Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4348/20.0T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: NULIDADES DE SENTENÇA
FUNDAMENTO DE FACTO
FUNDAMENTO DE DIREITO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RP202109064348/20.0T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 09/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - De acordo com o previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
II - Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto Reis, é recorrente a afirmação de que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.
III - No atual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório.
IV - Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
V - Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração do disposto no artigo 608º, primeira parte do nº 2, do Código de Processo Civil, ressalvando-se na segunda parte do número que se acaba de citar, o dever de o juiz apenas conhecer das questões suscitadas pelas partes cede quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
VI - As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide, reconduzindo-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das exceções e contra-exceções invocadas.
VII - O artigo 2º da Lei nº 75/2020 de 27 de novembro tem natureza processual e na falta de norma transitória para os processos pendentes, deve aplicar-se imediatamente, desde que isso ainda seja possível, ou seja, desde que à data da entrada em vigor da citada lei ainda não tenha expirado a prorrogação do prazo para conclusão das negociações nos termos previstos no nº 5, do artigo 17º-D do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4348/20.0T8VNG-A.P1
Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 26 de junho de 2020, no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, Comarca do Porto, B…, Lda. instaurou processo especial de revitalização, propondo plano de recuperação com perdão da totalidade das dívidas a fornecedores, prestadores de serviços e outros e requerendo a prolação do despacho previsto no artigo 17º-C nº 3 do CIRE[1], com todas as consequências legais, nomeadamente a nomeação de administrador provisório.
Aberta conclusão em 07 de julho de 2020 com a informação de que “se encontra a correr termos o processo de Insolvência pessoa coletiva (Requerida) com o n.º 1549/20.4T8VNG no Juiz 1 do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia” e de que “[c]orreu ainda termos o Processo Especial de Revitalização com o n.º 3846/20.0T8VNG no Juiz 5 do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, tendo o mesmo sido indeferido liminarmente”, a requerente foi notificada para em dois dias “juntar aos autos a declaração prevista no artigo 17º-C, n.º 1, do Código da Insolvência, protestada juntar, com advertência prevista no artigo 27.º, n.º 1, alínea b) do CIRE.”
Em 13 de julho de 2020 a requerente veio requerer a prorrogação do prazo para oferecimento do documento em falta e por despacho 17 de julho de 2020 foi concedido à requerente o prazo de cinco dias para oferecimento do citado documento.
Em 27 de julho de 2020 a requerente requereu nova prorrogação do prazo para oferecimento do mesmo documento, pretensão que de novo foi deferida pelo prazo improrrogável de cinco dias.
A requerente ofereceu a documentação em falta em 10, 11 e 12 de agosto de 2020 e em 13 de agosto de 2020 foi proferido o seguinte despacho:
O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização (artigo 17.º-A, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
De acordo com o disposto o n.º 1 do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o processo inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares, pelo menos, de 10% de créditos não subordinados, relacionados ao abrigo da alínea b) do n.º 3, por
meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por
meio da aprovação de um plano de recuperação.
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Face à declaração escrita apresentada, declaro iniciado o presente processo especial de revitalização previsto nos artigos 17.º-A e seguintes, do CIRE, relativo à devedora B…, LDA., NIF ………, com sede na Rua …, nº …, …. - … Porto.
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Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nomeio, por sorteio eletrónico, como administrador judicial provisório o Senhor Dr. C…, com domicílio profissional na Rua …, .., …, ….-… Viana do Castelo.
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Notifique de imediato a Requerente (artigo 17.º-C, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
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Cite os credores e outros interessados por editais e anúncio, nos termos previstos nos artigos 37.º, n.ºs 7 e 8, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, para os efeitos previstos no artigo 17.º-D, n.º 2, do mesmo Código.
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Remeta certidão à Conservatória do Registo Comercial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 38.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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A presente decisão obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor durante o decurso das negociações e implica a suspensão das ações em curso para cobrança de dívidas - artigo 17.º-E, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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A presente decisão implica para a devedora a proibição da prática de atos de especial relevo, nos termos definidos no artigo 161.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sem prévia autorização do administrador provisório - artigo 17.º-E, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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A devedora fica obrigada à prestação de informações nos termos previstos no artigo 17.º-D, n.º 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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O Senhor Administrador judicial nomeado tem, relativamente à devedora, as funções previstas no artigo 17.º-D, n.º 9, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e tem direito de acesso à sede e instalações da devedora, além do direito de proceder a quaisquer inspeções e exames, designadamente aos elementos da contabilidade, nos termos do n.º 3 do artigo 33.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicável ex vi artigo 17.º-C, n.º 3, alínea a), do citado diploma legal.
Em 15 de setembro de 2020 o Sr. Administrador Provisório ofereceu a lista provisória de créditos[2].
Em 19 de outubro de 2020 o Sr. Administrador Provisório foi notificado para no prazo de cinco dias oferecer o seu parecer sobre a impugnação da lista de créditos e, oferecido este parecer, em 03 de novembro de 2020 foi proferido despacho julgando procedente a impugnação de créditos formulada pela credora F…, reconhecendo-se-lhe o crédito de vinte e oito mil euros, de natureza comum.
Em 20 de novembro de 2020, o Sr. Administrador Provisório requereu[3] a junção aos autos de acordo subscrito por si e pela requerente para prorrogação por trinta dias das negociações tendo em vista a aprovação de um plano de recuperação conducente à revitalização da requerente.
Em 17 de dezembro de 2020, B…, Lda. Requereu[4] a junção aos autos de acordo por si subscrito e pelo Sr. Administrador Provisório pretendendo a prorrogação por um mês do prazo para oferecimento do plano de recuperação, fundamentando essa pretensão na existência de um número elevado de credores que torna morosa a comunicação entre devedora e credores, na falta de colaboração do ISS, IP e na circunstância de o seu gerente ter tido um acidente de trabalho que o impossibilitou para o trabalho no período compreendido entre 19 de outubro de 2020 e 06 de novembro de 2020 e ainda por ter sido sujeito a isolamento profilático entre 26 de outubro de 2020 e 08 de novembro de 2020, invocando como fundamento normativo o artigo 2º da Lei nº 75/2020 de 27 de novembro[5].
K…, Lda.[6], L…, Lda.[7], M…, Lda.[8], G… – Sociedade Unipessoal, Lda.[9] e N…, Unipessoal, Lda.[10] vieram deduzir oposição à pretensão de prorrogação do prazo para apresentação de plano de recuperação.
Em 14 de janeiro de 2021 foi proferido o seguinte despacho[11]:
Requerimento com a referência citius nº 27413024[12].
Uma vez que o prazo cuja prorrogação foi requerida já havia terminado no final de novembro de 2020 e dada a oposição de alguns credores, indefere-se ao requerido por carecer de base legal.
Notifique.
Em 18 de janeiro de 2021 a devedora requereu[13] a junção aos autos de novo “plano especial de revitalização”[14], requerendo ainda a junção aos autos de documento comprovativo de baixa médica da sua mandatária[15].
Em 19 de janeiro de 2021 O…, S.A.[16] veio apresentar requerimento em que pugna pela impossibilidade de as condições contratuais ajustadas com a devedora poderem ser alteradas em sede de processo de revitalização, pelo que irá votar contra o plano de recuperação.
Em 22 de janeiro de 2021 k…, Lda. requereu o seguinte:
K…, Lda., credora reclamante nos autos à margem referenciados, notificada do plano especial de revitalização extemporaneamente junto pela devedora B…, Lda, vem expor e requerer a V.Exa o seguinte:
- Conforme resulta dos autos, no período de dois meses a que alude o artigo 17.º -D n.º 5 do CIRE, a devedora limitou-se a comunicar o teor da proposta do plano de revitalização a alguns credores, não encetou negociações com os credores comuns e apenas terá tentado negociar com os credores que lhe interessa que aprovem o plano de revitalização, de modo a evitar a exigibilidade das dívidas aos seus sócios e gerentes.
- Já findo o prazo das negociações veio a devedora pedir a prorrogação do plano de revitalização, pedido que foi naturalmente indeferido por extemporâneo.
- Logo, o plano de revitalização agora apresentado é também ele, naturalmente, extemporâneo, pois o prazo para a sua apresentação terminou já no final de novembro de 2020 (e não durante o período de impedimento da ilustre colega que representa a devedora).
- Ora, determina o artigo 17.º - D do CIRE que, findo o prazo para impugnações, a devedora e os declarantes dispõe de dois meses para concluir as negociações.
- Por sua vez, determina o artigo 17.º - F n.º 1 do CIRE que a versão final do plano de revitalização tem de ser apresentada até ao último dia do prazo de negociações.
- Assim, como vimos, há muito que se encontra esgotado esse prazo, pelo que nos termos do artigo 17.º -G n.º 1 e n.º 3 do mesmo diploma legal, deve o presente processo ser encerrado e declarada a insolvência da devedora que já se encontra efetivamente em situação de insolvência – como resulta dos autos – atento o seu elevado passivo e inexistente ativo.
Sem prescindir,
- Caso assim não se entenda, o que só por hipótese se admite, desde já manifesta o seu sentido de voto, opondo-se expressamente à homologação do plano de revitalização apresentado, o qual não tem qualquer viabilidade e é extremamente penoso para os credores comuns que vêm praticamente todo o seu crédito perdoado, em clara violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
Em substância, Q…, Lda.[17], M…, Lda., L…, Lda., N…, Unipessoal, Lda., G… – Sociedade Unipessoal, Lda. e S…, Lda.[18] assumiram posições consonantes com a adotada pela credora K…, Lda..
Em 25 de janeiro de 2021, a requerente do processo de revitalização ofereceu o seguinte requerimento[19]:
B…, Lda. Requerente nos autos acima referenciados, Tendo sido notificada do Douto Despacho a fls… que indeferiu o pedido de prorrogação do prazo, Vem muito respeitosamente Expor e Requerer a V. Ex. o seguinte:
Em 20 de novembro de 2020 deu entrada em juízo de Requerimento subscrito pelo sr- Administrador Provisório e o legal representante da Requerente a solicitar a prorrogação de prazo por um mês ao abrigo do disposto no artigo 17-D do CIRE
Tal pedido não mereceu qualquer Despacho, tendo o Requerente e o Administrador provisório ficado a aguardar o mesmo.
Ainda antes de perfazer o prazo do mês solicitado, isto é, em 17/12/2020, o Requerente e o administrador provisório deram entrada de requerimento conjunto que mereceu a referência 27659185, invocando que se encontravam reunidos os pressupostos da Lei nº 75/2020 de 27 de novembro solicitando nova prorrogação de prazo.
E,
Mais uma vez ficou a aguardar despacho por parte do Douto Tribunal.
Assim,
Em 18 de janeiro de 2021, após o levantamento da baixa médica a que esteve sujeita a mandatária destes autos, e por justo impedimento que se invocou. Deu entrada de novo Plano realizado com base nas alterações sugeridas por alguns dos credores destes autos, onde se inclui o ISS,IP.
Recebe hoje a Requerente o Despacho que se supõe indeferir o pedido de prorrogação de prazo solicitado a 20/11/2020,
Contudo,
Já cumpriu a Requerente o prazo de entrega do novo Plano negociado, sendo que salvo o devido respeito por entendimento diferente a 20 de novembro suspendeu o prazo para entrega de Plano com a conclusão das negociações.
Face ao Exposto, Requer-se a V. Exa. se digne admitir e aceitar o novo Plano corrigido de acordo com as negociações encetadas e já junto aos autos a fls…
Em 11 de fevereiro de 2021 foi proferido o seguinte despacho[20]:
Ref. Citius 27968568 [requerimento da devedora de 25 de janeiro de 2021]:
Decorre do disposto no artigo 17.º-D, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que findo o prazo para impugnações, o devedor e os declarantes dispõe de 2 (dois) meses para concluírem as negociações, sendo que do n.º 1, do artigo 17.º-F, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, resulta que a versão final do plano tem de ser depositada até ao último dia do prazo de negociações.
No caso vertente, ainda que, de facto, tenha ocorrido acordo para prorrogação do prazo para apresentação do plano de revitalização, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 17-D, decorre de tal preceito legal que o referido prazo só pode ser prorrogado por uma única
vez, acordo esse que não carece, sequer, de apreciação judicial, sendo publicitado, desde logo,
no portal citius.
Tendo o acordo de prorrogação sido outorgado a 20.11.2020, o prazo para apresentar
plano de revitalização sempre teria terminado a 20.12.2020.
Ademais, até pela posição assumida por inúmeros credores que se vieram pronunciar nos autos, não vislumbramos qualquer fundamento para nova prorrogação ao abrigo do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 75/2020, de 27 de novembro.
Refira-se, por fim, que o impedimento da ilustre mandatária de devedora data de 7 a 17 de janeiro de 2021, pelo que não vislumbramos a existência de justo impedimento para a apresentação tempestiva do plano de revitalização.
Assim sendo, indefere-se o requerido pela devedora.
Notifique.
Em 01 de março de 2021, inconformada com a decisão que precede[21], B…, Lda. interpôs recurso de apelação[22], terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 - O requerimento apresentado em 17 de dezembro de 2020, pela Apelante e pelo Administrador Judicial Provisório, com vista à prorrogação do prazo por um mês, ao abrigo do artigo 2º da Lei n.º 75/2020, de 27 de novembro, foi tempestivo e está devidamente fundamentado.
2 – Pelo contrario o Despacho de 15-01-2021, carece de falta de fundamentação, quer de facto, quer de direito, o que torna a DECISÃO NULA.
3 - Não vemos, pois, que o “não vislumbramos qualquer fundamento para nova prorrogação”, possa valer como fundamento legal do Douto Despacho ora impugnado.
4 – Face ao Requerimento subscrito pela Devedora e pelo Administrador Judicial provisório, fundamentado com elementos documentais, deveria sobre o mesmo recair Despacho de Deferimento e receber a nova versão do Plano, por tempestiva.
5 – A Lei nº75/2020, de 27 de novembro, é um regime excecional e temporário, que permite afastar a imperatividade do nº5 do artigo 17º-D do CIRE e, desde que subscrito pelo Devedor e Administrador Judicial provisório, devidamente fundamentado, permite prorrogar por mais um mês a entrega na nova versão do plano.
6 - Lei n.º 75/2020, no seu artigo 2º, que estabelece um regime excecional e temporário de prorrogação do prazo para conclusão das negociações encetadas, permite conceder nova prorrogação do prazo, por uma só vez e por um mês, a requerimento fundamentado da Empresa e do Administrador Judicial Provisório, como é o caso presente.
7 – Já há decisões dos tribunais, que vão no sentido de aplicar o nº 2 Lei nº75/2020, e conceder prazo de prorrogação para conclusão de negociações a Requerimento de Devedor e Administrador Judicial provisório, conforme ocorreu no processo 4409/20.5T8VNF do Juiz 2 do Juízo de Comercio de Vila Nova de Famalicão, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
8 – O facto dos credores que se pronunciarem no sentido de não ser de admitir a prorrogação do prazo por aplicação do artigo 2º da Lei nº75/2020, não é condição sine qua non para a prorrogação do prazo, nem pode influenciar a decisão de aplicar apela disposição legal.
9 - O Despacho recorrido não dispõe de fundamentação legal adequada (artigo 154º do C.P.C.).
10 – A nova versão do plano apresentado em 18/01/2020, foi junta aos autos dentro do prazo de um mês contados do dia 20/12/2020, prazo concedido pelo disposto no artigo 17º-D/5, do CIRE, pelo que a sua apresentação foi tempestiva.
11 – Em suma, decidindo como decidiu violou o Tribunal a quo os artigos 615.º/1 b) e d) do C.P.C e toda a outra legislação supracitada, os quais fundam o direito da Apelante.
Em 13 de abril de 2014, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:
Lidas as alegações de recurso e dada a nulidade aí invocada impõe-se complementar a fundamentação do despacho, suprindo-a.
Resulta dos autos que a Apelante, em 26.06.2020, requereu processo especial de revitalização junto dos Juízos de Comércio de Vila Nova de Gaia.
Ulteriormente, entendeu o Senhor Administrador Judicial Provisório e a Requerente, no uso da prorrogativa do artigo 17º-D/5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, apresentar, em 20 de novembro de 2020, Acordo Prévio e escrito no sentido de ser prorrogado por um mês o prazo para concluir as negociações encetadas, o que implicaria que a 20.12.2020 deveria ter sido depositada a versão final do plano.
A 17.12.2020, a Requerente e o Senhor Administrador Judicial Provisório apresentaram novo pedido de prorrogação de prazo, à luz do disposto no artigo 2.º da Lei nº 75/2020, de 27 de novembro, o qual consagra que a requerimento fundamentado da empresa ou do devedor, consoante os casos, e do administrador judicial provisório, o juiz pode conceder nova prorrogação do prazo para conclusão das negociações encetadas com vista à aprovação de plano de recuperação ou de acordo de pagamento adaptados ao contexto da pandemia da doença COVID-19, por uma só vez e por um mês, além da prevista no n.º 5 do artigo 17.º-D e no n.º 5 do artigo 222.º-D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Em 18 de janeiro de 2021, apresentaram aos autos versão atualizada do plano.
Afigura-se-nos, no entanto, não se vislumbrar fundamento para a concessão da referida prorrogação atentas as declarações de oposição manifestadas nos autos por inúmeros credores relativamente ao plano e à conduta assumida pela devedora, sendo que a referida prorrogação seria prejudicial para a salvaguarda dos seus direitos, não encontrando, ainda, acolhimento no contexto pandémico vivenciado.
Assim sendo, complementando-se a fundamentação do despacho alvo de recurso mantém-se o sentido do anteriormente decidido.
Notifique.
Em 11 de maio de 2021 o recurso interposto por B…, Lda. foi admitido como de apelação, com subida imediata[23], em separado e no efeito meramente devolutivo.
Uma vez que o objeto do recurso é de natureza estritamente jurídica, revestindo-se de alguma simplicidade e tendo ainda em conta a natureza urgente dos autos, com o acordo dos restantes membros do coletivo, dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito do despacho proferido em 14 de janeiro de 2021 e bem assim da nulidade por falta de fundamentação de facto e por omissão de pronúncia da decisão proferida em 11 de fevereiro de 2021;
2.2 Da prorrogação do prazo para conclusão das negociações ao abrigo do artigo 2º da Lei nº 75/2020, de 27 de novembro.
3. Fundamentos de facto
Os factos necessários e suficientes para conhecimento das questões decidendas constam do relatório deste acórdão, resultam dos próprios autos, nesta parte com força probatória plena e não se reproduzem neste momento por evidentes razões de economia processual.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito do despacho proferido em 14 de janeiro de 2021 e bem assim da nulidade por falta de fundamentação de facto e por omissão de pronúncia da decisão proferida em 11 de fevereiro de 2021
A recorrente imputa ao despacho proferido em 14 de janeiro de 2021 a nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito e à decisão proferida em 11 de fevereiro de 2021 a nulidade por falta de fundamentação de facto e por omissão de pronúncia.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto Reis[24], é recorrente a afirmação de que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.
No entanto, no atual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório[25].
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração do disposto no artigo 608º, primeira parte do nº 2, do Código de Processo Civil. No entanto, como ressalva a segunda parte do número que se acaba de citar, o dever de o juiz apenas conhecer das questões suscitadas pelas partes cede quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide[26]. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das exceções e contra-exceções invocadas.
Importa salientar que a vinculação do tribunal às concretas questões ou problemas suscitados pelas partes é compatível com a sua liberdade de qualificação jurídica (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Por isso, o tribunal pode, sem violação da sua vinculação à problemática invocada pelas partes, qualificar juridicamente de forma diferente essas questões.
Estas previsões são aplicáveis aos despachos, com as necessárias adaptações, por força do disposto no nº 3, do artigo 613º do Código de Processo Civil.
O despacho proferido em 14 de janeiro de 2021 tem o seguinte teor:
Requerimento com a referência citius nº 27413024[[27]].
Uma vez que o prazo cuja prorrogação foi requerida já havia terminado no final de novembro de 2020 e dada a oposição de alguns credores, indefere-se ao requerido por carecer de base legal.
Notifique.
Este despacho suscita uma primeira dificuldade e que é a determinação precisa do que nele se apreciou.
De facto, fazendo fé na referência citius citada no despacho antes reproduzido, parece que se estaria a apreciar o acordo do Sr. Administrador Provisório e da devedora no sentido da prorrogação do prazo das negociações nos termos previstos no nº 5, do artigo 17º-D, do CIRE, pois que essa referência é a do requerimento do Sr. Administrador Provisório entrado em juízo em 20 de novembro de 2020.
Porém, neste requerimento não se suscita a intervenção do tribunal e apenas se lhe dá conhecimento da prorrogação do prazo das negociações por efeito do acordo obtido entre o Sr. Administrador Provisório e a devedora.
Uma vez que no despacho em análise se refere um requerimento para prorrogação do prazo para o encerramento das negociações e que se considera findo esse prazo no “final de novembro”, parece que não obstante a aludida referência citius se pretendeu de facto tomar conhecimento do requerimento para prorrogação excecional do prazo para conclusão das negociações apresentado pela devedora em 17 de dezembro de 2020 e com a referência citius 27659185.
Entrando na análise da patologia invocada pela recorrente relativamente a esta decisão, é ostensivo que a mesma não obedece ao figurino que uma decisão judicial deve ter, destrinçando os fundamentos de facto dos fundamentos de direito e motivando uns e outros.
Porém, mesmo uma decisão judicial insuficiente ou medíocre, só por o ser, não é necessariamente nula do ponto de vista processual, pois que essa falta de qualidade projeta-se necessariamente na sua valia enquanto ato decisório, nomeadamente no seu poder persuasivo junto dos destinatários da mesma. De facto, quer as razões de facto, quer as razões direito indicadas numa decisão desse quilate podem ser erradas, improcedentes ou até impertinentes, realidades bem diversas das que integram a nulidade decisória por falta de fundamentação de facto ou de direito.
No caso em apreço, a decisão proferida em 14 de janeiro de 2021 “mistura” dados de facto e de direito – o exaurimento de um prazo em finais de novembro de 2020 e a insuscetibilidade de prorrogação de um prazo já expirado – com dados de facto – a oposição de alguns credores – sem atentar, em primeiro lugar, que o prazo havia sido prorrogado até 20 de dezembro de 2020 por efeito do acordo do Sr. Administrador Provisório e da devedora junto aos autos em 20 de novembro de 2020 e, por outro lado e em segundo lugar, sem evidenciar em termos de regime jurídico a relevância jurídica da oposição de alguns credores à pretensão de prorrogação do prazo formulada em 17 de dezembro de 2020.
Porém, estas insuficiências da decisão proferida em 14 de janeiro de 2021 e que se acabam de evidenciar, constituem erros de julgamento, a apreciar ulteriormente e não propriamente vícios da construção da decisão recorrida pois que, ainda que de forma muito minimalista, essa decisão contém pelo menos um fundamento de direito e alguns fundamentos de facto – a extinção do prazo das negociações por efeito do decurso do prazo e a oposição de alguns credores. Além disso, os fundamentos de facto e de direito mencionados pelo tribunal recorrido habilitam os destinatários da decisão a perceber as razões de facto e de direito sobre as quais a mesma assentou e a criticá-las.
Assim, não procede a arguição da recorrente de nulidade do despacho proferido em 14 de janeiro de 2021 por falta de fundamentação de facto e de direito.
Debrucemo-nos agora sobre a nulidade por falta de fundamentação de direito e por omissão de pronúncia da decisão proferida em 11 de fevereiro de 2021.
A recorrente substancia esta arguição alegando, em síntese, que esta decisão não tem fundamentação de facto, apenas estando juridicamente fundamentada e, além disso, que “não fez qualquer apreciação dos documentos juntos aos autos e que fundamentavam tal pedido, designadamente a troca de correspondência com a credora maioritária, que ainda em 13 de dezembro de 2020 solicitava documentos, para apreciar a sua posição quanto ao Plano”, nem “atendeu ao hiato de tempo em que o legal representante da Devedora se encontrou impossibilitado de encetar negociações com os credores e que ocorreu entre 19-10-2020 e 08-11-2020, o que atrasou todo o processo.”
Antes de mais importa não olvidar que, embora com violação do disposto no nº 1, do artigo 617º do Código de Processo Civil, em 13 de abril de 2021, o tribunal a quo proferiu despacho com o propósito de suprir as nulidades imputadas à decisão proferida em 11 de fevereiro de 2021.
De acordo com o disposto no nº 2, do artigo 617º do Código de Processo Civil, se o juiz suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão.
A nosso ver, pelas razões já expostas quanto se apreciou da ocorrência das nulidades imputadas ao despacho proferido em 14 de janeiro de 2020, a decisão proferida em 11 de fevereiro de 2021, mesmo sem o suprimento de 13 de abril de 2021, não padece de falta de fundamentação de facto, na medida em que aí se refere que tendo “o acordo de prorrogação sido outorgado a 20.11.2020, o prazo para apresentar plano de revitalização sempre teria terminado a 20.12.2020. Ademais, até pela posição assumida por inúmeros credores que se vieram pronunciar nos autos, não vislumbramos qualquer fundamento para nova prorrogação ao abrigo do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 75/2020, de 27 de novembro. Refira-se, por fim, que o impedimento da ilustre mandatária de devedora data de 7 a 17 de janeiro de 2021, pelo que não vislumbramos a existência de justo impedimento para a apresentação tempestiva do plano de revitalização.
Posteriormente, no despacho proferido em 13 de abril de 2021, referiu-se “não se vislumbrar fundamento para a concessão da referida prorrogação atentas as declarações de oposição manifestadas nos autos por inúmeros credores relativamente ao plano e à conduta assumida pela devedora, sendo que a referida prorrogação seria prejudicial para a salvaguarda dos seus direitos, não encontrando, ainda, acolhimento no contexto pandémico vivenciado.
De facto, por um lado, entendeu-se que o prazo para apresentação do plano de recuperação expirou em 20 de dezembro de 2020 e, por outro lado, que a oposição de “inúmeros credores”[28] sempre obstaria a que houvesse fundamento para a prorrogação requerida em 17 de dezembro de 2020, acrescentando-se no suprimento ensaiado em 13 de abril de 2021, para justificar o indeferimento da prorrogação excecional do prazo para conclusão das negociações uma referência “à conduta assumida pela devedora”, sem no entanto curar de caraterizar a que conduta pretendia aludir e, ainda, que a pretendida prorrogação não encontrava “acolhimento no contexto pandémico vivenciado.
Assim, embora escassos, porventura erróneos, insuficientes e impertinentes, alguns fundamentos de facto foram referenciados para justificar a decisão proferida em 11 de fevereiro de 2021, o que implica a improcedência da arguição de nulidade dessa decisão por falta de fundamentação de facto.
Debrucemo-nos agora sobre a arguida nulidade da mesma decisão por omissão de pronúncia[29].
No que respeita esta arguição, afigura-se-nos que a recorrente confunde a omissão de pronúncia com a insuficiência factual da decisão (artigo 662º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil), insuficiência de conhecimento oficioso e suprível nesta instância na medida em que este tribunal tem ao seu dispor toda a prova documental que poderia servir para julgar provados mais dados de facto alegados para suportar a pretensão de prorrogação do prazo para conclusão das negociações.
Assim, também nesta parte improcede a arguição de nulidade da decisão proferida em 11 de fevereiro de 2021.
4.2 Da prorrogação do prazo para conclusão das negociações ao abrigo do artigo 2º da Lei nº 75/2020, de 27 de novembro
Em 17 de dezembro de 2020, a ora recorrente veio, ao abrigo do artigo 2º da Lei nº 75/2020, de 27 de novembro, requerer a prorrogação do prazo para conclusão das negociações por trinta dias alegando para fundar essa pretensão a existência de um número elevado de credores que torna morosa a comunicação entre devedora e credores, a falta de colaboração do ISS, IP e a circunstância de o seu gerente ter tido um acidente de trabalho que o impossibilitou para o trabalho no período compreendido entre 19 de outubro de 2020 e 06 de novembro de 2020 e ainda por ter sido sujeito a isolamento profilático entre 26 de outubro de 2020 e 08 de novembro de 2020.
Na decisão recorrida e no despacho proferido para suprimento das nulidades arguidas pela recorrente indeferiu-se esta pretensão aludindo-se à oposição de inúmeros credores, “à conduta assumida pela devedora”, e, ainda, que a pretendida prorrogação não encontrava “acolhimento no contexto pandémico vivenciado.
Cumpre apreciar e decidir.
A alínea a), do artigo 1º da Lei nº 75/2020 de 27 de novembro[30], prescreve que nessa lei se “[e]stabelece um regime excecional e temporário de prorrogação do prazo para conclusão das negociações encetadas com vista à aprovação de plano de recuperação ou de acordo de pagamento, bem como de concessão de prazo para adaptação da proposta de plano de insolvência no âmbito da pandemia da doença COVID -19”.
Por seu turno, o artigo 2º da citada lei dispõe que “[a] requerimento fundamentado da empresa ou do devedor, consoante os casos, e do administrador judicial provisório, o juiz pode conceder nova prorrogação do prazo para conclusão das negociações encetadas com vista à aprovação de plano de recuperação ou de acordo de pagamento adaptados ao contexto da pandemia da doença COVID-19, por uma só vez e por um mês, além da prevista no n.º 5 do artigo 17.º -D e no n.º 5 do artigo 222.º -D do CIRE.”
Esta previsão legal tem natureza processual e na falta de norma transitória para os processos pendentes, deve aplicar-se imediatamente, desde que isso ainda seja possível, ou seja, desde que à data da entrada em vigor da Lei nº 75/2020 de 27 de novembro ainda não tenha expirado a prorrogação do prazo para conclusão das negociações nos termos previstos no nº 5, do artigo 17º-D do CIRE.
No caso em apreço, o pedido de prorrogação do prazo para conclusão das negociações formulado pela devedora tem o acordo do Sr. Administrador Provisório e foi apresentado enquanto ainda decorria a prorrogação do prazo para conclusão das negociações nos termos previstos no nº 5, do artigo 17º-D do CIRE.
O pedido foi formulado em momento em que se mantém a situação de pandemia da doença COVID-19.
A documentação oferecida pela recorrente e transcrita em parte no relatório deste acórdão na parte mais relevante dá conta de dificuldades de comunicação com a Segurança Social, credora que detém 27,43% da totalidade dos créditos relacionados na primeira lista provisória de créditos.
Além disso, resulta da mesma documentação oferecida pela recorrente que o seu gerente esteve impossibilitado do exercício de funções num período de pelo menos três semanas, na última semana de outubro de 2020 e nas duas primeiras semanas de novembro de 2020.
A oposição de vários credores à requerida prorrogação não constitui por si fundamento bastante para o não deferimento dessa pretensão, tanto mais que se trata de credores sem um peso significativo na totalidade dos créditos relacionados na lista provisória.
Assim, tudo sopesado, afigura-se que é de deferir o requerimento formulado pela devedora em 17 de dezembro de 2020, com o acordo do Sr. Administrador Provisório, para prorrogação do prazo para conclusão das negociações, por trinta dias, prazo que terminou em 20 de janeiro de 2021, revogando-se por isso o despacho proferido em 14 de janeiro de 2021 que indeferiu essa prorrogação e bem assim o despacho proferido em 11 de fevereiro de 2021 que considerou intempestiva a apresentação do plano de recuperação em 18 de janeiro de 2021.
No circunstancialismo resultante desta decisão, devem os autos prosseguir os seus termos com as diligências e formalidades legais necessárias à submissão à votação pelos credores do plano de recuperação apresentado pela devedora.
Uma vez que a recorrente tirou proveito do recurso interposto e que não foram apresentadas contra-alegações (parte final do nº 1, do artigo 527º, do Código de Processo Civil), visto o disposto na alínea u) do nº 1, do Regulamento das Custas Processuais, não há lugar a custas.
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso de apelação interposto por B…, Lda. e, em consequência, em revogar o despacho proferido em 14 de janeiro de 2021 e bem assim o despacho proferido em 11 de fevereiro de 2021, substituindo-se por decisão que defere a prorrogação do prazo para conclusão das negociações requerida em 17 de dezembro de 2020 e julgando-se tempestivamente apresentado o plano de recuperação em 18 de janeiro de 2021, devendo os autos prosseguir os seus termos com as diligências e formalidades legais necessárias à oportuna submissão à votação pelos credores do plano apresentado pela devedora.
Sem custas, ex vi artigo 4º, nº 1, alínea u) do Regulamento das Custas Processuais.
***
O presente acórdão compõe-se de dezoito páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 06 de setembro de 2021
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Acrónimo com que doravante se identificará o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[2] Nesta lista estão relacionados cento e dois credores, sendo o maior credor o Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital do Porto, titular de créditos que representam 27,43% da totalidade dos créditos, seguido da D… com créditos que representam 9,55% da totalidade dos créditos e do Banco E… com créditos que representam 6,53% da totalidade dos créditos, surgindo seguidamente a F… com 5,22% da totalidade dos créditos e a G… – Sociedade Unipessoal, Lda. com 4,93% da totalidade dos créditos, totalizando estes cinco maiores credores 53,66% da totalidade dos créditos.
[3] Requerimento com a referência citius nº 27413024.
[4] Requerimento com a referência citius nº 27659185.
[5] Para instruir este requerimento foram oferecidos os seguintes documentos: correspondência eletrónica trocada entre a devedora e os Serviços da Segurança Social de que se destacam, por último, as seguintes mensagens: de 14 de dezembro de 2020, pelas 09:35:52, remetida por H… para `I…-….p@adv.oa.pt´, com o seguinte teor: “Exmª. Senhora Drª. I…, Salvo melhor opinião, a declaração junta não atesta que o declarante é gerente de facto e de direito da sociedade comercial em causa – sendo isto que se pretende com a mesma. Relativamente ao documento comprovativo da gerência de facto, não me é possível vislumbrar qual a dificuldade de obtenção do mesmo, caso o declarante seja, efetivamente, o gerente de facto da sociedade comercial e a represente perante todo e qualquer terceiro. Uma vez mais se relembra V. Exª. que a informação é solicitada ao abrigo do princípio da boa-fé que deve pautar as negociações no âmbito do PER e será levada em devida consideração aquando da emissão do sentido de voto.”; de 14 de dezembro de 2020, pelas 12:34:37, remetida por I…-….p@adv.oa.pt para H…, com o seguinte teor: “Exma. Senhora Drª H…. Peço mil desculpas pelo facto de não entender o que esse serviço pretende. O documento que remeti é uma declaração do gerente de facto declarando que o é. Caso entenda que esse serviço não se basta com a declaração que enviei, e porque nunca me foi solicitado tal documento. Agradecia que m/ facultasse uma minuta por forma a satisfazer junto desse serviço com o documento solicitado de outro modo sou incapaz de poder cumprir de forma celere com o que m/ solicita. Quanto à gerência de Direito encontra-se devidamente atestada através da certidão comercial eletrónica à qual V. Exa. tem acesso e da qual consta a gerencia de J… e a renuncia à gerencia do T…. Presumo que por si só a certidão associada à declaração que foi remetida já é demonstrativo da boa fé.”; Boletim de situação clínica relativo a J… em que consta que o identificado sofreu acidente de trabalho em 19 de outubro de 2020, ficando em tratamento em regime de incapacidade temporária absoluta a partir de 06 de novembro de 2020 [sublinhe-se que não foi junta documentação clínica que comprove qual foi a situação do sinistrado entre 19 de outubro de 2020 e 05 de novembro de 2020]; Boletim de situação clínica relativo a J… em que consta que o identificado sofreu acidente de trabalho em 19 de outubro de 2020, ficando em tratamento em regime de incapacidade temporária parcial, com coeficiente de 20%, a partir de 16 de novembro de 2020; declaração para efeitos de isolamento profilático datada de 29 de outubro de 2020, subscrita por P…, na qualidade de Autoridade de Saúde do ACES …, na qual, além do mais, declara que “determino o isolamento profilático de J…, portador do CC nº. 8418615, com o número de identificação de segurança social ………., pelo período de 26/10/2020 a 08/11/2020 por motivo de perigo de contágio e como medida de contenção de disseminação de doença infeciosa.”
[6] De acordo com a primeira lista provisória de créditos (na verdade, apesar da procedência da impugnação desta lista pela credora F…, com redução do crédito desta, não consta do processo uma correção do valor relativo de cada um dos créditos aí relacionados), o crédito desta credora corresponde a 0,53%.
[7] De acordo com a primeira lista provisória de créditos, o crédito desta credora corresponde a 0,23%.
[8] De acordo com a primeira lista provisória de créditos, o crédito desta credora corresponde a 0,55%.
[9] De acordo com a primeira lista provisória de créditos, o crédito desta credora corresponde a 4,93%.
[10] De acordo com a primeira lista provisória de créditos, o crédito desta credora corresponde a 1,79%.
[11] Notificado às partes em expediente eletrónico elaborado em 15 de janeiro de 2021.
[12] Trata-se do requerimento apresentado pelo Sr. Administrador Provisório em 20 de novembro de 2020, dando conta do seu acordo com a devedora no sentido da prorrogação por mais trinta dias do prazo para conclusão das negociações.
[13] Requerimento com a referência citius 27887402.
[14] A proposta da devedora em sede de reestruturação financeira é a seguinte: “a) Dívida à Segurança Social: plano de pagamento de dívidas nos termos legais em 5 anos, em plano de 60 prestações mensais e sucessivas, a ser implementado no âmbito da execução fiscal no mês seguinte ao da sentença de homologação do plano. Os juros vincendos vencerão à taxa legal em vigor. b) Dívida à Autoridade Tributária: plano de pagamento de dívidas nos termos legais em 3 anos. c) Dívida à Autoridade Judicial: plano de pagamento de dívidas nos termos legais em 1 ano. d) Dívida a credores laborais: pagamento da totalidade da dívida reconhecida aos funcionários e ex-funcionários nas condições e prazos previstos no Plano de 24 meses. e) Dívida a Fornecedores/Prestadores de Serviços/Outros: perdão de 65% da dívida.
[15] Do certificado de incapacidade temporária para o trabalho consta que a incapacidade se iniciou no dia 07 de janeiro de 2021 e terminou em 17 de janeiro de 2021.
[16] De acordo com a primeira lista provisória de créditos, o crédito desta credora corresponde a 0,72%.
[17] De acordo com a primeira lista provisória de créditos, o crédito desta credora corresponde a 1,30%.
[18] De acordo com a primeira lista provisória de créditos, o crédito desta credora corresponde a 0,44%.
[19] Com a referência Citius 27968568.
[20] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 12 de fevereiro de 2021.
[21] E também com a proferida em 15 de janeiro de 2021.
[22] Requerimento com a referência Citius nº 28256019.
[23] Desde que entrou em vigor o atual Código de Processo Civil, inexistem recursos com subida diferida ou com subida imediata, havendo sim decisões passíveis de recurso autónomo e outras que não são passíveis de recurso autónomo.
[24] Veja-se o Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
[25] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Março de 2011, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sérgio Poças, no processo nº 161/05.2TBPRD.P1.S1 e acessível no site da DGSI.
[26] Sobre esta questão veja-se, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Coimbra Editora 2017, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, páginas 712 a 714 e 737. Não obstante os argumentos não sejam questões, do ponto de vista retórico e da força persuasiva da decisão, há interesse na sua análise e refutação.
[27] Trata-se do requerimento apresentado pelo Sr. Administrador Provisório em 20 de novembro de 2020, dando conta do seu acordo com a devedora no sentido da prorrogação do prazo para conclusão das negociações por mais trinta dias.
[28] Exige-se de um julgador rigor nas palavras. Afirmar-se que “inúmeros credores” se opuseram a certa pretensão significa que uma quantidade inumerável de credores se opuseram a essa pretensão. Ora, num processo judicial, realidade finita, não se cura de realidades inumeráveis, infinitas, sendo evidente da simples leitura do relatório deste acórdão que os credores que se opuseram à pretensão de prorrogação excecional do prazo das negociações eram facilmente identificáveis e em número inferior a dez. [29] Recorde-se que para integrar esta patologia a recorrente alegou que a decisão recorrida “não fez qualquer apreciação dos documentos juntos aos autos e que fundamentavam tal pedido, designadamente a troca de correspondência com a credora maioritária, que ainda em 13 de dezembro de 2020 solicitava documentos, para apreciar a sua posição quanto ao Plano”, nem “atendeu ao hiato de tempo em que o legal representante da Devedora se encontrou impossibilitado de encetar negociações com os credores e que ocorreu entre 19-10-2020 e 08-11-2020, o que atrasou todo o processo.
[30] Por força do disposto no nº 1, do artigo 18º desta Lei, a mesma entrou em vigor em 28 de novembro de 2020 e vigorará até 31 de dezembro de 2021.