Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9410718
Nº Convencional: JTRP00013883
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: FALÊNCIA
RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
CAUSA DE PEDIR
LITISPENDÊNCIA
Nº do Documento: RP199502069410718
Data do Acordão: 02/06/1995
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J FAFE
Processo no Tribunal Recorrido: 79/91 2
Data Dec. Recorrida: 02/12/1993
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC ESP.
Legislação Nacional: DL 177/86 DE 1986/02/07 ART1 ART3.
CPC67 ART497 N2 ART498 N3 ART1140 ART1152.
Sumário: I - Com a publicação do Decreto Lei 177/86 foi introduzido no ordenamento jurídico português, com carácter sistematizado e coerente, um direito pré-falimentar, dirigido à recuperação da empresa e à adequada protecção dos credores e dos interesses dos trabalhadores.
II - A falência ficou reservada, por regra, às empresas cuja situação seja realmente irremediável.
III - E sendo o objecto de cada um dos processos de convocação de credores e de recuperação de empresa diferentes, não há identidade de causa de pedir.
IV - O Decreto Lei 177/86 assenta no primado da recuperação das empresas economicamente viáveis sobre a respectiva falência.
V - Tem objectivos diversos do processo de falência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Neste processo especial de recuperação de empresa e de protecção de credores em que é requerente " M.........., Lda ", veio esta interpôr recurso do despacho que julgou haver litispendência entre este processo especial e o processo de convocação de credores nº 52/83, pendente no Tribunal Judicial da mesma Comarca de Fafe e que, por isso, decretou a absolvição de instância.
O mesmo foi mandado seguir nesta Relação como agravo.
As conclusões da agravante podem resumir-se nos termos seguintes:
1ª A entrada em juízo do presente processo de recuperação de empresa teve lugar oito anos depois da instauração do processo de convocação de credores 52/83.
2ª A agravante tem mantido o giro da sua actividade.
3ª Não há identidade de sujeitos, de pedido nem da causa de pedir.
4ª Deve ser dado provimento ao agravo e revogado o despacho recorrido.
Nesta instância, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto contra-alegou no sentido do provimento do agravo.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Com interesse para a decisão, podem considerar-se provados os factos seguintes:
1º No ano de 1983, " M......., Lda ", requereu no Tribunal Judicial de Fafe, processo especial de convocação de credores, registado sob o nº 52/83, com fundamento em insuficiência do activo de requerente relativamente ao seu passivo e em cessação de pagamentos.
2º A requerente foi declarada em estado de falência por sentença do Tribunal de Fafe de 4-1-91, no referido processo de convocação de credores, mas essa decisão foi revogada por Acordão desta Relação, em recurso de apelação interposto, onde se ordenou a prossecução dos termos desses autos.
3º Em 8-4-91 ( após ser proferida a referida sentença declaratória da falência e antes de ser revogada pelo Acordão desta Relação que concedeu provimento ao recurso interposto naquele processo 52/83 ), a ora agravante requereu, no mesmo Tribunal de Fafe, o presente processo de recuperação de empresa, registado sob o nº 79/91.
4º Em 18-12-92, foi proferida decisão nestes autos, a declarar a falência da requerente, nos termos do art.17, nº 3, do dec-lei 177/86, de 2 de Junho, por ter sido entendido que já haviam passado 8 meses desde a data em que foi proferido o despacho a que se refere o art. 8 do mesmo diploma, sem que a assembleia definitiva de credores tivesse deliberado sobre o meio de recuperação proposta.
5º Essa decisão declaratória de falência foi anulada por Acordão desta Relação de 4-1-94, transitado em julgado, que concedeu provimento ao recurso de apelação interposto e ordenou que todo o prazo processual fosse contado nos termos do art. 144, nºs 2 e 3 do Cód.Proc.Civil, a partir de 18-3-92, interrompendo-se em 16-11-92 e recomeçando a contar-se, nos mesmos termos, a partir da data em que o M.mo Juiz " a quo " profira o despacho que designe nova reunião da assembleia de credores.
6º Depois do processo baixar à 1ª instância, em vez de ser dado cumprimento ao superiormente decidido, foi antes proferido o despacho recorrido, que julgou haver litispendência entre o originário processo de convocação de credores 52/83 e o presente processo de recuperação de empresa 79/91, onde a citação teve lugar posteriormente.
7º Entretanto, aquele processo de convocação de credores nº 52/83, após baixar da Relação, foi suspenso por despacho de 15-11-93, até à decisão destes autos, ao abrigo ao art. 11, nº 2, do citado dec-lei 177/86.
A questão a decidir consiste em saber se ocorre a excepção dilatória de litispendência entre o presente processo especial de recuperação de empresa e o processo de convocação de credores nº 52/83.
O despacho recorrido entendera que sim, argumentando com a existência de identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
Todavia, desde já se pode adiantar que não se verifica a excepção dilatória da litispendência.
A litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso - art. 497, nº1 do Cód.Proc.Civil.
Tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior - art. 497, nº 2.
A litispendência funda-se na repetição de uma causa, consistente na pendência de uma acção idêntica àquela que novamente se propôs.
E repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir - art. 498.
Como observa Anselmo de Castro ( Lições de Processo Civil, 1964, Vol.II, 794 ), o pedido intervem como elemento determinante na identidade de acções, ainda que possa haver identidade de sujeitos e de causa de pedir, pois na litispendência aquilo que verdadeiramente interessa é o que constitui objecto da acção.
A identidade de objecto ou de pedido verifica-se quando numa e noutra acção se pretende obter o mesmo efeito jurídico - art. 498, nº 3.
É necessário, pois, que com a segunda acção se tenha em vista fazer reconhecer o mesmo direito que se quis fazer reconhecer pela primeira.
Pois bem.
O processo de convocação de credores, nos termos do art. 1140 do Cód.Proc.Civil, visa a declaração de falência, ainda que possam vir a ser aprovados meios preventivos : concordata preventiva ( art. 1152 ) ou acordo de credores ( art. 1167 ).
Pelo contrário, o processo especial de recuperação de empresa e de protecção de credores visa a adopção duma das medidas de recuperação de empresa economicamente viável: concordata, acordo de credores e gestão controlada ( art. 1º e 3º do dec-lei 177/86, de 2 de Julho ).
É de salientar, como se escreve no preâmbulo do mencionado dec-lei 177/86, que " a concordata e o acordo de credores são aqui figurados como meios de recuperação de empresa, longe do espectro ameaçador de falência, e não como instrumentos de presunção ou de suspensão de liquidação do património do devedor. Não se dirigem à satisfação exclusiva do interesse dos credores pela via mitigada ou indirecta que impõe a situação do devedor; o que se visa é a salvação imediata da empresa, tendo em vista não apenas a sua estrutura jurídica e económica, mas, e principalmente, a sua dimensão social ".
Com a publicação do dec-lei 177/86 foi introduzido no ordenamento jurídico português, com carácter sistematizado e coerente, um direito pré-falimentar, dirigido à recuperação da empresa e à adequada protecção dos credores e dos interesses dos trabalhadores.
A falência ficou reservada, por regra, às empresas cuja situação seja realmente irremediável.
E sendo o objecto de cada um dos processos de convocação de credores e de recuperação de empresa diferentes, não há identidade de causa de pedir.
O dec-lei 177/86 assenta no primado da recuperação das empresas economicamente viáveis sobre a respectiva falência.
Tem objectivos diversos do processo de falência.
Por isso, não há litispendência entre este processo especial de recuperação de empresa e o processo de convocação de credores nº 52/83.
Quando duas acções não são rigorosamente iguais, em vez da litispendência, devem entrar em jogo institutos como a suspensão de acções ou a apensação de acções ( Anselmo de Castro, obra citada, pág. 796 ).
Foi o que o legislador previu no art. 11, nº 2, do citado dec-lei 177/86, ao estabelecer a suspensão do processo de falência pendente contra empresa cuja sentença não tenha ainda transitado em julgado, suspensão essa a decretar logo que no processo de recuperação de empresa seja proferido o despacho a que se refere o seu art. 8, nº 1 e até à deliberação da assembleia homologada por decisão do juiz, transitada em julgado, ou até ao termo do prazo previsto no seu art. 17, nº 3.
Ora, a suspensão do processo da convocação de credores nº 52/83 já foi decretada, em conformidade com o preceituado no art. 11, nº 2, do mesmo dec-lei 177/86.
Não há que trazer aqui à colação a doutrina do art. 12, nº 1, do novo Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, aprovado pelo dec-lei 132/93, de 23 de Abril, onde se dispõe que " há litispendência sempre que, em relação à mesma empresa devedora, se encontrem simultaneamente pendentes pedidos de recuperação e de declaração de falência ".
É que este novo Código não se aplica às acções pendentes à data da sua entrada em vigor, como é o novo caso, e se encontra expressamente previsto no art. 8, nº 3, do diploma preambular que aprovou o mesmo Código.
De resto, trata-se de uma norma que nem sequer pode ser invocada como elemento interpretativo para a legislação anterior.
É que o novo Código, aprovado pelo dec-lei 132/93, está imbuido de uma nova e diferente filosofia, completando uma " viragem histórica ", como se refere no seu preâmbulo.
Nele se procede a uma articulação de ambos os processos em questão, estando a recuperação e a falência da empresa sujeitas a nova fase processual comum introdutória ( art.1º a 27º ), o que antes se não verificava inteiramente.
E " não contente com a reunião no mesmo diploma dos dois processos funcionalmente afins e com a fácil circulação estabelecida entre uma e outra das providências executivas, o presente diploma afirma, em termos categóricos, a prioridade do regime de recuperação sobre o processo de falência conducente à extinção definitiva da empresa devedora " ( preâmbulo do dec-lei 132/93 ).
Antes de terminar, só resta chamar a atenção de que a doutrina do Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-6-80 ( Bol. 298-247 ), em que o despacho recorrido se parece ter abonado, não pode ter aqui aplicação, por versar sobre hipótese diversa daquela que ora nos ocupa.
Aí conclui-se pela litispendência , por penderem simultaneamente dois processos de falência, um por apresentação do comerciante, e outro a requerimento de um credor.
Termos em que acordam nesta Relação em conceder provimento ao agravo e, consequentemente, revogam o despacho recorrido e determinam o prosseguimento destes autos de recuperação de empresa.
Custas por quem as dever a final.
Porto,6-2-95
Fernando de Azevedo Ramos Álvaro de Sousa Reis Figueira
Fernando José de Castro Ferreira