Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA OLÍVIA LOUREIRO | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO QUALIDADE DE LOCADOR RENOVAÇÃO DO CONTRATO RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202411114235/23.0T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O locador não tem de ser o proprietário do bem locado, tendo a ação de despejo de carácter pessoal ou obrigacional, e não real. Tem, contudo, que demonstrar a sua qualidade de locador alegando a que título se tornou senhorio, pelo que se não figurar como tal no contrato de arrendamento e tiver alegado que sucedeu essa posição por ter adquirido o imóvel locado tem de provar tal aquisição. II – O artigo 1110º do Código Civil possibilita às partes a estipulação de contrato de arrendamento a termo certo, com afastamento da possibilidade da sua renovação, impondo, todavia, quando tal acordo inexista, que as renovações automáticas tenham um prazo mínimo de cinco anos, apenas podendo tais renovações ser impedidas por via da declaração atempada de oposição às mesmas. III - Ainda que venha a considerar-se que a oposição à renovação comunicada pela senhoria seria eficaz em data posterior à pretendida e declarada nessa comunicação, caso a mesma ainda não tivesse produzido efeitos quando a ação foi proposta deve considerar-se que nessa data não estava verificado o incumprimento da obrigação de devolver o locado que serve de causa de pedir pelo que deve improceder o pedido de despejo. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo número 4235/23.0T8PRT.P1, Juízo Local Cível do Porto, Juiz 4
Recorrente: A..., Ldª Recorrido: AA
Relatora: Ana Olívia Loureiro Primeira adjunta: Maria Fernanda Fernandes de Almeida Segundo adjunto: José Eusébio Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório: 1. Em 23-03-2023 A..., Lda., NIPC ... intentou ação sob a forma de processo comum contra AA pedindo que se julgue cessado, por ter ocorrido oposição à renovação, o contrato de arrendamento celebrado por este, na qualidade de arrendatário, em 01-10-2008, pelo prazo de cinco anos e renovável por períodos de três, que teve por objeto um prédio urbano e uma parcela de terreno de cultura que fora integrada naquele, prédio e parcela esses que a Autora alegou ter adquirido, assim sucedendo na posição de senhoria no referido contrato. 2. Citado, o Réu contestou excecionando a ininteligibilidade do pedido, a contradição entre este e a causa de pedir e alegando que o contrato em causa abrangia dois imóveis e que à data em que a Autora lhe enviou carta pela qual se opunha à renovação do contrato ainda não havia adquirido, no todo ou em parte, o prédio rústico de que é locatário e que, afirmou, constitui imóvel distinto, nunca tendo sido integrado no prédio urbano também dado em arrendamento. Daí, conclui, a carta que recebeu da Autora, de oposição à renovação do arrendamento não produziu qualquer efeito por ter sido enviada por quem não tinha a qualidade de senhoria. Defendeu ainda que por força da alteração legal introduzida pela Lei 13/2019 aplicável ao contrato dos autos o mesmo tem como prazo mínimo de renovação sucessiva o de cinco anos pelo que, também por isso, a oposição à renovação manifestada em 6 de agosto de 2021 é inoperante, porque o período de renovação então em curso terminaria em 01 de outubro de 2024. Finalmente alegou que quando soube da aquisição do prédio urbano de que é arrendatária propôs contra a Autora e outros réus duas ações, sendo uma com vista ao exercício da preferência[1] nessa aquisição e outra com vista à anulação desse negócio por simulação. 3. A 10-10-2023 foi proferido despacho saneador pelo qual se julgaram improcedentes as exceções dilatórias opostas pelo Réu e se dispensou a fixação do objeto do litígio e dos temas da prova tendo sido designada data para audiência de julgamento. 4. Esta veio a realizar-se em 13-11-2023, com produção da prova admitida e debates orais, após o que foi proferida sentença em 22-04-2024, que julgou a ação improcedente tendo absolvido o Réu do pedido. * II – O Recurso É desta sentença que recorre a Autora pretendendo a alteração parcial do julgamento da matéria de facto e a sua revogação com a consequente declaração de procedência da ação. Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso: “1.ª Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a presente ação de despejo improcedente, por não provada, e absolveu o R. dos pedidos formulados pela A., na consideração de que: a) A A. não demonstrou ser dona ou legítima possuidora da parcela de terreno de cultura que integrava o artigo rústico ..., motivo pelo qual a oposição à renovação do contrato de arrendamento nunca poderia ser válida e eficaz quanto àquela parcela (apesar da natureza obrigacional e não real da ação); b) O prazo de renovação do referido contrato de arrendamento é de 5 anos e que apenas chegará ao seu termo em 30/09/2024 (ao contrário dos 3 anos previstos no contrato, tendo atingido o seu termo em 30/09/2022, à luz do previsto no art. 1110.º, n.º 3, do CC); c) A comunicação de oposição à renovação não produziu quaisquer efeitos. 2.ª Tal como se demonstrará, impõe-se alterar a formulação dada aos factos provados sob as alíneas 5) e 28) pelo Tribunal a quo, nos termos que constam das Alegações, dando-se ainda como provada a matéria que consta como não provada sob a alínea a) da fundamentação de facto da sentença recorrida, em face do que a ação há de proceder totalmente. 3.ª Impõem a alteração da referida matéria do facto a correta ponderação do depoimento das testemunhas BB, CC e DD, conjugados com os documentos juntos como docs. 1 a 5 e 11 da PI e doc. 1 da resposta à Contestação, desde logo à luz do disposto no art. 393.º, n.º 3, do CC. 4.ª Assim, e conforme resulta dos documentos juntos aos autos – desde logo dos docs. 1 4 da PI – verifica-se que o Tribunal de 1.ª instância errou na interpretação e valoração dos mesmos, ao considerar que das escrituras de aquisição daqueles imóveis resulta a declaração dos vendedores no sentido de não serem donos dos prédios rústicos confinantes. 5.ª É até difícil de compreender que seja essa a conclusão que o Tribunal retira de tais documentos, quando o que ali se fez questão de deixar expressamente declarado é precisamente o contrário! 6.ª Na verdade, alienantes daquele conjunto predial – cientes da complexidade da situação registal e matricial em que se encontravam os diversos imóveis, ao fim de tanto anos –, pretenderam deixar exarado na escritura que vendiam tudo quanto detinham naquela localização, não ficando da titularidade quaisquer outros prédios de natureza rústica ou urbana no local dos imóveis transmitidos ou que com eles fossem confinantes (cf. docs. 2, 3 e 4 da PI). 7.ª Ademais, do doc. 5 da PI e do facto provado sob a alínea 3) da sentença recorrida que objeto do contrato de arrendamento em causa nos autos está integrado numa única unidade predial contínua, composta por 15 edifícios e armazéns, no que vulgarmente se designa por “ilha”, adquirida pela A. 8.ª Dizendo-o por outras palavras: não pode existir qualquer dúvida de que o que a A. pretendeu adquirir e que anteriores donos pretenderam alienar foi a totalidade da “ilha” que ali existe, com entrada pela Rua ..., na freguesia ..., no concelho do Porto, e que a área de terreno que integrava esse artigo matricial hoje já não existe, tendo sido dividida e integrada nos outros prédios que constituem a dita “ilha” e que foram adquiridos pela A. 9.ª Tanto assim é que a caderneta predial do referido artigo matricial rústico n.º ... não tem hoje qualquer área (“Área total (ha): 0,000000”) e não dispõe de quaisquer confrontações, motivo pelo qual não se compreende que a AT ainda não tenha procedido à sua eliminação – cf. doc. 1 junto pela A. em “resposta” à Contestação do R. 10.ª Ao exposto acresce que a comunicação de oposição à renovação do contrato, tendo em vista a sua cessação a 30/09/2022 foi subscrita pela A. e por EE, que a reconhecia como dona de 2/3 dos imóveis dados de arrendamento ao R. e, como tal, transmissária da posição de senhoria – cf. doc. 11 da PI. 11.ª Neste exato sentido, depôs a testemunha BB, na audiência de julgamento do dia 13/11/2023, entre as 15:10 e as 15:29 horas, conforme gravado na aplicação informática em uso no Tribunal e disponível na plataforma CITIUS, depôs no sentido de ter apurado, junto da Autoridade Tributária, o esvaziamento da área do antigo artigo ... rústico, e de se ter aposto na escritura a alienação de tudo quanto a sua família detinha naquele local (minutos 07:17 a 08:20 e 09:50 a 12:31, conforme supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido). 12.ª No mesmo sentido, a testemunha CC, na mesma audiência de julgamento do dia 13/11/2023, entre as 14:53 e as 15:10 horas, conforme gravado e disponível no CITIUS, confirmou que tudo o que era propriedade dos familiares de EE foi adquirido pela A., dando ainda nota da reorganização das diferentes áreas dos prédios pelos diferentes artigos matriciais (minutos 04:49 a 05:13 e 05:37 a 06:42, conforme supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido). 13.ª Também a testemunha DD, na audiência de julgamento do dia 13/11/2023, entre as 14:32 e as 14:52, conforme gravado e disponível no CITIUS, esclareceu que tudo o que era propriedade dos familiares de EE foi transmitido a favor da A. (minutos 10:40 a 11:48 e 13:08 a 13:17, conforme supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido). 14.ª Como se sabe, em matéria de direito probatório vigora o princípio da livre apreciação da prova, devendo seguir as “regras da experiência comum”, obedecendo a critérios explicáveis e sindicáveis pelas partes e, se for o caso, pelo tribunal superior (art. 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC). 15.ª Livre convicção não significa arbítrio, subjetividade pura, antes devendo seguir os princípios das chamadas “regras da experiência comum”, obedecendo a critérios explicáveis e sindicáveis pelas partes e, se for o caso, pelo tribunal superior. 16.ª À luz dessas regras comuns de experiência, uma vez comprovados certos factos, pode-se inferir outros factos não conhecidos, porque é normalmente o que sucede sem grande margem de erro (id quod plerumque accidit); ou seja, estes factos não conhecidos são os que, normalmente, à luz dessas regras, ocorrem como consequência daqueles. 17.ª Vale isto por dizer que se impõe alterar a formulação dada aos factos provados sob as alíneas 5) e 28) nos termos supra transcritos, julgando-se consequentemente como provada a matéria que consta como não provada sob a alínea a) da fundamentação de facto da sentença recorrida. 18.ª Tal alteração da matéria de facto, imposta pelos meios de prova que se analisaram e sublinharam, importa a procedência da ação, nos termos de direito que adiante se detalharão, na constatação de ter o R. que restituir o arrendado – armazém e parcela de terreno de cultura – à A. 19.ª Quanto ao aspeto jurídico da causa, não se levantam quaisquer dúvidas acerca da natureza obrigacional (e não real) da ação de despejo – ao contrário da ação de reivindicação. 20.ª Vale isto por dizer que, cessado o contrato de arrendamento, o R. é obrigado a restituir à A. os bens que dela (ou de quem a mesma sucedeu) recebeu por efeito e por causa do contrato, independentemente da prova da propriedade do arrendado. 21.ª É isso que impõe os arts. 1038.º, al. i), e 1043.º do CC, em consonância com o disposto nos arts. 397.º, 398.º, e 406.º do mesmo Código, sendo obrigação do arrendatário restituir a coisa que recebeu findo o contrato. 22.ª Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/11/2021 (Proc. 4072/19.6T8SNT.L1-6, www.dgsi.pt), seguindo de perto ANTUNES VARELA (RLJ, Ano 119.º, 249) o autor só tem de demonstrar em que é senhorio e que o réu é arrendatário, para que se encontre legitimado a obter o despejo. 23.ª Ora, se o R. não contesta que recebeu aqueles bens por efeito único da celebração do contrato com as pessoas nele identificadas como senhorias, as quais reconhecem a transmissão de tal posição à A., então terá de restituí-los aquando da sua cessação, pois que se encontra a tanto obrigado, como não pode deixar de ser (art. 1057.º do CC; cf. docs. 4 e 11 da PI). 24.ª Assim sendo, impõe-se concluir que mesmo que a A. não tivesse logrado demonstrar ser hoje dona e legítima possuidora da parcela de terreno de cultura que antes integrava o artigo ... rústico, por mera hipótese e sem conceder, ainda assim o R. estaria obrigado a restituir-lhe aquele imóvel por mero efeito da cessação do contrato de arrendamento, procedendo a ação em conformidade. 25.ª Por outro lado, importa ter presente que as partes estipularam no contrato aquela que deveria ser a sua duração inicial e a duração das renovações que lhe sucedessem. 26.ª Na verdade, do contrato consta expressamente que o mesmo foi celebrado pelo prazo de 5 anos, renovável por sucessivos períodos de 3 anos, na falta de oposição à renovação ou denúncia. 27.ª Assim sendo, há de concluir-se que as partes afastaram validamente o regime supletivo previsto no art. 1110.º, n.º 3, do CC. 28.ª Pese embora não se ignore a divisão doutrinal e jurisprudencial sobre a matéria, a corrente que aponta no sentido da natureza supletiva da norma é a única que goza de correspondência na letra e no espírito da lei, sendo capaz de dar resposta a todos os argumentos apontados em sentido contrário. 29.ª Ora, é inegável que o preceito abre com a ressalva típica das normas supletivas (“Salvo estipulação em contrário”), que não pode deixar de balizar a previsão normativa que se lhe segue. 30.ª Ou seja, a norma valerá apenas no caso de as partes não terem afastado a renovação automática do contrato nem terem previsto a duração das suas renovações: no silêncio do contrato, este renovar-se-á naqueles termos, com um prazo mínimo de 5 anos. 31.ª Na verdade, a primeira parte daquele normativo (“Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo”) não oferece dúvidas de que as partes podem convencionar que o contrato não se renovará – e existe hoje, quanto a esta possibilidade, uma unanimidade doutrinal e jurisprudencial. 32.ª Já a segunda parte da norma estatui que a renovação automática supletiva será “por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior”, ou seja, se esta duração inicial do contrato – e não um qualquer prazo de renovação previsto pelas partes – for inferior a cinco anos. 33.ª A verdade é que a lei não diz que as partes só podem convencionar a renovação do contrato por períodos mínimos de 5 anos: diz apenas que, se as partes nada convencionarem em sentido contrário, a renovação ocorrerá por períodos iguais ao da duração inicial do contrato ou por de 5 anos, se aquela duração for inferior. 34.ª Mas, no caso dos autos, as partes estipularam algo que afasta o regime supletivo – o que fizeram validamente, ao abrigo da liberdade contratual (art. 405.º do CC). 35.ª Neste mesmo e exato sentido decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/07/2023 (Proc. 2959/22.8T8SXL.L1-2, www.dgsi.pt), bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/11/2022 (Proc. 913/22.9YLPRT.L1-2), nos termos supra transcritos. 36.ª E o mesmo defendem também diversos autores, entre os quais JÉSSICA RODRIGUES FERREIRA, ELSA SEQUEIRA SANTOS, DAVID MAGALHÃES, ISABEL ROCHA e PAULO ESTIMA, e ainda JORGE PINTO FURTADO, nas obras supra citadas. 37.ª In casu, o contrato de arrendamento foi celebrado com efeitos a partir do dia 01/10/2008, pelo prazo de 5 anos, renovável por sucessivos períodos de 3 anos, na falta de oposição à renovação ou denúncia. 38.ª Assim sendo, o contrato vigorou inicialmente até ao dia 30/09/2013, renovando-se uma primeira vez até 30/09/2016, uma segunda vez até 30/09/2019, e uma terceira vez até 30/09/2022. 39.ª Por tal motivo, e conforme melhor resulta da PI, a A. comunicou ao R. a sua oposição à renovação do contrato, tendo em vista a sua cessação a 30/09/2022, o que fez por carta registada com aviso de receção datada de 06/08/2021 e recebida pelo R. a 09/08/2021 – cf. doc. 11 da PI. 40.ª Tal comunicação foi subscrita pela A. e por EE, que, à data, eram já as únicas proprietárias dos imóveis em questão – cf. docs. 2, 3, 4 e 5 da PI. 41.ª Depois disso, e sendo já a A. a única dona e senhoria dos imóveis, tal intenção de oposição à renovação do contrato foi reiterada em missivas dirigidas ao R. datadas de 21/04/2022, 06/06/2022 e 27/10/2022 – cf. doc. 10 da PI. 42.ª À luz do que vai dito, a oposição à renovação do contrato de arrendamento dos autos, tendo em vista a sua cessação a 30/09/2022, é perfeitamente válida e eficaz, tendo sido promovida em tempo e por quem tinha legitimidade para o efeito, mostrando-se cumpridas todas formalidades legais, impondo-se a procedência da ação em conformidade. 43.ª Por último, importa atentar na natureza da declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento e dos seus efeitos. 44.ª Tal como resulta dos arts. 1055.º e 1097.º do CC, a comunicação à contraparte da intenção de que o contrato não se renove é uma declaração negocial, como tal sujeita ao regime previsto nos arts. 217.º e ss. do CC, com especial relevância para o disposto nos arts. 224.º, n.º 1, e 236.º do mesmo Código. 45.ª Da conjugação destas regras com os factos dos autos só pode retirar-se que, pelo recebimento em 09/08/2021 da carta registada com aviso de receção datada de 06/08/2021 (doc. 11 da PI), o R. ficou a saber que a A. não pretendia que o contrato voltasse a renovar-se, conhecendo essa sua expressa intenção de oposição à renovação do mesmo no final do prazo em curso. 46.ª Intenção essa, aliás, que a A. lhe reiterou por diversas vezes, sob a forma escrita, desde logo em 21/04/2022, 06/06/2022, 27/10/2022 (doc. 10 da PI). 47.ª Assim sendo, não pode restar qualquer dúvida no espírito do R. – ou de qualquer outra pessoa – de que a A. não pretendia que o contrato se prolongasse além do prazo que estava em curso. 48.ª E se a A. não pretendia que o contrato se estendesse para lá de setembro de 2022, muito menos o pretenderia para depois de setembro de 2024, caso fosse esse o seu efetivo termo! 49.ª Ao nível da racionalidade e da lógica, não há outra conclusão que possa ser retirada, até por recurso aos basilares argumentos a maiori ad minus e a minori ad maius, da maioria de razão: se a A., com mais de um ano de antecedência comunica ao R. que pretende que o contrato cesse e que o arrendado lhe seja restituído, claro está que o pretende para o mais breve que legalmente seja possível. 50.ª Até porque a missiva que a A. dirige ao R. divide-se em dois parágrafos com alcance distinto: no primeiro, a A. declara que não pretende que o contrato volte a renovar-se; no segundo, a A. retira a consequência de o arrendado dever ser-lhe restituído no termo do prazo em curso, que entende ser 30/09/2022. 51.ª Da conjugação destas comunicações, não decorre outra manifestação que não a vontade de pôr termo ao contrato no termo do prazo em curso e obter a restituição do arrendado ao mais breve trecho – isso é certo e não ofereceu quaisquer dúvidas ao R., como decorre da Contestação – ainda que, por mera hipótese e sem conceder, a data pudesse não ser aquela. 52.ª E se o R. reconhece que a A. pretende pôr termo ao contrato com a maior brevidade possível (que situa em setembro de 2022), por maioria de razão terá de reconhecer que sua intenção será ainda mais premente caso se entenda que o contrato só cessará em setembro de 2024, como o próprio alega. 53.ª Não pode, por isso, entender-se, como se entendeu na sentença recorrida, que a comunicação da A. de EE ao R., por carta datada de 06/08/2021, que este recebeu em 09/08/2021, de oposição à renovação do contrato é ineficaz e que não produziu quaisquer efeitos, por corresponder à violação da lei substantiva e a um erro de julgamento. 54.ª Assim sendo, mesmo que, por mera hipótese e sem conceder, se entendesse que o contrato dos autos só atingiria o termo da sua renovação em 30/09/2024, sempre se imporia concluir ter sido valida e eficazmente objeto de oposição à renovação, motivo pelo qual virá a cessar em tal data, julgando-se a ação em conformidade e parcialmente procedente. 55.ª Tudo visto e face ao exposto, a decisão recorrida violou de forma manifesta o disposto nos arts. 224.º, n.º 1, 236.º, 393.º, n.º 3, 397.º, 398.º, 405.º, n.º 1, 406.º, n.º 1, 1038.º, al. i), 1043.º, 1057.º, 1096.º, n.º 1, 1097.º, 1110.º, n.ºs 1 e 3, do CC, bem como no art. 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, razão pela qual não pode ser mantida”. * O Réu contra-alegou defendendo a confirmação da sentença de primeira instância para o que indicou, também ele, depoimentos a reapreciar, que transcreveu em parte e convocou doutrina e jurisprudência no sentido da solução de direito adotada pelo Tribunal a quo sobre o prazo a aplicar às renovações do contrato de arrendamento. * III – Questões a resolver: Em face das conclusões do Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635.º, números 4 e 5 e 639.º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver: 1- Aferir se deve ser alterada a redação dada à matéria de facto dada por provada nas alíneas 5 e 28 dos factos provados e se deve ser julgado provado o teor da alínea a) dos factos não provados; 2- Apurar se a Autora sucedeu na posição de senhoria no contrato de arrendamento objeto dos autos; e, caso assim se conclua, 3- Se é válida e eficaz a oposição à renovação do contrato que a Autora comunicou ao Réu, para produzir efeitos a partir de 30-09-2022 ou, assim não se entendendo, a partir de 30-09-2024. IV – Fundamentação: Foram os seguintes os factos selecionados pelo tribunal recorrido como relevantes para a decisão da causa (destacar-se-ão desde já aqueles que o Recorrente pretende que sejam alterados): A) Factos provados: “1) A A. é uma sociedade comercial que se dedica, entre o mais, à promoção imobiliária, construção de edifícios, e à compra, venda e arrendamento de bens imóveis, conforme certidão permanente do registo comercial, consultável com o código de acesso ...; 2) Existe um prédio urbano designado por “Armazém n.º 3”, com a área de 70 m2, na Rua ..., freguesia ..., concelho do Porto, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art.º ...; 3) Tal prédio está integrado numa única unidade predial contínua composta por 15 edifícios e armazéns, no que vulgarmente se designa por “ilha”, adquirida pela A.; 4) Consta da caderneta predial urbana, obtida via internet em 03/03/2022, que a A. é a titular da propriedade plena do prédio descrito em 2); 5) Consta da caderneta predial rústica, obtida via internet em 24/07/2023, que são titulares da propriedade plena do prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º ..., na proporção de 1/3 para cada um, EE, FF - cabeça de casal da herança e GG - cabeça de casal da herança; 6) Por escrito datado de 18/09/2008, junto com a petição inicial como doc. 6, cujo teor se dá aqui por reproduzido, EE, HH e II, esta como de cabeça de casal da herança deixada por FF, na qualidade de senhorias, deram de arrendamento ao R. o prédio referido em 2), em conjunto com uma parcela de terreno de cultura, integrante do artigo rústico ... e delimitada por uma edificação em chapa levantada pelo próprio R., com efeitos a partir do dia 01/10/2008; 7) O arrendamento do referido “Armazém n.º 3” destinava-se exclusivamente ao funcionamento de uma estamparia, podendo nele ser desenvolvida outra actividade, legal e lícita, mediante prévia comunicação aos senhorios, com a antecedência de 90 dias; 8) Por seu turno, a descrita parcela de terreno destinava-se exclusivamente ao cultivo de géneros alimentares vegetais e à guarda de animais domésticos; 9) Sendo expressamente vedado ao R. nela levar a cabo qualquer edificação, construção ou proceder à implantação de quaisquer estruturas; 10) O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 5 anos, renovável por sucessivos períodos de 3 anos, na falta de oposição à renovação ou denúncia. 11) Foi convencionada entre as partes a renda mensal de 100 €, pagável no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, através de cheque ou numerário junto da sociedade B..., Lda., ou mediante transferência bancária, e sujeita às actualizações legais; 12) Por escritura de permuta celebrada em 12/07/2021, a A., neste acto representada por JJ, adquiriu a KK e LL, únicos interessados nas heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito dos ascendentes GG e HH, por permuta da fracção autónoma designada pelas letras "AH", habitação no quinto piso frente, entrada ..., com acesso pela Rua ..., ..., piso cinco, com um lugar de aparcamento no piso -1, situada no prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado "...", sito na Rua ..., ..., no lugar ..., freguesia ..., um terço indiviso de 15 prédios urbanos, entre os quais o prédio urbano referido em 2); 13) Por escritura de compra e venda celebrada em 30/07/2021, a A., neste acto representada por JJ, adquiriu a MM, II, NN, OO um terço indiviso de 15 prédios urbanos, entre os quais o prédio urbano referido em 2); 14) Por escritura de permuta celebrada em 29/12/2021, a A., neste acto representada por JJ, adquiriu a EE, por permuta da fracção autónoma designada pela letra "Q", habitação no terceiro piso frente, entrada A, com acesso pela Rua ..., ..., piso três, com um lugar de aparcamento no piso -1, situada no prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado "...", sito na Rua ..., ..., no lugar ..., freguesia ..., um terço indiviso de 15 prédios urbanos, entre os quais o prédio urbano referido em 2); 15) Por carta registada datada de 16-09-2021, junta como doc. 7 com a petição inicial, subscrita em conjunto com EE, a A. comunicou ao R. a aquisição da propriedade do arrendado, indicando-lhe o novo IBAN para o qual deveria passar a ser paga a renda; 16) Como se o R. não tivesse recebido tal comunicação, a A. repetiu o seu envio por carta registada datada de 13-01-2022, junta com a petição inicial como doc. 8; 17) Tal missiva veio a merecer resposta do R., junta com a petição inicial como doc. 9, que, alegando desconhecer a transmissão da propriedade do arrendado a favor da A., informava ter passado a depositar as rendas junto da Banco 1..., juntando comprovativos referentes aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2022; 18) A A. respondeu a essa comunicação do R. nos termos que constam do doc. 10 junto com a petição inicial, remetendo-lhe cópia da caderneta predial do arrendado, da qual consta ser única dona do arrendado, reiterando ainda a indicação do novo IBAN para efeito de pagamento da renda e a data da cessação do contrato, por oposição à renovação; 19) Por carta registada com aviso de recepção datada de 06-08-2021 e recebida pelo R. a 09-08-2021, junta com a petição inicial como doc. 11, a A. e EE comunicaram-lhe a oposição à renovação do contrato, que assim terminaria e cessaria, segundo os mesmos, todos os seus efeitos a 30-09-2022; 20) Mais comunicaram a A. e EE ao R. que o arrendado deveria ser-lhes restituído na mesma data, livre de pessoas e bens, em bom estado de conservação e limpeza, nos termos da lei e conforme previsto na cláusula sétima do contrato; 21) Não obstante, o R. permanece sem restituir o arrendado à senhoria, aqui A.; 22) Já depois de 30-09-2022, o R. procedeu à colocação de um contentor/pré-fabricado na parcela de terreno de cultura supra identificada; 23) O que fez de forma não consentida pela A.; 24) O R. mantém-se a depositar junto da Banco 1... apenas o montante correspondente ao valor da renda em singelo (115,45 €, após actualizações); 25) À data do envio da carta ao R. da oposição à renovação do contrato de arrendamento (06/08/2021), a A. intitulava-se proprietária do artigo n.º 3170, na quota de 2/3 e a EE, com proporção de 1/3; 26) No contrato de arrendamento acima referido EE, HH e II (na qualidade de cabeça de casal) arrogam-se proprietárias da parcela de terreno que integra o artigo n.º ...; 27) Nos termos da cláusula 10.ª, alínea a), do contrato de arrendamento celebrado em 18/09/2008, a senhoria poderia impedir a renovação automática do contrato de arrendamento mediante comunicação ao arrendatário, com a antecedência nunca inferior a um ano do termo do contrato; 28) Nas escrituras juntas aos autos pela A., esta refere que os vendedores à altura não detinham os prédios rústicos confinantes, conforme se transcreve: 1. Da permuta de 29 de Dezembro de 2021 página 6: “MAIS DECLAROU A SEGUNDA OUTORGANTE: […] i) que, confirmam que a área total dos prédios vendidos não corresponde por excesso à fixada na descrição tabular, e que reconhece de que não é titular ou contitular de nenhum outro imóvel de natureza rústica ou urbana no local dos imoveis transmitidos ou que com eles é confinante”; 2. Da compra e venda de 30 de Julho de 2021 página 7: “MAIS DECLARARAM AS PRIMEIRAS E SEGUNDO OUTORGANTES QUALIDADES EM QUE OUTORGAM: i) que, confirmam que a área total dos prédios vendidos não corresponde porexcesso à fixada na descrição tabular, e que reconhecem de que não são titulares ou contitulares de nenhum outro imóvel de natureza rústica ou urbana no local dos imoveis transmitidos ou que com eles é confinantes”. 3. Da permuta de 12 de Julho de 2021 página 8: “MAIS DECLARARAM OS SEGUNDOS OUTORGANTES: i) que, confirmam que a área total dos prédios vendidos não corresponde por excesso à fixada na descrição tabular, e que reconhecem de que não são titulares ou contitulares de nenhum outro imóvel de natureza rústica ou urbana no local dos imóveis transmitidos ou que com eles é confinantes”. * B) Factos não provados “a) O referido artigo matricial rústico ... hoje já não existe, tendo a sua área sido dividida e integrada nos outros prédios que constituem a ilha; b) A A. apenas tomou conhecimento do facto vertido em 22) no passado dia 20-02-2023, através de informação prestada por terceiros; c) Em face de tal informação, A. instou já o R. para que procedesse à imediata remoção do aludido contentor/pré-fabricado do seu terreno; d) O que fez reiterando a obrigação de lhe restituir o outrora arrendado, livre de pessoas e bens, em bom estado de conservação e limpeza; e) Sendo que esse artigo rústico n.º ... existe e conjuntamente com o artigo n.º 3172, também da freguesia ..., encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º ...; f) O único facto aqui em causa é que, até 1966, o artigo ... e o artigo n.º 3172, eram da propriedade dos mesmos proprietários, que alegadamente venderam/permutaram à A.; g) O R. desencadeou dois processos cíveis, que correm termos contra a Autora e os demais proprietários, um processo de exercício de direito de preferência, corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível – Processo n.º 3076/22.6T8PRT – Juiz 1 e outro de simulação de negócio jurídico, corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível – Processo n.º 19353/22.3T8PRT – Juiz 5. h) O R., ao solicitar, junto da conservatória do registo predial, uma cópia do respectivo artigo n.º ..., constatou que os proprietários são duas pessoas distintas e não a A. e os antigos proprietários; i) Os proprietários adquiriram o mesmo artigo por transação judicial em 1966 e até ao momento não existe qualquer menção de divisão e integração noutros artigos.” * A primeira pretensão da Apelante é a de ver alterada a redação da matéria de facto dada por provada nas alíneas 5 e 28 do que, a seu ver, decorrerá também a prova do teor da alínea a) dos factos não provados. A Recorrente começa por sustentar, contudo, que a ação não poderia improceder pelo facto de se ter considerado que a mesma não era proprietária de um dos imóveis dados em arrendamento porque “não se levantam quaisquer dúvidas acerca da natureza obrigacional (e não real) da ação de despejo – ao contrário da ação de reivindicação”(cfr. ponto 19 das conclusões de recurso). Afirma mesmo (no ponto 24 das conclusões de recurso) que se impõe “(…) concluir que mesmo que a A. não tivesse logrado demonstrar ser hoje dona e legítima possuidora da parcela de terreno de cultura que antes integrava o artigo ... rústico, por mera hipótese e sem conceder, ainda assim o R. estaria obrigado a restituir-lhe aquele imóvel por mero efeito da cessação do contrato de arrendamento, procedendo a ação em conformidade”. Ora, a ser correta esta afirmação (mas não é), seria inútil a reapreciação da prova que visa exatamente permitir que se conclua que também a parte rústica do locado foi adquirida pela Autora na medida em que já antes tinha sido integrada no prédio urbano que a mesma adquiriu por permuta. Sucede que a Apelante não tem razão na afirmação de que não releva apurar se a mesma adquiriu ou não o bem locado. Se é certa a natureza obrigacional do vínculo entre locador e locatário e se, de facto, o primeiro pode ocupar tal posição sem que seja dono do bem locado, também é manifesto que é condição de procedência da pretensão da Autora a mesma ser reconhecida como senhoria para o que é necessária a prova da aquisição do imóvel locado. A locação é o contrato pelo qual uma das partes proporciona a outra, mediante o pagamento de retribuição, o gozo de uma coisa, dizendo-se arrendamento a locação de imóvel – cfr. artigos 1022.º e 1023.º do Código Civil. O locador não tem de ser o proprietário da coisa locada de que pode, por exemplo, ser mero usufrutuário ou até mesmo locatário, sendo neste caso o contrato que celebra com terceiro um contrato de sublocação – cfr- artigo 1060.º do Código Civil. Daí que se afirme de forma praticamente unânime na doutrina e na jurisprudência que “tendo a ação de despejo de carácter pessoal ou obrigacional, e não real, não tem o autor, para assegurar a sua legitimidade, que demonstrar que o arrendado lhe pertence, mas antes que é senhorio e que o réu é arrendatário do locado” [2]. Tem, contudo, que demonstrar a sua qualidade de locador alegando a que título se tornou senhorio. No caso, a Autora alegou ter sucedido na posição de locadora por ter adquirido o imóvel locado. Não sendo a mesma a figurar no contrato de arrendamento objeto dos autos como senhoria é nessa aquisição posterior do bem dado em arrendamento que se pode sustentar a sua legitimidade substantiva. Do contrato de arrendamento objeto da ação resulta que foi celebrado por escrito datado de 18/09/2008, ali outorgando como senhorias EE, HH e II, esta como de cabeça de casal da herança deixada por FF, que declararam ser proprietárias dos bens dados em arrendamento (alínea 6 dos factos provados). A Autora, por sua vez, declarou na petição inicial que adquiriu, por via de três contratos (de permuta e de compra e venda) celebrados em 12 e 30 de julho e em 29 de dezembro de 2021, os imóveis que as referidas senhorias haviam dado de arrendamento. Esta aquisição é facto essencial à procedência da pretensão da Autora já que apenas por via da mesma a mesma pode ver reconhecida a sua qualidade de senhoria, nos termos do disposto no artigo 1057.º do Código Civil que prevê que o adquirente do direito (no caso de propriedade) com base no qual foi celebrado o contrato de arrendamento sucede nos direitos e obrigações do locador. O Réu impugnou tal aquisição quanto a parte do bem locado: a “parcela de terreno de cultura, integrante do artigo rústico ... e delimitada por uma edificação em chapa levantada pelo próprio R.” que lhe fora dada em arrendamento juntamente com o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia ..., Porto. Pelo que releva e deve ser apurada a matéria de facto de que possa, uma vez provada, concluir-se que foi transmitido para a Autora o direito de propriedade sobre tal parte do bem dado em locação. Ora, reapreciados os meios de prova indicados por ambas as partes e tendo presente a demais matéria de facto provada bem como as certidões matriciais juntas aos autos deve proceder a pretensão do Recorrente. De facto, do teor da certidão matricial do artigo rústico ... da freguesia ... verifica-se que são ali inscritos como titulares da propriedade plena na proporção de 1/3 para cada um, “EE, FF - cabeça de casal da herança de e GG - cabeça de casal da herança de”. Dessa certidão resulta ainda que o prédio não tem quaisquer confrontações e que tem inscrita como área total a de 0, 000000 hectares. Do artigo 12.º, número 1 do Código do IMI (DL 287/2003 de 12 de novembro) resulta que as matrizes prediais sãos “registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários.” Tais inscrições são feitas com base na declaração do sujeito passivo, nos termos do previsto no artigo 13.º, número 1 do mesmo Diploma e devem especificar, nos termos do artigo 91º do mesmo, “a localização e nome do prédio, quando o tenha, confrontações ou número de polícia, quando exista”. Todavia, nos termos do citado artigo 12.º, número 5, as inscrições matriciais também só constituem presunção de propriedade para efeitos tributários. Note-se, contudo, que há coincidência entre uma das outorgantes do contrato de arrendamento celebrado com o Réu e de um dos contratos promessa celebrado com a Autora com uma das comproprietárias identificas na matriz predial: EE. Outro dos comproprietários ali identificado, FF é o autor da herança cuja cabeça de casal - II - também teve intervenção no contrato de arrendamento objeto dos autos nessa qualidade e que, conjuntamente com os demais herdeiros daquele outorgou com a Autora o contrato de permuta descrito em 13 dos factos provados. Quanto ao terceiro comproprietário inscrito na matriz predial, GG também ali aparece identificado como cabeça de casal de uma herança, cujo autor não está identificado, mas que foi casado com HH, uma das senhorias outorgantes no contrato de arrendamento em causa tendo ela mesma sido autora, bem como o também já falecido marido, da herança de que foram únicos herdeiros KK e LL, que também permutaram com a Autora quinze prédios urbanos entre os quais se incluía o artigo ... urbano da freguesia .... Do que decorre que quem arrendou ao Réu e posteriormente alienou à Autora o bem locado, por permuta, foram ou a mesma pessoa (EE) ou quem às demais sucedeu por morte. Acresce que das cartas referidas em 15 e 19 dos factos provados, datadas de 16-09-2021 e de 06-08-2021, respetivamente, resulta que nessa data (em que a Autora apenas havia celebrado contratos de permuta com os sucessores dos demais comproprietários do imóvel locado), estão subscritas quer pela Autora quer pela então ainda comproprietária EE, assumindo esta que apenas as duas eram proprietárias do bem locado. Tal foi confirmado pelo depoimento de BB, genro da referida EE, que revelou conhecer o locado e os seus limites tendo sido ele quem apoiou a sogra na celebração do contrato de arrendamento com o Réu, sabendo que junto ao armazém que este manifestou querer arrendar havia uma parcela de terreno rústico que o mesmo manifestou interesse em usar. Explicou que uma vez que o único prédio rústico da propriedade da sogra e de demais comproprietários era o artigo ..., também localizado na mesma freguesia, pelo que concluiu que seria a ele que pertenceria o terreno que o Réu queria arrendar pelo que assim o identificou no contrato de arrendamento. Foi perentório em afirmar que nem as senhorias nem o Réu tiveram quaisquer dúvidas dos limites do locado e que antes da criação dos vários artigos urbanos que constituem o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ..., tal prédio correspondia ao artigo rústico número ... da freguesia ..., onde os antecessores da sogra tinham uma fábrica de curtumes. O que disse ter averiguado ao tratar da documentação necessária à celebração do arrendamento. Verifica-se, da respetiva certidão matricial que o artigo rústico ... foi inscrito em 1914 e que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... fazem parte 15 artigos urbanos, desanexados de um outro imóvel (...), em 11-09-2006, data da sua primeira descrição predial. Acresce que, como salientado pelo Recorrente, nas escrituras de permuta e compra e venda dadas por provadas nas alíneas 12 a 14 os ali outorgantes alienantes declaram que os prédios urbanos alienados tinham uma área superior à inscrita na matriz e que não eram proprietários de quaisquer outros, nomeadamente rústicos, naquele local. Também esta declaração é consentânea com o desaparecimento da área total do prédio rústico inscrito sob o artigo ..., que terá dado lugar a 15 artigos urbanos que, até por estarem configurados em “ilha” teriam que ter espaços de acesso e logradouro que ultrapassam os limites da área de cada um dos armazéns, o que explica que a soma das áreas inscritas na matriz predial para cada um dos prédios urbanos fosse menor que a totalidade dos cinco e respetivos acessos/logradouros. A descrição predial relativa ao prédio ... que o Réu juntou como documento número 1 da contestação não só não infirma como reforça o raciocínio que se vem fazendo. Tal prédio, ali identificado como provindo por desanexação do ..., também foi inscrito pela primeira vez em 11-09-2006 e ali é descrito como correspondente ao artigo ... rústico. Ou seja, confirma-se que este artigo deu origem, por desanexação, a duas distintas unidades prediais, uma composta por 15 artigos urbanos inscrita a favor de quem arrendou ao Réu e outra composta por um prédio urbano com o artigo ..., inscrito a favor de PP e mulher QQ, que a testemunha BB identificou como antigos sócios dos pais da sua sogra, EE. Desse documento resulta, ainda, que a aquisição a favor dos titulares inscritos decorreu de transação judicial passando este prédio a estar onerado com servidão de passagem, tal como o descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., da mesma data. Ora, também este passou a estar inscrito a favor de HH, FF e EE por acordo em ação de divisão de coisa comum, como revela a certidão de registo predial junta como documento número 5 da petição inicial. Assim, pode afirmar-se com elevado grau de certeza que o artigo rústico número ... referido no contrato de arrendamento objeto dos autos se extinguiu por força de transação alcançada em ação de divisão de coisa comum, tendo dado lugar a 16 diferentes artigos urbanos em que ficaram integradas as construções ali existentes (de uma antiga fábrica de curtumes) e as áreas de terreno que lhe servem de logradouro e de acesso, razão pela qual agora tal artigo, apesar de não ter sido cancelado na matriz predial, não tem qualquer área e nem tem indicadas quaisquer confrontações. Em consequência altera-se a redação das alíneas 5 e 28 dos factos provados da seguinte forma: 5ª) Da caderneta predial rústica constavam a 24/07/2023, como titulares da propriedade plena do prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º ..., na proporção de 1/3 para cada um, EE, FF - cabeça de casal da herança e GG - cabeça de casal da herança, prédio este que não tem ali inscrita qualquer área, atestando a caderneta: “Área total (ha): 0,000000”; 28) As escrituras juntas referidas nas alíneas 12 a 13 os ali alienantes declararam que não detinham quaisquer outros prédios de natureza rústica ou urbana no local dos imóveis transmitidos ou que com eles confinassem, nos seguintes termos: 1. Da permuta de 29 de Dezembro de 2021 página 6: “mais declarou a segunda outorgante: […] i) que, confirmam que a área total dos prédios vendidos não corresponde por excesso à fixada na descrição tabular, e que reconhece de que não é titular ou contitular de nenhum outro imóvel de natureza rústica ou urbana no local dos imoveis transmitidos ou que com eles é confinante”; 2. da compra e venda de 30 de julho de 2021 página 7: “mais declararam as primeiras e segundo outorgantes qualidades em que outorgam: i) que, confirmam que a área total dos prédios vendidos não corresponde porexcesso à fixada na descrição tabular, e que reconhecem de que não sáo titulares ou contitulares de nenhum outro imóvel de natureza rústica ou urbana no local dos imoveis transmitidos ou que com eles é confinantes”. 3. da permuta de 12 de julho de 2021 página 8: “mais declararam os segundos outorgantes: i) que, confirmam que a área total dos prédios vendidos não corresponde por excesso à fixada na descrição tabular, e que reconhecem de que não são titulares ou contitulares de nenhum outro imóvel de natureza rústica ou urbana no local dos imóveis transmitidos ou que com eles é confinante. Aos factos provados será, ainda, aditado o seguinte (com a consequente eliminação da alínea a) dos factos não provados. 29: O artigo matricial rústico ... referido em 5 foi dividido dando lugar a prédios urbanos, entre eles os que constituem a unidade predial referida em 3.
2 – Em face da supra referida alteração dos factos provados dúvidas não há que a Autora logrou provar que adquiriu o bem locado, em toda a sua extensão, pelo que nos termos do artigo 1057º do Código Civil sucedeu nos direitos e obrigações dos anteriores locadores tendo, por isso, a passar a ocupar a posição de senhoria do Réu mantendo-se, no mais, o referido contrato em tudo igual, nomeadamente quanto à extensão do bem locado.
3. Nem por isso, todavia, pode proceder o recurso e, consequentemente a ação. A Recorrente não discute a aplicabilidade[3] da Lei 13/2019 de 12 de fevereiro (que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação) ao contrato de arrendamento objeto dos autos apenas discordando da interpretação que o Tribunal a quo fez do disposto no artigo 1110.º do Código Civil na sua nova redação. É que, como bem decidido pela sentença recorrida, a alteração legal entrada em vigor em por via da Lei 13/2019 determinou que o contrato de arrendamento para fins não habitacionais a prazo certo tem como períodos mínimos de renovação os de 5 anos. É certo que a interpretação do disposto no artigo 1110.º do Código Civil (tal como a do artigo 1096.º relativo aos arrendamentos para habitação) tem suscitado diferentes interpretações sendo uma delas a que a Recorrente defende. Ali se estatui que: “1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte. 2 - Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano. 3 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º 4 - Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação”. Tal norma é em muito semelhante ao artigo 1096º do mesmo Diploma, regendo este para os arrendamentos urbanos para habitação. As diferentes interpretações de ambos os preceitos que têm dividido doutrina e jurisprudência respeitam a um trecho em tudo semelhante nas duas referidas normas: a expressão “salvo estipulação em contrário” em que alguns leem a estipulação de um regime supletivo quer quanto à renovabilidade do contrato quer quanto ao prazo da renovação e outros defendem que apenas pode sustentar a possibilidade de as partes poderem afastar a renovabilidade automática do contrato, sendo, contudo, imperativo o prazo mínimo para as suas renovações caso as mesmas não sejam afastadas no contrato. A interpretação que ambos os artigos 1110º e 1096º do Código Civil tem vindo a receber é díspar e tem vindo a ser sistematizada em diversos acórdãos publicados que enunciam as diferentes soluções doutrinais e jurisprudenciais. Assim foi feito nomeadamente em acórdão desta secção de 20-05-2024[4] em que se referem, no sentido interpretativo defendido pela Recorrente, a seguinte jurisprudência e doutrina: “-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.04.2023, Processo n.º 1390/22.0YLPRT.L1-6, Relatora, Desembargadora Maria de Deus Correia: “O prazo de renovação automática do contrato de arrendamento, previsto no art.º 1096.º do Código Civil na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019 de 12-02 é supletivo, encontrando-se abrangido pela ressalva da norma “salvo estipulação em contrário”. - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.03.2022, Processo n.º 8851/21.6T8LRS.L1-6, Relator, Desembargador Nuno Lopes Ribeiro: “I. A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação (constante do artigo 1096º, nº 1 do Código Civil, na redação resultante da Lei 13/2019), não assume natureza imperativa, podendo, por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes”. - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.01.2023, Processo n.º 1278/22. 4YLPRT.L1-7, Relator, Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa: “I. A jurisprudência vem entendendo, maioritariamente, que, da redação do Artigo 1096º, nº 1, do Código Civil, dada pela Lei nº 13/2019, de 1.2. (entrada em vigor a 13.2.2019), decorre que, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo imperativo de três anos. II. Dissente-se dessa interpretação porquanto: i. Se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus); ii. A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º; iii. Na lógica da tese referida em I, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Se assim fosse, o disposto no nº3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo. iv. O direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato”. - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.07.2023, Processo n.º 19506/21.T8PRT-A.P1, Relatora, Desembargadora Ana Paula Amorim: “I - O art. 1096º, nº 1, do Código Civil, na redação da Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro (em vigor a partir de 13 de fevereiro 2019), permite que as partes convencionem a renovação automática do contrato e bem assim, sobre o prazo de renovação, contanto que este não seja inferior a um ano; nada dispondo sobre o prazo de renovação, considera-se que o mesmo é de três anos. II - A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação, não assume natureza imperativa, podendo, por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes”. - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.03.2023, Processo n.º 3966/21. 3T8GDM.P1, Relatora, Desembargadora Isabel Ferreira: “I – A norma constante do art. 1096º, nº 1, do Código Civil, respeitante à renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, é de natureza supletiva, mesmo na sua redação atual, introduzida pela Lei nº 13/2019, de 12/02”. - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.01.2024, Processo n.º 3223/23.0T8VNG.P1, Relator, Desembargador Rui Moreira: “A norma constante do nº 1 do artigo 1096º do C. Civil tem uma natureza supletiva, o que abrange quer a admissibilidade da convenção de que o contrato de arrendamento poderá não ser renovado, quer a previsão de que a renovação do contrato, a ocorrer, poderá ter um prazo diferente daquele de 3 anos que o legislador ali inscreveu”. - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9.10.2023, Processo n.º 1467/22.1YLPRT.P1, Relator, Desembargador Miguel Baldaia de Morais: “I - A norma constante do nº 1 do artigo 1096º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2019, de 12.02, respeitante à renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, é de natureza supletiva. II - O uso da expressão “salvo estipulação em contrário” no início do mencionado preceito legal, significa que o legislador consentiu às partes a possibilidade de convencionarem prazos de renovação distintos dos nele previstos, designadamente de duração inferior a três anos. III - Tal entendimento resulta não só da interpretação literal do preceito, mas igualmente da sua interpretação sistemática, pela conjugação, designadamente, dos artigos 1095.º, n.º 2, 1096.º, n.º 1 e 1097.º, n.º 3, todos do Código Civil (…) Na doutrina, e muito em síntese, acompanham o primeiro entendimento Elsa Sequeira Santos [Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.) Volume I, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, 2021 (Reimpressão), págs. 1424/1425] e Jorge Pinto Furtado [Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2019, pág. 579].” E, no sentido oposto, que foi o seguido na sentença recorrida e que aqui se defende, sintetizam-se no já referido acórdão (ver nota 4), os seguintes: “- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.10.2023, Processo n.º 1998/22.3T8PRD.P1, Relator, Desembargador Paulo Duarte Teixeira: “I – O nº 3[1] do art.º 1096º do CC, deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, sendo imperativo que o prazo desta não seja inferior a 3 anos. II - O art. 1097º, nº 3 ao prever uma manutenção do arrendamento pelo período mínimo de 3 anos não põe em causa o período mínimo previsto no art. 1096º, nº3, porque a renovação e oposição a essa renovação são instrumentos distintos que visam efeitos e pressupostos também diferentes, sendo a primeira automática e pré-fixada no contrato e lei e a segunda dependente da vontade e interpelação do senhorio. III - Acresce que o art. 1097, ao fixar um prazo mínimo para a permanência do locado será sempre útil e efetivo nas situações em que os contraentes afastaram a renovação automática, e fixaram uma duração inferior a 3 anos. IV - Os argumentos decisivos da querela jurisprudencial desta questão são o teor literal da lei, ainda mais claro se comparado com antecedentes históricos como o NRAU, e a efetiva posição do arrendatário, cuja estabilidade e proteção parece ser a real intenção do legislador na reforma da lei 13/2019”. - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.10.2023, Processo n.º 328/23.1YLPRT.P1, Relator, Desembargador Paulo Dias da Silva: “III - A expressão “salvo estipulação em contrário”, contida no nº 1 do artigo 1096º do Código Civil, deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e já não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação. Assim, não havendo oposição válida e eficaz, os contratos de arrendamento para habitação renovam-se por mínimos de 3 anos, ou por período superior, caso o período de duração do contrato seja superior a 3 anos. IV - Assim, o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na nova redação introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, fixa um prazo de renovação mínimo de três anos, de natureza imperativa não podendo as partes convencionar um prazo de renovação inferior.” - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.01.2024, Processo n.º 8357/23.9T8PRT.P1, Relator, Desembargador Paulo Dias da Silva: “III - A expressão “salvo estipulação em contrário”, contida no nº 1 do artigo 1096º do Código Civil, deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e já não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação. Assim, não havendo oposição válida e eficaz, os contratos de arrendamento para habitação renovam-se por mínimos de 3 anos, ou por período superior, caso o período de duração do contrato seja superior a 3 anos. IV - Assim, o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na nova redação introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, fixa um prazo de renovação mínimo de três anos, de natureza imperativa não podendo as partes convencionar um prazo de renovação inferior”. - Acórdão do tribunal da Relação do Porto de 8.02.2024, Processo n.º 8840/23.2YLPRT.P1, Relatora, Desembargadora Isoleta de Almeida Costa: “I - A redação do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, aplica-se aos contratos de arrendamento habitacionais, com prazo certo, quando renováveis mesmo que já constituídos desde que subsistam à data da sua entrada em vigor. II - Esta norma fixa um prazo de renovação mínimo de três anos, o qual, de natureza imperativa, pelo que não podem as partes convencionar um prazo de renovação inferior. III - A expressão “salvo estipulação em contrário”, inserta no nº 1, do referido artigo 1096º, do Código Civil, deve ser interpretada, como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e já não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação"[2]. - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8.02.2024, Processo n.º 1120/23.YLPRT.E1, Relatora, Desembargadora Maria Domingas: “ I. A alteração introduzida ao n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, no que se refere aos contratos de arrendamento habitacionais com prazo certo, quando renováveis, visou garantir um prazo mínimo de renovação de três anos. II. O legislador permite que as partes convencionem um prazo contratual inferior - ainda que não a 1 ano, caso em que será este o período de vigência, nos termos do n.º 2 do art.º 1095.º – e, bem assim, que excluam a renovação do contrato, a tanto se reportando a ressalva inicial. III. Estipulando as partes a renovação, a expectativa de maior estabilidade que lhe é inerente e o objetivo declarado pelo legislador de 2019, de estabelecer “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano (…)”e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade…” justificam a imposição da prorrogação do prazo do contrato por períodos mínimos de 3 anos (…) Maria Olinda Garcia [Julgar Online, março de 2019, págs. 14/15] sustenta que “Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, a liberdade das partes para estipularem a duração do contrato é significativamente restringida. Estes contratos passam agora a ter uma duração mínima de 5 anos, quando o arrendatário assim o pretenda, como se conclui do disposto no artigo 1110.º, n.º 4. Por outro lado, caso as partes não convencionem a exclusão da renovação do contrato (decorridos que sejam os 5 anos iniciais), este renova-se automaticamente, por períodos mínimos de 5 anos, ainda que as partes tenham estipulado um prazo de renovação inferior, como decorre do n.º 3 do artigo 1110.º”. São essencialmente duas as razões que nos afastam da interpretação do preceito em apreço que defende a Recorrente (no que está acompanhada por relevante jurisprudência e doutrina) e nos levam a concluir que a solução encontrada na sentença recorrida é a mais adequada: Em primeiro lugar, olhando ao contexto histórico da norma e à evolução legal na matéria, há que atender ao propósito expresso pelo legislador no preâmbulo da Lei 13/2019 e no seu artigo 1º em que se estatui: “A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade…”. O regime legal do arrendamento urbano teve subjacente, até à década de 1990, um pendor de proteção dos interesses dos inquilinos, com fortes limitações à possibilidade de cessação do contrato ou de aumento de rendas por iniciativa dos senhorios. O Regime do Arrendamento Urbano, aprovado em 15 de outubro de 1990 pelo DL 321-B/90, passou a admitir a celebração de contratos de duração limitada por prazo não inferior a cinco anos podendo as partes opor-se à renovação por via de denúncia comunicada com larga antecedência. O Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei 6/2006 de 27 de fevereiro, manteve tal possibilidade e já a redação dada às normas do Código Civil que estipulavam a possibilidade de acordo em contrário e que referiam o prazo mínimo de três anos para a renovação automática suscitavam dúvidas interpretativas que o artigo 26.º, número 3 do Novo Regime do Arrendamento Urbano ajudava a afastar ao estipular expressamente que os contratos de duração limitada se renovavam automaticamente quando não denunciados “pelo período de três anos se outro superior não tiver sido previsto” (sublinhado nosso) A revogação deste regime que resultou da Lei 31/2012 – que eliminou a obrigatoriedade de um prazo mínimo para a duração dos arrendamentos urbanos a prazo certo -, cessou com a Lei 13/2019 que, na sequência do regime transitório imposto pela Lei 30/2018 de 16 de julho, visou implementar novamente um grau mínimo de proteção aos inquilinos que o legislador reconheceu que se encontravam numa situação de desproteção em relação à estabilidade do vínculo que passara a poder ser de reduzida duração, o que o mercado de arrendamento rapidamente tornou regra por se tratar do instrumento mais seguro para proteção dos interesses dos proprietários. Ora, se o anunciado propósito da alteração legal em vigor era o de reintroduzir maior estabilidade ao vínculo locativo com vista à proteção do interesse dos inquilinos não faria qualquer sentido que o legislado continuasse a permitir o estabelecimento de um contrato por prazo certo cujas renovações pudessem ficar sujeitas a curtíssimos períodos de tempo. Em segundo lugar, e quanto ao argumento de maioria de razão unanimemente invocado em favor da tese da supletividade do prazo de renovação, uma vez mais acompanhamos o acórdão desta secção de 20-05-2024 (ver nota 4) na negação de que o contrato de arrendamento a prazo em que as partes tenham convencionada a não renovação seja um mais em relação ao contrato a prazo com prazos de renovação convencionados. A ideia de que se o legislador permite afastar a renovação deve, por maioria de razão, entender-se que também permite que as partes estipulem livremente os prazos da mesma não nos parece de acolher pois se tratam de duas realidades económicas diferentes que criam para ambas as partes diversas expetativas e vantagens/desvantagens. Se o contrato a termo certo apresenta para o senhorio e para o inquilino a possibilidade de arrendar sem criar um vínculo duradouro – o que em determinadas situações pode representar vantagem para ambos -, no contrato renovável a expetativa de renovação automática pode beneficiar também os interesses de ambos e a possibilidade de oposição à mesma é tratada pelo legislador com acrescido cuidado - tal como sucede com as possibilidades legais de denúncia -, sobretudo tendo em conta os interesses do inquilino O que acontece exatamente por se ter em conta que essas expetativas de longa duração do contrato podem, se frustradas, conduzir a resultados económica ou pessoalmente desastrosos. O que explica os prazos de antecedência mínima de comunicação de oposição à renovação que estão estipulados nos artigos 1097.º e 1098.º do Código Civil para senhorios e inquilinos, respetivamente. Pelo que se deve entender que a melhor interpretação a dar ao artigo 1110.º do Código Civil é a que possibilita às partes a estipulação de contrato a termo certo, com afastamento da possibilidade da sua renovação, impondo todavia, quando tal acordo inexista, que as renovações automáticas tenham um prazo mínimo de cinco anos, apenas podendo tais renovações ser impedidas por via da declaração atempada de oposição às mesmas. No seguimento da interpretação que temos por correta e que vimos fazendo, é acertada a solução legal encontrada em primeira instância de que decorre que o contrato dos autos, celebrado por cinco anos em 01-10-2008, se renovou por períodos de três anos em 01-10-2013 e em 01-10-2016 e que em 01-10-2019 se renovou por cinco anos por força da entrada em vigor da Lei 13/2019. Assim cessaria apenas em 30-09-2024 este prazo automático de renovação do contrato encontrando-se o mesmo em vigor à data da propositura da ação. 4 – A Apelante defende, finalmente, que a acolhere-se a tese seguida em primeira instância sempre o recurso deve proceder, tal como a ação, porque entretanto já se ultrapassou a data do termo do prazo automático de renovação por cinco anos que terminou em 30-09-2024 e porque a sua comunicação de oposição à renovação, mais do que comunicar a cessação do contrato na data esperada pela Autora – 30-09-2022 -, manifestava a sua vontade inequívoca de fazer cessar o contrato o que também vale para a data, posterior, que se viesse a ter por aplicável ao termo da renovação. Uma vez mais não tem razão a Apelante já que a questão não pode enunciar-se como a enunciou. O que releva é que a mesma propôs ação pedindo o despejo do locado em 23-03-2023 com o argumento de que o contrato de arrendamento que mantinha com o Réu tinha cessado por oposição à renovação. Ora tal contrato, como se concluiu supra, estava ainda em vigor e a oposição à renovação não podia ter e não teve qualquer efeito antes da propositura da ação. O posterior decurso do tempo não torna fundada uma ação que quando foi proposta não tinha fundamento. Não havia, de facto, qualquer razão legal para que o Réu tivesse de entregar o locado à Autora até à data da entrada da petição inicial em juízo pelo que ainda que viesse a considerar-se que a oposição à renovação comunicada pela senhoria era válida para qualquer data posterior à pretendida a mesma ainda não tinha produzido efeitos quando a ação foi proposta pelo que, nessa data, não estava verificado o incumprimento da obrigação de devolver o locado que serve de causa de pedir. Também neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-02-2022[5] onde se sumaria: “Embora o tribunal possa considerar, em procedimento especial de despejo, que a oposição pelo senhorio à renovação do contrato de arrendamento opere em data posterior à indicada por aquele, o procedimento só será viável se a data dessa renovação for anterior à instauração do referido procedimento, pois não poderia ter-se então como incumprida a obrigação da inquilina de desocupar o locado, como previsto no nº 1 do art. 15 do NRAU". Acresce que não tendo tal diversa causa de pedir sido arguida e conhecida pelo Tribunal a quo tampouco poderia ser objeto de recurso, já que este, como todos, tem por objeto a reapreciação da decisão recorrida (e não da causa) e não permite, portanto, decisão sobre questões novas não submetidas à apreciação do Tribunal a quo- cfr. artigo 627.º, número 1 do Código de Processo Civil.
V – Decisão: Julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, nos termos do previsto no artigo 527.º, número 1 do Código de Processo Civil, por ter decaído na sua pretensão. |