucionalização por tempo indeterminado, constituindo, “in casu” tal opção a única e verdadeira alternativa de vida para os menores. IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e em confirmar a decisão recorrida. Custas pela apelante. Pague-se, em 1.ª instância, os Honorários devidos à Ilustre Defensora dos menores e à Ilustre Patrona da apelante. Porto, 2014.11.11 Anabela Dias da Silva Ana Lucinda Cabral Maria do Carmo Domingues |