Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2381/17.8T8OAZ-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MADEIRA PINTO
Descritores: REGIME DOS RECURSOS
NULIDADES SECUNDÁRIAS
ACESSO AO DIREITO
Nº do Documento: RP201810112381/17.8T8OAZ-E.P1
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º148, FLS.179-185)
Área Temática: .
Sumário: O duplo grau de jurisdição não é princípio constitucional absoluto, cabendo a sua concretização ao legislador ordinário. O despacho proferido versa sobre nulidades secundárias, sem violação dos princípios do contraditório e da igualdade substancial das partes/intervenientes, pelo que não é recorrível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 2381/17.8T8OAZ-E.P1
Relator: Madeira Pinto
Adjuntos: Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
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Sumário:
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I - Relatório:
Nos presentes autos de liquidação que seguem termos por apenso ao processo de insolvência de B… S.A., veio a requerente, C…, S. A., apresentar um requerimento que denominou por “Reclamação”, concluindo da seguinte forma:
Nestes termos a reclamante apresenta a presente reclamação atentas as irregularidades decorrentes da venda em leilão na modalidade por carta fechada, tendo protestado do mesmo em tempo e em consequência ser a presente reclamação julgada procedente com as seguintes consequências:
A) Ser a adjudicação lavrada no auto do Leilão por carta fechada anulada, face às irregularidades verificadas e como consequência a não entrega do lote ao adjudicatário identificado no auto do leilão;
B) O regulamento apresentado no dia da abertura das propostas em carta fechado inválido por falta de publicidade nos mesmos termos em que foi efectuada a publicidade do leilão no dia 3 e 10 de Fevereiro de 2018 no Jornal D…, tendo viciado o resultado final;
C) Mesmo que se considere que houve publicidade, o que não se concede, ser declarada nula a cláusula 1.5 do regulamento apresentado no dia da abertura de propostas em carta fechada, por a mesma cláusula estar em oposição com o sentido da modalidade do leilão “ Venda Mediante Propostas Em Carta Fechada” e consequentemente cláusula nula.
D) Em consequência ser adjudicado á aqui Reclamante os bens objecto do lote 1, uma vez que foi a proposta de maior valor apresentada por carta fechada e ter cumprido todos os pressupostos do leilão (Venda Mediante Propostas Em Carta Fechada) atento as cláusulas publicitadas no dia 3 e 10 de Fevereiro de 2018;
E) Caso o tribunal assim o entenda extrair certidão a fim de se enviar ao Ministério Publico a actuação da Leiloeira, uma vez que com tal actuação adulterou o leilão e viciou o mesmo.
F) Custas e demais encargos a cargo do processo, a expensas da massa insolvente;”
Sumariamente alega o seguinte:
- A Reclamante, em tempo, apresentou proposta em carta fechada para a aquisição dos bens da insolvente B…, S.A. relativo aos prédios:
LOTE 1 - Bens Imóveis - Edifício Industrial e Dois lotes de terreno:
- Prédio urbano, denominado de lote 22 na Zona Industrial de …, inscrito na matriz pelo artigo matricial 2341 e descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o nº 1396.
- Prédio urbano, denominado de lote 23 na Zona Industrial de …, inscrito na matriz pelo artigo matricial 2342 e descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o nº 1397.
- Prédio urbano, composto por Edifício de dois pisos com logradouro, inscrito na matriz pelo artigo 2969 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 1870;
- A proposta de compra apresentada pela Reclamante foi no valor de 451.580,00€ (quatrocentos e cinquenta e um mil quinhentos e oitenta euros), tendo junto à proposta cheque no valor de 45.158,00€;
- Foram apresentadas duas propostas, a da aqui Reclamante no valor de 451.580,00€ e de outro proponente no valor de 426.040,00€ da empresa E…, S.A.;
- No ponto 1.5 do regulamento/condições de venda – Condições gerais publicado no diário G… em 3/02/2018 e 10/2/2018, refere-se:
“ Após a abertura de propostas será permitido aos três proponentes com as ofertas mais elevadas a possibilidade de licitação, caso as ofertas se situem abaixo do valor mínimo fixado”;
- Seguindo o regulamento/condições de venda do Leilão, publicadas no Jornal D… supra referidas (dias 3 e 10 de Fevereiro de 2018), a proposta vencedora foi a da Reclamante, pelo que lhe deveria de imediato ter sido adjudicado o Lote nº 1;
- Aquando da abertura das propostas, a Sra. Administradora da Insolvência afirmou: - Uma vez que a proposta da Reclamante foi a mais elevada os bens serão adjudicados à Reclamante.
- O representante do F…, chamou a atenção a Sra. Administradora Judicial para atentar no ponto 1.5 do Regulamento/Condições de Venda que estavam disponíveis na sala da abertura das propostas nos termos do qual, após a abertura de propostas será permitido aos três proponentes com as ofertas mais elevadas a possibilidade de licitação;
- A Sra Administradora da Insolvência perguntou “ se os proponentes queriam licitar” e o representante da proponente E… “ disse não estar habilitado para licitar, uma vez que o regulamento que conhecia não o permitia, pedindo 5 minutos para contactar a empresa E… para saber se queriam licitar e, posteriormente disse que sim e que licitava no valor de 455.000,00€;
- A requerente afirmou que o regulamento/condições de venda não permitiam tal situação uma vez que as propostas tinham sido todas elas de valor superior ao valor mínimo e de acordo com o ponto 1.5 do regulamento/condições venda que tinha sido publicado no Jornal D… nas datas 3/2/2018 e 10/2/2018, não permitia e desconhece qualquer publicação no Jornal D… ou outro Jornal qualquer alteração ao regulamento/condições de Venda;
- Não tendo sido publicitado novo regulamento/condições de venda de forma pública e transparente, criou na aqui Reclamante e proponente expectativas que foram frustradas, tendo viciado assim o resultado final e consequentemente prejuízos para esta.
- O leilão não foi em carta fechada mas sim presencial, o que o torna inválido, ilegal nulo.
- Mesmo que fosse alterado o teor da cláusula, o que não admite, e dado a sua publicitação com aviso prévio no mínimo legal, o que não aconteceu pela mesma forma que foi feita a publicidade inicial, a referida cláusula, que, por isso, é nula;
- A requerente apresentou o seu protesto, o que fez na ata do leilão”.
Cumprido o contraditório, respondeu a proponente E…, S. A. pugnando pelo indeferimento do requerido.
No mesmo sentido, respondeu a Sra. AI, concluindo pelo indeferimento da pretensão formulada e concluindo pela validade da venda.
Sumariamente alega que:
- Por sentença, datada de 19.07.2017, já transitada em julgado, foi decretada a insolvência da sociedade B…, S.A., tendo a AI diligenciado pela promoção venda dos bens que compõem o acervo da massa insolvente.
- Procedeu-se à promoção da venda, entre outros, dos imóveis que haviam de constituir o Lote 1, composto por Edifício Industrial e dois lotes de terreno, designadamente:
a) Prédio urbano, denominado de lote 22 na Zona Industrial de …, inscrito na matriz pelo artigo 2341 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1396;
b) Prédio urbano, denominado de lote 23 na Zona Industrial de …, inscrito na matriz pelo artigo 2342 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1397;
c) Prédio urbano, composto por Edifício de dois pisos com logradouro, inscrito na matriz pelo artigo 2969 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1870.
- Ao Lote supra descrito, foi atribuído o valor mínimo de €424.000,00 (quatrocentos e vinte e quatro mil euros), tendo-lhe sido conferida a modalidade de venda mediante propostas por carta fechada;
- A publicação alegada pela Reclamante efectuada em 03.02.2018, não diz respeito aos imóveis relativamente aos quais a mesma apresentou proposta, mas sim às instalações da aqui insolvente B… localizadas em Santa Maria da Feira;
- No que se refere à publicação datada de 10.02.2018, esta sim referente às instalações de …, foi publicitada, tanto no Jornal D… como no Diário G…, bem como no site da H…, - mencionava-se no ponto 1.5 do Regulamento/Condições de Venda que, “após abertura de propostas será permitido aos três proponentes com as ofertas mais elevadas a possibilidade de licitação, caso as ofertas se situem abaixo do valor mínimo fixado.”
- Aquelas condições foram devidamente revogadas com novas publicações, ou seja, foram derrogadas por meio de alteração ao respectivo anúncio ao qual foi conferida pertinente publicidade tanto no site da H…, como nos jornais supra referenciados;
- Por força das alterações efectuadas, passou a constar no ponto 1.5 o seguinte: “Após a abertura de propostas será permitido aos três proponentes com as ofertas mais elevadas a possibilidade de licitação”;
- Foram apresentadas duas propostas para aquisição dos imóveis supra descritos, porém o facto da oferta da Reclamante se mostrar superior, tendo procedido a licitação e a outra proponente apresentou um valor superior, motivo pelo qual foi aceite”.
Por decisão judicial de 23.05.2018, foi a referida reclamação totalmente indeferida.
Desta decisão foi interposto recurso pela referida reclamante, tendo formulado as seguintes conclusões:
1- A Recorrente apresentou proposta em carta fechada para a aquisição dos bens da insolvente B…, S.A. no processo supra, relativo aos prédios:
LOTE 1 - Bens Imóveis - Edifício Industrial e Dois lotes de terreno:
- Prédio urbano, denominado de lote 22 na Zona Industrial de …, inscrito na matriz pelo artigo matricial 2341 e descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o nº 1396.
- Prédio urbano, denominado de lote 23 na Zona Industrial de …, inscrito na matriz pelo artigo matricial 2342 e descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o nº 1397.
- Prédio urbano, composto por Edifício de dois pisos com logradouro, inscrito na matriz pelo artigo 2969 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 1870. doc nº 2
2- Sendo a proposta apresentada pela Recorrente a de mais elevado valor - 451.580,00€ (quatrocentos e cinquenta e um mil quinhentos e oitenta euros).
3- A Recorrente cumpriu todos os pressupostos da proposta de compra dos imóveis em sede de leilão.
4- Foi apresentada outra proposta de outro proponente de valor de inferior -426.040,00€.
5- No ponto 1.5 do regulamento/condições de venda – Condições gerais publicado no jornal D… em 3/02/2018 e 10/2/2018, refere-se:
“ Após a abertura de propostas será permitido aos três proponentes com as ofertas mais elevadas a possibilidade de licitação, caso as ofertas se situem abaixo do valor mínimo fixado”.
6- A proposta da Recorrente foi a mais elevada e superior ao valor mínimo fixado.
7- Atento a proposta apresentada e o regulamento/condições de venda do Leilão, apresentadas no Jornal D… supra referidas (dias 3 e 10 de fevereiro de 2018), a proposta vencedora foi a da Recorrente.
8- A Srª Administradora da Insolvência afirmou: - Uma vez que a proposta da Reclamante foi a mais elevada os bens serão adjudicados a Reclamante.
9- No entanto e após o supra referido pela Srª A.I. representante do F…, chamou a atenção a Sr Administradora Judicial para atentar no ponto 1.5 do Regulamento/Condições de Venda que estavam disponíveis na sala da abertura das propostas.
10- O Representante do F… citou o ponto 1.5 do Regulamento/Condições de Venda que estavam disponíveis na sala da abertura das propostas:
- Após a abertura de propostas será permitido aos três proponentes com as ofertas mais elevadas a possibilidade de licitação”.
11- A Srª Administradora da Insolvência perguntou “ se os proponentes queriam licitar”.
12- O representante da outra proposta “ disse não estar habilitado para licitar, uma vez que o regulamento que conhecia não permitia.”
13- O outro proponente licitou pelo valor de 455.000,00€.
14- A Recorrente, protestou uma vez que o regulamento/condições de venda não permitia tal situação uma vez que as propostas tinham sido todas de valor superior ao valor mínimo e de acordo com o ponto 1.5 do regulamento/condições venda que tinha sido publicado no Jornal D… nas datas 3/2/2018 e 10/2/2018. (cfr doc nº 2 e nº 3 apresentado com a resposta á reclamação apresentada pelo Recorrente).
15- Nesta data a Recorrente constatou a existência do anúncio publicado junto com a Resposta à Reclamação (cfr doc nº 6) com a referência à das condições de venda “nota: o presente anúncio revoga todas as publicações anteriores”.
16- A referida indicação foi feita de uma forma muito subtil e muito, muito discreta e em letra muito pequena.
17- Não constituindo tal menção alerta suficiente para chamar atenção da alteração.
18- A alteração ao novo regulamento/condições de venda não foi feita de forma transparente, que cria-se no público em geral e em particular aqui na Recorrente condições e expectativas que aquando da apresentação da proposta pudessem ser frustradas, tendo viciado assim o resultado final e consequentemente prejuízos a esta.
19- A alteração às condições de venda na sequência de já ter havido outras publicações/anúncios de venda dos mesmos bens, e ao não ser referido a “ nota de alteração” de uma forma percetível e com LETRAS/CARATERES que chamassem a atenção das alterações introduzidas induz ao comum dos mortais que não passa de mais um anúncio de venda de um leilão em carta fechada na sequência dos outros que já haviam sido publicados.
20- Os documentos juntos aos autos onde refletem as alterações são imperceptíveis verificar que houve alterações as condições de venda.
21- As letras de impressão - nota de alterações - deveriam no mínimo ser iguais às letras de Regulamento/condições de venda, e não mais pequenas.
22- O leiloeiro não chamou a atenção antes da realização do leilão que as condições de venda tinham sido alteradas, para que os proponentes caso assim o entendessem retirassem ou estivessem cientes que as suas propostas mesmo vencedoras poderiam ser novamente licitadas.
23- Os presentes no leilão não eram conhecedores de tais alterações, como está vertido na P.I. apresentada pela Recorrente.
Adiante,
24- A publicitação do anúncio de alterações, publicado no dia 10-03-2018, não respeitou o aviso prévio no mínimo legal, pois o prazo para apresentação de propostas era até ao dia 15/03/2018 às 17h na H… em … ou entregues em mão no local no próprio dia até à hora de abertura 16/03/2018 às 14,30h.
25- O anúncio ao ser publicado sem o aviso prévio das alterações esta perante uma ilegalidade, sendo certo que também por este facto a Recorrente não conseguiu apurar de todas as formalidades existentes para o leilão, mas sim formalidades apenas conhecidas das anteriores publicações.
26- Foram cometidas irregularidades insanáveis no leilão que viciaram o resultado final do leilão na modalidade - carta fechada.
27- A Recorrente em tempo apresentou o protesto quanto às irregularidades que considerou no ato de aberturas de propostas.
28- O tribunal A Quo, ao decidir sem ouvir a testemunha para apurar o que efetivamente se passou na abertura do Leilão no dia 16/03/2018, salvo o devido respeito e melhor opinião, não consegue decidir com todos factos que são essenciais para a descoberta da verdade,
29- Verificando-se assim uma ilegalidade na apreciação da prova.
30- Deve assim ser dado sem efeito o presente leilão, nova marcação do leilão.
31- A Recorrente comprou todas as máquinas e equipamentos nos imóveis que estavam em leilão e aqui em causa.
32- Com tal comportamento, salvo o devido respeito e melhor opinião, o Princípio da Confiança foi abalado juntamente com o princípio da boa-fé;
33- Tais princípios – orientadores- constituem um reduto seguro e acolhedor na sociedade onde estamos inseridos.
34- Foi violado o Princípio da transparência, não foi observado na publicidade da venda.
35- Foi violado o Direito de Informação de forma atingível ao comum das pessoas, em que se inclui a aqui Recorrente, aplicáveis a todos os contratos.
36- Foi também violado o Direito às Dimensões mínimas dos caracteres a usar na publicidade a produtos na publicidade e venda/financeiros através de diferentes meios de difusão, foi utilizado na alteração das condições de venda letras/caracteres que não se coadunam com as normas legais.
37- Bem como foi violado o Dever de Assistência e Informação ao consumidor em geral e aqui a Recorrente em particular.
38- Como exemplo nas instituições financeiras, nomeadamente o Banco de Portugal a partir do Dec. Lei 74-A/2017 de 23/6 “ o tamanho da letra mínimo de 12 pontos utilizando como referência o tipo de letra Arial e impressão da folha definida a 100%.
39- A que estamos a utilizar agora, percetível.
40- E, no caso em concreto existe violação, da nossa ordem jurídica, uma vez que o Principio da eficácia e confiança foi violado, e ao não ser respeitado põe em causa o sistema jurídico e as relações contratuais entre as partes.
41- Pelo que, todos estes factos agora descritos, não podem penalizar a recorrente, pelo não cumprimento das formalidades que a lei exige, precisamente, também, para proteção de interesses legalmente protegidos de terceiros, como é a recorrente.
42- Existe assim uma nulidade processual que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
43- Pelo que, também por este fato, não pode a recorrente ser penalizada pelo não cumprimento das formalidades que a lei exige, precisamente, também, para proteção de interesses legalmente protegidos de terceiros, como é a recorrente.
44- Pelo que o douto despacho do tribunal “ a Quo” que recaiu sobre o requerimento apresentado pela recorrente deverá ser considerado nulo e sem qualquer efeito.
45- Existiu assim uma ilegalidade que provoca a nulidade processual, que desde já se invoca para todos os efeitos legais e que seja declarada anulada a venda em leilão dos sobreditos imóveis, por terem sido preteridas formalidades essenciais na publicitação da mesma, atento o disposto no artigo 835 do código processo civil” com as necessárias adaptações.
46- Pelo que, também por este fato, não pode a recorrente ser penalizada pelo não cumprimento das formalidades que a lei exige, precisamente, também, para proteção de interesses legalmente protegidos de terceiros, como é a recorrente.
47 - Existiu assim Violação do Principio da Confiança, Violação do Princípio da Boa-Fé, Violação do Princípio da Transparência, Violação do Princípio do Direito á Informação do Consumidor, Violação do Principio do Direito das Dimensões Mínimas, Violação do Principio da Assistência e dos artigos nº 487 nº 2 do código civil, e dos artº 755º, 835º do Código Processo Civil com as necessárias adaptações.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. muito doutamente suprirão deve o douto despacho recorrido proferido pelo Tribunal a quo ser revogado, substituindo-se por outro que admita a existência de preterição de formalidades essências, determinando a anulação da venda e a repetição do leilão, assim se fazendo JUSTIÇA.
A senhora Administradora Judicial veio apresentar contra alegações, suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso e conclui sempre pela sua improcedência e pela manutenção do julgado.
Recebido o recurso pela senhora juíza a quo e tramitado em separado, dispensados os vistos legais dos senhores Desembargadores adjuntos, atenta a simplicidade da questão, importa decidir.
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II- Do Recurso:
II.1- Os factos que interessam para a decisão do recurso, para além dos constantes do relatório supra, são os que dados como provados no despacho recorrido e que não foram impugnados pela apelante.
Assim, está provado, tendo em consideração o documentos juntos aos autos que:
- Por sentença proferida no dia 19-07-2017 foi decretada a insolvência da sociedade B…, S.A,. prosseguindo os autos para liquidação;
- A Sra. AI contratou os serviços de uma leiloeira, solicitando o acordo da Comissão de Credores, para proceder à venda dos bens (fls. 2 a 7);
- Foi agendada para o dia 16-03-2018 a venda dos bens, por publicitação do Jornal D…, nos dias 03-02-2018 (fls. 8-8 verso) e 17-02-2018 (fls. 118-118 verso)) cujo conteúdos aqui se reproduzem;
- O anúncio publicado no dia 10-02-2018 é o que diz respeito à venda do lote em discussão nestes autos, ou seja:
a) Prédio urbano, denominado de lote .. na Zona Industrial de …, inscrito na matriz pelo artigo 2341 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1396;
b) Prédio urbano, denominado de lote ... na Zona Industrial de …, inscrito na matriz pelo artigo 2342 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1397;
c) Prédio urbano, composto por Edifício de dois pisos com logradouro, inscrito na matriz pelo artigo 2969 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1870.
- Ao Lote supra descrito, foi atribuído o valor mínimo de €424.000,00 (quatrocentos e vinte e quatro mil euros), tendo-lhe sido conferida a modalidade de venda mediante propostas por carta fechada;
- A venda foi publicitada no sítio da internet da leiloeira (fls. 13 e seguintes);
- Do anúncio referido constava, no ponto 1.5, o seguinte: “Após abertura de propostas será permitido aos três proponentes com as ofertas mais elevadas a possibilidade de licitação, caso as ofertas se situem abaixo do valor mínimo fixado”;
- A venda foi objecto de nova publicitação, através de anúncio no Diário G… e no sítio da internet da leiloeira.
- O novo anúncio foi publicitado no Diário G… de 10-03-2018 (fls. 120-120 verso). Da publicitação do Regulamento/Condições de venda constava a seguinte nota: “O presente anúncio revoga todas as publicações anteriores”;
- Com o novo anúncio a cláusula n.º 1.5 passou a ter a seguinte redacção: “Após abertura de propostas será permitido aos três proponentes com as ofertas mais elevadas a possibilidade de licitação”;
- No dia 16 de Março de 2018 realizou-se a diligência de venda, cuja acta consta de fls. 68 a 69 verso e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
- Para o lote 1 foram apresentadas duas propostas: uma apresentada pela ora reclamante no valor de 451.580,00€ e outra, no valor de 426.040,00€, pela empresa E…, S.A.;
- Dando cumprimento ao disposto no ponto 1.5 do regulamento, consta da acta que se abriu licitação entre os proponentes, tendo a proponente E…, S. A. licitado pelo valor de €455.000,00, tendo-lhe sido adjudicado o lote n.º 1
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II.2- Inadmissibilidade do recurso:
Do n.º 2 do art.º 630º NCPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06, extrai-se a seguinte regra: todas as decisões judiciais relativas à simplificação ou agilização processual, ou à adequação formal, ou às regras gerais da nulidade dos actos processuais admitem recurso quando contendam, quer com os princípios da igualdade ou do contraditório, quer com a aquisição processual de factos, quer com a admissibilidade de meios probatórios[1].
Logo a doutrina viu aqui a possibilidade de esta norma, que remete para princípios gerais do processo civil a serem apreciados em concreto, potenciar indeferimentos de recursos e reclamações, nos termos do artº 643º NCPC.
O despacho em crise decidiu essencialmente sobre o pedido do ora recorrente da nulidade da venda em propostas em carta fechada acima referida, nestes termos:
“A venda escolhida foi a de abertura em carta fechada, concretizada pelos serviços dos terceiros contratados e com a presença da Sra. AI, sendo aplicáveis as regras previstas pelos artigos 816º e seguintes do CPC.
No caso em apreço a venda foi publicitada e divulgada.
Alega o proponente que não existiu um novo anúncio, o que se provou não ser correcto e que apresentou a proposta com a convicção de que as condições de venda eram as publicitadas em 10-02-2018, desconhecendo outras.
Dos factos apurados resulta que a venda foi publicitada e que foi publicado um segundo anúncio do qual consta, de forma expressa, a derrogação de todas e quaisquer cláusulas anteriores.
Os artigos 838º a 841º do CPC regulam as situações de anulação da venda.
Salvo melhor entendimento, os factos provados não permitem concluir pela existência de vícios que possam determinar a venda, em concreto, o vício invocado pelo reclamante, desde logo, porque a venda foi publicitada com antecedência – inexistido desconformidade entre o que foi anunciado e o que foi realizado (artigo 838º, n.º 1 do CPC) - e por outro, porque não pode ser sendo imputável a terceiros o desconhecimento do proponente reclamante das condições de venda.
Não existe qualquer vício, na publicidade, que seja susceptível de ter induzido em erro, erro que decorre de uma conduta menos zelosa por parte do proponente que não se inteirou das condições de venda.
Por outro lado, a nova redacção dada ao ponto 1.5 em nada prejudica o proponente, na medida em que, lhe foi dada possibilidade de licitar, assim como ao outro proponente, colocando os dois proponentes numa situação de igualdade.
Se o reclamante optou por não licitar e manter a sua proposta, foi uma opção sua.
Da licitação resultou um aumento do valor da venda, em claro benefício para todos os Credores”.
A Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, regula o ESTATUTO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL.
Dispôe o seu artigo 2.º:
Noção de administrador judicial
1 - O administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo presente estatuto e pela lei”.
E artigo 12.º
Deveres
1 - Os administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes.
2 - Os administradores judiciais, no exercício das suas funções, devem atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados”.
Essencialmente, o administrador de insolvência tem como funções assumir o controlo da massa insolvente, proceder à sua administração e liquidação e repartir o produto final pelos credores- artºs 158º, nº1, 164º, nº1 CIRE[2].
O administrador é, em regra, nomeado pelo Juiz, de entre os administradores de insolvência inscritos na lista oficial- artº 52º CIRE- pelo juiz destituído-artº 56º CIRE- e pelo juiz fiscalizado- artº 58º CIRE.
A lei (EAJ) estabelece ainda a responsabilidade civil, disciplinar e fiscal dos administradores de insolvência pelos danos causados ao devedor e aos credores-artºs 17º a 21º.
Ora, in casu, a senhora AJ, com ao acordo da Comissão de Credores, procedeu às diligências para a venda dos bens da massa insolvente, através de propostas em carta fechada nas instalações de … da leiloeira que contratou, H…, ou entregues em mão no dia de abertura das propostas, 16.03.2018, pelas 14h00, na sede da insolvente, na Rua …., nº …, …., Santa Maria da Feira.
Resultou provado documentalmente que:
“O anúncio publicado no dia 10-02-2018 é o que diz respeito à venda do lote em discussão nestes autos, ou seja:
a) Prédio urbano, denominado de lote .. na Zona Industrial de …, inscrito na matriz pelo artigo 2341 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1396;
b) Prédio urbano, denominado de lote ... na Zona Industrial de …, inscrito na matriz pelo artigo 2342 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1397;
c) Prédio urbano, composto por Edifício de dois pisos com logradouro, inscrito na matriz pelo artigo 2969 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1870.
- Ao Lote supra descrito, foi atribuído o valor mínimo de €424.000,00 (quatrocentos e vinte e quatro mil euros), tendo-lhe sido conferida a modalidade de venda mediante propostas por carta fechada;
- A venda foi publicitada no sítio da internet da leiloeira (fls. 13 e seguintes);
- Do anúncio referido constava, no ponto 1.5, o seguinte: “Após abertura de propostas será permitido aos três proponentes com as ofertas mais elevadas a possibilidade de licitação, caso as ofertas se situem abaixo do valor mínimo fixado”;
- A venda foi objecto de nova publicitação, através de anúncio no Diário G… e no sítio da internet da leiloeira.
- O novo anúncio foi publicitado no Diário G… de 10-03-2018 (fls. 120-120 verso);
- Da publicitação do Regulamento/Condições de venda constava a seguinte nota: “O presente anúncio revoga todas as publicações anteriores”;
- Com o novo anúncio a cláusula n.º 1.5 passou a ter a seguinte redacção: “Após abertura de propostas será permitido aos três proponentes com as ofertas mais elevadas a possibilidade de licitação”;
A publicidade por anúncios em jornal diário de grande tiragem na região e nacional, Jornal D…, foi realizada em 10.02.2018 e repetida em 10.03.2018, com a rectificação do ponto 1.5 das “Condições de Venda” numa nota saliente em branco no fundo negro do título dessas “Condições de Venda”. Ainda foi publicada no site oficial da leiloeira.
À venda por propostas em carta fechada destes autos de insolvência devem aplicar-se as normas dos artºs 816º ss, NCPC, na medida em que possam ser adaptáveis e façam sentido- artº 164º, nº1 CIRE.
Atenta a especificidade desta venda, através de profissionais (leiloeiras) e para sociedades comerciais ou investidores, habituados e atentos, não é razoável exigir o tipo de publicidade, nem o prazo mínimo previsto no artº 817º, nº1, NCPC.
Era exigível ao representante da recorrente no leilão em causa ter conhecimento da alteração ao referido ponto 1.5 das “Condições de venda”, publicado com rectificação em 10.03.2018, seis dias antes da data e local do leilão (16.03.2018, pelas 14h00).
Diz a apelante que no acto de leilão e onde ocorreu a licitação por outra proponente, o seu representante protestou. Ora, consta do respectivo documento autêntico que a ora recorrente declarou “não pretender efectuar qualquer licitação e que protesta o acto de licitação entre proponentes”. Não especifica ali os termos/fundamentos do seu protesto, como o deveria fazer nos termos do artº 822º, nº1, NCPC, nem foi requerido o adiamento da diligência para nova data para poder estar em condições objectivas de exercer o direito de licitação. Andou bem, pois, a leiloeira e a senhora AI em concretizar a venda nos termos que constam do respectivo auto de abertura de propostas de fls 86 a 88.
A anulação da referida venda apenas poderia ocorrer nos termos do artº 839º, nº1, al. c), NCPC, ex vi artº 164º, nº1 CIRE.
Entendemos que o despacho recorrido incide sobre requerimento de uma proponente, ora recorrente, na venda do Lote 1 de bens imóveis apreendidos e em liquidação no respectivo apenso da insolvência de B…, SA, que teve resposta da única outra proponente à compra desses bens e da senhora AI e que diz respeito a incidências/irregularidades relativas ao anúncio das condições de venda em propostas em carta fechada daqueles bens. Tal requerimento não configura, em concreto, a prática de acto processual ou sua omissão cominada com nulidade pela lei ou que possa influir no resultado da referida venda e na melhor satisfação do interesse da liquidação do património da insolvente em benefício dos seus credores.
Mesmo que assim seja considerado, foi indeferida pelo despacho recorrido.
Não se trata de despacho que seja enquadrável no disposto no artº 630º, nº 2, NCPC, nem enquanto decisão de simplificação ou de agilização processual, proferida nos termos do artº 6º, nº1, NCPC, de adequação formal, proferida nos termos do artº 547º, NCPC.
O despacho recorrido, decidiu uma simples nulidade processual secundária relativa a acto/diligência processual, reclamada pela ora apelante nos termos do artº 195º, nº1, ex vi artº 835º, nº1, NCPC.
Assim, a decisão em causa não é recorrível, de acordo com o disposto no artº 630º, nº2, do NCPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06, que entrou em vigor em 01.09.2013 (artº 8º), aplicável à situação dos autos.
Este Tribunal superior não está vinculado ao despacho da senhora juíza a quo que admitiu o recurso- artº 641º, nº 5, NCPC.
Entendemos que esta norma legal não enferma de inconstitucionalidade material no confronto com o disposto no artº 20.º da Constituição da República que prescreve:
(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)
1 - A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
(…)
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
O duplo grau de jurisdição não é princípio constitucional absoluto, cabendo a sua concretização ao legislador ordinário. O despacho proferido, nos termos referidos, versa sobre nulidades secundárias, sem violação dos princípios do contraditório e da igualdade substancial das partes/intervenientes.
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III- Decisão:
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a questão prévia levantada pela apelada nas contra alegações de recurso e não admitir o presente recurso por a decisão recorrida não ser recorrível e, assim, ficar prejudicado o conhecimento do seu mérito.
Custas pela apelante.
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Porto, 11-10-2018
Madeira Pinto
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
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[1] A Regulamentação dos Recursos no Futuro Código de Processo Civil- Armindo Ribeiro Mendes, https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=2ahUKEwjk8dDt3uPdAhUImRoKHYshB e António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.59.
[2] Na situação dos autos dado o valor dos bens para venda, era exigível e houve o consentimento da Comissão de Credores – artº 161º, n.º1 e 2, al. g) CIRE.