Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14308/17.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL PEIXOTO PEREIRA
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO MATÉRIA DE FACTO
RESPONSABILIDADE MÉDICA
REQUISITOS
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
Nº do Documento: RP2025020614308/17.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A fundamentação não deve ser uma espécie de assentada em que o Tribunal reproduz os depoimentos que ouviu, ainda que de forma sintética, não sendo necessária uma referência discriminada a cada facto provado e a cada testemunha.
II - O que na fundamentação tem que resultar claro, de modo a permitir a sua reconstituição, é a razão da decisão tomada relativamente a cada facto que se considera provado ou não provado. A fundamentação da decisão há-de permitir às partes e ao Tribunal de recurso uma avaliação cabal e segura da razão da decisão adoptada e do processo lógico-mental que lhe serviu de suporte.
III - O que é mister é que a fundamentação, como base de um processo decisório, se exteriorize em termos que permitam acompanhar o percurso cognoscitivo e valorativo que explicite, justificando uma concreta tomada de posição jurisdicional. Mas dispensa-se já o mero elencar das declarações, sobretudo sem a análise crítica correspondente.
IV - É que, como é consabido, na produção e depois na valoração da prova do que se trata é de um confronto de provas e não uma hierarquia ou de precedência de provas. Um depoimento merece credibilidade, não por se tratar de uma prova indicada pelo Autor ou pelo Réu, mas porque pelas suas características convence o tribunal que o que narra corresponde à realidade dos factos, «ao realmente acontecido». É a razão desse convencimento que importa justificar, que não já reproduzir as declarações desta ou daquela testemunha…
V - Sempre é o conjunto ou a totalidade de um depoimento, que não uma ou outra afirmação ou resposta isolada, que é apto a convencer de uma realidade ou verdade, sabido que é que tantas e tantas vezes a consideração de um segmento isolado e descontextualizado de uma afirmação é susceptível de induzir uma realidade completamente distorcida ou deturpada de um testemunho.
VI - Quanto aos critérios da ilicitude e da culpa na responsabilidade contratual pelo não cumprimento de obrigações de meios dos médicos: o médico incorre numa situação de incumprimento quando se desvie do padrão de comportamento diligente e competente a que, como profissional da área deve obedecer. Para que o credor-doente satisfaça o encargo de provar o inadimplemento da obrigação, não é suficiente que ele demonstre o insucesso dos cuidados prestados pelo médico, em relação ao resultado pretendido (mas não prometido); antes terá que demonstrar que o devedor-médico não conformou a sua conduta com as regras de actuação aptas, em abstracto, a proporcionarem a produção do resultado desejado.
VII - Na apreciação da ilicitude averiguamos se um dado comportamento, despido dos elementos relacionados com o seu autor, merece censura à luz do nosso ordenamento jurídico; na aferição da culpa examinamos se o comportamento, como obra daquele concreto agente deverá ser considerado reprovável.
VIII - Afirmado um desvio entre o comportamento adoptado pelo concreto agente e aquele que um agente da mesma categoria teria adoptado – e aquele a que, portanto, se vinculou -, conclui-se pela ilicitude da actuação do médico. Haverá, depois, que saber se era exigível ao agente outro comportamento, o que se configura já como um problema de culpa.

(Da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral:  Processo 14308/17.2T8PRT. P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível do Porto - Juiz 2


Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto: Francisca Micaela da Mota Vieira
2º Adjunto: Maria Manuela Esteves Machado

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Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

AA propôs contra BB e A... Lda. a presente acção sob a forma comum, concluindo a final peticionando fossem as Rés condenadas a pagar-lhe:
- a quantia de € 11.866,45 acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a citação das Rés até integral pagamento à Autora, a título de danos patrimoniais sofridos pela Autora;
- uma indemnização, cujo valor será liquidado pelo Tribunal, mas que não deverá ser inferior a € 45.000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a citação das Rés até integral pagamento à Autora, a título de danos não patrimoniais sofridos pela Autora;
no pagamento das custas e demais encargos legais.
Em causa uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si invocadamente sofridos em consequência de assistência médica realizada pelos réus BB e A... Lda., em violação da legis artis das suas actividades profissionais, sendo a interveniente acessória, B... Companhia de Seguros SA, garante de eventual direito de regresso dos respectivos segurados, nos termos em que se vier a apurar pela análise das respectivas apólices.
Em sede de contestação, pugnando pela sua absolvição, excepcionaram as Rés a prescrição do direito a reclamar a indemnização por eventuais danos que se demonstrem e sempre impugnaram os factos constitutivos do direito à indemnização.
Relegou-se o conhecimento da prescrição para a decisão final.
Produzida a prova, julgou-se totalmente improcedente a acção, absolvendo as rés e interveniente dos pedidos contra si formulados pela autora.
Essencialmente, decidindo-se que: “incumbiria à autora, na ausência de uma qualquer presunção de ilicitude (que não existe, pois que a presunção se refere apenas e só à culpa (art. 799º, n.º 1 do Cód. Civil), a demonstração de eventual inexecução contratual por parte do médico, através da demonstração da violação, no caso em apreço, das leges artis aplicáveis, demonstração esta que, enquanto elemento constitutivo do instituto da responsabilidade civil (contratual) imputável ao médico ou à entidade prestadora de serviços médicos, o que não logrou demonstrar (neste sentido Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 27.03.2017, disponível em dgs.pt).”
É desta decisão que vem interposto recurso, concluindo a Autora nos seguintes termos:
1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida no âmbito dos presentes autos, em 10/06/2024, a qual julgou improcedente a presente ação, absolvendo as Rés e a Interveniente Acessória B... Portugal - Companhia de Seguros, S.A., dos pedidos contra si formulados pela Autora, ora Recorrente, na firme convicção que a Sentença aqui recorrida tem por base uma errada e insuficiente apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como da prova documental, testemunhal e pericial junta aos autos, resultando ainda de uma errada e insuficiente subsunção e qualificação jurídica que serviu de base à sentença proferida, a qual vai em sentido bem diferente daquele que Vossas Excelências elegerão, certamente, como mais acertada, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de direito, e à luz do inúmeros meios probatórios disponíveis.
2. Com efeito, o objeto do presente recurso tem por base a matéria de facto, designadamente através da reapreciação da prova gravada, e de direito, da sentença proferida nos presentes autos a qual veio a absolver as Rés e a Interveniente Acessória dos pedidos contra si formulados pela Autora, decisão de que a Recorrente discorda e cuja revogação, por isso, se propugna, com a impugnação da matéria de facto pertinente à reapreciação das questões aqui sindicadas.
3. Pois bem, com todo o respeito, que é muito e bem devido, o Tribunal recorrido decidiu mal, mediante a prolação da decisão ora posta em crise, não se conformando a Recorrente com a decisão proferida.
4. Efetivamente, é firme convicção da Apelante que, do cotejo de toda a prova produzida, dir-se-á que a decisão recorrida é baseada numa errada apreciação da prova, errada aplicação das regras de direito e da fundamentação que lhe foi subjacente.
5. Ora, no nosso modesto entendimento, o Tribunal da Relação do Porto deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, uma vez que, em relação aos factos considerados como provados e como não provados na sentença recorrida, a prova produzida, quer testemunhal, quer documental, quer pericial impõe, no nosso entendimento, decisão diversa, pelo que a Autora, aqui Recorrente, procede assim à impugnação dos mesmos.
6. COM EFEITO, apraz aqui salientar o facto de, da Sentença ora recorrida, não resultar de uma perfeita análise/exame crítico de todas as provas produzidas nos presentes autos, de que lhe cumpria apreciar, analisar e conhecer, pois que, salvo o devido respeito, que é sempre muito e bem devido, não poderá deixar de ser questionado o que poderá ter conduzido o Mm.º Juiz a quo a olvidar, nomeadamente, as Declarações de Parte da Autora, aqui Recorrente, bem como a totalidade da prova testemunhal arrolada pela mesma, e a desatender a tais PROVAS da A., no nosso entendimento idóneas, credíveis e técnicas, literalmente como se não tivessem sido produzidas, num total desvalor, infundado e não mencionado, nem fundamentado, para efeitos de prolação da decisão de facto.
7. Desconhece, assim, a Autora o que esteve na base de tal não apreciação da prova arrolada pela A., porquanto não existe qualquer fundamentação para tal posição do Tribunal recorrido, não obstante tal circunstância ser deveras prejudicial para os interesses da A., aqui Recorrente, e para a realização da justiça.
8. OS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE A RECORRENTE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADOS (art. 640º, nº 1, alínea a) do C.P.C.) são os seguintes, pelas razões que infra se expõem:
a. Itens 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 18, 25, 26, 27, 31, 32 e 33 dos factos provados;
b. Pontos A a H dos factos não provados (não obstante os factos não provados não terem qualquer identificação, conforme resulta da análise dos factos não provados constantes da sentença recorrida, decidimos, salvo o devido respeito, e de modo a facilitar a estruturação das alegações de recurso, atribuir a identificação denominada PONTOS A a H, nos pontos de factos não provados que se consideram incorretamente julgados).
9. OS CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS, CONSTANTES DO PROCESSO QUE IMPUNHAM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA, SOBRE OS PONTOS DA MATÉRIA DE FACTO IMPUGNADOS (art. 640º, nº 1, alínea b) do C.P.C.), a saber:
- As declarações de parte, designadamente: o Da Autora/Recorrente, AA (depoimento gravado em suporte digital entre as 11h20 e as 13h13 - ata de fls…., datada de 13/09/2022); o Da Ré/Recorrida, Dr.ª BB (depoimento gravado em suporte digital entre as 14h48 e as 16h59 - ata de fls…., datada de 13/09/2022; entre as 10h44 e as 13h03 – ata de fls…., datada de 14/09/2022; e entre as 10h36 e as 12h15 – ata de fls…., datada de 15/09/2022).
- Os depoimentos das seguintes testemunhas:
*O depoimento da testemunha PROF.ª DR.ª CC (depoimento gravado em suporte digital entre as 14h40 e as 16h28 - ata de fls…., datada de 15/09/2022);
* O depoimento da testemunha DR. DD (depoimento gravado em suporte digital entre as 10h36 e as 11h37 – ata de fls…., datada de 17/05/2023);
*O depoimento da testemunha DR. EE (depoimento gravado em suporte digital entre as 11h38 e as 12h40 – ata de fls…., datada de 17/05/2023; e entre as 10h20 e as 12h21 – ata de fls…., datada de 31/05/2023);
*O depoimento da testemunha DR. FF (depoimento gravado em suporte digital entre as 14h52 e as 16h45 – ata de fls…., datada de 31/05/2023);
*O depoimento da testemunha DR. GG (depoimento gravado em suporte digital entre as 10h44 e as 12h06 – ata de fls…., datada de 09/11/2023);
*O depoimento da testemunha PROF. DOUTOR HH (depoimento gravado em suporte digital entre as 12h07 e as 12h24 – ata de fls…., datada de 09/11/2023);
* depoimento da testemunha II (depoimento gravado em suporte digital entre as 10h27 e as 11h10 – ata de fls…., datada de 13/12/2023);
*O depoimento da testemunha JJ (depoimento gravado em suporte digital entre as 11h11 e as 12h09 – ata de fls…., datada de 13/12/2023);
* O depoimento da testemunha KK (depoimento gravado em suporte digital entre as 12h10 e as 12h25 – ata de fls…., datada de 13/12/2023);
*O depoimento da testemunha LL (depoimento gravado em suporte digital entre as 14h09 e as 14h30 – ata de fls…., datada de 13/12/2023);
*O depoimento da testemunha MM (depoimento gravado em suporte digital entre as 14h31 e as 14h54 – ata de fls…., datada de 13/12/2023).
- Os documentos juntos aos autos, designadamente:
I. Os documentos junto sob os n.ºs 1, 3, 11, 12, 13, 13-A, 14 a 17, 21 à Petição Inicial;
II. Os documentos designados de Doc. A e Doc. A2, junto à Contestação das Rés;
III. Os documentos juntos à pronúncia apresentada em 20/02/2018, sob a Refª 28253747, sob os n.ºs 1 e 2;
IV. O documento junto ao requerimento probatório da A., apresentado em 27/04/2018, sob a Refª 28975235, sob o nº 1;
V. Documentação clínica junta aos autos em 7 de dezembro de 2018, pela C...;
VI. Parecer do Conselho Médico Legal emitido em 30/09/2020, junto em 14/10/2020;
VII. Processo Clínico da A. elaborado pela C..., mediante requerimento junto em 15/07/2021, sob a Refª 39479325;
VIII. Processo Clínico da A. elaborado pela D..., mediante requerimento junto em 29/09/2021, relativo aos tratamentos efetuados no período compreendido entre dezembro de 2012 até final do ano de 2013;
IX. Listagem da ADSE dos valores reembolsados e suportados relativos a cuidados de saúde prestados à beneficiária, ora A., junta aos autos em 13/07/2021;
X. O documento junto ao requerimento de ampliação do pedido apresentado em 05/09/2022, sob a Refª 43170180, sob o n.º 1;
XI. O documento junto sob o doc. n.º 1-A protestado juntar na Petição Inicial e apresentado na audiência de julgamento de 13/09/2022, correspondente às ortopantomografias realizadas pela Autora em 18/12/2007, 05/07/2010 e 18/12/2012.
- Prova pericial, designadamente:
XII. Relatório pericial de Medicina Dentária, realizado pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, datado de 4 de julho de 2013, junto sob Doc. nº 9, com a Petição Inicial;
XIII. Relatório pericial de Medicina Dentária, realizado pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, datado de 18/03/2019;
XIV. Relatório pericial de Medicina Dentária, realizado pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, datado de 18/03/2019;
XV. Relatório pericial, realizado pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, datado de 19/03/2019;
XVI. Relatório pericial complementar, realizado pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, datado de 2/10/2019;
XVII. 2º Relatório pericial complementar, realizado pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, datado de 20/11/2019;
XVIII. 3º Relatório pericial complementar, realizado pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, datado de 3/02/2020.
10. INDICAÇÃO COM EXACTIDÃO DAS PASSAGENS DA GRAVAÇÃO EM QUE SE FUNDA, QUANDO OS MEIOS PROBATÓRIOS INVOCADOS COMO FUNDAMENTO DO ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS TENHAM SIDO GRAVADOS E SEJA POSSÍVEL A IDENTIFICAÇÃO PRECISA E SEPARADA DOS DEPOIMENTOS (art. 640º, nº 2 do C.P.C.):
- Da Autora/Recorrente, AA, depoimento gravado em suporte digital entre as 11h20 e as 13h13 - ata de fls…., datada de 13/09/2022, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 01:15:29 a 01:17:06; 01:19:30 a 01:20:26; 00:14:01 a 00:15:45; 00:16:23 a 00:17:28; 00:17:45 a 00:20:11; 00:01:28 a 00:06:31; 00:38:12 a 00:41:11; 00:41:47 a 00:44:15; 00:51:25 a 00:54:44; 00:14:04 a 00:23:55; 00:25:04 a 00:28:24; 00:29:18 a 00:30:56; 00:35:30 a 00:38:11; 00:59:08 a 01:01:21; 00:37:26 a 00:38:08; 00:59:11 a 01:00:02; 01:04:25 a 01:05:54; 01:25:38 a 01:26:03; 00:12:53 a 00:13:24; 00:17:57 a 00:19:11; 00:37:26 a 00:38:09; 01:04:25 a 01:05:54; 00:31:12 a 00:35:27; 01:06:56 a 01:07:39; 01:21:23 a 01:21:44; 01:28:03 a 01:28:39; 00:03:01 a 00:04:18; 01:15:29 a 01:17:00; 00:01:29 a 00:06:31; 00:12:54 a 00:13:58; 00:18:18 a 00:19:11; 00:25:33 a 00:27:34; 00:29:47 a 00:30:46; 00:38:15 a 00:39:54; 00:41:48 a 00:44:14; 00:51:35 a 00:55:37; 01:00:27 a 01:00:59; 01:15:42 a 01:17:07; 01:20:12 a 01:20:27; 00:29:17 a 00:30:55; 00:27:07 a 00:28:18;
- Da Ré/Recorrida, DR.ª BB: o Depoimento gravado em suporte digital entre as 14h48 e as 16h59 - ata de fls…., datada de 13/09/2022, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: *o Mediante depoimento gravado entre as 10h44 e a 13h03 – ata de fls…., datada de 14/09/2022, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:07:31 a 00:08:17; 00:09:39 a 00:14:18; 00:16:45 a 00:17:03; 00:17:25 a 00:30:39; 00:24:36 a 00:25:17; 00:52:11 a 00:52:55; 01:11:22 a 01:11:59; 01:29:32 a 01:31:23; 01:35:03 a 01:36:17; 01:40:58 a 01:43:56; 01:46:01 a 01:46:47; 01:50:21 a 01:53:39; 02:04:42 a 02:09:05; 02:13:48 a 02:18:01; 01:07:44 a 01:08:03; 01:22:04 a 01:23:06; 01:05:30 a 01:06:44; 01:10:13 a 01:11:59; 01:13:39 a 01:14:21;* Mediante depoimento gravado entre as 10h36 e as 12h15 – ata de fls…., datada de 15/09/2022, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:35:39 a 00:38:25; 00:20:50 a 00:23:19; 00:55:23 a 01:00:07; 01:07:41 a 01:08:05;
- O depoimento da testemunha PROF.ª DR.ª CC, depoimento gravado em suporte digital entre as 14h40 e as 16h28 - ata de fls…., datada de 15/09/2022, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:34:54 a 00:39:13; 00:06:07 a 00:08:48; 00:05:11 a 00:05:27; 00:08:49 a 00:11:53; 00:12:38 a 00:14:00; 00:26:27 a 00:28:05; 00:28:37 a 00:44:52; 00:53:26 a 00:56:09; 00:59:10 a 00:59:51; 01:04:04 a 01:04:43; 01:07:36 a 01:08:49; 01:09:50 a 01:12:21; 01:12:35 a 01:13:08; 01:13:15 a 01:14:21; 01:17:30 a 01:18:09; 01:20:30 a 01:24:34; 01:32:05 a 01:33:34; 01:35:13 a 01:36:06; 01:43:49 a 01:46:10; 01:09:49 a 01:13:47; 00:30:08 a 00:34:53; 01:20:40 a 01:24:34; 00:08:48 a 00:14:00;
- O depoimento da testemunha DR. DD, depoimento gravado em suporte digital entre as 10h36 e as 11h37 – ata de fls…., datada de 17/05/2023, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exactidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:04:33 a 00:11:13; 00:11:44 a 00:12:43; 00:13:11 a 00:13:32; 00:16:39 a 00:20:41; 00:24:31 a 00:25:42; 00:29:18 a 00:30:51; 00:32:35 a 00:32:41; 00:46:32 a 00:50:28; 00:55:54 a 00:56:42; 00:01:48 a 00:02:50;
- o depoimento da testemunha DR. EE: *o Depoimento gravado em suporte digital entre as 11h38 e as 12h40 – ata de fls…., datada de 17/05/2023, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:29:52 a 00:31:12; 00:41:19 a 00:47:17; 00:49:28 a 00:58:32; 00:38:21 a 00:39:00; 00:41:21 a 00:44:08; 00:16:52 a 00:17:31; 00:20:21 a 00:20:33; 01:54:26 a 01:58:28; 01:59:27 a 02:00:11; 00:47:49 a 00:50:02; 00:02:26 a 00:03:03; 00:05:14 a 00:06:04; 00:07:17 a 00:09:24; 00:09:44 a 00:10:53; 00:11:31 a 00:11:53; 00:18:41 a 00:19:57; 00:20:40 a 00:22:18; 00:22:20 a 00:22:41; 00:22:55 a 00:27:14; 00:27:38 a 00:34:18; 00:34:40 a 00:35:38; 00:36:34 a 00:39:00; 00:39:28 a 00:39:43; 00:40:14 a 00:40:17; 00:40:26 a 00:41:17; 00:50:38 a 00:54:53; 00:45:59 a 00:47:17; 00:36:54 a 00:38:20; 00:28:16 a 00:33:05; 00:02:24 a 00:04:23; *o Depoimento gravado em suporte digital entre as 10h20 e as 12h21 – ata de fls…., datada de 31/05/2023, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:38:43 a 00:44:13; 00:44:47 a 00:46:01; 01:17:02 a 01:19:59; 00:16:52 a 00:25:32; 00:48:57 a 00:49:36; 00:53:12 a 00:54:35; 00:16:25 a 00:16:52; 00:23:41 a 00:25:09; 00:40:45 a 00:41:39; 00:44:51 a 00:46:01; 01:17:43 a 01:20:00; 00:01:30:35 a 01:32:27; 01:33:31 a 01:33:48;
- O depoimento da testemunha DR. FF, depoimento gravado em suporte digital entre as 14h52 e as 16h45 – ata de fls…., datada de 31/05/2023, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:01:23 a 00:03:44; 00:45:34 a 00:47:31; 00:05:01 a 00:07:12; 00:08:19 a 00:11:56; 00:12:04 a 00:33:24; 01:47:18 a 01:48:13; 00:09:59 a 00:10:47; 00:35:51 a 00:39:56; 00:47:04 a 00:49:28; 01:24:38 a 01:26:14; 01:27:11 a 01:28:42; 01:37:44 a 01:37:51; 01:46:10 a 01:47:06; 00:01:29 a 00:04:38; 00:04:49 a 00:05:01; 00:09:15 a 00:09:44; 00:09:58 a 00:10:51; 00:12:06 a 00:13:16; 00:15:01 a 00:16:14; 00:16:55 a 00:18:09; 00:18:21 a 00:20:29; 00:23:27 a 00:24:49; 00:27:24 a 00:27:42; 00:30:39 a 00:30:56; 00:31:19 a 00:31:36; 00:34:58 a 00:35:21; 00:42:05 a 00:43:05; 00:44:40 a 00:45:07; 00:43:32 a 00:47:56; 00:52:52 a 00:53:54; 00:54:39 a 00:55:05; 01:15:25 a 01:15:28; 01:46:52 a 01:47:05; 00:15:04 a 00:16:13; 00:16:50 a 00:21:18; 00:33:24 a 00:35:20; 00:52:51 a 00:53:54; 00:35:52 a 00:37:44;
- O depoimento da testemunha DR. GG, depoimento gravado em suporte digital entre as 10h44 e as 12h06 – ata de fls…., datada de 09/11/2023, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:32:37 a 00:46:32; 00:46:47 a 00:47:01; 00:48:39 a 00:50:14; 00:53:21 a 00:54:55; 00:55:38 a 00:55:47; 00:55:57 a 00:56:22; 00:58:14 a 00:59:15; 01:07:35 a 01:08:26; 01:19:51 a 01:20:42; 00:16:45 a 00:17:54; 00:03:37 a 00:04:10; 00:05:01 a 00:05:27; 00:05:39 a 00:06:03; 00:17:56 a 00:20:05; 00:20:13 a 00:20:32; 00:21:01 a 00:21:24; 00:26:21 a 00:27:07; 00:30:53 a 00:31:17; 00:31:26 a 00:31:36; 00:32:38 a 00:32:49; 00:34:15 a 00:35:06; 00:36:12 a 00:46:17; 00:46:58 a 00:47:02; 00:48:39 a 00:50:22; 00:50:34 a 00:50:44; 00:53:43 a 00:54:06; 00:58:16 a 00:59:09; 01:00:20 a 01:00:37; 01:08:02 a 01:08:27; 01:13:06 a 01:13:30; 01:19:52 a 01:20:43; 00:36:01 a 00:38:32; 00:51:34 a 00:52:14; 01:11:53 a 01:13:04;
- O depoimento da testemunha PROFESSOR DOUTOR HH, depoimento gravado em suporte digital entre as 12h07 e as 12h24 – ata de fls…., datada de 09/11/2023, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:02:46 a 00:03:32; 00:09:07 a 00:13:55;
- O depoimento da testemunha II, depoimento gravado em suporte digital entre as 10h27 e as 11h10 – ata de fls…., datada de 13/12/2023, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:16:45 a 00:18:42; 00:01:42 a 00:03:46; 00:08:57 a 00:11:07; 00:32:44 a 00:34:10; 00:18:54 a 00:20:10;
- O depoimento da testemunha JJ, depoimento gravado em suporte digital entre as 11h11 e as 12h09 – ata de fls…., datada de 13/12/2023, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:02:36 a 00:06:19; 00:14:59 a 00:17:55; 00:22:02 a 00:23:34; 00:23:50 a 00:25:13; 00:28:07 a 00:29:12; 00:01:02 a 00:01:36; 00:08:38 a 00:09:02; 00:09:09 a 00:14:57; 00:09:30 a 00:10:52; 00:36:19 a 00:37:47; 00:37:56 a 00:39:00; 00:39:30 a 00:41:00; 00:45:33 a 00:45:46; 00:52:16 a 00:52:57; 00:53:53 a 00:54:19; 00:56:39 a 00:56:49; 00:22:02 a 00:23:34;
- O depoimento da testemunha KK, depoimento gravado em suporte digital entre as 12h10 e as 12h25 – ata de fls…., datada de 13/12/2023, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:02:29 a 00:03:27; 00:04:23 a 00:04:43; 00:05:36 a 00:06:45; 00:12:50 a 00:13:36; 00:02:13 a 00:03:56; 00:04:24 a 00:04:42; 00:05:22 a 00:07:29; 00:08:15 a 00:10:22;
- O depoimento da testemunha LL, depoimento gravado em suporte digital entre as 14h09 e as 14h30 – ata de fls…., datada de 13/12/2023, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:02:26 a 00:02:50; 00:18:41 a 00:19:25;
- O depoimento da testemunha MM, depoimento gravado em suporte digital entre as 14h31 e as 14h54 – ata de fls…., datada de 13/12/2023,, desde já se indicando, para os devidos efeitos legais, com exatidão, as concretas passagens em que se funda, a saber: 00:00:37 a 00:01:08; 00:14:22 a 00:14:48; 00:19:12 a 00:22:02.
11. A DECISÃO QUE, NO SEU ENTENDER, DEVE SER PROFERIDA SOBRE AS QUESTÕES DE FACTO IMPUGNADAS (art. 640º, nº 1, alínea c) do C.P.C.):
12. Entende a Recorrente que, em face da prova documental, testemunhal e pericial produzida, nos presentes autos, constata-se que foram, salvo o devido respeito, incorreta e erradamente julgados os seguintes factos, pelas razões e fundamentos que infra se descreverão, pelo que deverão ser alterados nos termos infra indicados:
13. Entende a Recorrente que, em face da prova documental, testemunhal e pericial produzida, nos presentes autos, constata-se que foram, salvo o devido respeito, incorreta e erradamente julgados os seguintes factos, pelas razões e fundamentos que infra se descreverão, pelo que deverão ser alterados nos termos infra indicados:
- Os itens 6, 7, 8, 9, 10, 25, 26, 27, 31, 32 e 33 dos factos provados devem ser considerados não provados;
- O Ponto A dos factos não provados deve ser alterado e passar a constar como provado o seguinte: «Antes de iniciar o tratamento ortodôntico, a primeira ré não teve o cuidado, conforme seria expectável, de proceder ao tratamento de todas as cáries dentárias que a Autora apresentava, à data.»
- Os Pontos B a G dos factos não provados devem ser considerados provados;
- O Ponto H dos factos não provados deve ser alterado e ser considerado parcialmente provado passando a ter a seguinte redação: xix. «Que a nefasta saúde bocal da autora provocou repercussões negativas na vida pessoal e social da A., designadamente sofrimento resultante das dores repetidamente sentidas, vergonha, instabilidade, dificuldade na mastigação e higienização e dificuldade/vergonha de falar em público, perda de auto-estima, bem como, atenta a sua idade, dificuldade e vergonha no estabelecimento de relações com os seus pares, nomeadamente em termos académicos e universitários.»
- item 5 dos factos provados deveria ser alterado, mantendo-se como provado, mas deverá passar a ter a seguinte redação: xx. «De acordo com a informação prestada à Autora e aos seus pais, os quais acompanharam a Autora nas consultas realizadas, face à menoridade desta, à data, por professor daquela área e a que recorreram para correcção do prognatismo, a cirurgia só deveria ocorrer quando a autora tivesse dezoito anos de idade, não aconselhando a realização de procedimentos médicos de correção que atenuassem/disfarçassem o prognatismo mandibular, atentas as consequências nefastas desses procedimentos para a saúde dos pacientes»
- O item 11 dos factos provados deveria ser alterado, mantendo-se como provado, mas deverá passar a ter a seguinte redação: xxi. «Em 22 de dezembro de 2012, a Autora efetuou a sua última consulta com a 1.ª Ré, deixando, após essa data, de recorrer aos serviços da segunda Ré»
- O item 18 dos factos provados, no nosso entendimento, deverá ser alterado e passar a ter a seguinte redação: xxii. «E, a partir de 26 de Dezembro de 2013 e até ao presente momento, atenta a extensão dos tratamentos dentários de que a autora carecia e carece, tem vindo a ser acompanhada na “C... – Clínicas Dentárias, Lda.”, pelo Sr. Dr. GG, Sr. Dr. FF, Sr. Dr. EE e pelo Sr. Dr. DD.»
- No nosso entendimento, dever-se-á acrescentar o seguinte facto provado, na fundamentação da decisão de facto recorrida: xxiii. «Os aparelhos ortodônticos fixos foram colocados pela 1ª Ré, aqui Recorrida Dr.ª BB, na arcada dentária superior da A. em 25 de janeiro de 2008 e na arcada dentária inferior da A. em 20 de julho de 2009».
- Deverá sempre acrescer aos pontos 14 e 15 dos factos dados como provados, não obstante, e caso não seja este o entendimento, de considerar assente e dar como provado a totalidade do relatório pericial junto sob doc. nº 9 com a petição inicial, e por tais factos se revelarem deveras importantes para a boa decisão da presente lide, sete factos novos constantes do referido relatório, a páginas 4 a 6, o que se requer, designadamente: Acrescenta ainda o dito relatório que: O estado atual da A., à data da elaboração do relatório junto sob doc. nº 9 com a Petição Inicial, isto é, em 4/07/2013, era o seguinte: A examinanda referia sentir muitas dores nos dentes, de uma forma generalizada, não conseguindo, por esse motivo escovar os dentes, referindo que recorria a um guardanapo para o efeito.
Resulta também do referido relatório que, ao exame objectivo nessa data: A NÍVEL DO MAXILAR SUPERIOR verificou-se o seguinte: ausência de 17, cárie mesial e distal de 15 e de 14, cárie vestibular (colo) de 13, 12, 11, 21, obturação mesial e distal de 12, obturação mesial de 11, obturação mesial e cárie distal de 21, obturação mesial e distal de 22, cárie mesial e distal de 23, redução do dente 24 à sua porção radicular, cárie mesial de 25, cárie de 26 e 27 (destruição das cúspides distais) e ausência do dente 28. c. A NÍVEL DA MANDÍBULA verificou-se o seguinte: cárie vestibular de 38, 35, 34, 33, 44, 43, 42, cárie oclusal de 38, cárie oclusal com exposição pulpar de 37 (furca amolecida), cárie oclusodistal com exposição pulpar de 36 (furca amolecida), cárie distal de 42, cárie mesial e distal de 43, cárie mesio-ocluso-distal de 46, cárie oclusal (destruição da cúspide mesiovestibular) de 47, cárie oclusal de 48. d. Os seguintes dentes possuem obturações: 22(MD), 21(M), 11(M), 22(MD), 24, 38 (O), 36(M), 46(D), 48(O).
Acrescenta ainda o referido relatório que, realizou-se, nessa data, enquanto exames complementares de diagnóstico, ortopantomografia de Julho de 2013, a qual, para além do visualizado no exame objetivo permitiu identificar imagem compatível com tratamento endodôntico (TER ou «desvitalização») de 24, reabsorção óssea secundária a processo infecioso nos ápices dos dentes 26, 38, 37, 36, 46, 47 e 48, Presença de 28 incluso. Por fim, refere ainda o mencionado relatório que, relativamente às necessidades terapêuticas, refira-se que, muitas vezes, durante o decurso dos próprios tratamentos são constatadas situações que não foram detetadas no exame clínico, obrigando à alteração do plano de tratamento previamente idealizado. Ainda assim, naquele momento, isto é, em julho de 2013, e de acordo com o que foi observado no exame clínico, é de prever que a examinada necessite dos seguintes tratamentos: e. Extração dos dentes 26, 37, 36, 47 e 48, f. TER dos dentes 46 (prognóstico duvidoso – extração?), 44 e 43, g. Tratamento conservador (dentisteria) dos dentes 15, 14, 13, 12, 11, 21, 23, 25, 38, 35, 34, 33, 44, 43, 42; h. Prótese fixa (coroas ou pivôts) dos dentes 24, 27 (prognóstico duvidoso – TER?), i. Implantes e respetivas coroas na região 17, 26, 37, 36 e 47; Refira-se, novamente, que o plano de tratamento dos dentes, e que todos os TER têm possibilidade de se transformarem em extrações, as dentisterias em TER ou em colocação de coroa.
Acrescenta o referido relatório que, em termos de custos, o custo atual médio (à data) de cada implante e respetiva coroa ronda os € 1940, cada TER € 198, cada coroa/pivôt € 1020, cada restauração € 98 e cada extração € 52. É de esperar a necessidade de substituir/reparar as restaurações efetuadas cada 5 anos: a duração média estimada dos implantes dentários é de cerca de 10 anos, ao passo que as coroas poderão necessitar de substituição aos 6 anos: o tempo apresentado é um valor médio, podendo variar de acordo com hábitos, higiene, etc.
Por último, conclui o referido relatório que, no que concerne à verificação dos tratamentos efetuados, tal não se afigura possível, uma vez que, desde 2007, a cavidade oral da examinada foi-se deteriorando de tal forma que é possível que alguns dos tratamentos feitos tenham sido perdidos, sem que tal seja indicadora da sua não realização. A verificação dos passos relativos ao tratamento ortodôntico resulta, de igual forma, impossível.
- ITENS 5 e 25 DOS FACTOS PROVADOS:
14. Na sentença proferida e de que ora se recorre o Tribunal a quo, considerou como provado no item 5 dos factos julgados provados, que: «De acordo com a informação prestada à autora (sua mãe, face à menoridade da autora) e à ré BB, por professor daquela área e a que recorreram para correcção do prognatismo, a cirurgia só deveria ocorrer quando a autora tivesse dezoito anos de idade, podendo, até lá, efectuar procedimentos médicos de correcção que atenuassem/disfarçassem o prognatismo;»
15. e como provado no item 25 dos factos julgados provados, que: «Os pais da autora (então menor) optaram por solicitar à Ré que procedesse ao alinhamento dos dentes da autora»,
16. CUMPRE MENCIONAR QUE, antes de mais, resulta da prova produzida que, os pais da A. foram, ambos, às 4 consultas realizadas com o Prof. Dr. HH tendo as informações prestadas pelo médico sido feitas apenas aos Pais da menor e à menor, e não à 1ª Ré, não resultando provado que o referido médico terá dito que até à cirurgia proposta poderia a A. efetuar procedimentos médicos de correção que atenuassem ou disfarçassem o prognatismo, resultando pelo contrário, do seu depoimento, a sua posição contrária a esses procedimentos alternativos que, na sua opinião, serão geradores de problemas de saúde graves.
17. Além do mais, não foram os Pais da A. que optaram por solicitar à 1ª Ré que procedesse ao alinhamento dos dentes da A., mas sim resultou do aconselhamento da 1ª Ré, a colocação dos 2 aparelhos ortodônticos, de modo a evitar a tão indesejada cirurgia e camuflar o prognatismo mandibular.
18. Com efeito, antes da colocação do aparelho ortodôntico, a 1ª Ré, aqui Recorrida Dr.ª BB aconselhou a A., aqui Recorrente a consultar o Sr. Prof. Dr. HH, ortodontista, por causa do problema de prognatismo mandibular de que a mesma padecia,
19. tendo a Recorrente sido examinada pelo referido médico quando tinha cerca de 12 anos, o qual não aconselhou, de imediato, a realização de qualquer cirurgia, querendo, antes, acompanhar a evolução do problema, através de consultas ocorridas anualmente, conforme se constata do depoimento prestado pelo mesmo.
20. SUCEDE QUE, EM RELAÇÃO À COLOCAÇÃO DOS APARELHOS ORTODÔNTICOS PELAS RÉS, EM 2008 e 2009, e ao contrário do que a Recorrida Dr.ª BB mencionou nas declarações prestadas em audiência de julgamento, no dia 14/09/2022, não foram os pais da Recorrente que rejeitaram a realização da cirurgia, tendo sido, na realidade, a A., aqui Recorrente que se recusou a fazer a cirurgia, tendo tomado tal decisão com base nos conselhos da 1ª Ré, optando por proceder à colocação de um aparelho ortodôntico com o objetivo de camuflar o seu problema dentário e mandibular, na sequência de a Recorrida, por motivos pessoais, ter aconselhado a colocação de tal aparelho, com esse propósito.
21. ACRESCE QUE, o tratamento sugerido pela Recorrida não foi de todo o correto e o mais adequado a solucionar o problema da Recorrente, conforme aliás era do inteiro e absoluto conhecimento das Rés, e conforme se constata do depoimento prestado pela Testemunha Professor Doutor HH e do entendimento de alguns outros médicos ortodontistas.
22. Em face disso, a Recorrente acabou por optar pelo tratamento sugerido pelo Dr. FF, da C..., mediante a colocação de três aparelhos ortodônticos, especialmente desenvolvidos para esse efeito, apenas após o tratamento das inúmeras cáries que a A. apresentava na sua boca, o que apenas foi possível colocar em 2015.
23. Posto isto, os itens 5 e 25 dos factos provados deverão ser considerados como não provados, de acordo com a cuidadosa análise da prova documental e da prova testemunhal produzida, o que se requer.
24. ITENS 6, 7, 26 e 27 DOS FACTOS PROVADOS e PONTO A DOS FACTOS NÃO PROVADOS:
25. O Tribunal a quo, na sentença que proferiu e de que ora se recorre, considerou como provado no item 6, dos factos julgados provados, que: “Nessa sequência, a primeira ré, após tratar cáries da autora, colocou- lhe aparelho ortodôntico para correção/atenuação do prognatismo mandibular;”
26. e como provado no item 7, dos factos julgados provados, que: “Ou seja, quando a primeira ré colocou aparelho ortodôntico na autora, esta não apresentava cáries;”
27. Mais adiante, no item 26, dos factos provados, o Tribunal considerou que: “A ré procedeu ao tratamento de cáries que a autora apresentava, tratamentos que precederam o início da colocação do aparelho ortodôntico superior, destinado a corrigir a posição dos dentes desalinhados e era constituído por “brakecs”
28. e, no item 27, dos factos provados, o Tribunal considerou que: “No início do tratamento a autora apresentava quatro cáries, que tratou antes do tratamento ortodôntico”.
29. Por outro lado, no primeiro dos factos merecedores da menção de não provados (a que, por conveniência de análise, relacionamos alfabeticamente, correspondendo, no que ora se reporta, portanto, ao ponto A dos factos não provados), considerou o Tribunal a quo como não provado:
«A» - «Que, antes de iniciar o tratamento ortodôntico, a primeira ré não tivesse tomado o cuidado, conforme seria expectável, de proceder ao tratamento de todas as cáries dentárias que a autora apresentasse, à data»
30. Todavia, não pode a aqui Recorrente conformar-se com estas conclusões pois que, da análise da prova documental, testemunhal e pericial produzida, resultou integralmente que a 1ª Ré, a Recorrida Dr.ª BB, não tratou as cáries da Autora, antes da colocação de aparelho ortodôntico, assim como que, aquando da colocação do aparelho ortodôntico, a Autora, ora Recorrente, apresentava cáries e a 1ª Ré não as tratava, conforme se retira do Relatório Pericial da Faculdade de Medicina Dentária do Porto, realizado em 04/07/2013, junto sob o doc. n.º 9 à Petição Inicial, designadamente: «… No caso da examinada existem lesões que podem ser datadas pelo menos tendo em conta o seu tempo mínimo de evolução. Tal é o caso das cáries nos dentes 46, 47, 27 e 37 que já eram patentes na ortopantomografia de 2007, e da cárie no dente 17, que já era visualizável na ortopantomografia de 2010. Estas cáries terão, então, no mínimo 6 e 3 anos de evolução….» e da análise cuidada do doc. nº 1 - A da Petição Inicial, correspondente a três ortopantomografias da A., desde 18 de dezembro de 2007 até 18 de dezembro de 2012.
31. Na realidade, a primeira Ré, a Recorrida Dr.ª BB, procedeu à colocação de aparelho ortodôntico na arcada superior dentária da Autora em janeiro de 2008 e na arcada inferior no ano de 2009.
32. Isto é, aquando da realização do relatório pericial aqui em apreço, o qual teve por base a análise das ortopantomografias apresentadas pela Recorrente, bem como o exame clínico da análise da cavidade oral da Recorrente pela médica perita, a Recorrente apresentava diversas condições na sua cavidade oral que careciam de tratamento, sendo que essas situações já poderiam ter sido diagnosticadas e tratadas atempadamente, pela 1ª Ré, até porque já tinham vários anos de evolução, conforme aliás é o entendimento da Prof. Dra. CC.
33. Aqui chegados, cumpre mencionar que, na Sentença proferida e ora recorrida, é indicado, cremos que por mero lapso, que a Prof. Doutora CC é «autora do relatório pericial de 2019» junto aos autos, quando, na realidade, conforme resulta do aludido relatório pericial, junto sob o doc. n.º 9 na Petição Inicial e já supra mencionado, o relatório pericial datado de 04/07/2013, já havia sido também da autoria da Prof. Doutora CC, a qual se pronunciou em relação aos dois relatórios por si elaborados no depoimento que prestou, em sede de audiência de julgamento.
34. Na verdade, o Tribunal «a quo» desvalorizou, em absoluto, a prova documental constante dos autos, bem como as Declarações de Parte da Autora, aqui Recorrente e o depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pela Recorrente, valorizando, por outro lado, por excesso infundado, as declarações de parte da Primeira Ré e os depoimentos prestados por testemunhas arroladas pelas Rés, o que, diga-se, desde já, com todo o respeito que nos merece, não foi de todo a valorização adequada, tendente à realização da justiça.
35. À semelhança do que resultou do depoimento da testemunha Prof. Dra. CC, conforme decorre do depoimento da Testemunha Dr. FF, médico dentista, na área da Ortodontia, o mesmo revelou que, não obstante não seguir clinicamente a Recorrente à data, constatou, através da análise das ortopantomografias juntas aos autos, com clareza, que o aparelho foi colocado por cima de cáries.
36. O mesmo sucedeu com a Testemunha Dr. EE, médico dentista, na área da cirurgia, implantologia e endodontia, o qual mencionou as cáries existentes na boca da A. antes da colocação do aparelho ortodôntico pela 1ª Ré, bem como salientou que o não tratamento de cáries poderá causar a proliferação de cáries, conforme sucedeu com a A..
37. Por seu turno, resulta do depoimento prestado, em sede de audiência de julgamento, pela testemunha Dr. GG, quando confrontado com as ortopantomografias juntas pela A., aqui Recorrente, aos presentes autos, realizadas nos anos de 2007, 2010 e 2012, que aquando da colocação do aparelho ortodôntico pela 1ª Ré na boca da A. não foram tratadas as cáries aí existentes, bem como constatou o mesmo o agravamento do quadro clínico da Recorrente durante o referido hiato temporal de cinco anos.
38. COM EFEITO, não é por demais mencionar que as ortopantomografias realizadas pela Recorrente e juntas aos autos datam de 18/12/2007, 05/07/2010 e 18/12/2012 e que, de facto, os aparelhos ortodônticos fixos foram colocados pela Recorrida Dr.ª BB, na arcada dentária superior da A. em 25 de janeiro de 2008 e na arcada dentária inferior da A. em 20 de julho de 2009, conforme resulta da análise do doc. nº 1 junto com a Petição Inicial, sendo relevante que ficasse assente e fosse dado como provado as datas da colocação dos dois aparelhos pela 1ª Ré à A., o que se requer.
39. Com efeito, no que concerne à restauração das cáries dos dentes 2.6 e 2.7, que se situam na arcada dentária superior, como se viu das declarações de parte da 1ª Ré, perante o documento A junto pelas Rés mediante Requerimento apresentado em 17 de dezembro de 2018, com a Ref.ª 31019862, atinente à ficha clínica datilografada, a mesma que havia sido junta como doc. nº 1 com a Petição Inicial, a Recorrida Dr.ª BB alegou que tais tratamentos dessas cáries ocorreram em 1 de fevereiro de 2008.
40. Ora, aqui chegados, permitam-se os seguintes esclarecimentos: por um lado, os dentes 1 e 2 constituem a arcada dentária superior e os dentes 3 e 4 constituem a arcada dentária inferior.
41. Posto isto, cumpre concluir que a restauração das cáries dos dentes 2.6 e 2.7, ocorrida em 01 de fevereiro de 2008, ocorreu assim, obviamente, em momento posterior à colocação do aparelho ortodôntico na arcada superior.
42. De facto, quando confrontada com a circunstância de tal tratamento ocorrer após a colocação do aparelho, a Recorrida alegou que fez tratamentos extras e não escreveu na ficha clínica e, depois, no aludido documento, repete-se, junto aos autos pelas Rés, alegou que a data é que está ao contrário, pois «…na ficha clínica, colocava as datas ao contrário, primeiro o mês e depois o dia», mas acabou por assumir que assistia razão à A., uma vez que a data dos tratamentos é o dia 1 de fevereiro de 2008.
43. Não obstante o insólito aqui verificado, perante o depoimento prestado pela Recorrida Dr.ª BB, a única convicção com que ficamos é que, seis dias após a colocação do aparelho ortodôntico na arcada superior, alegadamente a Recorrida concluiu ter registado no registo clínico a restauração de dois dentes porque tinha cáries nesses dentes,
44. registo clínico que a Recorrida acaba por acrescentar não ser rigoroso, o que permite duvidar que, mesmo nessa data de 1 de fevereiro de 2008, se tenham efetivamente realizado tais tratamentos,
45. cujas cáries, acrescentamos nós, já existiam, aquando da colocação do aparelho ortodôntico, que não se pode deixar de aqui ressaltar, uma vez que, conforme se mencionou supra, relativamente, in casu, ao dente 2.7, a Recorrente apresentava lesões que já eram patentes na ortopantomografia de 18/12/2007, assim como permaneceram no exame pericial realizado pela Sr.ª Prof.ª Doutora CC, em 04/07/2013 e que foi constatado e alegado em audiência e julgamento pela recorrida, foi que antes da colocação do aparelho ortodôntico tínhamos, afinal, pelo menos, 5 dentes careados na boca da A.,
46. não obstante tais factos não terem sido valorizados pelo Tribunal a quo, constando, antes, da decisão recorrida que resultou provado que «no início do tratamento a autora apresentava quatro cáries, que tratou antes do tratamento ortodôntico”,
47. não resultando, no entanto, provado que, antes de iniciar o tratamento ortodôntico, a 1ª Ré não tivesse tomado o cuidado de proceder ao tratamento de todas as cáries dentárias, conforme efetivamente não ocorreu.
48. Na realidade, cumpre assim mencionar que, nos presentes autos, são por demais evidentes as incongruências das Rés, mas, absolutamente, desvalorizadas pelo Tribunal recorrido.
49. Perante o confronto entre o registo clinico da A. (Doc. A, junto com a contestação das Rés) e os recibos emitidos pelas Rés nas mesmas datas, concluímos que no Doc. A é mencionado que, em determinada data, a Recorrida Dr.ª BB terá procedido à intervenção ou restauro de determinado(s) dente(s), porém, no recibo correspondente, junto aos autos sob o doc. nº 13-A, em 30/06/2017, através de requerimento da Autora, ora Recorrente, apresentado sob a Refª 26241876, as Recorridas fazem menção a que a Recorrida Dr.ª BB, na dita consulta, terá intervencionado ou restaurado dentes completamente diferentes.
50. Nestes termos, torna-se impossível aferir, com rigor, que dentes da Recorrente é que a Recorrida Dr.ª BB terá, efetivamente, intervencionado, ou se, de facto, os intervencionou e quando, podendo ser questionado se terá mesmo intervencionado esses dentes aquando da realização das ditas consultas.
51. Aliás, saliente-se a repetição da designação dos mesmos dentes, por diversas vezes, no registo clínico e nos recibos emitidos pelas Rés.
52. Saliente-se ainda que é a 1ª Ré, aqui Recorrida, que admite a ocorrência de pelo menos cerca de 27 erros, no registo clínico por si emitido (Doc. A) conforme resulta das suas longas declarações de parte prestadas nos dias 13, 14 e 15 de setembro de 2022.
53. Não obstante tudo isto, estranhamente as declarações de parte prestadas pela 1ª Ré, a Recorrida Dr.ª BB, mereceram do Tribunal a quo total crédito, quando, na realidade, a 1ª Ré prestou um depoimento incoerente, incongruente, ferido de inverdades e inexatidões, e em que a mesma, por diversas vezes, EM ATO DE DESESPERO, admitiu que errou no tratamento da situação da A..
54. Cumpre ainda mencionar que, em Declarações de Parte da Autora, ora Recorrente, no dia 13/09/2022, a Recorrente relata que nada lhe foi dito pela 1ª Ré relativamente às cáries que tinha na boca aquando da colocação do aparelho, o que a fez crer que não existiam, ao contrário da 1ª Ré que declarou FALSAMENTE que NÃO EXISTIAM CÁRIES NA BOCA DA A., aquando da colocação do aparelho ortodôntico em 25 de janeiro de 2008.
55. COM EFEITO, não se diga que a Recorrida Dr.ª BB agiu em conformidade com as boas práticas da sua atividade profissional de médica dentista, sendo que, ao contrário do que resulta da decisão recorrida, e como referiu a Autora na Petição Inicial e resulta da prova produzida, a 1ª Ré, aqui Recorrida, procedeu à colocação do aparelho ortodôntico, na arcada dentária superior da A. e na arcada dentária inferior da A. sem que tivesse tratado as cáries da Recorrente,
56. pelo que, salvo o devido respeito, que é muito e bem devido, discordamos, em absoluto, de que tenham resultado provados os factos 6, 7, 26 e 27, porquanto dos depoimentos acima transcritos e da prova documental e pericial junta aos autos não se pode retirar tais ilações, pelo que deverão os mesmos factos ser dados como não provados, o que se requer,
57. entendendo a Recorrente, por seu turno, que o «ponto A» dos factos não provados deveria ser alterado, o que se requer, e passar a constar como provado o seguinte:
58. «Antes de iniciar o tratamento ortodôntico, a primeira ré não teve o cuidado, conforme seria expectável, de proceder ao tratamento de todas as cáries dentárias que a Autora apresentava, à data.»
59. PONTOS B a E DOS FACTOS NÃO PROVADOS:
60. O Tribunal a quo, na sentença que proferiu e de que ora se recorre, considerou como não provados os seguintes factos:
61. «B» - Que a primeira ré tenha informado a autora que as cáries dentárias seriam tratadas quando o aparelho ortodôntico fosse retirado;
62. «C» - Que a primeira ré tenha desvalorizado as infeções dentárias da autora, nunca tendo avançado com qualquer solução ou tratamento que permitisse solucionar e/ou aliviar os seus problemas dentários e quadro de dor da autora, prescrevendo antibiótico sem analisar a boca da paciente;
63. «D» - Que a primeira ré se limitasse a referir, por diversas ocasiões à autora, que esta apresentava cáries dentárias, mas que estas só poderiam ser tratadas quando o tratamento ortodôntico estivesse concluído;
64. «E» - Que, em Dezembro de 2012, a autora tivesse tentado recorrer aos serviços da primeira ré e que esta não se tivesse mostrado disponível para a atender».
65. Ora, perante a prova produzida, cabe ao Tribunal fazer uma análise crítica da mesma, de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade da vida.
66. Porém, o que assistimos no presente caso é, na realidade, a um confronto de versões dos acontecimentos, não explicando o Tribunal a quo as razões pelas quais desatendeu às declarações de parte da Autora, ora Recorrente, não sucedendo o mesmo relativamente às declarações de parte da 1.ª Ré, a Recorrida Dr.ª BB, valorizando o Tribunal estas últimas declarações, acreditando o Tribunal recorrido na versão dos factos apresentada pela 1ª Ré, em detrimento da versão da A., não obstante a ausência de sustentação daquela em quaisquer elementos de prova juntos aos autos, nomeadamente documental, testemunhal ou pericial.
67. Das declarações de parte da A. supra transcritas verifica-se que, ao longo do tratamento ortodôntico, a Recorrida Dr.ª BB, terá restaurado alguns dos dentes da Recorrente, na face interior dos dentes, porém, tais intervenções revelaram-se insuficientes,
68. não restaurando a Recorrida Dr.ª BB os dentes cujas cáries surgissem na parte exterior dos dentes, as quais só poderiam ser tratadas aquando do fim do tratamento ortodôntico, alegando que não poderia retirar os brackets, que aliás, conforme já se mencionou na presente peça processual, sucedeu com um dente da frente da Recorrente, que muito a incomodava e envergonhava, uma vez que tal cárie situada na parte frontal e exterior do dente era perfeitamente percetível e nunca foi tratada pela 1ª Ré.
69. Conforme vem mencionado na Sentença recorrida, bem como infra melhor se descreverá, a testemunha Dr. GG, e não a Testemunha FF (conforme resulta erradamente da sentença recorrida), médico dentista, “…tomou conhecimento do caso da autora pela primeira vez quando trabalhava no Hospital D.... A autora tinha aparelho nos dentes e muitas cáries não tratadas;” (sublinhado nosso).
70. Conforme, aliás, menciona a Testemunha Dr. EE, no depoimento por si prestado, foi constatado, de igual modo, o agravamento do estado da boca da A., aqui Recorrente, desde dezembro de 2007 até dezembro de 2012: «a maioria das cáries que temos em 2012 são cáries que já estão em 2007, só que num estado muitíssimo mais evoluído e com níveis de destruição muito maiores.»
71. Com efeito, não obstante o acompanhamento regular da dentição da A., aqui Recorrente – com uma periocidade mensal – pelas Rés, aqui Recorridas, a boca da Recorrente apresentava um quadro clínico lastimoso, em dezembro de 2012, apena expectável num cidadão que não apresentava os mínimos de cuidados de saúde e higiene oral e que não recorresse, com regularidade, aos serviços de um médico dentista.
72. Por seu turno, e conforme resulta do registo clínico da A., aqui Recorrente, junto aos autos sob o Doc. nº 1 da Petição Inicial, resulta provado nos autos que foram mais de 80 (oitenta) as consultas realizadas pela A. junto das Rés, desde 25 de janeiro de 2018 até 22 de dezembro de 2012, o que permite concluir por um elevado acompanhamento de medicina dentária da dentição da A., pela 1ª Ré.
73. Assim, desde logo, em face do depoimento prestado pela Autora e pelas Testemunhas Dr. EE e Dra. JJ, em conjugação com as regras da experiência, entendemos que não se encontram fundamentos objetivos para conferir maior credibilidade ao depoimento prestado pela 1.ª Ré, a Recorrida Dr.ª BB, em detrimento dos depoimentos prestados pela Recorrente e pelas Testemunhas arroladas pela mesma, cuja narração dos factos apresentaram-se verdadeiras, coerentes e convincentes.
74. Por outro lado, importa aqui também ressaltar, novamente, o teor do relatório pericial, realizado em 04/07/2013, junto sob o Doc. n.º 9 à Petição Inicial, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e para onde se remete por uma questão de economia processual, nos termos do qual se constata que a grande maioria das cáries que a Recorrente apresentava teriam, no mínimo, 6 a 3 anos de evolução.
O que equivale a dizer que, apesar de a Recorrente ter sido seguida pela Recorrida Dr.ª BB durante vários anos e apesar da regularidade com que tais consultas ocorreram durante o período temporal em questão,
75. a Recorrida Dr.ª BB não seguiu os protocolos clínicos adequados, tendo deixado que a cavidade oral da Recorrente se fosse deteriorando com o decurso do tempo, o que poderia e deveria ter sido evitado, se a Recorrida Dr.ª BB tivesse procedido ao diagnóstico e tratamento atempado das cáries da Recorrente.
76. Com o devido respeito, considera a aqui Recorrente, que os concretos pontos de facto constantes dos factos não provados supra mencionados, os pontos B a E, foram incorreta e erradamente julgados,
77. pelo que, tendo em consideração a prova documental, testemunhal e pericial produzida a esse respeito, os supra referidos factos que foram dados como não provados, deverão ser dados como provados, o que se requer.
78. ITENS 8 e 9 DOS FACTOS PROVADOS:
79. O Tribunal a quo, na sentença que proferiu e de que ora se recorre, considerou como provado no item 8, dos factos julgados provados, que:
j. “Apesar das muitas consultas realizadas, a autora era irregular no seguimento das mesmas, faltando e/ou remarcando consultas;”
80. e acrescentou como provado no item 9 dos factos julgados provados que: k. “Por vezes, marcava consulta quando sentia dores causadas por alguma infecção, era atendida e medicada, com marcação de nova consulta para tratamento da infecção, a que depois faltava por não sentir já dores.”
81. No que respeita à comparência da Recorrente nas consultas agendadas pela 1ª Ré, aqui Recorrida, discordamos, em absoluto, que tenha resultado provado que a Recorrente era irregular no seguimento das mesmas, o que é absolutamente falso, desde logo, conforme resulta do registo clínico junto sob doc. nº 1, com a Petição Inicial.
82. A Recorrente esclareceu que, atento o seu desagrado com o acompanhamento médico prestado pela 1ª Ré, desmarcou ou faltou a consultas que tinha agendadas com a Recorrida Dr.ª BB, situando temporalmente tal ocorrência APENAS no final do ano de 2012.
83. No que concerne, ainda, à comparência da Recorrente às consultas da 1ª Ré, do depoimento tendencioso e parcial prestado pela Testemunha LL, irmã da Recorrida, foi possível extrair que a Recorrente era paciente assídua.
84. A Recorrente demonstrou que sentiu dores logo após a colocação do aparelho ortodôntico, bem como que realizava consultas com a 1ª Ré com uma periodicidade mensal.
85. Além disso, conforme se verifica pelas declarações de parte prestadas pela 1ª Ré, resultou apenas provada a falta a 3 consultas em 5 anos.
86. Conforme decorre do depoimento prestado pela Testemunha Sr. Dr. GG, o mesmo mencionou que a Recorrente sempre se demonstrou colaborante no que à realização de tratamentos e comparência em consultas dizia respeito.
87. Com o devido respeito, considera a A., aqui Recorrente, que os concretos pontos de facto constantes dos factos provados supra mencionados, os itens 8 e 9, foram incorreta e erradamente julgados,
88. pelo que, tendo em consideração a prova documental e testemunhal produzida a esse respeito, os supra referidos factos que foram dados como provados, deverão ser dados como não provados, o que se requer.
89. ITENS 10 e 31 DOS FACTOS PROVADOS e F) DOS FACTOS NÃO PROVADOS:
90. O Tribunal a quo, na sentença que proferiu e de que ora se recorre, considerou como provado no item 10, dos factos julgados provados, que:
l. «A autora negligenciava a sua higiene bocal, não lavando a boca e dentes, apesar de a primeira ré sempre lhe dizer para o fazer, explicando-lhe o respectivo procedimento e lavando-lhe ela própria os dentes»;
91. e acrescentou como provado no item 31 dos factos julgados provados que: m. «Sempre a Ré BB foi chamando a atenção da autora e da sua mãe para a necessidade do cumprimento rigoroso da higiene oral, que sempre verificou estar a ser negligenciado pela autora, com prejuízo para a sua saúde oral e psicológica»
92. Por outro lado, nos factos merecedores da menção de não provados (a que, por conveniência de análise, relacionamos alfabeticamente), correspondendo, no que ora se reporta, portanto, ao ponto F dos factos não provados, considerou o Tribunal a quo como não provado:
93. «F» - «Que a autora não tratasse da sua higiene bocal, em consequência de não conseguir proceder a uma normal e regular escovagem dos dentes, pois que as fortes dores de dentes e a aguda sensibilidade ao nível das gengivas de que autora padecia, a impediam de realizar convenientemente tal tarefa da sua higiene pessoal».
94. Com efeito, no que concerne à suposta negligência por parte da Autora, ora Recorrente, da sua higiene bocal, bem como quanto às dores que tal ação de higienização lhe provocava, cumpre salientar o que resulta da prova testemunhal e pericial produzida.
95. De facto, conforme observa a A., aqui Recorrente, mediante declarações de parte prestadas no dia 13/09/2022, a mesma descreveu que tinha dificuldades em efetuar a higiene oral, atentas as dores que sentia, bem como o desconhecimento, uma vez que tais informações e conselhos de higiene oral não lhe haviam sido transmitidos pela 1ª Ré, assim como a existência de instrumentos e procedimentos próprios para a higiene oral a realizar com aparelho ortodôntico, acrescentando que a Recorrida nada conversou consigo relativamente à higiene oral, assim como nunca lhe deu a conhecer os materiais adequados para proceder à sua melhor higienização, recorrendo a Recorrente ao uso de uma cotonete ou de um guardanapo, por serem suaves, para conseguir completar a higiene oral, dadas as dores intensas que tinha.
96. Também a Testemunha da A. Dr. DD, higienista oral, assinalou a dificuldade da Recorrente em proceder à higiene oral, assim como o desconhecimento dos materiais adequados e narrou a constatação do desconhecimento, pela Recorrente, de como proceder à escovagem correta com o aparelho ortodôntico e que, após os ensinamentos transmitidos pelo mesmo, a Recorrente apresentou melhorias.
97. Assim sendo, dos depoimentos prestados pela A., aqui Recorrente, e pela Testemunha Dr. DD, é possível constatar que a Recorrente tinha sérias dificuldades em realizar a sua higiene oral, atentas as dores e lesões de que padecia,
98. não se devendo olvidar que a colocação de um aparelho ortodôntico dificulta, em grande medida, a boa higienização da cavidade oral, tornando-se necessário adaptar a escovagem, bem como recorrer à utilização de acessórios próprios e adequados para esse efeito e a adoção de determinados comportamentos na limpeza diária dos dentes por forma a evitar o aparecimento de cáries, o que nunca havia sido explicado à A. pela 1ª Ré, com todas as consequências negativas, obviamente, daí resultantes para a saúde oral da A., que, claro está, sempre seria de esperar das condutas da Recorrida Dr.ª BB, enquanto médica dentista que acompanhava a Recorrente à data, a transmissão de tais instruções e ensinos, o que não fez.
99. Permita-se aqui ressaltar a passagem do depoimento da Testemunha Dr. EE, o qual questiona como pode ser imputada à Recorrente o agravamento das cáries que apresentava, referindo-se aos dentes 26 e 27, quando as mesmas já eram visíveis em 2007 e que em 2012 encontravam-se piores, atento o não tratamento das mesmas.
100. Na realidade, desde que a Recorrente passou a ser seguida pelos médicos dentistas da C..., as cáries que foram tratadas, após a colocação de aparelho, eram derivadas de situações com origem anterior à intervenção dos referidos médicos dentistas, conforme se pode retirar do depoimento da Testemunha Dr. FF, que decidiram adotar a conduta médica correta e de acordo com as legis artis.
101. Resulta do depoimento prestado pela Testemunha Dra. KK que, por ocasião da praxe académica, chegou a acompanhar a Recorrente à casa de banho, após a refeição ao almoço, para esta proceder à sua higiene oral, o que a A. tinha de fazer com muito cuidado, atentas as dores que sentia:
102. Cumpre ainda mencionar que, com o todo o respeito, que é muito, não se pode aceitar que o Tribunal valore positivamente o depoimento da testemunha MM, mencionando o seguinte na Sentença recorrida: “MM, colega da primeira ré e que, por tal facto, conheceu a autora. Assistiu por várias vezes a conversas em consulta em que a primeira ré insistia com a autora para lavar os dentes, explicando-lhe sempre como deveria proceder para manter a higiene bocal.”, dada a falsidade de tal alegação, que não corresponde de todo à verdade e ao seu real depoimento prestado em audiência de julgamento.
103. Com efeito, mediante depoimento prestado em sede de audiência de julgamento pela testemunha da Ré MM, a referida testemunha mencionou, desde logo, que conhece a Autora, ora Recorrente, por força das explicações que esta dava à sua irmã, na casa dos pais, e que o que sabia era através da irmã, tendo apenas relatado um episódio que não conseguiu concretizar com rigor temporalmente, ocorrido na clínica da Recorrida, mas que não chegou a entrar no consultório, tendo apenas tomado conhecimento, de modo indireto, pelo que a Recorrida Dr.ª BB transmitiu e que deduziu que o estado de espírito apresentado pela Recorrida desta se devia à situação da Recorrente,
104. constatando-se que, na realidade, o depoimento prestado pela referida Testemunha é um depoimento indireto, baseado, essencialmente, pelo que lhe foi transmitido por outrem, in casu, a sua irmã, a qual, não prestou depoimento nos presentes autos, tendo a Testemunha informado, no seu depoimento, que a mesma não tem capacidade, mencionando que é portadora de Trissomia 21.
105. Como tal, por tudo quanto tem sido vertido, e de acordo com toda a prova documental, pericial e testemunhal produzida nos presentes autos, é inegável que a 1ª Ré, Recorrida Dr.ª BB, não teve o zelo e o cuidado de instruir a aqui Recorrente a proceder à correta higienização dos seus dentes após a colocação do aparelho ortodôntico, conforme seria desejável e expectável.
106. Assim, no que concerne à alegada falta de cuidados de higiene oral da A., não pode a Recorrente concordar com o que resulta provado nos item 10 e 31 dos factos provados, bem como que resultou não provado o mencionado no ponto F dos factos não provados, pelo que, em face disso, deverão ser considerados como não provados os itens 10 e 31 dos factos provados e como provado o «ponto F» dos factos não provados.
107. Com o devido respeito, considera a A., aqui Recorrente, que os concretos pontos de facto constantes dos factos provados supra mencionados, os itens 10 e 31, foram incorreta e erradamente julgados,
108. pelo que, tendo em consideração a prova documental, testemunhal e pericial produzida a esse respeito, os supra referidos factos 10 e 31 que foram dados como provados, deverão ser dados como não provados,
109. entendendo ainda a Recorrente, por seu turno, que o «ponto F» dos factos não provados também foi incorreta e erradamente julgado, pelo que deverá ser alterado, o que se requer, e passar a constar como facto provado.
110. ITEM 11 DOS FACTOS PROVADOS:
111. O Tribunal a quo, na sentença que proferiu e de que ora se recorre, considerou como provado no item 11, dos factos julgados provados, que:
112. «Em 17 de dezembro de 2012, a autora efetuou a sua última consulta com a 1ª Ré, deixando de recorrer aos serviços da segunda Ré»
113. No que concerne à data da última consulta da Autora/Recorrente com 1.ª Ré/Recorrida Dr.ª BB, a mesma ocorreu em 22 de dezembro de 2012, conforme se infere, desde logo, da ficha clínica junta aos autos sob o doc. n.º 1 à Petição Inicial, na qual se lê, manuscritamente, «Vai tratar os dentes no Grupo D...», e do Documento A junto à Contestação das Rés/Recorridas, na qual se lê «Informou que vai restaurar os dentes no Grupo D... e continuar o tratamento ortodôntico (aparelho fixo inferior na A...».
114. Sucede que, atenta a indisponibilidade da Recorrida, perante uma situação de urgência, a Recorrente recorreu aos serviços do Hospital Privado D..., no dia 18 de dezembro de 2012, onde foi assistida pelo médico dentista Dr. NN (Cfr. Doc. n.º 3 junto à Petição Inicial, para onde se remete por uma questão de economia processual),
115. pelo que a última consulta com a Recorrida não poderia ter ocorrido em data anterior, uma vez que, na consulta posterior que se encontrava agendada para o controlo do aparelho, a Recorrente deu conhecimento à Recorrida do sucedido na aludida consulta com o Dr. NN.
116. De facto, a realização da consulta a 22 de dezembro de 2012 para a ativação do aparelho é, de igual modo, afirmada pela Recorrida Dr.ª BB, mediante declarações de parte prestadas em julgamento.
117. Assim sendo, em face da prova documental e testemunhal produzida nos autos, e por se encontrar incorreta e erradamente julgado, entende a Recorrente que o item 11 dos factos provados deveria ser alterado, mantendo-se como provado, mas deveria passar a ter a seguinte redação, o que se requer:
118. «Em 22 de dezembro de 2012, a Autora efetuou a sua última consulta com a 1.ª Ré, deixando, após essa data, de recorrer aos serviços da segunda Ré»
119. ITENS 14 E 15 DOS FACTOS PROVADOS:
120. O Tribunal a quo, na sentença que proferiu e de que ora se recorre, considerou como provados nos itens 14 e 15, dos factos julgados provados, que:
121. «14- Do teor do relatório pericial realizado em 04.07.2013 (junto aos autos), consta que “O exame clínico demonstrou existirem várias situações a necessitarem de tratamento. Em termos de tempo de evolução, a evolução do processo cariogénico é extremamente variável, dependendo de diversos factores, designadamente de hábitos de higiene, hábitos alimentares ou de factores farmológicos. Ainda assim, e de uma forma geral, uma vez instalada uma lesão de cárie, se não for tratada, ela levará, por norma cerca de 2 anos até atingir o estado cavitário (isto é, a aparecer um orifício no dente). De novo, tratam-se de valores médio que, como foi explicado, podem variar com diversos factores. No caso da examinada existem lesões que podem ser datadas pelo menos tendo em conta o seu tempo mínimo de evolução. Tal é o caso das cáries nos dentes 46, 47, 27 e 37 que já eram patentes na ortopantomografia de 2007, e da cárie no dente 17, que já era visualizável na ortopantomografia de 2010. Estas cáries terão, então, no mínimo 6 e 3 anos de evolução … Em termos de consequências para a examinanda, esta situação é de elevada gravidade, na medida em que a examinada não consegue alimentar-se correctamente, persistindo diversos focos infecciosos na cavidade oral, obrigando à toma sistemática de antibióticos e medicação anti-álgica. Os focos infecciosos representam por si só risco acrescido em termos de saúde sistémica, designadamente a nível cardiovascular e articular. Os riscos das tomas continuadas da medicação prendem-se com os efeitos laterais da medicação propriamente dita e, no caso particular dos antibióticos, numa maior resistência futura à molécula administrada”;
122. 15- Mais se concluindo do referido relatório que “existem diversas condições na cavidade oral da examinada que carecem de tratamento, sendo que algumas destas situações já poderiam ter sido diagnosticadas e tratadas atempadamente.”
123. Antes do mais, parece-nos que todo o relatório pericial junto sob doc. nº 9 com a Petição Inicial, complementado pelos esclarecimentos oferecidos pela Prof. Dra. CC, autora do mesmo, em audiência de julgamento, pela credibilidade e força probatória que tem, deveria e merecia ter tido outro tipo de acolhimento pelo Tribunal a quo e ser, na sua totalidade, dado como provado, na íntegra, o que, infelizmente, não sucedeu.
124. Não obstante, e caso não seja este o entendimento, de considerar assente e dar como provado a totalidade do relatório pericial junto sob doc. nº 9 com a petição inicial, e por tais factos se revelarem deveras importantes para a boa decisão da presente lide, deverá sempre acrescer aos pontos 14 e 15 dos factos dados como provados, sete factos novos constantes do referido relatório, a páginas 4 a 6, o que se requer, designadamente:
125. Acrescenta ainda o dito relatório que: O estado atual da A., à data da elaboração do relatório junto sob doc. nº 9 com a Petição Inicial, isto é, em 4/07/2013, era o seguinte: A examinanda referia sentir muitas dores nos dentes, de uma forma generalizada, não conseguindo, por esse motivo escovar os dentes, referindo que recorria a um guardanapo para o efeito.
126. Resulta também do referido relatório que, ao exame objectivo nessa data: A NÍVEL DO MAXILAR SUPERIOR verificou-se o seguinte: ausência de 17, cárie mesial e distal de 15 e de 14, cárie vestibular (colo) de 13, 12, 11, 21, obturação mesial e distal de 12, obturação mesial de 11, obturação mesial e cárie distal de 21, obturação mesial e distal de 22, cárie mesial e distal de 23, redução do dente 24 à sua porção radicular, cárie mesial de 25, cárie de 26 e 27 (destruição das cúspides distais) e ausência do dente 28. n. A NÍVEL DA MANDÍBULA verificou-se o seguinte: cárie vestibular de 38, 35, 34, 33, 44, 43, 42, cárie oclusal de 38, cárie oclusal com exposição pulpar de 37 (furca amolecida), cárie oclusodistal com exposição pulpar de 36 (furca amolecida), cárie distal de 42, cárie mesial e distal de 43, cárie mesio-ocluso-distal de 46, cárie oclusal (destruição da cúspide mesiovestibular) de 47, cárie oclusal de 48.
o. Os seguintes dentes possuem obturações: 22(MD), 21(M), 11(M), 22(MD), 24, 38 (O), 36(M), 46(D), 48(O).
127. Acrescenta ainda o referido relatório que, realizou-se, nessa data, enquanto exames complementares de diagnóstico, ortopantomografia de Junho de 2013, a qual, para além do visualizado no exame objetivo permitiu identificar imagem compatível com tratamento endodôntico (TER ou «desvitalização») de 24, reabsorção óssea secundária aprocesso infecioso nos ápices dos dentes 26, 38, 37, 36, 46, 47 e 48, Presença de 28 incluso.
128. Por fim, refere ainda o mencionado relatório que, relativamente às necessidades terapêuticas, refira-se que, muitas vezes, durante o decurso dos próprios tratamentos são constatadas situações que não foram detetadas no exame clínico, obrigando à alteração do plano de tratamento previamente idealizado. Ainda assim, naquele momento, isto é, em julho de 2013, e de acordo com o que foi observado no exame clínico, é de prever que a examinada necessite dos seguintes tratamentos: p. Extração dos dentes 26, 37, 36, 47 e 48, q. TER dos dentes 46 (prognóstico duvidoso – extração?), 44 e 43, r. Tratamento conservador (dentisteria) dos dentes 15, 14, 13, 12, 11, 21, 23, 25, 38, 35, 34, 33, 44, 43, 42; s. Prótese fixa (coroas ou pivôts) dos dentes 24, 27 (prognóstico duvidoso – TER?); t. Implantes e respetivas coroas na região 17, 26, 37, 36 e 47;
129. Refira-se, novamente, que o plano de tratamento dos dentes, e que todos os TER têm possibilidade de se transformarem em extrações, as dentisterias em TER ou em colocação de coroa.
130. Acrescenta o referido relatório que, em termos de custos, o custo atual médio (à data) de cada implante e respetiva coroa ronda os € 1940, cada TER € 198, cada coroa/pivôt € 1020, cada restauração € 98 e cada extração € 52. É de esperar a necessidade de substituir/reparar as restaurações efetuadas cada 5 anos: a duração média estimada dos implantes dentários é de cerca de 10 anos, ao passo que as coroas poderão necessitar de substituição aos 6 anos: o tempo apresentado é um valor médio, podendo variar de acordo com hábitos, higiene, etc.
131. Por último, conclui o referido relatório que, no que concerne à verificação dos tratamentos efetuados, tal não se afigura possível, uma vez que, desde 2007, a cavidade oral da examinada foi-se deteriorando de tal forma que é possível que alguns dos tratamentos feitos tenham sido perdidos, sem que tal seja indicadora da sua não realização. A verificação dos passos relativos ao tratamento ortodôntico resulta, de igual forma, impossível.
132. VIII - PONTO G) DOS FACTOS NÃO PROVADOS:
133. O Tribunal a quo, na sentença que proferiu e de que ora se recorre, nos factos merecedores da menção de não provados (a que, por conveniência de análise, relacionamos alfabeticamente), correspondendo, no que ora se reporta, portanto, ao designado, por nós, ponto G dos factos não provados, considerou o Tribunal a quo como não provado:
134. «Que o “estado deplorável” a que a boca da autora chegou, seja consequência de culpa única, exclusiva e falta de profissionalismo da primeira ré, não seguindo os protocolos clínicos adequados;»
135. Na verdade, não se concebe como pode uma paciente, como era o caso da Recorrente, que se encontrava a ser seguida, há vários anos, pela mesma médica dentista e a ser submetida, além do mais, a um tratamento ortodôntico, o que implica a realização de consultas mensais, possibilitando ao médico dentista um acompanhamento frequente do tratamento e do estado da cavidade oral do paciente, apresentasse o estado de saúde oral deplorável que apresentava em
2012, conforme foi constatado aquando da deslocação da A., aqui Recorrente, aos serviços de saúde do Hospital Privado D..., como consequência da culpa única, exclusiva e falta de profissionalismo da primeira ré, a qual não seguiu os protocolos clínicos adequados.
136. É de salientar a importância, a este respeito, do depoimento prestado pela testemunha Prof. Dra. CC.
137. Tal constatação resulta, ainda, das declarações de parte prestadas pela A., aqui Recorrente, a qual relata o sucedido aquando da consulta realizada nos serviços de saúde do Hospital Privado D..., ocorrida em 18 de dezembro de 2012, onde foi assistida pelo médico dentista Dr. NN.
138. Por seu turno, tal circunstancialismo foi igualmente verificado pela Testemunha Sr. Dr. GG, o qual observou a Recorrente em consulta ocorrida em 22/12/2012, relatando que a Recorrente apresentava os dentes quase todos cariados e, mais adiante, qualificou a situação da Recorrente como “gritante”.
139. Também a testemunha Dr. EE mencionou que acompanhou a Recorrente na C... e a necessidade de a Recorrente realizar diversos tratamentos dentários, tal era o estado caótico da sua boca, em dezembro de 2013.
140. Por seu turno, tal circunstancialismo foi igualmente verificado pela Testemunha Sr. Dr. FF, o qual relatou que a Recorrente apresentava os dentes quase todos cariados e, mais adiante, qualificou a situação da Recorrente como «chocante».
141. Saliente-se que, todas estas testemunhas, professores e médicos dentistas, de diversas especialidades, prestaram depoimentos isentos, coerentes, credíveis, longos, pormenorizados, técnico-científicos e reveladores do verdadeiro estado caótico da cavidade oral e dentição da A., em dezembro de 2012, por culpa única e exclusiva das Rés, designadamente da 1ª Ré.
142. Ora, por tudo supra exposto, é bem demonstrativa a atuação negligente das Rés, designadamente da 1ª Ré, ao não tomar os procedimentos clínicos devidos e necessários para acautelar e recuperar a saúde dentária da Autora, nomeadamente:
143. à não avaliação da viabilidade da colocação de aparelho ortodôntico na boca da A., mediante cuidado estudo prévio e planificação, tendo por referência a personalidade da A., a genética da A., o histórico da mesma e a saúde oral da A.;
144. ao colocar os dois aparelhos ortodônticos à A. sem cuidar de perceber da viabilidade dos mesmos na boca da A., e do êxito da sua colocação;
145. ao não proceder à prévia destartarização e retirada de cáries da boca da A., conforme seria exigível, antes da colocação dos aparelhos ortodônticos na sua boca, com todas as consequências negativas daí resultantes para a saúde oral e geral da A.;
146. ao não restaurar em conformidade com as leges artis, os poucos dentes com cárie da A., que acabou por restaurar ao longo dos anos, restando sempre cárie por baixo dos dentes restaurados;
147. à não avaliação dos cuidados exigíveis na boca da A. nas consultas regulares e mensais que lhe eram feitas, após a colocação dos aparelhos ortodônticos, num total de 80 consultas;
148. ao prescrever antibióticos à A. sem recurso a consulta médica;
149. ao não tratar as sucessivas cáries existentes na cavidade oral da A., que eram do inteiro conhecimento da 1ª Ré, não retirando os aparelhos ortodônticos aí colocados para proceder ao tratamento desses dentes em conformidade com as leges artis, mantendo os aparelhos na boca da A., com a boca repleta de cáries;
150. ao não cuidar da transmissão à A. dos necessários ensinamentos para a correta higienização da boca da A. com aparelhos.
151. Na realidade, em face de tudo o retro exposto, não concebemos, DE TODO, como o Tribunal a quo, na fundamentação da Sentença recorrida, considerou que «…não se fez prova de que a primeira ré não tivesse actuado de acordo com as práticas aconselháveis».
152. Ora, ao quesito formulado pela Interveniente Acessória, B... Portugal – Companhia de Seguros, S.A., em 23/04/2018, “f) A mudança de médico dentista pela Autora em 2012 relevou positivamente para o seu estado de saúde?”, é respondido, mediante esclarecimento prestado pela Prof. Dra. CC, em relatório pericial de 04 de fevereiro de 2020, que, «Em concreto, sobre a mudança de médico, nada podemos dizer; a implementação de tratamentos necessários contribuiu favoravelmente para a melhoria do estado de saúde oral».
153. E, de facto, conforme também decorre do teor do Relatório Pericial, elaborado pela Sr.ª Prof. Doutora CC, datado de 18 de março de 2019 e juntos aos presentes autos em 18/03/2019: «Assim, e à data da nossa observação, verificou-se a ausência de necessidades de tratamento de cárie, a necessidade de ajuste oclusal (admitindo-se que este seja difícil devido à desarmonia das bases ósseas que a examinada apresenta) e a remoção dos tubos».
154. Da análise cuidada de toda a prova produzida nos presentes autos, resulta evidente a responsabilidade civil das Rés, e designadamente da 1ª Ré, pelo que foi com a mais ABSOLUTA surpresa que fomos confrontados com a fundamentação e decisão proferida na sentença recorrida.
155. Com efeito, importa ressaltar que é evidente que a A., aqui Recorrente não contribuiu, de modo algum, para o estado caótico e descontrolado da sua boca, constatado e comprovado, documental, pericial e testemunhalmente, em dezembro de 2012, tendo ficado claramente demonstrado que, após a cessação do acompanhamento da A. por parte das Rés, aqui Recorridas, e após o conhecimento e adoção dos métodos e técnicas adequados, por outros profissionais de saúde dentária, quer no D..., quer na C..., a Recorrente melhorou, SUBSTANCIALMENTE, o estado de saúde oral da sua boca,
156. sendo que, em face do degradante estado de saúde oral da A., enquanto a mesma se encontrava a ser acompanhada medicamente pelas Rés, a A., aqui Recorrente deparava-se com sérias dificuldades em proceder à correta e adequada higienização oral, conforme era do inteiro conhecimento da 1ª Ré.
157. Na realidade, se efetivamente a 1ª Ré, aqui Recorrida Dr.ª BB, tivesse cumprido, com rigor, as boas práticas da sua atividade profissional de médica dentista, no acompanhamento mensal e nas consultas que foi realizando com a Recorrente, não se podia limitar a proceder ao ajustamento e manutenção dos aparelhos ortodônticos, devendo também zelar pelos cuidados, integridade e pelo estado geral de conservação da dentição da Recorrente.
158. De facto, permita-se dizer em jeito de desabafo que, de pouco ou nada servia para a A., Recorrente, ter os dentes alinhados se os mesmos se apresentavam careados e em risco iminente de ter que ser extraídos.
159. Efetivamente, e de acordo com a alegada falta de higiene e cuidados alimentares da A. mencionados pela 1ª Ré, em jeito de defesa, não obstante a falsidade de tal alegação e falta de prova de tal facto, conforme decorre do depoimento prestado pela Testemunha Prof.ª Doutora CC, a mesma é perentória em afirmar que, perante um paciente sem condições para a realização de tratamento, cabe ao médico dentista o diagnóstico de tal situação.
160. Por outro lado, a Testemunha Dr. FF descreveu o procedimento seguido na prática da sua atividade profissional, afirmando que o tratamento das cáries visualizadas na ortopantomografia de 18/12/2007, demoraria cerca de um ano a serem tratadas na clínica do mesmo.
161. Também a Testemunha Dr. EE, após o confronto do mesmo com as ortopantomografias juntas aos autos, mencionou em julgamento a prática prosseguida e a Testemunha Sr. Dr. GG, descreveu, em julgamento, o que considera, no que concerne à colocação de aparelho ortodôntico, a “situação ideal”, bem como o que deverá ser feito, se durante o tratamento ortodôntico, surgirem cáries.
162. Também a testemunha Prof.ª Doutora CC.
163. reiterou que a colocação de aparelho ortodôntico não impede o tratamento das cáries, assumindo que pode ser imputado ao médico que acompanha o doente a proliferação de cáries.
164. Na realidade, jamais se poderá conceber que a Recorrente alguma vez terá dito que não queria ser tratada, atentas as dores e o mal estar que sofria, à data, e que se deviam à falta atempada de diagnóstico e resolução do seu problema.
165. Além disso, do depoimento prestado pela Testemunha Dra. JJ, mãe da Autora, resultou que, após a análise, pelo Dr. GG, do registo clínico da Recorrente facultado pela Recorrida, o mesmo informou a Testemunha e o marido, pais da Recorrente, de que se pretendessem prosseguir pela instauração de uma ação, teriam fundamento atenta a existência de negligência grosseira da 1ª Ré.
166. Além disso, conforme decorre do depoimento prestado pela Testemunha Dr. FF, é mencionada a realização da referida perícia no ano de 2013, por forma a registar o caso e, mais adiante, o mesmo é perentório a assumir que lhe parece uma má prática dentária o estado a que chegou a dentição da Recorrente durante o período de janeiro de 2008 até dezembro de 2012, quando a mesma tinha aparelho ortodôntico e era acompanhada pela Recorrida.
167. De acordo com o depoimento prestado pela Testemunha Dr. EE constata-se que, confrontado com a ortopantomografia junta aos autos, datada de dezembro de 2012, o mesmo refere que a boca da Recorrente carecia, em 2012, da realização de muitos tratamentos e que não seria suposto o estado da saúde oral da Recorrente apresentar-se no estado em que se apresentava.
168. Com efeito, é evidente que a Recorrida Dr.ª BB não agiu em conformidade com as boas práticas da sua atividade profissional de médica dentista, não seguindo os protocolos clínicos adequados, denotativos da falta de profissionalismo da 1ª Ré,
169. sendo que, por culpa única e exclusiva da mesma, a boca da A. atingiu o estado deplorável que se encontra registado nas ortopantomografias juntas sob doc. nº 1- A, no relatório pericial junto sob doc. nº 9 e no doc. nº 11 juntos com a Petição Inicial,
170. motivo pelo qual, salvo o devido respeito, que é muito e bem devido, discordamos, em absoluto, de que não tenha resultado provado o «ponto G» dos factos não provados, devendo tal facto resultar, obviamente e sem sombra de dúvidas, provado.
171. Assim, refira-se que, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao não conferir qualquer credibilidade ao depoimento prestado pela Autora, ora Recorrente, bem como aos depoimentos prestados pelas Testemunhas arroladas pela A., Dr. GG e Dr. DD, médico dentista e higienista oral, respetivamente, que acompanharam a Recorrente imediatamente após a cessação dos serviços prestados pela Rés, designadamente pela Recorrida Dr.ª BB, Dr. EE, Dr. FF, Prof. Dra. CC e pelas testemunhas KK, JJ e II,
172. não se dignando sequer mencionar as referidas testemunhas e os seus depoimentos no teor e fundamentação da sentença recorrida, quanto mais atribuir-lhes qualquer valor probatório na decisão a proferir,
173. valorando, no entanto, e surpreendentemente, indevidamente as declarações da 1ª Ré, os falsos e tendenciosos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelas Rés LL e MM, as quais prestaram depoimentos claramente tendenciosos e falsos, sendo que a última delas prestou um depoimento indireto e incoerente, nomeadamente mediante a descrição de factos que lhe foram transmitidos por outrem e cuja consequência deveria ser a falta de credibilidade e a não valoração desses dois depoimentos, ao contrário do que, lamentável e censuravelmente, resulta da decisão recorrida.
174. Com a devida consideração, tendo em consideração a prova documental, testemunhal e pericial produzida a esse respeito, considera a A., aqui Recorrente, que foi incorreto e erradamente julgado o «ponto G» dos factos não provados, pelo que deverá o mesmo ser alterado, o que se requer, e passar a constar como facto provado.
175. IX - PONTO H DOS FACTOS NÃO PROVADOS:
176. O Tribunal a quo, na sentença que proferiu e de que ora se recorre, considerou como facto merecedor da menção de não provado (a que, por conveniência de análise, relacionamos alfabeticamente), correspondendo, no que ora se reporta, portanto, ao ponto H dos factos não provados:
177. «H» - «Que a saúde bocal da autora tenha provocado repercussões negativas no seu aproveitamento escolar, sendo apelidada pelos seus colegas de escola como «queixos».
178. A Autora, ora Recorrente, não concebe, como é que foi dado como não provado na íntegra o «ponto H» dos factos julgados como não provados, uma vez que entende que, deveria ser o mesmo considerado parcialmente provado, designadamente ao mencionar que a saúde bocal da autora tenha provocado repercussões negativas na vida da A.,
179. o que, faz todo o sentido, quando conjugado com os itens 16 e 22 dos factos considerados como provados, isto é: u. «16- A autora sentiu-se magoada e perturbada com o estado de saúde em que se encontrava a sua boca; v. 22- A autora sente-se humilhada e constrangida pelo facto de, apenas aos 21 anos de idade, ter tomado consciência do estado em que se encontrava a sua dentição».
180. Na realidade, conforme explicitou na Petição Inicial apresentada, que aqui se dá como integralmente reproduzida e para onde, desde já, se remete por uma questão de economia processual, as dores e o desconforto sistemático que a Recorrente sentia ao nível da dentição interferiu com a capacidade de atenção e concentração da mesma durante o período de aulas e de estudo, o que causou repercussões negativas no seu aproveitamento escolar,
181. sendo que os problemas dentários da Recorrente também interferiram negativamente, durante a adolescência e a juventude da Recorrente, com as relações, ou ausência delas, que a mesma foi estabelecendo com os seus pares, atenta a afetação da sua imagem e autoestima.
182. Sucede que, a Recorrente, atento o estado de deterioração da sua dentição, além da dificuldade que lhe causava na mastigação, a Recorrente tinha vergonha de falar em público.
183. Também o pai da Recorrente, a testemunha II, relatou que toda a situação ocorrida afetou negativamente a autoestima da Recorrente, o que apenas veio a melhorar, progressivamente, após a realização dos tratamentos na C....
184. Além disso, por seu turno, do depoimento prestado pela testemunha Dr. GG, é possível constatar que, atenta toda a situação vivenciada pela Recorrente, era natural a mesma sentir baixa autoestima.
185. Conforme denota ainda a Recorrente, conforme relatou, em sede de Declarações de Parte prestadas, os anos de 2008 a 2012, foram os piores anos da sua vida, causando, também, sofrimento aos seus pais:
186. Com efeito, é inegável que todo o circunstancialismo atravessado pela Recorrente, e já supra explanado, provocou na mesma sofrimento, traduzidos na dor, ansiedade, vergonha, instabilidade, preocupação e lesão da sua imagem e autoestima,
187. sendo inegável que, pela sua acentuada gravidade e idade da Recorrente, provocou repercussões negativas na sua vida, designadamente na sua vida pessoal, académica e universitária, designadamente nas relações com os seus pares,
188. Com efeito, em face da prova documental e testemunhal produzida nos autos, e por se encontrar incorreta e erradamente julgado, entende a Recorrente que o ponto H dos factos não provados deveria ser alterado, passando a constar como parcialmente provado, o que se requer, com a seguinte redação: w. «Que a nefasta saúde bocal da autora provocou repercussões negativas na vida pessoal e social da A., designadamente sofrimento resultante das dores repetidamente sentidas, vergonha, instabilidade, dificuldade na mastigação e higienização e dificuldade/vergonha de falar em público, perda de auto-estima, bem como, atenta a sua idade, dificuldade e vergonha no estabelecimento de relações com os seus pares, nomeadamente em termos académicos e universitários.»
189. Por tudo quanto exposto, é inegável que a Recorrida Dr.ª BB agiu com negligência, por não ter restaurado e tratado conveniente e imediatamente os dentes careados da Recorrente, o que, claro, foi se agravando ao longo do tempo, com repercussões extremamente negativas na integridade física e moral da A.,
190. não tendo, de igual modo, a Recorrida Dr.ª BB, não obstante a realização das inúmeras consultas periódicas com a Recorrente, restaurado as cáries existentes e prevenido o surgimento de novas cáries.
191. X - ITEM 18 DOS FACTOS PROVADOS:
192. O Tribunal a quo, na sentença que proferiu e de que ora se recorre, considerou como provado no item 18, dos factos julgados provados, que: x. «E, a partir de 26 de Dezembro de 2013 e até ao presente momento, atenta a extensão dos tratamentos dentários de que a autora carecia e carece, tem vindo a ser acompanhada na “C... – Clínicas Dentárias, Lda.”, pelo Sr. Dr. GG, Sr. Dr. FF e pelo Sr. Dr. EE»
193. A este respeito, cumpre esclarecer que, o acompanhamento da Autora, ora Recorrente, na “C... – Clínicas Dentárias, Lda.”, foi efetuado, desde 26 de dezembro de 2013, pelo Sr. Dr. GG, pelo Sr. Dr. FF, pelo Sr. Dr. EE e, também, pelo Sr. Dr. DD, higienista oral, mantendo-se até à presente data.
194. Assim sendo, em face da prova documental e testemunhal, designadamente dos depoimentos do Dr. EE, Dr. DD e Dr. FF, produzida nos autos, e por se encontrar incorreta e erradamente julgado, entende a Recorrente que o item 18 dos factos provados, no nosso entendimento, deverá ser alterado, por forma a contemplar, também, o acompanhamento pelo Sr. Dr. DD, e passar a ter a seguinte redação, o que se requer:
195. «E, a partir de 26 de Dezembro de 2013 e até ao presente momento, atenta a extensão dos tratamentos dentários de que a autora carecia e carece, tem vindo a ser acompanhada na “C... – Clínicas Dentárias, Lda.”, pelo Sr. Dr. GG, Sr. Dr. FF, Sr. Dr. EE e pelo Sr. Dr. DD.»
196. XI - ITENS 32 E 33 DOS FACTOS PROVADOS:
197. O Tribunal a quo, na sentença que proferiu e de que ora se recorre, considerou como provados nos itens 32 e 33 dos factos julgados provados, que:
y. «32- No dia 16/06/2012, a autora recorreu à clínica ré com uma infecção num dos dentes, sendo-lhe receitado medicamento antibiótico e marcada consulta para o dia 26/06/2012 para retirar cárie;
z. 33- A Autora faltou à consulta e só voltou em 17/11/2012 para tratar um outro dente, desconsiderando o tratamento da cárie do dente que estava infectado em 26/6/2012 que nesse período de tempo pode alastrar e atingir outros dentes e afectar a saúde das gengivas»
198. Ora, desde logo, é imperioso ressaltar que, é ao médico que acompanha o tratamento do paciente que compete a observação, o diagnóstico e o respetivo tratamento das cáries apresentadas.
199. Como tal, a opção pelo tratamento de dente diferente, in casu, o dente 4.7, do dente que se apresentava com infeção em 16/06/2012, o dente 1.7, não foi da responsabilidade da Autora/Recorrente, mas, na realidade, da 1.ª Ré/Recorrida Dr.ª BB, a qual, ademais tinha pleno conhecimento das consequências do não tratamento do dente que se encontrava infetado.
200. Ora, apenas nos apraz dizer que, é inegável que a Recorrida optou pelo tratamento do dente 4.7, em detrimento de qualquer outro dente careado, nomeadamente o dente 1.7, para o qual havia medicado a Recorrente em 16/06/2012,
201. tendo a Recorrida mencionado inequivocamente a preferência pelo tratamento dos dentes careados para a colocação dos brakets, na parte inferior, uma vez que na parte superior não tinha aparelho, não obstante o conhecimento da presença de dentes careados.
202. Ainda assim, não obstante o tratamento realizado, de acordo com o depoimento prestado pela Prof.ª Doutora CC, em face da análise da ortopantomografia datada de 18/12/2012, o dente 4.7, cerca de um mês após a realização da consulta, apresenta uma resposta inflamatória, o que não seria, de todo, expectável.
203. Com efeito, em face da prova documental, testemunhal e pericial produzida nos autos, e por se encontrar incorreta e erradamente julgado, entende a Recorrente que os itens 32 e 33 dos factos provados deveriam ser alterados, passando a constar como não provados, o que se requer,
204. EM CONCLUSÃO:
205. Cumpre, nesta fase, manifestar o nosso maior desagrado em relação à fundamentação e decisão vertida na sentença recorrida, a qual não tem suporte em qualquer elemento probatório, muito pelo contrário.
206. Todos os elementos probatórios constantes dos presentes autos conduzem ao sentido integralmente oposto da sentença recorrida, pelo que manifesta-se chocante, injusto e revoltante para a A. o teor da sentença recorrida.
207. Desde logo, cumpre salientar que, nos presentes autos, está em causa matéria fática de extrema complexidade técnico ou científica, sendo inolvidável estarmos perante uma responsabilidade civil contratual.
208. Ora, como o próprio nome indica, a responsabilidade civil contratual resulta da falta de obrigações emergentes da celebração de um contrato, in casu, dos contratos de prestação de serviços que foram celebrados.
209. Na realidade, conforme supra exposto, a Recorrida Dr.ª BB acompanhou a Recorrente desde os seus 9 anos de idade até aos 21 anos, sendo relevante destacar que, durante um longo período de tempo, esse acompanhamento servia apenas como prevenção dentária, mediante selantes de fissuras, com flúor
210. o que decorre, desde logo, do registo clínico junto aos autos, através do qual é possível aferir todos os tratamentos que foram feitos ao longo desse período de tempo,
211. não sendo despiciendo salientar a preocupação dos pais da Recorrente em potenciar o acompanhamento por médico dentista, procurando que tal acompanhamento acontecesse desde tenra idade, precisamente para evitar eventuais problemas dentários que pudessem surgir, não obstante serem como que acusados de negligenciarem a saúde oral da filha aquando da consulta realizada com o Dr. NN na ..., no Hospital D..., quer com o Dr. GG, no Hospital da D... ....
212. Acresce que, conforme resulta da prova documental junta aos autos, a Recorrente foi diagnosticada com prognatismo mandibular, com cerca de 12 anos, tendo sido abordada a reparação de tal problema mediante a realização de cirurgia.
213. Porém, é a Recorrida Dr.ª BB, no âmbito da relação estabelecida com a Recorrente e com os pais da mesma, que aconselha a Recorrente a não realizar a cirurgia, mencionando uma situação pessoal que tinha atravessado.
214. Aqui chegados, cumpre, com efeito, salientar as Declarações de Parte prestadas pela Recorrente e prestada pela Recorrida Dr.ª BB, bem como para os depoimentos prestados pela testemunha Prof.ª Doutora CC, bem como pelos médicos que assistiram a AA,
215. bem como os documentos juntos aos autos, designadamente documento n.º 1-A protestado juntar na Petição Inicial e apresentado na audiência de julgamento de 13/09/2022, correspondente às ortopantomografias realizadas pela Autora/Recorrente em 18/12/2007, 05/07/2010 e 18/12/2012 e o documento n.º 9, respeitante ao relatório elaborado pela Professora Doutora CC, atinente ao exame realizado em 04/07/2013 e todos os demais Relatórios Periciais juntos aos autos.
216. De facto, através do aludidos Relatórios Periciais, é possível aferir da evolução do estado de saúde oral da Recorrente, à data, sendo a Recorrida Dr.ª BB, enquanto médica dentista que acompanhava a Recorrente que melhor conhecia o estado de saúde oral da Recorrente.
217. Porém, ardilosamente, a Recorrida pretendeu fazer crer, primeiro junto da ERSE, quer posteriormente em Tribunal, em sede de Contestação e em sede de Declarações de Parte, que o problema da Recorrente residia no facto de a mesma consumir muitos açúcares, ter uma má alimentação e não realizar a higiene oral cuidada.
218. Ora, desde já se diga que é totalmente falsa e infundada tal alegação da Recorrida.
219. Com efeito, conforme supra exposto, dos depoimentos da Testemunhas ouvidas em Audiência de Julgamento, nomeadamente a Sr.ª Prof.ª Doutora CC, cabe ao médico dentista, quando souber ou desconfiar que o paciente em causa não reúne as condições para ter um aparelho ortodôntico, designadamente atenta a fraca higiene oral que apresenta, bem como os hábitos alimentares, não deve ser aconselhado a colocação de aparelho ortodôntico, atenta a dificuldade acrescida na higienização dos dentes e, portanto, o que irá potenciar o surgimento de cáries.
220. Não obstante, sendo certo que as cáries não têm origem rompante, ao contrário do que é defendido pela Recorrida Dr.ª BB, conforme se retira do Relatório junto à Petição Inicial sob o n.º 9, em 04/07/2013, a Recorrente apresentava cárie que tinham, no mínimo, 6 e 3 anos de evolução.
221. Assim, salvo o devido respeito, é nosso entendimento que ocorreu negligência uma vez que, a Recorrente realizou com a Recorrida 80 consultas e, não obstante se mencionar que tais consultas se destinavam à ativação do aparelho, a médica dentista era a mesma, a qual tinha perfeito conhecimento do estado de saúde oral da Recorrente, nomeadamente a existência de cáries dentárias, as quais podiam e deviam ser reparadas atempadamente, correndo o risco de, se tal reparação não fosse efetuada, ocorrer a proliferação das cáries,
222. o que, infelizmente veio a suceder, conforme se retira do Relatório Pericial, elaborado na sequência do que foi sugerido pelo Sr. Dr GG e realizado apenas em 04/07/2013, não obstante ter sido pedido logo em fevereiro, uma vez que o Instituto de Medicina Legal não tinha peritos na área dentária para a realização de tal perícia,
223. sendo que, entretanto, apenas foram realizados os tratamentos que se apresentavam como mais urgentes antes da realização da perícia.
224. Como tal, é forçoso concluir que a Recorrida Dr.ª BB podia, e devia, ter feito algo no sentido de a boca da AA não chegar ao estado que chegou, se de facto tivesse cumprido as legis artis,
225. Aliás, inexplicavelmente, a Recorrida mencionava à Recorrente que apenas no final do tratamento dos dentes com brackets é que se podiam tratar as cáries, deixando prosseguir a degradação da boca da Recorrente, não obstante todos os médicos dentistas mencionarem que deveria ser retirado o aparelho para tratar as cáries e só depois do tratamento efetuado é que devia ser colocado novamente o aparelho ortodôntico, quando a boca reunisse as condições necessárias para tal colocação, nomeadamente no que concerne à higiene oral,
226. sendo ainda relevante salientar que, quando o aparelho ortodôntico é colocado, a Recorrente apresentava cáries por tratar.
227. Com efeito, foi necessário retirar o aparelho ortodôntico à Recorrente, por forma a tratar todos os dentes que careciam de tratamento e, no fundo, reunir todas as condições, antes da colocação dos aparelhos aconselhados na clínica C..., em cumprimento das legis artis, na procura de camuflar o prognatismo mandibular.
228. Com efeito, toda a situação causou à Recorrente graves problemas, incómodos, ansiedade, intranquilidade, desde logo pelas dores que sentia que eram muitas, como também por toda a insegurança, por toda a vergonha que sentia.
229. Assim, é inegável que estamos perante uma situação de responsabilidade civil contratual, existindo, o facto ilícito, a culpa, a qual, porque se trata de responsabilidade civil contratual, presume- se, não obstante isso é manifesta a existência de culpa, assim como o nexo causal entre o facto ilícito e os danos provocados,
230. não se podendo concordar com o segmento da Sentença de que ora se recorre, nos termos da qual é mencionado que «… não se poder responsabilizar a primeira ré pelo facto de as intervenções médicas não terem sido de sucesso total, sendo que, no que se refere à intervenção desta ré, sempre se teria de relevar a falta de colaboração (chamemos- lhe assim) da autora e que, fruto talvez da idade, não se tenha consciencializado da também sua obrigação de proceder de acordo com as instruções que lhe eram dadas pela sua médica-dentista, mantendo uma boa higiene oral, sem a qual os tratamentos em causa poderiam não surtir efeito e/ou se tornarem inúteis», o que, ademais, as Recorridas não lograram provar.
231. DO DIREITO:
232. Com efeito, de toda a prova produzida nos presentes autos, não resulta qualquer dúvida de que a prestação de serviços médico-dentários pela Recorrida Dr.ª BB foram absolutamente desadequados, não tendo esta procedido ao tratamento das lesões que a Recorrente ia apresentando, ao longo de anos.
233. Na realidade, no nosso modesto entendimento, a Recorrente apresentou ao Tribunal toda a prova necessária e imprescindível para que a presente ação fosse julgada procedente,
234. pelo que foi, com absoluta surpresa e admiração, com todo o respeito e consideração que temos pelo Tribunal a quo, que fomos confrontados com a sentença proferida nos presentes autos, de que se recorre.
235. Saliente-se que, entendemos, com todo o respeito, que a mesma, ademais, se revela deveras escassa em termos de fundamentação, atenta a longa matéria em discussão, bem como a extensa prova produzida e que se refletiu em 14 sessões de julgamento e 7 anos de duração do processo.
236. Acresce que, em relação à relevância e força probatória da prova pericial, e dados os diversos relatórios periciais juntos aos autos, sem esquecer o relatório junto sob doc. nº 9 com a Petição Inicial, é de manifestar a nossa discordância e admiração quanto ao facto de os mesmos não terem sido valorizados pelo Tribunal a quo, na medida em que o deveriam ter sido, dada a importância e relevância da prova pericial no processo civil.
237. A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial (artigo 388.º do Código Civil).
238. Assim, a prova pericial não se afigura apenas na recolha de dados, mas também na apreciação técnica dos factos observados. A função típica do perito é a de colheita de factos para depois produzir quanto aos mesmos uma apreciação técnica, mediante juízos de valor que se lhe ofereça emitir com fundamento em critérios normativos, princípios científicos e máximas de experiência.
239. A prova pericial é necessária e releva relativamente a factualidade para cujo discernimento são necessários saberes especiais que, em maior ou menor grau ou medida, escapam ao múnus do julgador.
240. O perito afigura-se assim como um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação.
241. Quanto à força probatória da prova pericial, sempre podemos afirmar que é fixada livremente pelo tribunal, em consonância com o previsto no art. 389.º do CC.
242. Assim, e nas palavras de Luís Filipe Pires de Sousa in Direito Probatório Material (2020, pág. 187), “a análise crítica que o juiz faz do laudo servirá para adquirir um convencimento sobre o seu resultado, assumindo ou não as conclusões do laudo, das quais extrairá as máximas da experiência necessárias para a apreciação dos factos relevantes. O juiz valora as máximas de experiência especializadas trazidas pelo perito aplicando máximas de experiência comuns para o que não são necessários conhecimentos especializados, mas apenas capacidade crítica de entendimento e apreciação.”
243. Desta forma, o juiz aprecia o rigor do método, a veracidade das suas premissas e a consistência das suas conclusões, exigindo-se do julgador que seja capaz de valorar se está perante uma forma de conhecimento dotada de dignidade e validade científica, e se os métodos de investigação e controlo típicos dessa ciência foram corretamente aplicados no caso concreto.
244. Em suma, trata-se de confirmar se existem condições de cientificidade da prova.
245. Se essas condições de cientificidade da prova ocorrerem, as máximas da experiência especializadas trazidas pelo perito deverão, em princípio prevalecer sobre a prova testemunhal.
246. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, encontrando-se o julgador amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve o Juiz fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
247. No mesmo sentido, J.P Remédio Marques in Ação Declarativa à luz do Código Revisto. 3.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011, pág. 378, expõe que, como, por norma, no processo civil, o Juiz tem que fundamentar a sua decisão sobre a matéria que consta da base instrutória, e isso implica a incumbência de efetuar uma análise crítica das provas, não lhe basta apontar o simples afastamento do relatório pericial por discordar do resultado.
248. Entende-se que o juiz ao confrontar todos os meios de prova que constam no processo tem que fundamentar, com recurso a outros meios de prova, com a mesma ou superior credibilidade, o facto do relatório pericial lhe ter sugestionado uma resposta diferente, e mostrar que os raciocínios do perito para alcançar o resultado exibido não são convincentes, quando analisados e integrados no panorama geral e, por essa razão, lhe causaram uma diferente convicção.
249. Sempre que estiver em causa apurar um facto cuja solução dependa da apreciação científica e se a prova pericial for produzida segundo os padrões científicos pertinentes e atendíveis, deverá prevalecer esta opinião sobre a de um leigo.
250. Verifica-se, portanto, em suma, que o Juiz, apesar de não estar adstrito às severas regras da prova não basta que forme uma mera convicção de foro subjetivo, tendo que sustentar a sua convicção numa certeza racional, segundo juízos de probabilidade séria e mostrar que apreciou a prova com base nas regras da experiência atendendo à particularidade do caso.
251. A própria Jurisprudência já tem vindo a referir que não se deve confiar ilimitadamente no facto de o juiz ser o perito dos peritos e esta é, no nosso entender, a forma correta de proceder, pois caso contrário a justiça cairia em total descrédito.
252. A não ser que surjam outros fortes elementos de prova, o juiz não vai gozar de liberdade para justificar a sua convicção e perante este cenário “não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente na decisão da causa”.
253. Nesta consonância, se não houver matéria controversa e não residirem dúvidas do confronto da perícia com outros meios de prova, o juiz, deve de forma mais determinante, aceitar o resultado da perícia, auxiliando-se nela para valoração dos factos de forma a constituir a maior prova atendível.
254. Cumpre ainda salientar que, mesmo assim é manifesta a contradição evidenciada pelo Tribunal Recorrido entre a fundamentação vertida e a decisão proferida na sentença recorrida, porquanto segundo resulta da fundamentação que: «o tribunal formou a sua convicção quanto aos factos que considerou provados e não provados com fundamento na generalidade dos documentos juntos aos autos, nomeadamente docs. que titulam histórico de consultas e intervenções médicas, em especial os exames periciais também juntos aos autos (acima referidos) e parecer técnico-científico, tudo em conjugação com as regras da experiência comum e no confronto com os seguintes depoimentos:», na medida em que se assim fosse, conduziria a uma decisão final distinta da proferida.
255. No entanto, a decisão recorrida não se fundou, claramente, nos relatórios periciais juntos aos autos, e melhor identificados no inicio das presentes alegações de recurso, os quais seriam claramente esclarecedores e decisivos para a prolação da decisão de mérito a proferir nos presentes autos.
256. Não obstante, resulta da fundamentação da decisão recorrida que «… tudo em conjugação com as regras da experiência comum e no confronto com os seguintes depoimentos:», limitando-se, no entanto, na sentença recorrida, o Tribunal a quo a, curiosamente, mencionar as declarações de parte da 1ª Ré, de OO (sócio gerente da 2ª Ré), os depoimentos das testemunhas arroladas pelas Rés, HH, LL e MM, a quem o Tribunal recorrido deu curiosamente «grande palco» na fundamentação da decisão recorrida, atribuindo grande credibilidade e valoração a essas declarações e depoimentos,
257. ao contrário da posição que o Tribunal recorrido aí adotou em relação à A., a quem, inclusive, não deu qualquer importância na fundamentação da decisão recorrida,
258. desde logo porque não mencionou as declarações de parte, enquanto meio de prova, na fundamentação da decisão recorrida, não escalpelizando as suas declarações de parte, não as valorando, não as mencionando (ao contrário do que fez com as Rés),
259. assim como, não atribuiu, de igual modo, qualquer importância a qualquer das testemunhas arroladas pela A., nem sequer as mencionando ou valorando os seus depoimentos prestados em audiência de julgamento (ao contrário do que sucedeu com as testemunhas arroladas pelas Rés), designadamente das seguintes testemunhas da A., aqui Recorrente:
260. Dr. GG – a quem, inclusive, não deu qualquer importância na fundamentação da decisão recorrida, desde logo porque não o mencionou nem escalpelizou o seu depoimento, não se referindo ao mesmo, nem à sua valoração, razão de ciência e credibilidade na referida fundamentação da decisão recorrida;
261. Dr. DD – a quem, inclusive, não deu qualquer importância na fundamentação da decisão recorrida, desde logo porque não o mencionou nem escalpelizou o seu depoimento, não se referindo ao mesmo, nem à sua valoração, razão de ciência e credibilidade na referida fundamentação da decisão recorrida;
262. Sr. II – a quem, inclusive, não deu qualquer importância na fundamentação da decisão recorrida, desde logo porque não o mencionou nem escalpelizou o seu depoimento, não se referindo ao mesmo, nem à sua valoração, razão de ciência e credibilidade na referida fundamentação da decisão recorrida;
263. Dra. JJ – a quem, inclusive, não deu qualquer importância na fundamentação da decisão recorrida, desde logo porque não o mencionou nem escalpelizou o seu depoimento, não se referindo ao mesmo, nem à sua valoração, razão de ciência e credibilidade na referida fundamentação da decisão recorrida;
264. Dra. KK - a quem, inclusive, não deu qualquer importância na fundamentação da decisão recorrida, desde logo porque não o mencionou nem escalpelizou o seu depoimento, não se referindo ao mesmo, nem à sua valoração, razão de ciência e credibilidade na referida fundamentação da decisão recorrida;
265. Prof. Dra. CC – a quem se limitou a identificar, de modo insuficiente;
266. Dr. EE – a quem se limitou a identificar;
267. Dr. FF – a quem se limitou a identificar, erradamente.
268. Além do mais, são manifestas as sucessivas contradições, insuficiências e confusões evidenciadas pelo Tribunal a quo, na referida sentença recorrida, designadamente:
269. «Prof. Dra. CC, autora do relatório pericial de 2019, confirmando-o e explicando-o» - também foi autora do relatório pericial elaborado em 4/07/2013, junto sob doc. 9 com a Petição Inicial, sendo que nenhuma relevância mereceu o seu depoimento em termos de fundamentação da sentença recorrida;
270. «Dr. FF, médico dentista, que tomou conhecimento do caso da autora pela primeira vez quando trabalhava no Hospital D...» - nunca trabalhou no Hospital D... e conheceu a Autora na C..., sendo que, de igual modo, nenhuma relevância mereceu o seu depoimento em termos de fundamentação da sentença recorrida;
271. «MM, colega da primeira ré e que, por tal facto, conheceu a autora. Assistiu por várias vezes a conversas em consulta em que a primeira ré insistia com a autora para lavar os dentes, explicando-lhe sempre como deveria proceder para manter a higiene bocal». – em nada coincide com o depoimento gravado desta testemunha, sendo desprovido de verdade o que aí vem mencionado em relação a esta testemunha das Rés.
272. Em face do exposto, pecou, claramente, por defeito, erros, contradições, vícios, insuficiência e incongruência a fundamentação da sentença recorrida que conduziu, claramente, à prolação de uma decisão errada e infundada, claramente injusta, que padece de manifestos vício de fundamentação,
273. pelo que daqui decorre um evidente erro no julgamento de facto que se invoca, desde já, porquanto a prova obtida à materialidade impugnada conduziria, no nosso entendimento, à obtenção de diferentes respostas e decisão.
274. Este erro consubstanciado numa má e/ou errada avaliação das provas obtidas nos presentes autos que conduz a uma deficiente apreciação da matéria de facto, não é integrável no vício da nulidade da sentença aludido no art. 615º, nº 1, al. c), do C.P.C. sendo este um vício de forma e não uma iniquidade da decisão de facto a se.
275. Trata-se, sim, de um verdadeiro erro de julgamento na valoração de toda a prova produzida nos presentes autos.
276. Ora, nos presentes autos, é por demais evidente que está em causa uma situação de responsabilidade civil contratual das Recorridas perante a Recorrente,
277. Para que se verifique a ocorrência de responsabilidade civil contratual, necessária se torna a presença e prova de um facto, da ilicitude, da imputação do facto ao lesante, da existência de danos e de um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
278. Entendemos, ademais, que, não obstante bastar a presunção de culpa, por se tratar de responsabilidade civil contratual, nos presentes autos, a Recorrente, apesar de não ter esse ónus da prova, PROVOU a culpa das Recorridas, ou, pelo menos, da 1ª Ré, aqui Recorrida.
279. A obrigação médica, em primeira linha, é revestida pelo dever de prestar os melhores cuidados ao paciente, tendo como objetivo a promoção e a restituição da saúde ao paciente.
280. Com efeito, em primeira linha, o médico dentista tem o dever de prestar os melhores cuidados ao paciente, com o intuito de promover ou restituir a saúde oral ao mesmo, de acordo com a leges artis.
281. Ora, entende-se estarmos diante de uma violação das leges artis quando ocorre uma desconformidade objetiva entre os atos realizados e os que seriam devidos de acordo com os conhecimentos técnicos da ciência, in casu, médica dentária, à data.
282. Volvendo ao caso dos presentes autos e conforme supra aludido, a A., aqui Recorrente realizou com a 1.ª Recorrida o total de 80 (oitenta) consultas, desde janeiro de 2008 até 22 de dezembro de 2012, conforme resulta de registo clínico da A. junto sob doc. nº 1 com a Petição Inicial e sob o Doc. A com a Contestação das Rés, não se devendo ignorar que a Recorrente foi acompanhada pelos serviços dentários das Recorridas desde 2001, isto é, desde os seus 9 anos de idade.
283. Não obstante, o tratamento sugerido e prosseguido pela 1.ª Recorrida não se revelou conforme as práticas médicas dentárias exigíveis, o que provocou à A., aqui Recorrente, danos seu no estado de saúde oral e o seu respetivo e sucessivo agravamento, mal estar e incómodos decorrentes dos tratamentos efetuados pela 1ª Ré (ou da ausência deles), bem como o padecimento de dores, a impossibilidade de ingerir e mastigar determinados alimentos e higienizar a sua boca.
284. Assim, conforme se viu, é inegável a existência de desconformidade entre os atos praticados pela 1ª Ré e as legis artis.
285. Desde logo, conforme vimos, a colocação dos dois referidos aparelhos ortodônticos pela 1ª Ré foi efetuada ainda antes de se encontrarem todos os dentes careados tratados, o que, inevitavelmente, provocou a proliferação das cáries,
286. pelo que, desde logo, aqui se constata que a Recorrida agiu em desconformidade com as legis artis, ao sugerir a colocação do aparelho ortodôntico quando o estado da saúde oral da Recorrente, conforme aquela bem sabia, não se encontrava em conformidade para a colocação de tal aparelho,
287. assim como, conforme também aqui se deixou demonstrado, a 1.ª Recorrida não procedeu ao tratamento das cáries novas, isto é, das cáries que foram entretanto surgindo, conforme seria expectável.
288. De facto, conforme supra já mencionado e se retira do Relatório Pericial, datado de 04 de julho de 2013, isto é, cerca de seis meses após a última consulta com a Recorrida Dr.ª BB, a Recorrente apresentava lesões que já eram patentes na ortopantomografia datada de 2007 e que, por isso, tinham, pelo menos, 6 anos de evolução,
289. assim como apresentava cárie no dente 17, que já era visualizável na ortopantomografia de 2010 e que, por isso, tinha 3 anos de evolução.
290. Por seu turno, não se poderá deixar de mencionar que a Recorrente, no âmbito das suas Declarações, referiu que, por forma a realizar a sua higiene oral, não obstante as intensas e incapacitantes dores que sentia, procurou realizar a higiene possível com os instrumentos que, por senso comum, considerou suficientes para sua higiene oral.
291. Ora, tal cuidado da Recorrente é, de facto, compatível com o teor dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento pelos médicos dentistas que passaram a acompanhar a Recorrente, na medida em que os mesmos constataram que a Recorrente, infelizmente, não tinha conhecimento do método e dos instrumentos adequados para a sua higiene oral, mas que, após a devida instrução pelos mesmos, começou a evidenciar melhorias, cujo resultado favorável resulta do relatório pericial junto aos autos em 2019, elaborado pela Prof. Dra. CC, no âmbito da prova pericial requerida e efetuada nos presentes autos.
292. De facto, toda a prova produzida nos presentes autos, aponta para a circunstância de a Recorrente não reunir as condições para a colocação de qualquer aparelho ortodôntico, em janeiro de 2008, bem como para o desconhecimento pela mesma de como proceder à higiene oral com o aparelho ortodôntico colocado até dezembro de 2012.
293. Aliás, não se concebe como pode uma paciente, como era o caso da A., que se encontrava a ser seguida, há vários anos, por uma médico- dentista, e a ser submetida, além do mais, a um tratamento ortodôntico (o que implica a realização de consultas mensais e, por conseguinte possibilita ao médico dentista um diagnóstico e tratamento atempado das cáries), apresentar, em determinado momento, isto é, em 18/12/2012 (doc. nº 1- A, da Petição Inicial), uma cavidade oral com 13 cáries, conforme supra se mencionou.
294. Conforme as Rés/Recorridas alegam no art. 56º da Contestação por si apresentada, a «maior parte das idas da A. à clínica visava o acompanhamento do tratamento ortodôntico e ajustamento do respectivo aparelho», porém tal argumento não é desculpa para que a Recorrida Dr.ª BB nessas ditas consultas não analisasse e avaliasse a boca da Recorrente, não a informasse acerca do estado lastimável da sua dentição, não a aconselhasse a efetuar os tratamentos que se revelariam necessários e não tomasse os procedimentos médicos exigíveis para recuperar a saúde dos seus dentes.
295. Na realidade, se efetivamente a Recorrida Dr.ª BB cumprisse, com rigor, as boas práticas da sua atividade profissional de médica dentista, nas ditas consultas não podia se limitar a proceder ao ajustamento e manutenção do aparelho ortodôntico da Recorrente, sem mais, tendo também o dever de zelar pela integridade e pelo estado geral de conservação dos dentes da mesma,
296. pois que, de pouco ou nada servia para a Recorrente ter uns dentes alinhados se os mesmos se apresentavam careados e em risco iminente de terem de ser extraídos.
297. Como é óbvio, se a Recorrida Dr.ª BB tivesse prestado os seus serviços com rigor e dando cumprimento às boas práticas de medicina dentária, conforme seria expectável, certamente a Recorrente, em 18/02/2012, não apresentaria cárie alguma,
298. apresentando, na realidade, 13 cáries, sendo certo que muitas delas já tinham vários anos de evolução, conforme decorre do teor do exame pericial junto com a Petição Inicial, para onde se remete por um questão de economia processual, é por demais compreensível, ao contrário do que as Recorridas pretendem fazer crer, que, em 04/07/2013, data em que a Recorrente realizou o dito exame pericial, a Recorrente, uma vez volvidos mais de 17 meses, apresentasse já 22 cáries e uma extração.
299. Uma cárie é uma doença infeto-contagiosa multifatorial que resulta em destruição e perda dos dentes se não tratada a tempo e de forma adequada.
300. Ora, uma pessoa com cáries tem dores, pelo que, não mastiga corretamente e, por isso, não digere corretamente, nem o seu organismo absorve os nutrientes como deveria.
301. Além do mais, não devemos esquecer que a polpa se comunica com nosso sistema vascular, por isso as bactérias que a alcançam podem cair na corrente sanguínea e circular pelo organismo todo, sendo certo que se os microorganismos atingirem o músculo cardíaco, podem dar origem a uma endocardite bacteriana, infecção no endocárdio e nas válvulas cardíacas.
302. Com efeito, uma cárie não tratada pode ter consequências sérias, tanto para a boca, quanto para a saúde em geral do paciente.
303. Como se isso não bastasse, conforme supra se disse, a falta de tratamento de uma cárie pode resultar na perda de um dente, sendo certo que tal circunstancialismo pode provocar dificuldade na mastigação, na fala, além de que a própria estética pode ficar comprometida, conforme sucedeu com a aqui Recorrente,
304. podendo, a perda de um dente também causar alterações na ATM (articulação temporomandibular) gerando dores de cabeça, de ouvido, no pescoço, alterações posturais e bruxismo.
305. Desta feita, a Recorrida Dr.ª BB ao não agir com a atuação diligente, não adotando os procedimentos e a técnica que eram exigíveis na situação em apreço, violou de forma grosseira a «leges artis», colocando em causa a saúde e o bem-estar da Recorrente.
306. FACE AO EXPOSTO, é, pois, completamente falso que os problemas dentários da Recorrente tenham resultado de uma deficiente higiene oral e ingestão de alimentos açucarados, conforme as Recorridas pretendem fazer crer.
307. Cumpre salientar que, conforme decorre do registo clínico que se encontra junto aos autos e aqui se reitera, a Recorrente começou a ser seguida pelas Recorridas aos 9 anos de idade e só a partir dos 15 anos é que a Recorrente começou a ter problemas de cáries.
308. Ora, a ser verdade o alegado pelas Recorrida de que os problemas de dentição da Recorrente advêm, única e exclusivamente, da ingestão de produtos açucarados por parte da Recorrente e da deficiente higiene oral após o consumo dos mesmos, então resta aferir como se explica que a aqui Recorrente só aos 15 anos tenha começado a ter cáries,
309. não sendo despiciendo salientar que o período temporal compreendido entre os 9 e os 15 anos de idade se revela bastante crítico no que diz respeito ao consumo de produtos açucarados por qualquer criança/adolescente, porquanto, nestas idades, o consumo de alimentos processados e açucarados entre as crianças é frequente e banalizado, tornando-se, muitas vezes, difícil a sensibilização das mesmas para os problemas decorrentes de tal consumo, bem como a imposição, a muitas delas, de um consumo moderado desses produtos,
310. além de que, atenta a imaturidade das crianças nessas idades, revela- se, igualmente, complexo conseguir sensibilizar muitas dessas crianças para uma diária e correta higienização dos seus dentes.
311. Não obstante, a verdade é que, no caso concreto, só após os 15 anos de idade é que a Recorrente começou a ter cáries, pelo que, inexiste qualquer correlação entre o consumo de produtos açucarados e o estado atual de degradação da sua cavidade oral.
312. Não obstante, a ser verdade que a Recorrente não procedia a uma correta higienização dentária, o que é falso como se disse, competia à aqui Recorrida Dr.ª BB, enquanto médica dentista, aconselhar e auxiliar convenientemente a Recorrente no que respeita à limpeza da sua cavidade oral ou, em alternativa, indicar à Recorrente um higienista oral que cumprisse essa função, o que nunca sucedeu.
313. Aliás, cumpre salientar que a Recorrida Dr.ª BB nunca teve, sequer, o zelo e o cuidado de ensinar a aqui Recorrente a proceder a uma boa higienização dos seus dentes após a colocação do aparelho ortodôntico, conforme seria desejável e expectável.
314. Sucede que, a colocação de um aparelho ortodôntico dificulta, em grande medida, a boa higienização da cavidade oral, tornando-se necessário recorrer à utilização de acessórios próprios e adequados para esse efeito bem como, a adopção de determinados comportamentos na limpeza diária dos dentes por forma a evitar o aparecimento de cáries.
315. Mas como supra se disse, a Recorrida Dr.ª BB colocou o aparelho ortodôntico à Recorrente sem nunca explicar e/ou ensinar à A. a melhor forma e quais os procedimentos a adotar na escovagem diária dos seus dentes, sendo certo que, o aconselhamento atinente à boa e correta higienização oral faz parte, como é óbvio, das obrigações de um médico dentista.
316. Tendo, assim, em consideração os procedimentos clínicos adotados pela Recorrida Dr.ª BB no tratamento da dentição da Recorrente, como é óbvio, as cáries da Recorrente, com o decurso do tempo, foram-se avolumando e o estado geral da sua saúde dentária foi-se degradando.
317. Posto isto, resulta manifestamente provado nos presentes autos, dois momentos diferentes no estado de saúde oral da A. e dois resultados diferentes:
318. 5 anos de tratamento dentário efetuado pelas Rés à A., isto é, desde janeiro de 2008 até 22 de dezembro de 2012 (sem nunca esquecer o acompanhamento médico regular à A., prestado pela 1ª Ré, desde 2001, isto é, desde os seus 9 anos de idade) – culminou numa boca com quase todos os dentes careados, numa boca descontrolada, chocante e caótica, num verdadeiro drama dentário e de saúde oral da A., conforme resulta das ortopantomografias juntas sob doc. nº 1- A, com a Petição Inicial, do relatório pericial de 4/07/2013, junto sob o doc. nº 9 com a Petição Inicial e dos docs. nºs 3, 11, 12 e 21 juntos com a Petição Inicial, associados à prova testemunhal produzida e já supra referida e explanada;
319. 5 anos e meio de tratamento dentário efetuado pela D..., desde dezembro de 2012 até novembro de 2013 e pela C..., desde dezembro de 2013 até outubro de 2018, momento em que se iniciou a realização da prova pericial requerida nos presentes autos e que culminou com a elaboração dos relatórios periciais juntos aos autos, é possível constatar a resolução do problema gravíssimo de saúde oral da A., designadamente através do teor dos relatórios periciais juntos aos autos, designadamente o relatório pericial de 27/03/2019, que concluiu pela «ausência de necessidades de tratamento de cárie», e do relatório pericial de 3/02/2020, onde foi mencionado que «entre 2012 e 2013 foram feitos alguns tratamentos ….que terão resultado numa melhoria do estado de saúde oral», acrescentando que, «em concreto, sobre a mudança de médico, nada podemos dizer, a implementação de tratamentos necessários contribuiu favoravelmente para a melhoria do estado de saúde oral» e «da responsabilidade do médico será apenas o diagnóstico e o tratamento atempado das mesmas», bem como através do Parecer do Conselho Médico-Legal, de 9/0/2020, que refere que «o médico dentista é responsável pelo diagnóstico, tratamento da doença e sua prevenção», bem como através da ortopantomografia mencionada no relatório pericial de 18/03/2019, elaborada nessa data e que refere que «a imagem é compatível com implantes nas posições de 26, 37, 46 e 47 e com TER nos dentes 11, 21, 22, 24, 27, 36 e 45», assim como com os exames médicos juntos pela C... em 7 de dezembro de 2018, bem como com o docs. nºs 3, 11 e 12, junto com a petição inicial, associados à prova testemunhal produzida e já supra referida e explanada.
320. Com efeito, somos levados a concluir que as Rés não diagnosticaram, nem trataram e muito menos preveniram a doença na cavidade oral da A., ao contrário da D... e C..., que adotaram a posição absolutamente oposta e correta, porquanto diagnosticaram, trataram e preveniram a saúde oral da A., nos moldes e seguindo as práticas já supra explanados pelos diferentes médicos, testemunhas arroladas pela A. nos presentes autos, e de acordo com documentos já referidos juntos aos autos.
321. Em face do exposto, as Rés, e designadamente a 1ª Ré, aqui Recorrida, não adotaram, conforme lhe era exigível, as leges artis, o que conduziu ao resultado nefasto evidenciado na boca, saúde e vida pessoal e social da A., aqui Recorrente,
322. ao contrário da D... e C... que seguiram, na íntegra, as leges artis, mesmo também com a colocação de, não dois mas três, aparelhos ortodônticos na boca da A., com vista a camuflar, com resultados extremamente positivos, o prognatismo mandibular de que padecia a A., aqui Recorrente.
323. Como tal, salvo o devido respeito, não concorda a Recorrente, com o vertido na Sentença recorrida, nos termos da qual «Não se demonstra como provado, porém, que os réus não tenham em algum momento deixado de actuar em conformidade com as boas práticas, diligência e cuidados a que estavam contratualmente obrigados, como alegado pela autora»,
324. assim como que «No caso concreto, não se fez prova de que a primeira ré não tivesse actuado de acordo com as práticas aconselháveis.»
325. Na realidade, entende a Recorrente que é manifesta a existência, nos presentes autos, de ilicitude, atenta a violação das leges artis aplicáveis, assim como a culpa, o que ficou aqui demonstrado.
326. Posto isto, é inegável a responsabilidade civil contratual das Recorridas, e designadamente da 1ª Recorrida, em relação à A., aqui Recorrente, encontrando-se integralmente preenchidos todos os requisitos para a condenação das Rés nos pedidos formulados pela A., aqui Recorrente, quer na petição inicial, quer aquando da ampliação do pedido apresentada, sendo manifesto que as Rés, ou, pelos menos, a 1ª Ré, aqui 1.ª Recorrida, agiu com negligência grosseira, ao ter agido nos moldes supra referidos e elencados em relação à A., aqui Recorrente.
327. Por força desse contrato, a Recorrida Dr.ª BB obrigou-se a prestar à Recorrente a assistência médica dentária necessária, empregando os conhecimentos e técnicas disponíveis, respeitando as leges artis, visando tratar a doente, prestando-lhe todos os cuidados que o seu estado exigisse, bem como todas as informações sobre o seu estado de saúde oral.
328. Sucede que, para que nasça a obrigação de indemnizar é necessário que o médico pratique um acto ilícito, culposo e adequado a causar danos ao doente.
329. Aplicando à responsabilidade civil por ato médico o regime da responsabilidade civil contratual, dir-se-ia, como decorre do art. 799º, nº 1 do C.C., que impende sobre o prestador de serviços médicos uma presunção de culpa, que lhe cumpre ilidir, se pretender furtar-se à obrigação de indemnizar, por falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso.
330. Tem sido justamente defendido que, muito embora caiba ao demandante o ónus da prova da violação da lex artis (ilicitude), no tocante à culpa, deve a mesma presumir-se, nos termos do art. 799º, do CC, cabendo ao médico o ónus da prova da falta de culpa, ou seja a prova de que, naquelas circunstâncias, não podia e não devia ter agido de maneira diferente (Cfr. André Dias in “O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente, Coimbra, 2004).
331. Assim, o ónus da prova da diligência recairá sobre o médico, caso o lesado faça prova da existência do vínculo contratual e dos factos demonstrativos do seu incumprimento ou cumprimento defeituoso.
332. Ora, não esqueçamos que um médico e/ou, como é o caso dos autos, um médico dentista, põe à disposição do cliente a sua técnica e experiência destinadas a obter um resultado que se afigura razoável.
333. Para isso, compromete-se com a devida diligência.
334. No caso sub Júdice, dúvidas não restam de que a 1ª Recorrida violou os deveres de zelo, diligência e vigilância a que estava obrigada, conforme supra melhor se expôs e para onde se remete por uma questão de economia processual, sendo que, nos termos do disposto no art. 798º do CC «o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor».
335. Atendendo a tudo o que aqui foi exposto, facilmente se depreenderá que as atitudes assumidas pelas Recorridas lesaram de forma significativa a integridade física e os interesses da Recorrente, causando-lhe sérios danos patrimoniais e não patrimoniais.
336. Nestes termos, as Recorridas deverão responder por todos os danos causados à Recorrente, emergentes de toda esta situação que as Recorridas provocaram, fundamentando-se essa responsabilidade na figura jurídica da Responsabilidade Civil Contratual.
337. Em face do retro exposto, cumpre, então, extrair a prática do facto ilícito e voluntário das Recorridas contra os interesses da Recorrente, a imputação do facto às Recorridas sob a forma culposa, o dano e a ocorrência do nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
338. Assim sendo, no caso concreto, é de aferir a imputação dos supra referidos factos às Recorridas sob a forma culposa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
339. Quanto à existência do facto ilícito, verifica-se que, no presente caso, há uma
340. nítida violação dos direitos e interesses da Recorrente, pelo que, se encontra comprovada a primeira modalidade da ilicitude prevista no art. 483º do Código Civil: violação ilícita do direito de outrem.
341. No que concerne à existência de uma actuação culposa das Recorridas, a título doloso ou negligente, é transparente o seu preenchimento atenta a atuação manifestamente culposa e censurável das Recorridas, designadamente da 1.ª Recorrida, sendo que agir com culpa, significa atuar em termos de a conduta do agente ou de terceiro merecer a censura ou reprovação do direito, sendo que uma conduta é reprovável, quando o agente ou o terceiro, pela sua capacidade e face às circunstâncias concretas, poderia e deveria ter agido de modo diferente.
342. Por sua vez, são inquestionáveis os danos sofridos pela Recorrente, conforme supra melhor explanados.
343. Além disso, é, por demais, nítida a existência de nexo de causalidade, atenta a existência de uma relação causa-efeito, entre os factos ilícitos e culposos, perpetrados pelas Recorridas e os danos e incómodos sofridos pela Recorrente.
344. Com efeito, aquelas condutas das Recorridas mostram-se causa adequada dos prejuízos que a Recorrente acabou por sofrer, com consequências nefastas para a aqui Recorrente, com repercussões sérias na sua vida e saúde, ao que acresce o prejuízo patrimonial daí decorrente.
345. Não restam, portanto, quaisquer dúvidas de que as aqui Recorridas incumpriram as obrigações emergentes do contrato de prestação de serviços médicos dentários celebrado entre a Recorrente e as Recorridas, pelo que, sobre elas, recai a obrigação de indemnizar os danos sofridos pela Recorrente, tanto os danos de natureza patrimonial como os danos de natureza não patrimonial.
346. Em face de tal incumprimento contratual por parte das Recorridas, conforme supra se descreveu, a dentição da Recorrente degradou-se substancialmente, implicando, aliás, o restauro e a desvitalização de inúmeros dentes bem como, a realização de diversos implantes dentários porquanto, muitos dos dentes da Recorrente tiveram que ser mesmo extraídos, atento o estado de degradação que atingiram.
347. Em face disso, a Recorrente viu-se obrigada a contratar os serviços de outros médicos dentistas para tratar a sua dentição, circunstancialismo que, claro está, acarretou para a Recorrente a necessidade de suportar uma despesa adicional consubstanciada no pagamento dos serviços prestados por outros médicos dentistas contratados a posteriori, e sem os quais a Recorrente jamais conseguiria recuperar a saúde da sua boca.
348. Com efeito, atentas as condutas censuráveis assumidas pelas Recorridas e tendo a Recorrente, como é óbvio, deixado de confiar na qualidade dos serviços prestados pelas mesmas, entre 22 de dezembro de 2012 e 25 de novembro de 2013, a Recorrente passou a ser seguida na especialidade de Medicina Dentária, pelo Sr. Dr. GG, no Hospital Privado ..., do Grupo D...,
349. e a partir de 26 de dezembro de 2013 e até ao presente momento, atenta a extensão dos tratamentos dentários de que a Recorrente carecia e ainda carece, tem a Recorrente sido acompanhada assiduamente na “C... – Clínicas Dentárias, Lda.”, pelo Sr. Dr. GG, Sr. Dr. FF, Sr. Dr. EE e Sr. Dr. DD.
350. Assim, por culpa única e exclusiva das aqui Recorridas, a Recorrente viu-se obrigada a ser submetida a novos tratamentos e a acarretar com uma série de despesas médicas extraordinárias com vista a obter a recuperação da sua saúde oral, despesas essas comprovadas documentalmente no processo sob os docs. n.ºs 13 e 13- A, juntos com a Petição Inicial, para onde se remete por uma questão de economia processual.
351. Não obstante, cumpre salientar que a Recorrente pagou às aqui Recorridas a totalidade dos tratamentos efetuados pela 1ª Recorrida, tratamentos esses que, conforme supra se expôs, se revelaram absolutamente inadequados e desconformes com os protocolos clínicos que deveriam ter sido seguidos e/ou adotados pelas Recorridas no diagnóstico e tratamentos realizados à dentição da aqui Recorrente.
352. Acresce que, atendendo a tudo o que aqui foi exposto, facilmente se depreenderá que a Recorrente se sentiu lesada ao constatar que as Recorridas, pessoas em quem depositava inteira confiança, não cumpriram as suas obrigações contratuais, pois, não fora as condutas e omissão das Recorridas a saúde oral da Recorrente nunca chegaria a um estado tão lastimável, com todas as consequências daí decorrentes para a sua saúde, auto-estima e bem estar geral, factualidade que, claro está, provocou à Recorrente enormes transtornos, dores e incómodos,
353. e, principalmente, uma imensa revolta, indignação, humilhação e constrangimento, pelo facto de a Recorrente, com apenas 21 anos de idade, ter tomado consciência que a sua dentição se encontrava num estado lastimoso, tendo, aliás, em idade tão jovem, tido necessidade de extrair vários dentes e de se submeter a uma série de procedimentos e terapêuticas dentárias para conseguir devolver alguma saúde à sua cavidade oral, com todas as consequências nefastas daí decorrentes para a sua imagem e auto-estima, tudo por culpa, única e exclusiva, das condutas ilícitas assumidas pelas aqui Recorridas.
354. Ademais, cumpre reiterar que o estado de deterioração da dentição da Recorrente colocou em causa a própria capacidade de mastigação da Recorrente, atenta a extrema sensibilidade das suas gengivas e as fortes dores de que padecia, bem como, as recorrentes infeções que surgiam na sua cavidade oral e que a impediam de se alimentar convenientemente, obrigando-a a socorrer-se de fármacos, de modo contínuo, conforme resulta do doc. nº 21 junto com a Petição Inicial, para onde se remete por uma questão de economia processual.
355. Assim sendo, deverão, ainda, as aqui Recorridas, indemnizar a Recorrente por todos os danos de natureza não patrimonial sofridos, sendo de salientar que a boca da A., aqui Recorrente, ficou irremediavelmente lesada, para todo o sempre, por culpa única e exclusiva das Recorridas, e designadamente da 1ª Ré, aqui Recorrida,
356. porquanto, não obstante ter melhorado significativamente a sua cavidade oral, por força do acompanhamento irrepreensível do Grupo D... e, principalmente, da C..., quer em termos de diagnóstico, quer em termos de tratamento, quer em termos de prevenção,
357. a A., aqui Recorrente, não recuperou, obviamente, mas lamentavelmente, a sua dentição originária, o que se irá repercutir, de futuro, na sua vida e saúde oral, bem como acarretará para sempre custos inquestionáveis e elevados para manter o trabalho efetuado e a sua saúde oral, no que concerne, designadamente aos restauros, pontes, coroas, facetas, implantes colocados na sua boca e consultas de controlo,
358. que seriam desnecessários se as Recorridas, e designadamente, a 1ª Recorrida, tivesse agido com os cuidados e práticas dentárias exigíveis e de acordo com as Leges Artis.
359. Com efeito, em consequência das condutas adotadas pelas Rés, aqui Recorridas, a A., aqui Recorrente, sofreu danos de natureza não patrimonial, já supra elencados, traduzidos na dor, angústia, incómodos, ansiedade, vergonha, instabilidade, preocupação e lesão da sua imagem e auto-estima, falta de autonomia, sentimento de inferioridade e isolamento que, pela sua acentuada gravidade e idade da Recorrente, merecem, indiscutivelmente, a tutela do Direito.
360. POSTO ISTO,
361. e sempre com o devido respeito, mal andou, nesta senda, no nosso entendimento, o Tribunal de que ora se recorre.
362. A ser assim, e salvo o devido respeito que é muito, não houve o exigível zelo e diligência na análise da questão a decidir, o que resulta desde logo num erro juridicamente insustentável.
363. Acresce que, e em face do retro exposto, consideramos, inclusive, resultar da fundamentação da decisão recorrida a violação do princípio da igualdade de armas e da igualdade das partes, preconizado pelo artigo 4.º do CPC, pelo que a decisão sempre deveria ser nula, o que, desde já, se requer seja declarado, com as legais consequências.
364. EM SUMA,
365. não se conforma, de forma alguma, a ora Recorrente, com a douta decisão em crise, por entender que, em face da prova documental, testemunhal e pericial produzida, do direito aplicável e dos princípios norteadores do nosso processo civil, a única decisão possível seria a prolação de sentença condenatória das Recorridas nos pedidos formulados na petição inicial e na ampliação do pedido, nos seus exatos termos e pelas razões já supra explanadas, com as consequências legais daí decorrentes, o que se requer.
366. POSTO ISTO,
367. é inconcebível e inaceitável a prolação da sentença na exata medida em que o foi, quer no que se prende com o interesse da Recorrente, quer no que toca ao interesse subjacente à realização da justiça.
368. Assim sendo, a sentença ora colocada em crise é, salvo o devido respeito, censurável e passível de recurso, com todas as consequências legais daí decorrentes.
ISTO POSTO, consideramos que, a este respeito, violou a decisão recorrida o disposto nos artigos 363º, 371.º, 373º, 376º 388.º, 389.º, 396.º 483.º, 486º, 487.º, 496º, 497º, 499º, 501º, 507º, 512º, 798.º e 799.º, todos do Código Civil; artigos 2º, 4.º, 5º, 6º, 410º, 411º, 412º, 413º, 414º, 417º, 423º, 426º, 466.º, 467º, 469º, 484º a 486º 495º, 516º, 607º, nºs 4 e 5, 608, nº 2, 615.º n.º 1 alíneas c) e d), todos do Código de Processo Civil e art. 20º da C.R.P..
Conclui, finalmente, pedindo a revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo e, em sua substituição, seja proferido douto Acórdão que decida pela procedência da acção.

Em resposta, aduzem as RR que bem andou o Meretíssimo Juiz ao interpretar as provas que lhe permitiram decidir-se pelos factos provados e os não provados, que elencou na Douta Sentença, e que revelaram que a Drª BB não violou as “boas práticas” da sua actividade e absolveu as Rés; concluindo pela confirmação da decisão.

A interveniente principal veio bem assim pugnar pela improcedência do recurso, fazendo ressaltar, mediante a convocação da natureza relativamente vinculada desta prova o particular relevo da consulta técnico científica efectuada ao Conselho Médico do INML, de onde não resultou a evidência de qualquer violação da legis artis por parte das Apeladas. Tudo para concluir pela falta de prova pela A., a quem cabia, do facto ilícito que alicerça os pedidos, concluindo pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, impõe-se decidir.



II.

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
São duas as questões a decidir:
- a da nulidade da decisão por violação do princípio da igualdade das partes;
- a do erro de julgamento da matéria de facto, mediante a indevida aquisição probatória dos factos sob 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 18, 25, 26, 27, 31, 32 e 33 e a consideração como não provados factos sob A) a H) dos tidos como não provados (manter-se-á, por facilidade, esta identificação, que não consta da sentença recorrida, mas se revela operacional).
Na medida da procedência (ao menos parcial) do invocado erro de julgamento, da verificação dos pressupostos da convocada responsabilidade civil das rés.

A) Da violação do princípio da igualdade de armas e igualdade das partes e sua “consequência”
Sob a conclusão 365 das respectivas alegações, aduz a recorrente que: “em face do retro exposto, consideramos, inclusive, resultar da fundamentação da decisão recorrida a violação do princípio da igualdade de armas e da igualdade das partes, preconizado pelo artigo 4.º do CPC, pelo que a decisão sempre deveria ser nula, o que, desde já, se requer seja declarado, com as legais consequências”.
Sempre não vem, pese embora a extensão e repetição noutros segmentos das conclusões, caracterizada ou concretizada como e em quê foram afectados tão estruturais princípios da ordem jurídica…
Descortina-se, contudo, da totalidade das alegações e conclusões que esse impreciso remate vá referido já à extensa argumentação nos termos da qual o tribunal não valorizou as declarações de parte da Autora, tendo ao invés atribuído relevo ao depoimento agora da 1ª Ré. Bem assim a imputação de um juízo de desvalorização pelo julgador da totalidade da prova produzida pela A., no confronto já com aquela arrolada pelas RR.

Admite-se já que, não integrando um problema de nulidade da sentença, vista a tipicidade legal das causas de nulidade desta, mostrando-se violado o princípio da igualdade de armas e da igualdade das partes, preconizado pelo artigo 4.º do CPC, a decisão possa ser nula, nos termos “gerais” do artigo 195.ºdo CPC, mormente no caso da sentença não apreciar toda a prova oferecida em julgamento, excluindo a produzida por uma das partes, sem justificação.
Tudo se circunscreve afinal à questão de saber se o tribunal, também no momento processual de apreciação da prova/julgamento de facto, garantiu um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no uso de meios de prova, como obriga o citado preceito.
O princípio da igualdade das partes é fonte do subprincípio do contraditório e encontra consagração no artigo 4.º do CPC: O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
Daqui deriva também o princípio da igualdade de armas que impõe o equilíbrio entre as partes ao logo de todo o processo, na perspetiva de permitir às partes idênticas oportunidades para expor as suas razões e convencer o tribunal a proferir uma decisão que lhes seja favorável.
Como é evidente, também aqui a igualdade entre as partes nunca poderá atingir o absoluto, como o reconhece Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, Ed. 1996, pág. 105, “O princípio da igualdade de armas, tal como o do contraditório, constitui manifestação do princípio mais geral da igualdade das partes, que implica a paridade simétrica das suas posições perante o tribunal. No que particularmente lhe respeita, impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspetiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respetivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes possibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade intrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à outra.”
Entendimento que mantém no CPC Anotado, Vol. 1.º, 4ª Ed., 2018, pág. 33 em anotação ao artigo 4.º: “é da natureza do próprio processo alguma diversidade das posições das partes (…), à ideia de identidade formal absoluta de meios e efeitos substitui-se a de um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, sempre que a desigualdade objetiva intrínseca de certas posições processuais leve a atribuir a uma parte meios ou sujeitá-la a efeitos não atribuíveis à outra”.
Também Teixeira de Sousa nos Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Ed., 1997, pág. 42 ensina que “Um primeiro problema suscitado pelo artigo 3.º-A (atual artigo 4.º) e pela referida igualdade substancial entre as partes é o de que nem sempre é viável assegurar essa igualdade. Em certos casos, não é possível ultrapassar certas diferenças substanciais na posição processual das partes; noutras hipóteses não é possível afastar certas igualdades formais impostas pela lei.
A posição processual das partes é, em muitos dos seus aspetos, substancialmente distinta. Por exemplo: o autor escolhe, normalmente segundo o seu arbítrio, o momento da propositura da ação e o réu tem sempre um prazo limitado para apresentação da sua defesa (…) o que origina uma desigualdade substancial entre as partes a favor do autor.”

Noutra vertente, os princípios da igualdade de armas e das partes, não se pode confundir com uma atitude assistencialista do tribunal relativamente à parte mais fraca.
Se o juiz entender que, para cumprir o dever de procurar a verdade material e não apenas a verdade processual ou formal, decidir ouvir uma testemunha ou mandar juntar um documento que, afinal, favorece a parte mais forte, mesmo assim está obrigado a mandar produzir tal prova.
Isto significa, como sublinha Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 44, que “a expressão do princípio da igualdade deve ser procurada fora daqueles poderes instrutórios ou inquisitórios, o que de modo algum exclui um amplo campo de aplicação desse princípio. Esta aplicação verifica-se tanto no conteúdo positivo, que impõe ao tribunal um dever de construir a igualdade das partes, como no conteúdo negativo, que o proíbe de originar, pela sua conduta, uma desigualdade entre as partes.”
O que o convocado artigo 4º exige vem a ser então a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade intrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à outra.
Desde logo, não se evidencia, nem vem alegado pela Recorrente que não lhe tenha sido permitida a produção de qualquer meio de prova ou que lhe tenham sido coarctados direitos e possibilidades processuais de produção de prova. Nem também a violação de disposições processuais civis que sejam consagração daqueles outros princípios estruturantes, como a do artigo 3º do CPC.
Sempre na sentença recorrida não vem afirmada, nem se infere ou subentende qualquer desconsideração geral ou em bloco, nem também imotivada, injustificada ou injustificável, dos meios de prova oferecidos, requeridos ou produzidos pela A.
Não resulta ter sido posta em causa a paridade simétrica da posição das partes perante o tribunal, sem prejuízo da discordância agora quanto ao juízo valorativo que a motivação da decisão de facto traduz, o que reconduz a “questão” à sua verdadeira e única sede, com o que, verdadeiramente, o objecto deste recurso vai dirigido, exclusivamente, à reapreciação da matéria de facto.
Na verdade, em causa nas alegações e conclusões um “mero” erro de julgamento, pela invocada apreciação incorrecta ou inadequada da credibilidade ou aptidão demonstrativa de uns meios de prova sobre os outros. Pura e simplesmente.
Não ocorre já qualquer nulidade por violação daqueles princípios, sendo manifestamente improcedente a invocação desta.


B) Do recurso da matéria de facto

Sobre a temática da impugnação da matéria de facto, dispõe o artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil. Ora, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1).
Os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. Ac. do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objecto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2.
Ora, pese embora a extensão das conclusões, a repetição da mesma e exacta argumentação em vários momentos distintos daquelas, com prejuízo para a argumentação lógica e a imprestabilidade da alusão genérica inicial à totalidade dos depoimentos e documentos cujo relevo se pretende, mediante ainda indicação maçadora de segmentos truncados de depoimentos, o recurso cumpre cabalmente as exigências legais atinentes ao recurso em matéria de facto, na medida em que resultam claros os pontos quanto aos quais a recorrente discorda da apreciação do tribunal, o sentido da decisão pretendida e bem assim as razões probatórias em que se estriba.
Nada obsta, pois, a que se conheça do recurso.

É a seguinte a matéria de facto provada e não provada (reiterando-se que se optou por identificá-la mediante a menção a alíneas, por facilidade de referenciação às alegações de recurso):
1- A autora, AA, foi seguida, desde o dia 26 de Fevereiro de 2001 e até ao dia 22 de Dezembro de 2012, na Clínica Médica Dentária aqui segunda ré, A... Lda;
2- Sendo certo que, durante tal período temporal, a autora foi sempre acompanhada nessa Clínica pela mesma médica dentista, a aqui primeira ré, BB;
3- Com efeito, no dia 26 de Fevereiro de 2001, a autora, acompanhada da sua mãe, recorreu aos serviços das rés no sentido de lhe procederem à avaliação do estado da respectiva dentição, momento em que a autora tinha nove anos de idade;
4- A autora padecia de má oclusão dentária e de prognatismo mandibular, sendo que a solução definitiva para esta última patologia passava, face ao seu estado, pela realização de uma cirurgia;
5- De acordo com informação prestada à autora (sua mãe, face à menoridade da autora) e à ré BB, por professor daquela área e a que recorreram para correcção do prognatismo, a cirurgia só deveria ocorrer quando a autora tivesse dezoito anos de idade, podendo, até lá, efectuar procedimentos médicos de correcção que atenuassem/disfarçassem o prognatismo;
6- Nessa sequência, a primeira ré, após tratar cáries da autora, colocou-lhe aparelho ortodôntico para correcção/atenuação do prognatismo mandibular;
7- Ou seja, quando a primeira ré colocou aparelho ortodôntico na autora, esta não apresentava cáries;
8- Apesar das muitas consultas realizadas, a autora era irregular no seguimento das mesmas, faltando e/ou remarcando consultas;
9- Por vezes, marcava consulta quando sentia dores causadas por alguma infecção, era atendida e medicada, com marcação de nova consulta para tratamento da infecção, a que depois faltava por não sentir já dores;
10- A autora negligenciava a sua higiene bocal, não lavando a boca e dentes, apesar de a primeira ré sempre lhe dizer para o fazer, explicando-lhe o respectivo procedimento e lavando-lhe ela própria os dentes;
11- Em 17 Dezembro de 2012, a autora efectuou a sua última consulta com a primeira ré, deixando de recorrer aos serviços da segunda ré;
12- No dia 18 de Dezembro de 2012, a autora, já então com 21 anos de idade, recorreu aos serviços de saúde do Hospital Privado D..., onde foi assistida por médico dentista, anotando que a autora “necessita de cirurgia, classe III com desvio para a direita (muito severo). Apresenta várias cáries em que irá necessitar de vários endos”, receitando-lhe medicação;
13- No dia 22.12.2012, em nova consulta da autora no mesmo grupo hospitalar (D...), anotou-se que a autora apresentava “mordida cruzada e aberta anterior, cáries em praticamente todos os dentes, e brakets nos dentes inferiores anteriores, com cáries e tártaro”;
14- Do teor do relatório pericial realizado em 04.07.2013 (junto aos autos), consta que “O exame clínico demonstrou existirem várias situações a necessitarem de tratamento. Em termos de tempo de evolução, a evolução do processo cariogénico é extremamente variável, dependendo de diversos factores, designadamente de hábitos de higiene, hábitos alimentares ou de factores farmológicos. Ainda assim, e de uma forma geral, uma vez instalada uma lesão de cárie, se não for tratada, ela levará, por norma cerca de 2 anos até atingir o estado cavitário (isto é, a aparecer um orifício no dente). De novo, tratam-se de valores médios que, como foi explicado, podem variar com diversos factores. No caso da examinada existem lesões que podem ser datadas pelo menos tendo em conta o seu tempo mínimo de evolução. Tal é o caso das cáries nos dentes 46, 47, 27 e 37 que já eram patentes na ortopantomografia de 2007, e da cárie no dente 17, que já era visualizável na ortopantomografia de 2010. Estas cáries terão, então, no mínimo 6 3 anos de evolução… Em termos de consequências para a examinanda, esta situação é de elevada gravidade, na medida em que a examinada não consegue alimentar-se correctamente, persistindo diversos focos infecciosos na cavidade oral, obrigando à toma sistemática de antibióticos e medicação anti-álgica. Os focos infecciosos representam por si só risco acrescido em termos de saúde sistémica, designadamente a nível cardiovascular e articular. Os riscos das tomas continuadas da medicação prendem-se com os efeitos laterais da medicação propriamente dita e, no caso particular dos antibióticos, numa maior resistência futura à molécula administrada”;
15- Mais se concluindo do referido relatório que “existem diversas condições na cavidade oral da examinada que carecem de tratamento, sendo que algumas destas situações já poderiam ter sido diagnosticadas e tratadas atempadamente.”;
16- A autora sentiu-se magoada e perturbada com o estado de saúde em que se encontrava a sua boca;
17- Entre 22 de Dezembro de 2012 e 25 de Novembro de 2013, a autora passou a ser seguida na especialidade de Medicina Dentária, pelo Sr. Dr. GG, no Hospital Privado ..., do Grupo D...;
18- E, a partir de 26 de Dezembro de 2013 e até ao presente momento, atenta a extensão dos tratamentos dentários de que a autora carecia e carece, tem vindo a ser acompanhada na “C... – Clínicas Dentárias, Lda.”, pelo Sr. Dr. GG, Sr. Dr. FF e pelo Sr. Dr. EE;
19- Em tais consultas/tratamentos, a autora, pese embora beneficiária da ADSE e, portanto, comparticipadas ao abrigo dos acordos institucionais estabelecidos, teve despesas na quantia global de € 7.248,45;
20- A autora pagou às aqui Rés a quantia global de € 4.249,00, pela totalidade dos tratamentos efectuados pela primeira ré;
21- A autora pagou a quantia de 369,00 euros ao INML pelo relatório pericial acima referido;
22- A autora sente-se humilhada e constrangida pelo facto de, apenas aos 21 anos de idade, ter tomado consciência do estado em que se encontrava a sua dentição;
23- Como acima referido, a ré BB aconselhou a mãe da autora (então menor) a consultar um ortodontista, tendo-lhe mesmo aconselhado o Professor Doutor HH;
24- A autora consultou aquele médico, que a aconselhou a realizar uma cirurgia para correcção ortodôntica ao seu maxilar inferior, mas que tal intervenção só deveria ocorrer depois dos 18 anos de idade;
25- Os pais da autora (então menor) optaram por solicitar à ré que procedesse ao alinhamento dos dentes da autora;
26- A ré procedeu ao tratamento de cáries que a autora apresentava, tratamentos que precederam o início da colocação do aparelho ortodôntico superior, destinado a corrigir a posição dos dentes desalinhados e era constituído por “brakects”;
27- No início do tratamento a autora apresentava quatro cáries, que tratou antes do tratamento ortodôntico;
28- O tratamento ortodôntico iniciou-se em 25 de Janeiro de 2008 e só em 29 de Abril de 2010 é que a autora se queixou de dor de dentes e, por isso, na altura foi-lhe receitada a toma de medicamento antibiótico adequado ao quadro clínico que apresentava (infecção no lado superior direito);
29- Depois desta consulta (de 29/4/2010) foi-lhe marcada consulta para o dia 20/5/2010 para ser observada a evolução do tratamento antibiótico e para tratar o dente que causou a infecção;
30- Porém, a autora faltou a tal consulta e só em 09/06/2010 foi à consulta e o referido dente foi desvitalizado, após a melhoria consequente do tratamento com antibiótico;
31- Sempre a Ré BB foi chamando a atenção da autora e da sua mãe para a necessidade do cumprimento rigoroso da higiene oral, que sempre verificou estar a ser negligenciado pela autora, com prejuízo para a sua saúde oral e psicológica;
32- No dia 16/06/2012, a autora recorreu à clínica ré com uma infecção num dos dentes, sendo-lhe receitado medicamento antibiótico e marcada consulta para o dia 26/06/2012 para retirar cárie;
33- A Autora faltou à consulta e só voltou em 17/11/2012 para tratar um outro dente, desconsiderando o tratamento da cárie do dente que estava infectado em 26/6/2012 que nesse período de tempo pode alastrar e atingir outros dentes e afectar a saúde das gengivas;
34- Entre a interveniente B... e a ré BB entre esta contestante e a Interveniente foi celebrado um contrato de seguro com a apólice n.º ...16, nos termos da qual a Ré transferiu para a Interveniente a sua responsabilidade por actos ou omissão negligente prestados no exercício da sua actividade profissional de médico dentista, com o limite de 600.000,00€ (300.000,00€ como sub-limite capital seguro) e uma franquia inicial a cargo da segurada de 10%, com o limite mínimo de 125,00€ para os danos materiais;
35- Tal apólice foi iniciada em 5/10/2001, encontrando-se actualmente em vigor;
36- Entre a interveniente B... e a ré A..., Lda, foi celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil titulada pela Apólice nº ...94, nos termos da qual a Ré transferiu para a Interveniente a sua responsabilidade por responsabilidade civil exploração e responsabilidade civil profissional, com o limite de 150.000,00€ (75.000,00€ como sub-limite capital seguro para o caso de rcprofissional) e uma franquia inicial a cargo da segurada de 10%, com o limite mínimo de 250,00€ para os danos materiais;
37- Tal apólice foi iniciada em 13/05/2011, sendo certo que, nos termos do artigo 7º das condições contratuais gerais o (…) “contrato apenas produz efeitos em relação a actos ou omissões ocorridos durante o período de vigência do contrato e que sejam geradores de responsabilidades, cujos danos sejam reclamados, se desconhecidos das partes durante a vigência do contrato, até 1 ano após a data em que este tiver cessado os seus efeitos”, pelo que quaisquer actos ocorridos antes 13/05/2011 não se encontrarão abrangidos nos termos desta apólice.
*

A) Que, antes de iniciar o tratamento ortodôntico, a primeira ré não tivesse tomado o cuidado, conforme seria expectável, de proceder ao tratamento de todas as cáries dentárias que a autora apresentasse, à data;
B) Que a primeira ré tenha informado a autora que as cáries dentárias seriam tratadas apenas quando o aparelho ortodôntico fosse retirado;
C) Que a primeira ré tenha desvalorizado as infecções dentárias da autora, nunca tendo avançado com qualquer solução ou tratamento que permitisse solucionar e/ou aliviar os seus problemas dentários e quadro de dor da autora, prescrevendo antibiótico sem analisar a boca da paciente;
D) Que a primeira ré se limitasse a referir, por diversas ocasiões à autora, que esta apresentava diversas cáries dentárias, mas que estas só poderiam ser tratadas quando o tratamento ortodôntico estivesse concluído;
E) Que, em Dezembro de 2012, a autora tivesse tentado recorrer aos serviços da primeira ré e que esta não se tivesse mostrado disponível para a atender;
F) Que a autora não tratasse da sua higiene bocal, em consequência de não conseguir proceder a uma normal e regular escovagem dos dentes, pois que as fortes dores de dentes e a aguda sensibilidade ao nível das gengivas de que autora padecia, a impediam de realizar convenientemente tal tarefa da sua higiene pessoal;
G) Que o “estado deplorável” a que a boca da autora chegou, seja consequência de culpa única, exclusiva e falta de profissionalismo da primeira ré, não seguindo os protocolos clínicos adequados;
H) Que a saúde bocal da autora tenha provocado repercussões negativas no seu aproveitamento escolar, sendo apelidada pelos seus colegas de escola como «queixos».
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Motivou pelo seguinte modo a sua convicção o M.mo Juiz:
O tribunal formou a sua convicção quanto aos factos que considerou provados e não provados com fundamento na generalidade dos documentos juntos aos autos, nomeadamente docs. que titulam histórico de consultas e intervenções médicas, em especial os exames periciais também juntos aos autos (acima referidos) e parecer técnico-científico, tudo em conjugação com as regras da experiência comum e no confronto com os seguintes depoimentos:
Em declarações de parte, a primeira ré historiou as suas intervenções médicas com a autora: entre os 9 e os 15 anos efectuou tratamentos preventivos, limpeza, prevenção de cáries; com 16 anos de idade apareceram-lhe as primeiras cáries, todas por si tratadas; alertava sempre a autora para a importância da manutenção de higiene oral, a autora dizia-lhe que não escovava os dentes; em todas as consultas alertava para tal questão de higiene oral, alertando também a mãe da autora para tal facto; a autora aparecia nas consultas sempre com placa bacteriana, comida nos dentes, necessitando de os limpar antes de iniciar os procedimentos dentários propriamente ditos; apenas por três vezes lhe receitou antibióticos mas depois faltava a consulta seguinte para tratamento do dente em causa; voltou apenas em 17.12.2012 para uma última consulta e para tratamento de um outro dente, que não aquele para o qual receitara antibiótico, tendo-lhe então a mãe da autora dito que as faltas e mudança que iriam fazer para outro médico/clínica se deviam a dificuldades financeiras que então atravessavam (a ré não tinha contrato directo para desconto com a ADSE); a autora não efectuou cirurgia para o prognatismo, destinando-se o aparelho dentário a disfarçar/corrigir o seu avanço; colocou o aparelho na mandíbula superior em 2008 e a autora não tinha cáries por tratar; colocou o segundo, na mandíbula inferior, em Abril de 2009, altura em que a autora também não tinha cáries por tratar;
OO, sócio-gerente da segunda ré, nada sabendo dos contactos e consultas entre autora e primeira ré, mas relatando-lhe esta mágoa pelos problemas de higiene oral da autora;
Dra. CC, autora do relatório pericial de 2019, confirmando-o e explicando-o;
EE, médico dentista na C... que, como equipa e juntamente com outros, vem acompanhando a autora desde que esta ali iniciou tratamentos. Quando contactou pela primeira vez com a autora, esta tinha aparelho colocado e queixava-se de infecções constantes, necessitando de efectuar diversos tratamentos, que têm vindo a fazer;
FF, médico dentista, que tomou conhecimento do caso da autora pela primeira vez quando trabalhava no Hospital D.... A autora tinha aparelho nos dentes e muitas cáries não tratadas;
HH, médico-dentista e professor da mesma área. Consultou a autora há cerca de 20 anos, a pedido da primeira ré e por causa do prognatismo e, a partir daí, viu-a uma vez por ano e durante quatro anos, sendo a última vez em 2004. Explicou tudo aos pais da autora, a cirurgia tem de ser feita até determinada idade, não a fazendo “há um preço a pagar”, ficando lá sempre e podendo ser causa de problemas de saúde, tais como problemas cervicais. O prognatismo, naquela fase etária, admitia correcção/disfarce por intermédio de aparelho, optando os pais da autora por esta medida, aparelhos colocados pela primeira ré (“tem de fazer opção”);
LL, irmã da primeira ré e que conhece a autora por ter trabalhado na Clínica ré como administrativa. A autora faltava muito às marcações, a mãe da autora chegou a falar-lhe em problemas de liquidez, respondendo-lhe que viessem na mesma, depois pagariam. Confirmou a falta de higiene oral da autora (“às vezes vinha num estado”) sendo que ela própria, por várias vezes, insistia com a autora por lavagem dos dentes, mostrando-lhe como fazer, escovando-lhos, oferecendo-lhe escova e pasta de dentes para os lavar antes da consulta (bens que cobrariam a outros clientes mas não cobrava à autora). A autora telefonava na alturas das “aflições” para lhe receitarem medicação. Marcava-lhe logo consulta, receitavam a medicação que coubesse ao caso, marcavam consulta para tratamento depois da infecção e a autora faltava à consulta;
MM, colega da primeira ré e que, por tal facto, conheceu a autora. Assistiu por várias vezes a conversas em consulta em que a primeira ré insistia com a autora para lavar os dentes, explicando-lhe sempre como deveria proceder para manter a higiene bocal.
*

Antes ainda de se entrar no cerne da apreciação deste, caberá fazer uma série de “considerações gerais”, por forma a que resulte mais evidente o autónomo juízo probatório que este tribunal empreendeu.
E sublinhou-se a autonomia decisória, ainda quando se sufrague a posição de que sempre a alteração da decisão sobre a matéria de facto apenas se impõe quando se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1).
Em resumo, reapreciação dos meios de prova, de todos os meios de prova, mas verificação ainda da correcção do juízo probatório constante da sentença recorrida, em termos de não estar em causa a substituição de um juízo probatório possível por outro, mas a confirmação da evidência da apreciação errada da prova pelo juiz recorrido.
Sempre a insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1).
De todo o modo, a impugnação da matéria de facto não se destina a contrapor a convicção da parte e do seu mandatário à convicção formada pelo tribunal, com vista à alteração da decisão. Destina-se, sim, à especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (art. 640.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil).
Sempre, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Processo 6871/14.6T8CBR.C1, sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Por outro lado, no domínio da lógica, só pode existir contradição quando estamos a lidar com duas realidades operativas ou proposições, de forma a apurar se são conciliáveis.
Ao estabelecer-se um facto como provado ou não provado está a fazer-se um juízo sobre a existência ou realidade de uma coisa, normalmente reportada a um tempo e espaço precisos.
Assim, existirá contradição quando se afirma e nega simultaneamente uma mesma coisa, quando duas realidades se excluem mutuamente.
Quanto aos factos provados, serão contraditórios se o que resulta de um deles for inconciliável com o que se extrai do outro facto, em termos de ambas as realidades não poderem ocorrer ao mesmo tempo em termos de raciocínio lógico ou face às regras da experiência comum.
E, como é jurisprudência assente, da falta de prova de um facto não se pode inferir o contrário, ou seja, o dar-se um facto como não provado, não significa que fique provado que ele não tenha ocorrido ou provado o seu contrário.
O que acontece é que tudo se passa como se tal facto não tivesse sequer sido alegado; é um nada processual.
Donde, apenas configurável uma contradição quanto a factos não havidos por demonstrados «(…) se as respostas negativas não acolheram facto que constitui ou integra antecedente lógico necessário de resposta afirmativa. Assim, se as respostas negativas tinham conteúdo sobreponível ao da resposta positiva, impor-se-ia, necessariamente, na medida do concurso dessa sobreponibilidade, a inerente coincidência ou harmonia nas respostas, sob pena de contradição.»[1]
Já não integra qualquer contradição da decisão, mas, novamente, erro de julgamento ou apreciação, a invocação de um meio de prova pelo juiz em sede de fundamentação, quando o conteúdo deste seja contrário ao facto a cuja corroboração probatória foi convocado.
Por outro lado, é sabido que as declarações de parte têm valor probatório diverso do depoimento de parte, sendo-lhe instrumentais no tocante à prova por confissão[2], esta vinculando o juiz e subtraída à livre convicção. Já as declarações de parte são valoradas à luz do princípio da livre apreciação.
Ora, no tocante à força probatória das declarações de parte, é entendimento maioritário na doutrina e na jurisprudência que, face ao interesse directo das partes no resultado da causa, o tribunal não deve basear-se exclusivamente nessas declarações para formar a sua convicção. Ou seja, o seu valor probatório deve ser corroborado por outros meios de prova.[3]
Está-se aí no domínio da credibilidade, exigindo-se factores de credibilização ou corroboração periférica.
Sempre o juiz haverá de apreciar e valorar a prova de acordo com as regras da lógica, as regras da vida e da experiência.
No nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 655º, nº 1, do Código de Processo Civil: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
O que está na base do princípio é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal sem que entretanto se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova; o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras de experiência e critérios da lógica.
No nosso ordenamento legislativo a perícia é um meio de prova.
A finalidade da perícia é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível.
O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação.
O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
A perícia tem como finalidade auxiliar o julgador na percepção ou apreciação dos factos a que há-de ser aplicado o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem.
Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito.
Em termos valorativos, os exames periciais configuram elementos meramente informativos, de modo que, do ponto de vista da juriscidade, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas.
A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal – artº 389º do Código Civil.
Donde, a prova pericial está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, no entanto, tratando-se de uma prova gerada a partir da emissão de juízos de ordem técnica elaborados por especialista, a sua livre apreciação apresenta naturais limitações, pressupondo um entendimento divergente do perito motivos de ordem técnica ou probatória que apontem para a sua rejeição ou modificação do seu resultado - vd. entre outros, Ac. TRG de 26.10.2017, proc. n.º 5237/16.8T8GMR.G1.
Apreciação livre não quer dizer arbitrária, antes exigindo que o julgador exerça sobre as asserções e conclusões do perito contidas no seu relatório um juízo crítico material igualmente técnico, podendo delas divergir desde que o faça fundamentadamente - vd. neste sentido, Rita Gouveia, in “Comentário ao Código Civil - Parte Geral”, Universidade Católica Editora, 2014, págs. 882 e 883.
Por outro lado, não integra qualquer juízo técnico a reprodução pelo perito de queixas subjectivas ou relatos do examinando, nem também a formulação de uma hipótese na ausência da totalidade dos elementos de facto necessários à afirmação daquela…
Sempre a reprodução nos factos provados dos termos ou teor de relatório pericial apenas deve sê-lo (e preferivelmente ausente a referência ao meio de prova, rigor técnico que a decisão recorrida não observou também) quanto aos factos mesmos que atesta/verifica ou demonstra (já que reconduzindo-se a um meio de prova e não ao objecto desta), que não também quanto ao juízo subjacente (que se constitui tão só como um modo de aquisição ou demonstração de uma realidade não somente empírica, mas de natureza técnica ou especializada)… E quando os factos assim adquiridos relevem decisivamente para a decisão ou como pressuposto de um juízo de inferência necessário.
Ora, sempre ausente qualquer destas hipóteses quanto à selecção pretendida pela Recorrente de partes ou segmentos de relatórios periciais (e, claro, apenas de alguns, que não já daqueles quanto aos quais cabalmente afastada a “tese” respectiva). Assim, também no que se prende com as evidências de dentes careados (que, como é óbvio, estão adquiridas nos autos e referidas na matéria assente, muito embora insusceptíveis de fundar a prova da ausência de tratamentos, como se verá); mas, muito decisivamente, quanto à extensão e custo de tratamentos, obviamente fora do âmbito do juízo técnico a última e sempre fundando-se no teor do plano relatado elaborado pelo médico que seguia já a A…
Irrelevante, a um tempo, tecnicamente incorrecta também e sempre imprestável à prova de factos relevantes a consideração pretendida.
No processo civil é despicienda outrossim a selecção (como provado ou não provado) de factos meramente indiciários (assim os concretos e específicos dentes apresentando cáries), sendo certo que quanto a estes a motivação tem de espelhar o modo da sua aquisição, na medida em que neles se funde um juízo probatório de inferência ou conclusão quanto a qualquer facto principal, por forma a poder controlar-se a adequação e suficiência da prova indireta ou indiciária.
Conforme nºs 4 e 5 do art. 607º do CPC, preceito também aplicável à Relação ex vi do art. 663º, nº 2: “ 4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. 5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
E o art. 5º do CPC/ 2013 dispõe: “1. Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocada. 2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. 3. (…)”.
António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª Edição, Almedina, p. 32, referem que: “16. Quanto aos factos instrumentais (aqueles que permitem a formação, por indução, de outros factos de que depende o reconhecimento do direito ou da exceção), não há ónus de alegação nem sequer qualquer tipo de preclusão, pelo que poderá ser livremente averiguados e discutidos na audiência final em torno da produção e valoração dos meios de prova atinentes aos temas da prova que tenham sido enunciados. Sobre os mesmos não tem de existir necessariamente uma pronúncia judicial, na medida em que apenas sirvam de apoio à formação da convicção acerca da restante factualidade, máxime quando, a partir deles, se possam inferir factos mediante presunções judiciais (arts. 604º, nº 4, e 5º nºs 2, al. a)), situações em que basta que sejam enunciados na motivação da sentença”. E, ainda António Santos Abrantes Geraldes, em Recursos em Processo Civil, 7ª Edição, Almedina, p. 360, que [é] na motivação que devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e os correspondentes factos instrumentais em que se apoiam nos termos do art. 607º, nº 4. [sublinhados nossos].
Quanto agora à prova testemunhal…
A fundamentação não deve ser uma espécie de assentada em que o Tribunal reproduz os depoimentos que ouviu, ainda que de forma sintética, não sendo necessária uma referência discriminada a cada facto provado e a cada testemunha.
O que na fundamentação tem que resultar claro, de modo a permitir a sua reconstituição, é a razão da decisão tomada relativamente a cada facto que se considera provado ou não provado. A fundamentação da decisão há-de permitir às partes e ao Tribunal de recurso uma avaliação cabal e segura da razão da decisão adoptada e do processo lógico-mental que lhe serviu de suporte.
Não basta, pois, uma declaração genérica e tabelar, sem assegurar a apreciação de toda a matéria em discussão, permitindo julgamentos implícitos e subtraídos a toda e qualquer fiscalização, sendo imprescindível que a fundamentação, como base de um processo decisório, se exteriorize em termos que permita acompanhar o percurso cognoscitivo e valorativo que explicite, justificando, uma concreta tomada de posição jurisdicional.[4]
Mas dispensa-se já o mero elencar das declarações, sobretudo sem a análise crítica correspondente.
É que, como é consabido, na produção e depois na valoração da prova do que se trata é de um confronto de provas e não uma hierarquia ou de precedência de provas. Um depoimento merece credibilidade, não por se tratar de uma prova indicada pelo Autor ou pelo Réu, mas porque pelas suas características convence o tribunal que o que narra corresponde à realidade dos factos, «ao realmente acontecido».
É a razão desse convencimento que importa justificar, que não já reproduzir as declarações desta ou daquela testemunha…
Sempre é o conjunto ou a totalidade de um depoimento, que não uma ou outra afirmação ou resposta isolada, que é apto a convencer de uma realidade ou verdade, sabido que é que tantas e tantas vezes a consideração de um segmento isolado e descontextualizado de uma afirmação é susceptível de induzir uma realidade completamente distorcida ou deturpada de um testemunho.
Em síntese conclusiva, recorrendo agora à feliz formulação do Acórdão da Relação de Coimbra de 20.01.2015, no Processo 2996/12.0TBFIG.C1:
A actuação pela Relação dos seus poderes de controlo relativamente ao julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal da 1ª instância pode, entre outras finalidades, visar a reponderação da decisão proferida.
A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se os factos tidos como assentes a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (artº 662 nº 1 do CPC).
Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in judicando[5]. O recurso ordinário de apelação não perde, mesmo neste caso, a sua feição de recurso de reponderação para passar a ser um recurso de reexame.
O dever de fundamentação da decisão começa, e acaba, nos precisos termos que são exigidos pela exigência de tornar clara a lógica de raciocínio que foi seguida. Não conforma tal conceito uma obrigação de explanação de todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenrolou a dinâmica dos factos em determinada situação e muito menos de equacionar todas as perplexidades que assaltam a cada um dos intervenientes processuais, no caso a Recorrente perante os factos provados.
O recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na perspectiva do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida.
Sempre tal sindicância deverá ter sempre uma visão global da fundamentação sobre a prova produzida de forma a poder acompanhar todo o processo dedutivo seguido pela mesma decisão em relação aos factos concretamente impugnados. Não se pode, nem deve, substituir a compreensão e análise do conjunto da prova produzida sobre um determinado ponto de facto pela visão parcial e segmentada eventualmente oferecida por um dos sujeitos processuais. Sempre, adiante-se, essa compreensão global está omissa na crítica formulada pela Recorrente, nos termos que infra resultarão.
Depois, essa reponderação tem por finalidade e é actuada sob o signo dos parâmetros seguintes:
a) Do exercício da prova – que visa a demonstração da realidade dos factos – apenas pode ser obtida uma verdade judicial, jurídico-prática e não uma verdade, absoluta ou ontológica, matemática ou científica (artº 341 do Código Civil);
b) A livre apreciação da prova assenta na prudente convicção – i.e., na faculdade de decidir de forma correcta - que o tribunal adquirir das provas que foram produzidas (artº 607 nº 5 do CPC).
c) A prudente obtenção da convicção deve respeitar as leis da ciência, da lógica e as regras da experiência - entendidas como os juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos – e que constituem as premissas maiores de facto às quais são subsumíveis factos concretos;
d) A convicção formada pelo juiz sobre a realidade dos factos deve ser uma convicção subjectiva fundada numa convicção objectiva, assente nas regras da ciência e da lógica e da experiência comum ou de normalidade maioritária, e portanto, uma convicção cognitiva e não volitiva, voluntarista, subjectiva ou emocional.
e) A convicção objectiva é uma convicção argumentativa, i.e., demonstrável através de um ou mais argumentos capazes de se impor aos outros;
e) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis: os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[6];
f) O juiz deve decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis tem menor probabilidade de não ser a correcta.
De outro aspecto, a Relação deve usar, mesmo oficiosamente, de poderes de rescisão ou cassatórios, e consequentemente, anular a decisão da matéria de facto da 1ª instância, sempre, por exemplo, que não constando do processo todos os elementos que permitam modificar aquela decisão, entenda que ela é, no tocante a alguns pontos de facto, contraditória (artº 662 nº 2 b) do CPC).
Tendo presentes os alicerces da apreciação que cabe fazer, empreendamos, pois, a reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que a recorrente especifica como incorretamente julgados. Para esse efeito, impõe-se-nos verificar se os concretos pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pela recorrente e que esta considera imporem decisão diversa.
Do teor da decisão recorrida resulta sumariamente explicitado o fundamento do juízo probatório e, podemos desde já afirmar, não se deteta nesse juízo consignado na decisão qualquer irrazoabilidade da matéria de facto - e muito menos uma irrazoabilidade patente a qualquer observador comum – não se podendo afirmar que o raciocínio do julgador se opõe à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum. Não concorda a recorrente com o juízo probatório do Tribunal a quo. Mas tal reconduz-se apenas uma discordância da recorrente face ao resultado da apreciação da prova.
Ou seja, a Recorrente ataca o conjunto da prova produzida e apreciada em julgamento, sem lhe imputar outros vícios que não sejam o de existir contradição nos depoimentos das partes e, alegadamente, de um núcleo de testemunhas e, doutro lado, a coerência e credibilidade que deviam ter merecido os depoimentos da Autora mesma e doutro núcleo de testemunhas.
Ora, desde logo, o ataque à matéria de facto não pode ser feito fornecendo apenas a versão dos factos que se considera mais correcta pois dessa forma o julgamento seria em conformidade com a “livre convicção do Recorrente”, em detrimento da “livre convicção do julgador”.

Ao contrário, como já se adiantou, o que nesta sede compete à Recorrente, é a alegação/demonstração de que as provas produzidas não consentem a análise feita pelo juiz, de que a análise crítica por ele feita contraria a lógica, a razão e as regras da experiência comum, ou uma qualquer regra de direito material probatório.
Desde logo porque, tratando-se em ambos os casos de “livre convicção”, com o que ela tem de pessoal, incumbiria sempre a mesma pergunta: qual delas seria a mais consentânea com a realidade material?
Outrossim, «4 - Se o recorrente impugna somente a credibilidade da testemunha deve indicar os elementos objectivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade dos depoimentos, pois ela, quando estribadas elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzidas na documentação da prova e logo reexaminada em recurso.»[7]
Ainda quando, ouvida a totalidade da prova produzida em audiência e verificada/analisada a totalidade da prova documental e, muito decisivamente, os relatórios periciais e, assim, aqueles a que a Recorrente mais faz apelo, tenha de reconhecer-se um outro desacerto ou equívoco no relato dos factos provados e não provados e uma alusão na motivação a circunstâncias da razão de ciência que não resultam exactas dos depoimentos invocados:
- perfeitamente inútil ou irrelevante a factualidade que se prende com a consulta e depoimento do médico Dr. HH. Na verdade, tenha sido a A. ou ou seus pais a recusar a intervenção por aquele sugerida, tenha-o sido aconselhada imediata ou mais tardiamente, tenha apenas sido comunicada à A. e seus pais e tão só relatada indirectamente à Ré, nada disto importa à decisão da causa e à afirmação de qualquer comportamento pela 1ª Ré violador das legis artis… Na verdade, não resulta minimamente indiciado e pelo depoimento do médico mesmo, ao contrário do que pretende a Recorrente, que aquele tenha “diabolizado” ou escamoteado a eficiência do tratamento que veio a ser adoptado, nem também que tenha relatado o seu “desaconselhamento” perante o prognatismo acentuado da A.
Não se evidencia, pois, qualquer utilidade ou relevância nas pretendidas alterações à matéria de facto, nesse segmento, já que perfeitamente irrelevantes os pontos nos quais se “foca” ou centra a Recorrente. Importante era que tivesse resultado ou a inadequação técnica do aparelho dentário colocado ou o convencimento à não realização de uma cirurgia recomendadamente para “logo” pela Ré. Nada disto resulta… e não é sequer o que vem pedido/pretendido/alegado pela Recorrente, que tem alguma dificuldade em objectivar o comportamento a que pretende atribuir relevância… É que, de forma não escamoteável, se, como a Recorrente mesma aduz nas alegações, foi a A. mesma quem não quis submeter-se a cirurgia (e muito se estranha que uma tal decisão o tenha sido a solo, numa idade como aquela em causa), não ressaltando, bem ao invés, como se justificará melhor infra, que a opção pela correcção ortodôntica pela Ré o tenha sido errada, injustificada tecnicamente, inócua terapeuticamente ou prejudicial… É, pois, toda a matéria concreta e especificamente impugnada pela Recorrente, que se prende com a consulta pelo médico especialista, aliás recomendado pela Ré, por entender que a avaliação da situação o devia ser por alguém especializado, tal o “problema” da A., que se queda absolutamente despicienda ou inútil.
É o que justifica que dela não se conheça, ainda quando, como adiantado, se reconheça alguma incorrecção ou equívoco na redacção dos factos pertinentes pelo juiz a quo, bem como a mesma falta de atenção ou cuidado na motivação, espelhada no erro na identificação de testemunhas, como no relato de circunstâncias que a audição dos depoimentos não suporta.
Adiante-se já que neste segmento, como em tudo o que se prende com depoimentos de médicos e esclarecimentos periciais, falha à Recorrente uma visão completa e desinteressada, sem petições de princípio ou pré-juízos, a partir de situações sem qualquer tradução no teor completo dos depoimentos produzidos em audiência
Com efeito, de forma não escamoteável, o depoimento integral do médico que seguiu e ainda segue a Recorrente, Dr. GG, como o dos demais membros da equipa que a segue (como se afirma na motivação), de forma alguma tem o sentido ou relevo que a Recorrente pretende…
No que a estes importa, cabe atender à totalidade e integralidade dos depoimentos, sendo que sequer os segmentos a que se reporta a recorrente induzem a realidade cuja demonstração pretende. De resto, aqui se salientam, justamente, duas “interessantes” notas pelo médico que segue a Recorrente, de sentido perfeitamente inverso ou contraditório ao pretendido: o de que é relativamente comum encontrar “bocas” com múltiplas cáries, até mesmo como apresentadas pela A e o de que não é possível ter por “comprovada” a “história” subjacente ao estado da dentição que os doentes sempre trazem…
Sempre não demonstram ou comprovam a se aqueles depoimentos, nem o podiam demonstrar, perante agora os termos dos relatórios periciais constantes dos autos, esclarecimentos em audiência pela convocada Dra CC e termos da consulta técnico-científica pelo Conselho Médico-Legal do IML, bem assim junto aos autos em Outubro de 2020, a realidade do facto essencial ou estruturante da causa de pedir: o de que as cáries que a A/Recorrente apresentava o eram por falta de tratamento pela Ré, que adiava os tratamentos destas para o “fim do tratamento ortodôntico”, como o que afirmaram a Autora e sua mãe…
E é precisamente neste ponto que se joga a descredibilização destes depoimentos e declarações, justamente:
- pela insistência na afirmação de um comportamento pela Ré, a um tempo desmentido pelos registos clínicos, dos quais resulta a realização de tratamentos a dentes careados ao longo do tratamento com aparelho (ortodôntico) e, por outro lado, e decisivamente, pela verificação pericial de que o estado dos dentes da Autora aquando do primeiro exame médico-legal não afastava que tratamentos a cáries nos dentes novamente careados tivessem “desaparecido”, isto é não fossem evidentes… é o que resulta dos relatórios permanentemente convocados pela Recorrente e dos esclarecimentos globalmente prestados pela Dra CC…E é o que manifestamente destrói o relevo indiciário da omnipresente primeira ortopantomografia à A. constante dos autos e da sinalização aí de desmineralização evidência de cárie dentária em dentes que aquando da mudança de médico pela A. se apresentavam careados… Releve-se a prematuridade da evidência clínica de cárie, o lapso de tempo para a evolução desta em termos de ser identificável em exame radiográfico, a falta de evidência nos registos clínicos da Ré (de resto patenteando uma falta de rigor lamentável) de tratamento de alguns dos dentes em causa, no confronto agora com o registo clínico e para efeitos de comparticipação da ADSE de múltiplos tratamentos nos mesmos dentes [perfeitamente compatíveis com um erro na identificação destes, sabido que a certificação dos tratamentos o é geralmente pela funcionária administrativa do consultório ou clínica, ainda quando com base nos registos do médico, mas em termos de não permitir uma reverificação, mas também compatível com um quadro de propensão para cáries e para a ineficiência de sucessivos tratamentos destas, que os registos clínicos subsequentes ao termo do acompanhamento da A. pelas Rés não deixa de corroborar, justamente], tudo para ressaltar que os dados objectivamente comprovados não corroboram, antes tornam inverosímil as declarações da A. e sua mãe…
Assim ainda e decisivamente quanto ao facto de, independentemente da dimensão/intensidade destes “problemas”, a higienização dos dentes e os hábitos alimentares da A. se constituírem como uma questão… A negação teimosa pela A. e sua mãe de uma realidade que o higienista que veio a seguir a Autora largo tempo depois não deixou de atestar (assim a falta de domínio pela Autora de procedimentos de higienização relacionados ao uso de aparelho ortodôntico) e que sempre a funcionária da clínica e o companheiro da 1ª Ré, não obstante o relacionamento intercedente, não deixaram de comprovar…, mais o indiciando a “dimensão” das cáries da Autora e a progressão destas… Certo já que a referida falta de domínio pela Autora dos procedimentos mais específicos de higienização dos dentes quando em curso tratamento ortodôntico podia ser referida a uma falta de informação ou cuidado pela 1ª Ré, como aduzido, novamente, pelos depoimentos desta e sua mãe. Contudo, com muito maior probabilidade, em termos de juízos de normalidade ou regras da experiência comum, mais compatível agora com uma desvalorização pela Autora mesma de conselhos ou ensinamentos pela 1ª Ré em sede de acompanhamento da situação… Na verdade, não apenas os juízos de normalidade ou experiência justificam a naturalidade de um aconselhamento e informação daquelas regras de higiene pelo dentista que segue uma paciente desde tenra idade, que tem o cuidado de a recomendar a um especialista para que verifique e avalie o tratamento à questão do prognatismo, que mantém ao longo do tempo uma monitorização do tratamento, mediante consultas regulares e tratamentos, como directa e indirectamente atestadas as “queixas” e preocupações pela 1ª Ré quanto à falta de seguimento pela Autora das recomendações atinentes à higienização…
Ora, impressivo o depoimento da 1ª Ré, cujas declarações, no confronto já com a insistência da A. e sua mãe (quem acompanhou a menor nos tratamentos) em negar tenazmente algumas das evidências objectivamente adquiridas (assim a realização de tratamentos dentários durante o tratamento ortodôntico e a insistência e chamada de atenção para falta de adequada e eficaz higienização, como alguma displicência no acompanhamento de situações agudas, desde logo a situação assente sob 32 e 33, a partir dos registos clínicos, desde logo) resultaram indiciariamente corroboradas pelos depoimentos já aludidos.
Nessa parte, não ajuda a falta de rigor da motivação de facto da decisão recorrida, fruto talvez do lapso de tempo pelo qual se prolongou o julgamento, a gerar imprecisões e equivocidades. Mas evidencia-se a razoabilidade do juízo probatório subjacente, na medida agora da prova directa pela 1ª Ré e funcionária da clínica e indirecta, pelo companheiro da 1ª Ré (também sócio da 2ª Ré), a partir não apenas dos relatos pela 1ª Ré, mas da “perturbação”, “aborrecimento” e até “questionamento ético-deontológico” pela 1ª Ré (como relatados pelo companheiro) quanto à manutenção do acompanhamento da doente, em face do insucesso da motivação da A. para o cumprimento da higienização e a percepção do agravamento das condições da sua saúde oral…
Já se disse que a credibilidade é mais função de um juízo de adequação do atestado ao curso dos eventos, que uma qualidade subjectiva ou afirmação apriorística de interesse ou implicação na causa.
Para o efeito, será de submeter as declarações de parte, como qualquer outra prova oral, a um standard de valoração judicial, que passa pela sua credibilidade subjetiva (a), designadamente a sua razão de ciência e os seus interesses (pessoal, profissional ou qualquer outro), credibilidade objetiva (b), mormente no confronto com prova pré-constituída, e a verosimilhança da sua versão (c), tanto ao nível da coerência narrativa, como do contexto descritivo e eventual corroboração periférica.
Reconheça-se que se a prova reclamasse a certeza absoluta a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça (cf. Prof. Antunes Varela na RLJ 116/339). Importa considerar que a formação da convicção do juiz e a criação do espírito no julgador de que determinado facto ocorreu e de determinado modo, “se deve fundar numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida. Neste sentido Manuel Tomé Soares Gomes, Um Olhar sobre a Prova em Demanda da Verdade no processo Civil, Revista do CEJ, Dossier temático Prova, Ciência e Justiça - Estudos Apontamentos, Vida do CEJ, Número 3º, 2º Semestre, 2005, pp. 158 e 159. Ensina ainda o prof. Castro Mendes “a convicção humana é uma convicção de probabilidade”; de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente”.
Donde, sempre se reitera que o depoimento da 1ª Ré foi recolhendo mais elementos de confirmação externa ou exterior que as declarações da A. e seus pais, mormente sua mãe.
Admita-se ainda que a situação apresentada pela “boca” da A. aquando da consulta de urgência e posterior de encaminhamento em Dezembro de 2012 e Janeiro de 2013 era efectivamente grave… Não se esqueça já que, como resulta dos dados emergentes dos registos clínicos da 1ª Ré, nessa parte não desmentidos por qualquer meio de prova, confrontada a A com um cárie geradora de uma infecção que careceu de tratamento com antibiótico (imprescindível para permitir o tratamento subsequente à cárie), em meados de junho de 2012, apenas em meados de Novembro do mesmo ano voltou e com nova infecção num outro dente, comportamento este sintomático de um “desleixo” ou menor cuidado, ele mesmo susceptível de contribuir para o agravamento da saúde oral… Não se diga, pois, que o estado da dentição e gengivas da A. é que obstava, antes do período de “crise” no final de 2012/início de 2013, à higienização. Prova rigorosamente nenhuma o sustenta[8], sendo, de todo o modo, contrário a juízos de normalidade e a regras de experiência que uma situação continuada de uma tal gravidade e afectação não determinasse à imediata procura de um outro médico ou de uma segunda opinião…Anote-se ademais a insistência pela A. na negação da 1ª Ré em socorrê-la numa “urgência” como causa exclusiva do procurar de outro médico, tão pouco conforme à realidade atestada de uma constante recusa pela Ré em tratar-lhe dentes evidente e aparentemente careados, com a “desculpa” de que apenas o podiam ser retirado o aparelho, numa situação em que o “estado” da boca o era de dores constantes e impossibilidade em lavar os dentes… E não se escamoteie que o “susto” (o confronto com a gravidade e extensão das lesões e sua potencial evolução) que o estado dos dentes/boca da A. apresentava, já em finais de 2012/início de 2013, (após um período de cerca de 5 meses de ausência de acompanhamento, como exposto), era necessariamente apto a causar, como causou, conforme atestado pelos responsáveis pelo tratamento subsequente, é idóneo e esperado surtir um “efeito pedagógico” quanto à consciência da necessidade e empenho na observância de regras de higienização e cuidados com a saúde dentária pela A. (bem mais do que conselhos ou outras chamadas de atenção).
É que, outrossim, decisiva para a formação da convicção do julgador é a verosimilhança dos factos sobre os quais recai a controvérsia, i.é., a pertinência lógica dos mesmos ao domínio dos acontecimentos humanos que, por definição, possuem motivações apreensíveis, são orientados para um fim compreensível e delineados por processos intelectualmente aptos e estão de acordo com o que as regras da experiência nos ensinam ser expectável, corresponder ao devir normal.
Comportamentos privados de racionalidade, opostos ou diferentes da actuação que o comum dos cidadãos teria, cuja lógica ou motivação não é sequer perceptível ou se mostra destituída de coerência, são estranhos e como tal, ainda que possíveis, são pouco prováveis, indiciando que ou o comportamento não foi realmente aquele que é afirmado ou que o seu objectivo é diferente daquele que se pretende.
Na situação decidenda, sobrelevam o juízo pericial (melhor se diria os juízos periciais, posto que mais do que um perito se pronunciou) e técnico-científico constante dos autos. É o que nem a Recorrente pode ignorar, pretendendo retirar dos depoimentos dos médicos o que deles não resulta e é proficientemente desmentido pelos relatórios periciais, pela totalidade destes, incluindo o da Ex.ma Sra Dra CC e, de forma não escamoteável, pelas conclusões do Relatório do Colégio da Especialidade em causa, constante dos autos.
Com efeito, não se evidencia da totalidade da prova escutada e analisada (quanto à prova documental e pericial) a falta de tratamento de cáries detectadas e detectáveis pela 1ª Ré, mormente antes do início do tratamento ortodôntico (colocação do aparelho) ou o tratamento incorrecto ou inadequado destas em termos de ser a causa de novas cáries ou do agravamento das existentes…
Nisto consiste, nos termos da invocada causa de pedir, o facto ilícito averiguando. Dele não foi feita prova cabal ou suficiente, sendo despicienda, lateral, equivocada/ao lado e por isso que inútil a apreciação deste ou daquele facto (melhor se dirá circunstância, contexto ou “interpretação” de um facto ou realidade) não essencial ou determinante para o resultado da acção. É que outrossim os aspectos menos conseguidos e já anotados da matéria elencada pelo tribunal como provada (não se detectam já problemas em sede de matéria de facto não provada, ainda quando se evidenciem lapsos na fundamentação, assim na identificação de testemunhas) e sua fundamentação não integram nem correspondem a factos indiciários que sustentem o pretendido juízo de inferência pela realidade da falta ou incorrecto tratamento de cáries. Com o que globalmente irrelevante a rectificação/correcção pontual da matéria de facto assente e sempre correcta a consideração como não provada dos factos sob as alíneas questionadas/impugnadas…
Não se esqueça agora que os relatórios primeiros, no IML (por iniciativa da A., rectius, seus pais), justamente pela Dra CC, se reporta não apenas a queixas pela A., como ao relato pela Autora de uma situação não corroborada objectivamente, a do não tratamento de cáries evidentes e detectáveis pela 1ª Ré. Renova-se o relevo decisivo da afirmação pericial nos termos da qual eram possíveis os tratamentos anteriores aos dentes careados ainda quando não evidentes, “desmontando”, como não deixou de resultar evidente dos esclarecimentos em audiência por esta perita médica, o significado da existência de sinais radiológicos/radiográficos de cáries em dentes que mais tarde apresentavam cáries (outras cáries? as mesmas quanto às quais ineficientes os tratamentos?[9])… Quantos de nós não foram já sujeitos a tratamentos de cáries em dentes que, novamente, desenvolvem um outro e subsequente processo de deterioração ou careação, sem que tal se deva à inadequação ou natureza tardia do tratamento, antes à etiologia complexa da cárie, à qual apela recorrentemente a A.
Sempre se afigura inverosímil que antes da situação de Dezembro de 2012 (precedida de meses de ausência de tratamento, subsequente a uma infecção necessitada de tratamento com antibiótico, como já exposto) se apresentasse um quadro como aquele que foi verificado nas consultas de Dezembro e Janeiro e pelo IML no exame primeiro sem que a A e seus pais procurassem uma solução para o problema ou, quando menos, uma outra opinião. Nem também que aceitassem pacífica e acriticamente a explicação de que tratamentos apenas após a retirada do aparelho perante uma situação gritante ou aflitiva… Não se esqueça a literacia das pessoas em causa e a disponibilidade de informação on line sobre os tratamentos dentários e suas intercorrências…
É esta insubsistência da prova objectiva, hoc sensu material, e por declarações/depoimentos produzidos a demonstrar aquela violação das legis artis que a Ex.ma perita que subscreve o primeiro dos relatórios não deixa de reconhecer, quando, sob o impulso da Ilustre mandatária da A., acaba por reconduzir o “erro” da 1ª Ré à falta de avaliação das condições da A. para usar o aparelho, na medida da falta de motivação para comportamentos preventivos e de evitação das cáries… A 1ª Ré não deixou de admitir que ponderou o encaminhamento da situação para outro colega, na medida da “frustração” causada pelos sucessivos episódios com o comportamento da A… Sempre não era esse o facto alegado para integrar a violação das legis artis e, adiante-se, sequer resultou que tenha existido um tal erro de “avaliação”… Na verdade, aqui nos reconduzimos ao já anotado agravamento sensível do estado da boca da A. naqueles meses anteriores a Dezembro de 2012, como se infere da necessidade de tratamento com antibiótico de uma única infecção “localizada” e da existência de múltiplas lesões decorridos cerca de 5 meses…
Tudo para ressaltar que à falta de tratamento pela Ré de cáries aparentes ou detectáveis apenas e só a A e a mãe se referiram. Absolutamente nenhum outro elemento, bem ao invés, nos termos expostos, o atesta, sequer corrobora ou indicia…
É o que unanimemente ressalta da prova pericial e, sem apelo nem agravo, das conclusões pelo órgão máximo do IML nesta matéria, conforme a já referida consulta técnico-científica.
“Agarra-se” a Recorrente, sem sucesso possível (pela ausência de significado ou sentido indiciário inequívoco pretendido, como exposto, na falta ainda de outras circunstâncias ou elementos de corroboração[10]), a afirmações no relatório primeiro, baseado decisivamente nas declarações da A. mesma, sem a consideração já da totalidade dos registos evidenciando a existência de tratamentos a cáries pese embora a presença do aparelho e o lapso de tempo de “ausência” de seguimento ao estado da saúde oral pela A. Exige-se a quem demanda o ressarcimento de um dano a demonstração de uma probabilidade qualificada da inobservância de regras profissionais pelo agente/médico… É o que não sucede na situação versada, sendo que na situação decidenda, sempre ausente a corroboração directa ou periférica dos factos constitutivos da pretensão.
Como é sabido, os indícios devem ser sujeitos a uma constante verificação que incida não só sobre a sua demonstração como também sobre a capacidade de fundamentar uma lógica dedutiva; devem ser independentes e concordantes entre si. Na situação decidenda, como resulta do que fica dito, ao invés de factos indiciários, apenas a realidade ou evidência de uma boca com as múltiplas cáries que a da A. apresentava (que, de resto, se vieram a agravar, em quantidade e gravidade ainda durante o longo período do tratamento subsequente), insuficiente, pois, a fundamentar uma lógica de concatenação que permitisse ter por demonstrada a aduzida falta de tratamento de cáries ao longo de todo o tempo de seguimento pela Ré do tratamento ortodôntico ou o tratamento desadequado ou falho destas.
Concluindo, pois, como se começou, a fragilidade da prova directa (interessada e pouco credível) e a ausência de prova “corroborante” já aludida, não permite a este tribunal, como o não permitiu ao tribunal recorrido, convencer-se dos imputados comportamentos violadores das regras profissionais pela 1ª Ré. Assim o de verificar a existência de cáries e tratá-las, como de instruir a A quanto aos cuidados de higienização dos dentes, acrescidos em função do tratamento ortodôntico iniciado; reiterando-se que o mesmo quanto à própria inadequação da correcção ortodôntica. Tudo isto tendo em conta as máximas indiciárias (tanto as de conteúdo de conteúdo determinístico-natural como as de conteúdo estatístico), fez irrelevar, repita-se, o tipo de testemunhos alvitrados, mesmo quando se considere o grau indiciário de probabilidade (sobre estes conteúdos, vd. Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, FCG, 2ª edição, 367 e ss.) que se impõe, o que tudo não permitiu ao tribunal, na compreensão global dos factos, se não um non liquet (a mais odiosa e necessária decisão/conclusão probatória); sem prejuízo agora da confirmação das demonstradas questões de higiene bocal.
Em conclusão, irrelevante ou inconclusivo o teor da prova produzida pela A, no confronto já com os aludidos factores de contraindiciação/descredibilização da realidade da falta de tratamento pela 1ª Ré de cáries existentes, em tempo e de forma tecnicamente adequada.
Ao invés, nos termos expostos, a realidade dos tratamentos de cáries antes do início do tratamento ortodôntico e durante e os “problemas” de higienização da dentição.
Cabe manter, pois, a matéria de facto decidida e, consequentemente, confirmar a decisão, na totalidade.
É que também e finalmente não resulta agora o erro de avaliação da prova quanto ao facto sob H) dos indemonstrados, por ausência de referenciação desinteressada e objectiva, sendo certo que constando dos factos assentes a afectação psicológica que as regras da experiência sempre induzem e os médicos que acompanham a A. não deixaram de atestar.
Reconheça-se a redacção passível de “mal-entendido ou equivocação” da última parte do facto sob 31 dos assentes. Certo que o que aí se dá como provado é justamente a afectação psicológica da A. pelo estado da sua saúde oral, como é mister ter por necessariamente decorrente da gravidade deste e foi trazido a juízo pelos médicos que a observaram e seguiram, em termos que juízos de normalidade sempre justificam.
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Mantém-se, assim, inalterada a decisão sobre a matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo, na medida da imprestabilidade de um ou outro acertamento, correcção ou rectificação da redacção desta ao cerne da questão dirimida, a do comportamento violador de legis artis pela 1ª Ré.
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Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, e não o tendo a Recorrente logrado, fica necessariamente prejudicado o seu conhecimento.
Sempre caberá, na medida em que no Recurso se confundem as questões da culpa (presumida, nos termos da responsabilidade contratual) e da ilicitude, a (re)formulação/enunciação dos critérios da ilicitude e da culpa na responsabilidade contratual pelo não cumprimento de obrigações de meios dos médicos[11].
Ora, em geral e assim na situação decidenda, o objecto da obrigação do médico confinar-se-á a um certo comportamento (ou actuação), especialmente qualificado sob o ponto de vista profissional, direccionado no sentido da cura ou da melhoria de uma lesão ou estado mórbido pré-existente. Evidencia-se, deste modo, que o médico não está obrigado a determinado resultado material (opus) ou imaterial (a cura como evento incerto), mas deve desenvolver uma actividade profissional tecnicamente qualificada na escolha e utilização dos meios mais idóneos a conseguir a cura ou um resultado correctivo, em razão de o exercício da actividade médica assumir carácter irredutivelmente aleatório[12].
Assim, com Nuno Oliveira[13], data venia, podemos afirmar que a ilicitude vem a corresponder à omissão da mais elevada medida de cuidado exterior, sendo-o a culpa à omissão da medida normal de cuidado exterior ou de cuidado interior. O cuidado exterior a que se reconduz a ilicitude vem pois a ser integrado pela técnica profissional, o recurso às leis da ciência médica-dentária.
Reflexamente, quanto ao problema da aplicabilidade ou inaplicabilidade da presunção de culpa do artigo 799º do CC à responsabilidade contratual pelo não cumprimento das obrigações de meios do médico: a presunção de culpa do devedor aplica-se à responsabilidade contratual pelo não cumprimento de obrigações de meios; sendo que o alcance da presunção de culpa é diferente na responsabilidade contratual pelo não cumprimento de obrigações de resultado e na responsabilidade contratual pelo não cumprimento de obrigações de meios. É que na primeira o artigo 799º combina-se com um critério de tipicidade/ilicitude referido ao resultado, pelo que exonera o credor do ónus de alegar e provar a omissão do cuidado (exterior ou interior); na segunda, ele combina-se com um critério de tipicidade/ilicitude referido à conduta, pelo que não exonera o credor do ónus de demonstrar a omissão da mais elevada medida de cuidado exterior.
O médico incorre assim numa situação de incumprimento quando se desvie do padrão de comportamento diligente e competente a que, como profissional da área deve obedecer. Para que o credor-doente satisfaça o encargo de provar o inadimplemento da obrigação, não é suficiente que ele demonstre o insucesso dos cuidados prestados pelo médico, em relação ao resultado pretendido (mas não prometido); antes terá que demonstrar que o devedor-médico não conformou a sua conduta com as regras de actuação aptas, em abstracto, a proporcionarem a produção do resultado desejado. E por isso que se o incumprimento de uma obrigação de diligência se traduz na inobservância dos deveres de cuidado e atenção e se a culpa é uma omissão do dever de cuidado exigível, então facilmente é perceptível a afinidade entre um tal juízo de ilicitude e o juízo que deve ser formulado para aferir da culpa do agente. Sem que, contudo, como se adiantou supra, se confundam. Esta distinção ou diferença permitirá, por fim, fazer operar as regras da responsabilidade contratual, nomeadamente a presunção de culpa no seu âmbito consagrada. É que na apreciação da ilicitude averiguamos se um dado comportamento, despido dos elementos relacionados com o seu autor, merece censura à luz do nosso ordenamento jurídico; na aferição da culpa examinamos se o comportamento, como obra daquele concreto agente deverá ser considerado reprovável. Afirmado um desvio entre o comportamento adoptado pelo concreto agente e aquele que um agente da mesma categoria teria adoptado – e aquele a que, portanto, se vinculou -, conclui-se pela ilicitude da actuação do médico. Haverá, depois, que saber se era exigível ao agente outro comportamento, o que se configura já como um problema de culpa.

No caso, não resultou, pois, a ilicitude do comportamento da primeira Ré, por falta de prova de qualquer das imputadas e aventadas más práticas profissionais: a da influenciação da A no sentido da não realização em tempo de uma intervenção cirúrgica imprescindível ao tratamento do prognatismo, assim agora de resultado duvidoso, a opção por um tratamento ortodôntico inútil ou contraproducente; o não tratamento de cáries dentárias antes da colocação do aparelho ortodôntico; a falta de vigilância do estado dos dentes e o não tratamento de cáries dentárias detectadas e/ou detectáveis e sempre alvo de queixa pela A durante o tratamento com aparelho; a ausência de informação sobre os cuidados de limpeza relacionados ao uso de aparelho, a recusa de tratamento ou atendimento.
Na ausência de prova do comportamento ilícito irreleva a presunção de culpa que é própria da responsabilidade contratual, falhando o primeiro pressuposto da responsabilidade.
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto, confirmando-se a decisão recorrida.




III.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, de absolvição de ambas as Rés e muito decisivamente da 1ª Ré da pretensão indemnizatória deduzida.
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Custas da apelação pela Recorrente (artigo 527º, nº 1 e nº 2 do CPC).

Notifique.








Porto, 06 de Fevereiro de 2025

Isabel Peixoto Pereira
Francisca Mota Vieira
Manuela Machado

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[1] Acórdão do STJ, de 20.05.2010 (processo 2655/04.8TVLSB.L1.S1).
[2] Reconhecimento da realidade de factos que desfavorecem o depoente e que favorecem a parte contrária, art.º 352º do CC).
[3] João Paulo Remédio Marques, “A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte”, in Julgar, 16, janeiro-abril de 2012, Coimbra Editora, pág. 171.
Em termos jurisprudenciais, desta Relação do Porto, acórdãos de 20/06/2024, processo nº 1240/20.1T8AMT.P1, de 22/02/2021, processo nº 1303/16.8T8PNF.P1 e de 17/06/2024, processo nº 3108/20.2T8MAI.P1.
[4] Por todos o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 680/98, de 2 de Dezembro de 1998 [processo nº 456/95 – 2ª Secção] – acessível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, cujos termos são perfeitamente cabíveis à fundamentação de decisões cíveis.
[5] Ac. STJ de 14.03.06, CJ, STJ, XIV, I, pág. 130, e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 271.
[6] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[7] Acórdão do STJ, de 15.12.2005 (processo 05P2951).
[8] As declarações da testemunha mencionada/convocada pela Recorrente, aludindo a queixas de dores nos dentes por ela aquando de uma deslocação à casa de banho para lavar a dentição por ocasião de uma praxe académica,  são compatíveis com a ocorrência de uma infecção entretanto debelada, com um quadro doloroso pela pressão do próprio aparelho, sempre se constituindo como a narração de um episódio concreto e  esporádico, sem, pois, o relevo probatório indiciário pretendido…
[9] De impossível averiguação.
[10] Cfr. § seguinte.
[11] É que o problema da aplicabilidade ou inaplicabilidade do n.º 1 do artigo 799º às obrigações de meios relaciona-se com o conteúdo das relações jurídicas: nas obrigações de meios a alegação e prova da inobservância dos deveres contratuais envolve a alegação e prova da inobservância do dever de cuidado ou diligência (por isso que uma aproximação ao critério da culpa na responsabilidade extracontratual anotada por Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Volume II, p. Almedina, Coimbra, 2001,p. 398). Não já assim nas obrigações de resultado.
[12] Como bem nota o Sr. Conselheiro Nuno Manuel Pinto Oliveira, Responsabilidade Civil em Instituições Privadas de Saúde: Problemas de Ilicitude e de Culpa, Responsabilidade Civil dos Médicos, 11, FDUC, Centro de Direito Biomédico, Coimbra Editora, 2005, p. 187 e ss.«os critérios de ilicitude e de culpa da responsabilidade contratual estão estreitamente relacionados com a distinção entre as obrigações de meios e as obrigações de resultado.» Assim, ainda Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, Reflexões sobre a Noção da Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado, Coimbra Editora, 2008, p. 89 a 125, a propósito da caracterização da ilicitude contratual.
[13] Loc. cit., p. 238 a 245, reconduzindo-se ademais ao pensamento de Sinde Monteiro.