Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
358/22.0JAAVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: CRIME DE ROUBO AGRAVADO
TENTATIVA
DESISTÊNCIA
QUALIFICAÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP20230628358/22.0JAAVR.P1
Data do Acordão: 06/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELOS ARGUIDOS
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – No conceito de desistência relevante, do ponto de vista da juridicidade do seu conteúdo, a mesma só ocorre quando o agente não dá prosseguimento à execução do crime por sua própria vontade.
II – Não há desistência relevante no caso de o agente, após a prática de actos de execução, percebendo os riscos que correrá para obter o êxito a que propôs atingir, conclui que não tem outra alternativa senão obstar no seu prosseguimento.
III – A desistência só é relevante quando o agente, podendo prosseguir na execução do crime, a cessa sem ser coagido por circunstâncias extrínsecas, surgidas após o início da execução, como a iminência de uma intervenção policial ou a reacção dos ofendidos ou até de terceiros: a impunibilidade da tentativa funda-se no regresso ao direito operado pelo agente, o que significa um propósito deste neste sentido.
IV - Não se verifica uma desistência voluntária da execução do crime, no sentido de acto espontâneo, numa situação em que o recorrente, tendo chegado a ter a pasta com dinheiro em seu poder, só a largou em resultado da reacção dos ofendidos, que se envolveram em luta consigo, durante a qual a pasta caiu, reacção que levou o recorrente a fugir, deixando a mesma no chão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal n.º 358/22.0JAAVR.P1
Comarca de Aveiro.
Juízo Central Criminal de Aveiro.


Acórdão, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.


I - Relatório.

No Processo Comum Coletivo nº 358/22.0JAAVR do juízo central criminal de Aveiro, Juiz 5, comarca de Aveiro, foram submetidos a julgamento os arguidos AA e BB
O acórdão da 1ª instância tem o seguinte dispositivo:
“PELO EXPOSTO, JULGA-SE PROCEDENTE, POR PROVADA, A ACUSAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E, EM CONSEQUÊNCIA, DECIDE-SE CONDENAR
1. AA pela prática de um crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, e 210º, n.º 1 e nº2, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, a cumprir.
1. BB pela prática de um crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, e 210º, n.º 1 e nº2, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, a cumprir.
2. MAIS SE DECIDE MANTER OS ARGUIDOS EM REGIME DE PRISÃO PREVENTIVA, CUJO PRAZO MÁXIMO, NESTA FASE PROCESSUAL, É ATINGIDO A 17/04/2024 arts. 202º e 215º, nº1, al. d), e nº2, do CPP – (proceda-se ao respectivo alarme do terminus e revisão, com dez dias de antecedência).
3. Decide-se, ainda, condenar os Arguidos no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça que se fixa no valor de 2 (duas) Ucs. – cfr. art. 8º do RCP e Tabela III.
4. Nos termos do disposto no artigo 109º do Código Penal declara-se o perdimento a favor do Estado: do telemóvel apreendido a BB (descrito a fls. 8); dos objectos apreendidos e constantes a fls. 47; das latas identificadas a fls. 167; porquanto usados durante a prática do crime.
5. Condena-se os Arguidos a pagarem solidariamente a quantia de 5.000,00€ (cinco mil Euros) a CC.
6. Ordena-se a remessa de Boletins ao registo criminal - art. 374º, nº3, al. d), do CPP.
7. Comunique-se à DGRSP e SEF.
(…)”
*
Inconformados com a decisão vieram os arguidos recorrer apresentando a competente motivação, onde sumariaram as seguintes conclusões:
« A. Com o presente recurso, a versar sobre reapreciação da matéria de facto bem como matéria de Direito (subsunção jurídica, dosimetria penal e cível), não pretende o recorrente colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de “manifestação de posição contrária”, traduzido no direito de recorrer [art. 61º n.º 1 i) CPP e n.º 1 do art. 32º da CRP] atento o facto de se julgar que a douta decisão recorrida padece de diversos vícios que a inquinam decisivamente, com preterição da justiça devida ao caso concreto e majoração punitiva;
B. Verifica-se erro de julgamento ao nível dos pontos de facto julgados (erroneamente!) 14 (in fine!) e 15 (parcial), na medida em que não se verifica simbiose plena e perfeita entre os factos e as lesões com respaldo no douto relatório médico-legal pois a vítima CC apenas ostentava lesões no membro superior esquerdo, pelo que a conduta imputada no ponto de facto provado 14 (arrancar de um brinco da orelha) não ocorreu pois caso tivesse tido lugar obrigatoriamente teria provocado lesões, sendo que em tal relatório da perícia de avaliação de dano corporal em direito penal, realizado dois dias após os factos e portanto com memória fresca, pela vítima CC não foi igualmente relatado qualquer arrancar de brinco mas apenas dores e quimoses no ombro e braço esquerdos;
C. Objectivamente, dois dias depois dos factos, não ostentava quaisquer lesões em qualquer das orelhas, o que sempre seria incompatível com qualquer arrancar de brinco, sendo que ademais nada foi apreendido que isso indiciasse (desde logo o dito brinco, conforme auto de apreensão de fls 47) e do teor do auto de visionamento de imagens, de fls. 573 e ss dos autos, não se vislumbra tal actuação deveras ofensiva da orelha/integridade física da funcionária do estabelecimento comercial, dado que apenas aparece a mesma a ser agarrada e levada;
D. O ponto de facto dado por provado 15 não se mostra totalmente conforme às regras da experiência e da vida pois julga-se ser uma realidade que lesões provocadas na mesma pessoa e no mesmo circunstancialismo temporal tendem a evoluir de forma essencialmente homogénea sendo que in casu teríamos equimoses sendo umas arroxeadas e outras negras, pelo que se julga que não terão sido provocadas na mesma data e em violação do espectro Equimótico de Legrand du Saulle, podendo-se concluir que as lesões descritas no ponto de facto provado 15 e que ostentaram coloração negra não foram praticadas nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas na douta acusação pública, não podendo assim ser imputadas aos arguidos pois sendo os factos de 16 de Abril de 2022 e o exame médico-legal datado de 18 de Abril, ambas as datas de 2022, ou seja, 2 (dois) dias depois, teriam as dita equimoses de apresentar coloração arroxeada, o que se comprova face a duas delas mas não relativamente às outras;
E. Julga-se assim ser de alterar tais pontos da matéria de facto no seguinte sentido:
14. 14 - Acto contínuo, os arguidos, actuando sempre em comunhão de esforços e com vista a impedir CC de dali sair ou gritar por socorro, amarraram-lhe os pés e as mãos e selaram-lhe a boca com recurso a fita adesiva, da qual vinham já munidos.
15. 15 - Ainda como consequência direta e necessária desta parte da conduta dos arguidos, a ofendida CC sofreu, para além do mais, dores nas partes do corpo que foram atingidas e ainda as lesões que se encontram descritas no relatório de exame médico-legal que se encontra a fls. 301 e 302 dos autos, designadamente, no membro superior esquerdo: equimose de cor arroxeada e arredondada, medindo 4cm de diâmetro, na parte externa e superior do braço; 9 cm abaixo desta, outra equimose de cor arroxeada, de 8cm por 4cm;
F. Os arguidos nas declarações finais, prestadas com início pelas 15:23:04 (arguido AA) e 15:25:56 (arguido BB), apresentaram pedidos de desculpas e de perdão pelos factos, denotando e expressando arrependimento bem como preocupações pelo desfecho processual, em nome da família e situação em Portugal, tendo ainda o arguido BB prometido que tal não voltaria a suceder, conforme se comprova pelas passagens 00:30 a 02:38 (arguido AA) e 00:23 a 02:05 (arguido BB), ainda que com qualidade de som reduzida, devendo ser aditado um ponto à matéria de facto a denotar tal circunstancialismo, que não poderá ser considerado despiciendo nem irrelevante para boa decisão da causa:
Em audiência de julgamento ambos os arguidos expressaram pedidos de desculpas e perdão pelos factos, manifestando arrependimento e denotado preocupações com o desfecho processual e o futuro em Portugal, tendo ainda o arguido AA prometido que não voltaria a suceder.
G. O Tribunal a quo não valorou na devida conta e decisivamente dois aspectos que são deveras essenciais para a boa decisão da causa, prendendo-se com o facto de nenhuma apropriação de objectos ter tido lugar, não tendo havido assim qualquer prejuízo patrimonial para a lesada, tendo-se a actuação ilícita dos arguidos, no que a tal intuito de apropriação concerne, limitado à sua prévia introdução nas mochilas e saco que levavam mas com posterior despejo dos bens no mesmo local (facto provado 26) e relativamente à violência levada a cabo contra a funcionária CC foi a mesma voluntariamente cessada e abandonada pelos arguidos, os quais a levantarem do chão e desamarraram, permitindo que a mesma dali saísse pelo seu próprio pé e em segurança, como dado por provado nos pontos de facto 27 e 28, tendo-se ainda rendido incondicionalmente e sem oferecer qualquer resistência, como dado por provado no ponto de facto 29;
H. Perante o quadro global de actuação ilícita dos arguidos, salvo o devido respeito por opinião contrária, teremos que o mesmo consubstancia uma tentativa de furto, ainda que qualificado, com a prática consumada de sequestro da vítima mas teria de ser sempre valorada a desistência de prática do(s) crime(s), nos termos do art. 24º n.º 1 CP pois tendo-se os arguidos rendido incondicionalmente e sem resistência, tendo despejado/devolvido previamente os bens no estabelecimento comercial e saído sem eles bem como libertado a funcionária, há margem e campo de actuação para a figura da desistência;
I. Devem os arguidos ser punidos unicamente pelo crime de sequestro, ainda que eventualmente atenuado especialmente por força do seu comportamento dado por provado nos pontos de facto 27 e 28 (levantar, desamarrar e libertar a vítima, permitindo a sua saída em paz), à imagem do que sucede com o crime de rapto (art. 161º n.º 3 CP) e sendo absolvidos da tentativa de roubo por força da desistência;
J. É inconstitucional, por violação das garantias de defesa e dos princípios da (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso o entendimento e dimensão normativa do art. 210º n.º 2 conjugado com o art. 23º, ambas as normas CP, no sentido de “Mostra-se conforme à Constituição da República Portuguesa e aos princípios inerentes a um direito penal que se queira justo a condenação pela prática do crime de roubo agravado na forma tentada, sem aplicação do instituto da desistência plasmado no art. 24º CP, não obstante tenha havido prévio despejo/devolução dos bens, libertação da funcionária do estabelecimento que havia sido vítima de sequestro e saída dos agentes do crime, sem qualquer bem na sua posse, e a consubstanciar claro sinal de rendição incondicional e pacífica”;
K. A construção dogmática do crime de roubo agravado, plasmada no art. 210º n.º 2 CP, e consagração da pena fixada ofende os princípios da culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso bem como coloca em causa a construção punitiva e coerência face aos demais crimes dado que sendo o roubo grosso modo um furto com violência se olharmos para o arts. 203º e 204º CP teremos que o furto simples é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias, o furto qualificado de grau I é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias e o furto qualificado de grau II é punido com pena de prisão de dois a oito anos, verificando-se uma diferença significativa entre a construção dogmática da punição do roubo face ao furto pois este tem três estádios de punição e aquele apenas dois;
L. Afigura-se ilícito e não conforme à Constituição da República Portuguesa o tratamento semelhante conferido ao roubo em caso de verificação dos pressupostos do furto qualificado, independentemente de serem os relativos ao grau I ou grau II pois independentemente de o facto qualificativo ser atinente ao do furto qualificado de menor ou de maior escalas a punição no roubo é sempre a mesma, representando face ao crime qualificado de grau I uma majoração do limite máximo em dez anos (de 5 para 15!), não havendo paralelo nem justificação para tal dado que a tratar-se de crime de furto com violência teremos dois crimes em que sempre deveriam funcionar uma atenuação por força das regras do concurso, que notoriamente consagram factor de compressão, que não de expansão majorativa;
M. In casu, a serem os arguidos punidos pelo crime de furto tentado, ainda que relativo ao n.º 2 do art. 204º CP, punida a consumação com pena de prisão de dois a oito anos e sendo a tentativa punível com pena de prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses [art. 73º n.º 1 a) e b) CP)], em concurso real com o crime de sequestro, punido com pena de prisão até três anos ou multa, nos termos do art. 158º n.º 1 CP (e é esta a incriminação vertida

na douta acusação, ainda que em concurso aparente!), nunca atingiria uma pena máxima de 10 anos pois em termos abstractos sempre a soma das duas penas mais altas se cifraria em 8 anos e quatro meses, ou seja, menos 20 meses mas ao invés, por força da construção dogmática do crime de roubo, como bem referiu o Tribunal a quo a fls. 27 da douta decisão recorrida in casu o crime de roubo agravado, na forma tentada, é punido com pena de prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos;
N. Temos assim que as regras do concurso aparente são deveras punitivas para os arguidos, mostrando-se a punição e construção do crime de roubo agravado deveras inconstitucional e violadora das garantias de defesa bem como dos princípios da (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, conferindo tratamento igual a algo que é substancialmente diferente, não podendo a agravação do roubo com base nos exemplos padrão do n.º 1 do art. 204º CP ter tratamento semelhante, em termos de punição e moldura penal, à agravação com base nos exemplos padrão do n.º 2 de tal norma legal;
O. Tem-se por inconstitucional, por violação das garantias de defesa e dos princípios da (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso o entendimento e dimensão normativa do art. 210º n.º 2 CP quando interpretado no sentido de “Mostra-se conforme à Constituição da República Portuguesa e aos princípios inerentes a um direito penal que se queira justo o facto de a agravação do roubo com base nos exemplos padrão do n.º 1 do art. 204º CP ter tratamento semelhante, em termos de punição e moldura penal, face à agravação com base nos exemplos padrão do n.º 2 de tal norma legal, havendo assim apenas um único estádio de agravação e não dois como sucede com o furto qualificado”;
P. Tem-se por inconstitucional, por violação das garantias de defesa e dos princípios da (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso o entendimento e dimensão normativa do art. 210º n.º 2 CP quando interpretado no sentido de “Mostra-se conforme à Constituição da República Portuguesa e aos princípios inerentes a um direito penal que se queira justo o facto de a punição do crime de roubo agravado em concurso aparente com o crime de sequestro representar punição deveras majorada face àquela que resultaria da punição em concurso real dos crimes de furto qualificado e do tal crime de violência associado (sequestro);
Q. Não existem razões para a qualificação do crime em função do art. 204º n.º 1 f) CP pois dos factos dados provados não se poderá dizer que os arguidos tenham entrado no estabelecimento de forma ilegítima, ilícita ou aí tenham permanecido escondidos com intenção de furtar, dado que o fizeram à vista, desde logo da funcionária, e entraram de forma normal, tendo a entrada inicial sido feita de forma normal e sem qualquer ilicitude, como se qualquer cliente fosse, não podendo sequer a questão colocar-se na alegada entrada e permanência na dita zona reservada pois não se mostra dado por provado que quaisquer portas em tal interior estivessem fechadas e tivessem de ser ou tenham sido ilicitamente abertas, inexistindo matéria de facto suficiente para o preenchimento de tal qualificação, devendo os arguidos ser absolvidos da mesma, restando apenas a eventual qualificação da alínea a) do n.º 2 do art. 204º CP;
R. A qualificação do roubo em nome do alegado valor/vantagem patrimonial ser superior a 200 unidades de conta, nos termos da alínea a) do n.º 2 CP do art. 204º CP, não é legítima pois nem todos os exemplos-padrão poderão ter funcionamento em sede de crimes meramente tentados (e não consumados!) sendo este precisamente um desses exemplos pois acabando por não haver em concreto qualquer dano patrimonial consumado, deixa de fazer sentido fazer depender uma punição majorada e suplementar face a algo que verdadeira e objectivamente inexistiu mostrando-se para além da culpa e das exigências de prevenção a punição majorada unicamente face a um dano potencial e eventual que não teve lugar nem se traduziu objectiva e negativamente na esfera da lesada e sendo bastante, proporcional e adequada a punição a título de roubo simples pois o mesmo já abarca a violência levada a cabo sobre a vítima, sem atender a conjecturas não concretizadas;
S. Julga-se inconstitucional, por violação das garantias de defesa e dos princípios da (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso o entendimento e dimensão normativa do art. 210º n.º 2 CP conjugado com a alínea a) do n.º 2 do art. 204º CP quando interpretado no sentido de “Mostra-se conforme à Constituição da República Portuguesa e aos princípios inerentes a um direito penal que se queira justo a agravação do crime de roubo em nome do valor consideravelmente elevado sempre e quando em concreto se trate de mera tentativa e nenhum bem tenha sido subtraído à lesada”;
T. Olhada a douta decisão proferida constata-se que se mostram os recorrentes condenados em pena que não se deixa de reputar como excessiva, face ao circunstancialismo único daquilo que se poderá designar por um processo único e contínuo de resolução criminosa ocorrida durante a tarde de um único dia pois acabam os recorrentes, sem terem ficado com qualquer bem na sua posse, por serem punidos com a pena que seria aplicável a quem efectivamente tivesse praticado um roubo agravado e na forma consumada, sendo-lhes fixada uma pena incomensuravelmente superior à que resultaria da punição em concurso real do furto qualificado tentado com o sequestro consumado, face ao qual beneficiariam ainda das regras e factor de compressão do concurso!
U. A serem os arguidos punidos pelo crime de furto tentado, ainda que relativo ao n.º 2 do art. 204º CP, punida a consumação com pena de prisão de dois a oito anos e sendo a tentativa punível com pena de prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses [art. 73º n.º 1 a) e b) CP)] em concurso real com o crime de sequestro, punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, nos termos do art. 158º n.º 1 CP (e é esta a incriminação vertida na douta acusação, ainda que em concurso aparente!), nunca atingiria uma pena máxima de 10 anos pois em termos abstractos sempre a soma das duas penas mais altas se cifraria em 8 anos e quatro meses, ou seja, menos 20 meses!
V. In casu trata-se de um roubo atípico (que não no sentido jurídico do termo!) pois que em momento algum foi utilizada ou exibida qualquer arma, o que atenua também a ilicitude, os danos na vítima bem como as exigências de prevenção e têm-se sérias dúvidas de que caso os arguidos fossem portugueses acabassem sujeitos a semelhante tratamento, não deixando de invocar violação do princípio da igualdade entendido como tratar de forma igual o semelhante e de forma desigual o não semelhante, observando todavia a medida da diferença pois temos dois arguidos sem qualquer antecedente criminal, sem demais processos pendentes conforme consulta existente nos autos, de 25-XI-2022 e que perante a chegada da Polícia se renderam incondicionalmente tendo previamente despejado o conteúdo do que se aprestavam para levar consigo, não tendo levado a cabo qualquer demais ilicitude e tendo ainda antes soltado a funcionária do estabelecimento comercial;
W. O quadro geral de actuação não permite efectuar um juízo de censura punitiva como aquele que se mostra fixado in casu, pois a pena aplicada poderia ser ela própria de um crime consumado e olhado todo o circunstancialismo conjugado também com os factos provados supra referidos constata-se que há manifesta desproporcionalidade, sendo o conjunto sancionatório deveras punitivo e pesado/majorado, não se vislumbrando total assertividade à justificação traçada pelo Tribunal a quo, a fls. 27 e 28 da douta decisão recorrida, no sentido da forma “profissional” de actuação com desvio de câmaras, pois isso apenas se verificou após a chegada da Polícia (caso contrário as imagens não seriam tão nítidas!) e apenas se mostra alusão a tal realidade no ponto de facto 24 (após a maioria dos factos!) sendo ainda visível do auto de visionamento de imagens de fls. 573 e ss que apenas calçam luvas minutos depois da entrada e depois de terem agarrado a vítima CC, não se vislumbrando que tenha existido tal profissionalismo que mereça majoração e censura agravada ao nível da dosimetria penal;
X. Também não poderá ser justificada uma majoração punitiva em nome de desvalor de resultado elevado pelas lesões provocadas na vítima pois nem as mesmas foram assim tão significativas como ainda estamos perante um ripo de crime de roubo, o qual já tem na sua essência e matriz a violência, não podendo assim haver dupla valoração, importando valorar a favor dos arguidos a desistência, com desamarrar e libertação da funcionária bem como abstenção de qualquer demais conduta ilícita, despejando os bens que se aprestavam para subtrair;
Y. In casu, em jeito de resumo e por referência aos recorrentes, numa visão global de conjunto está em causa: I) factualidade e circunstancialismo cometido e radicado no mesmo contexto; II) num curto lapso temporal (menos de três horas, com ilicitude ainda de menor duração); III) subjacente à mesma e única resolução criminosa; IV) sem utilização ou exibição de qualquer arma, de fogo, branca ou outra ou danos provocados no estabelecimento, não tendo havido quebra de montras, arrombamento de portas, estroncar de fechaduras ou danos em outros bens; V) sem ilicitude deveras gravosa ou com consequências permanentes, pois acabou por não ser consumado qualquer roubo, com inexistência de danos ao património/propriedade, e as lesões provocadas na vítima não tiveram consequências permanentes ou deveras significativas nem revelaram qualquer incapacidade laboral ou profissional, traduzindo-se apenas em 21 (vinte e um) dias para atingir a cura, todos sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional; VI) factualidade cometida por arguidos sem antecedentes criminais ou demais processos pendentes (pesquisa nos autos, datada de 25-XI-2022); VII) que se mostram minimamente inseridos do ponto de vista social e familiar, pese embora as limitações e contingências associadas de quem foi recrutado para guerra e dela teve de fugir, como sucedeu com ambos os arguidos, tendo ademais
o recorrente AA, o qual é licenciado em economia, visto o seu pai falecer já após a detenção (facto 34, a fls. 12 supra) e o BB ter sido ferido em combate e sofrido queimaduras de 3º grau (facto 35, a fls. 14 supra); VIII) que levaram a cabo actos de arrependimento e colocação de terminus à ilicitude, nomeadamente voltando a despejar os bens no local e libertando a funcionária; IX) revelando o recorrente AA, quando instado a pronunciar-se em geral sobre comportamentos que configuram crimes de teor e conteúdo abstrato semelhante, identificação da ilicitude de factos da mesma natureza e expressa crítica proporcional aos eventos em análise (facto 34) e o recorrente BB expressou juízo de censura e consciência da sua ilicitude e desadequação ao cumprimento das normas e dos valores sociais vigentes, compreendendo assim, a necessidade de atuação do aparelho da Justiça e apresenta postura, relativamente à tipologia criminal em causa, que é assertiva, condizente com as normativas legais e comuns regras sociais vigentes (facto 35); X) que se encontram adaptados, com postura normativa e colaborantes com as regras institucionais a que se encontram sujeitos, em sede de prisão preventiva, integrados numa turma de aprendizagem da língua portuguesa (factos 34 e 35); e XI) em audiência de julgamento ambos os arguidos expressaram pedidos de desculpas e perdão pelos factos, manifestando arrependimento e denotado preocupações com o desfecho processual e o futuro em Portugal, tendo ainda o arguido AA prometido que não voltaria a suceder, pelo que tal circunstancialismo globalmente considerado atenuará substan-cialmente a culpa bem como as exigências de prevenção quer geral quer especial;
Z. Como bem refere o Tribunal a quo, a fls. 27 do douto acórdão condenatório, “o crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, e 210º, n.º 1 e nº2, do Código Penal, é punido com pena de prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos” julgando-se que a pena de prisão efectiva de quatro anos é manifestamente desproporcionada e defendendo-se a aplicação de pena não superior a 16 meses de prisão sendo tal pena de um ano e quatro meses de prisão já deveras gravosa a permitir punir tais factos e ilicitude em termos satisfatórios e adequados, em conformidade às exigências de prevenção pois em boa verdade é mais do dobro do limite mínimo legal;
AA. E se tal conduta não desculpa nem permite ter por excluída a responsabilidade penal e a ilicitude sempre acaba por se mostrar mitigada com a sua postura no final dos factos, de libertação da funcionária, despejo/devolução dos bens e rendição, ausência de antecedentes criminais bem como inexistência de qualquer efectivo prejuízo patrimonial para a lesada e inexistência de consequências permanentes ou de dimensão deveras significativas para a vítima (pessoa singular), não ficando as exigências de prevenção ofendidas com tal atenuação da pena, sendo manifesta a violação dos princípios da culpa, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso;
BB. O Tribunal a quo não suspendeu a pena de prisão nos seguintes termos, que constam a fls. 30 da douta decisão recorrida julgando-se possível olhar tal circunstancialismo e a realidade a uma contra-luz, que tenha por base o circunstancialismo global dos factos e da actuação dos arguidos pois o facto de não terem emprego/actividade profissional remunerada ou residência fixa tem relevo mas não pode valer só por si, ao arrepio de tudo o mais dado que o Tribunal a quo não valora o facto de a detenção, submissão a julgamento e condenação conjugada com o cumprimento de reclusão (ainda que prisão preventiva!) à ordem dos presentes autos já constituir um lenitivo bastante para a não prática futura de factos da mesma natureza, sendo ambos os arguidos primários e não revelam défice de consciencialização crítica sobre o desvalor de condutas semelhantes, adoptando comportamento ajustado em sede de prisão preventiva, denotando personalidade não contrária ao cumprimento normativo pelo que serão credores de um oportunidade como se julga que seria concedido a qualquer cidadão nacional que cometesse tais crimes, não podendo ser prejudicados por serem cidadãos estrangeiros;
CC. In casu, em jeito de resumo, dir-se-á que numa visão global de conjunto está em causa: I) factualidade e circunstancialismo cometido e radicado no mesmo contexto; II) num curto lapso temporal (menos de três horas, com ilicitude ainda de menor duração); III) subjacente à mesma e única resolução criminosa; IV) sem utilização ou exibição de qualquer arma, de fogo, branca ou outra ou danos provocados no estabelecimento, não tendo havido quebra de montras, arrombamento de portas, estroncar de fechaduras ou danos em outros bens; V) sem ilicitude deveras gravosa ou com consequências permanentes, pois acabou por não ser consumado qualquer roubo, com inexistência de danos ao património/propriedade, e as lesões provocadas na vítima não tiveram consequências permanentes ou deveras significativas nem revelaram qualquer incapacidade laboral ou profissional, traduzindo-se apenas em 21 (vinte e um) dias para atingir a cura, todos sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional; VI) factualidade cometida por arguidos sem antecedentes criminais ou demais processos pendentes (pesquisa nos autos, datada de 25-XI-2022); VII) que se mostram minimamente inseridos do ponto de vista social e familiar, pese embora as limitações e contingências associadas de quem foi recrutado para guerra e dela teve de fugir, como sucedeu com ambos os arguidos, tendo ademais o recorrente AA, o qual é licenciado em economia, visto o seu pai falecer já após a detenção (facto 34, a fls. 12 supra) e o BB ter sido ferido em combate e sofrido queimaduras de 3º grau (facto 35, a fls. 14 supra); VIII) que levaram a cabo actos de arrependimento e colocação de terminus à ilicitude, nomeadamente voltando a despejar os bens no local e libertando a funcionária; IX) revelando o recorrente AA, quando instado a pronunciar-se em geral sobre comportamentos que configuram crimes de teor e conteúdo abstrato semelhante, identificação da ilicitude de factos da mesma natureza e expressa crítica proporcional aos eventos em análise (facto 34) e o recorrente BB expressou juízo de censura e consciência da sua ilicitude e desadequação ao cumprimento das normas e dos valores sociais vigentes, compreendendo assim, a necessidade de atuação do aparelho da Justiça e apresenta postura, relativamente à tipologia criminal em causa, que é assertiva, condizente com as normativas legais e comuns regras sociais vigentes (facto 35); X) que se encontram adaptados, com postura normativa e colaborantes com as regras institucionais a que se encontram sujeitos, em sede de prisão preventiva, integrados numa turma de aprendizagem da língua portuguesa (factos 34 e 35); e XI) em audiência de julgamento ambos os arguidos expressaram pedidos de desculpas e perdão pelos factos, manifestando arrependimento e denotado preocupações com o desfecho processual e o futuro em Portugal, tendo ainda o arguido AA prometido que não voltaria a suceder pelo que tal circunstancialismo globalmente considerado atenuará substancialmente a culpa bem como as exigências de prevenção quer geral quer especial;
DD. Todos os preceitos constitucionais integram normas que fornecem os parâmetros de interpretação recta do Direito que lhe está infra ordenado, devendo assim lançar-se mão do princípio da interpretação conforme a Constituição da República Portuguesa, não sendo a progressividade mais do que a densificação do conceito de justiça proveniente da igualdade material, princípio base de todo o Direito, pressupondo um conceito de democraticidade (a lei penal é igual para todos!) e sendo essa a essência do princípio da igualdade que não consiste em tratar tudo por igual sob pena de, por paradoxal que pareça, gerar manifesta e clara desigualdade, mas sim em tratar de forma igual o igual e de forma diferenciada o desigual pelo que temos por violados os princípios da igualdade, proporcionalidade bem como do carácter de ultima ratio do Direito prisional que assim se verá convocado, para efeitos de execução de uma pena de prisão, quando a danosidade material se mostra in casu diminuta e a “justiça restauradora” uma realidade ao alcance do decurso do tempo e da suspensão da sua execução associada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta/injunções por parte dos condenados por forma a poder efectuar o pagamento em termos ressarcitórios à sociedade e à ofendida;
EE.O Direito penal prisional só deve intervir quando a tutela conferida pelos outros ramos do ordenamento jurídico não for suficientemente eficaz para acautelar a manutenção desses bens considerados vitais ou fundamentais à existência do próprio Estado e da sociedade, importando conjugar um outro princípio fundamental - o da proporcionalidade - a significar a exigência de razoabilidade na proporção da necessidade de tutelar um bem fundamental, sendo certo que tal intervenção, por força da sanção jurídica que lhe é característica, colide com o direito de liberdade que é um direito fundamental do cidadão, defendendo-se que os factos, tal qual se mostram na sua essência, desacompanhados de efectiva prova de particulares exigências ao nível do alarme social ou indignação da sociedade, pela não consumação do crime de roubo, detenção, cumprimento de prisão preventiva, submissão a julgamento e condenação não justificam a convocação do Direito prisional, tendo ainda faltado ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre em que medida o cumprimento efectivo de pena de prisão se revela a única via possível para salvaguardar as finalidades das penas;
FF.A não execução de prisão efectiva nunca significaria absolvição ou a dispensa de pena tout court, sendo sabido e notório que a libertação vai para além da simples fisicidade, sendo também libertação espiritual de todas as amarras inerentes à privação da liberdade pelo que a condicionalidade da suspensão, mitigada com a imposição (até mesmo reforçada!) de deveres e regras de conduta ou de regime de prova, se mostra suficiente a assegurar as finalidades da punição: a prevenção e a reintegração do agente na sociedade dado que a simples exigência acrescida em termos de censura de revogação e ameaça de efectiva execução da pena de prisão, com o estigma associado, realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mostrando-se os arguidos já interiorizados do desvalor da sua conduta e necessariamente empenhados em tornar a sociedade contrafacticamente de novo acreditada nos valores da justiça e bens jurídicos violados;
GG. E é também por pretender demonstrar tais aptidões que ora, humildemente, peticionam a especial atenção de V/ Exas. para a sua situação, certo de que não desiludirão a confiança a depositar pois tal contexto prisional não lhes será favorável nem propício à sua ressocialização, entendendo-se que se não mostram claramente preenchidos os pressupostos que se entende que devem sempre presidir a uma decisão de fixação de prisão efectiva e requerendo-se aos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto o provimento ao presente recurso, devendo a douta decisão ser substituída por outra que opte pela suspensão da execução da prisão pois que a efectividade desta é manifestamente excessiva, desumana e não ética dado que nos termos do art. 27º n.º 1 da CRP, bem como da consagração legislativa em inúmeros textos internacionais básicos, de direito internacional e comunitário (cite-se a título de exemplo o art. 9º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos bem como o art. 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), “todos têm direito à liberdade” e o acórdão n.º 607/03 do TC fala em “exigência ôntica” e Gomes Canotilho e Vital Moreira referem--se a ela como um “pré-dado”, acompanhando-se o facto da liberdade constituir a “pedra angular do edifício social”, tal como foi definida no acórdão do TC n.º 1166/96;
HH. A liberdade vinculada ao cumprimento de injunções/regras de conduta decorrentes da suspensão da execução da pena de prisão não fará dos arguidos necessariamente felizes mas será indiscutivelmente factor de humanização e consagração do ser humano pelo que a efectividade da prisão te, de ser sempre ponderada, tendo por base um juízo de culpa dos arguidos e fazendo um juízo de nefasticidade sobre os efeitos criminógenos associados à cultura prisional sobre a evolução futura da pessoalidade dos arguidos, aquilatando da especial censurabilidade que justifique tal tratamento, requerendo-se, quer do ponto de vista jurídico quer sobretudo humanista, a V/ Exas. a procedência do presente recurso e a substituição do decidido por algo diferente e que, no limite, proceda a alteração do modus de cumprimento da pena/forma alternativa e que satisfaça as exigências de prevenção, seja pela substituição pela prestação de trabalho a favor da comunidade ou cumprimento nalguma associação humanitária ou habitação com recurso a vigilância eletrónica (em caso de pena única fixada até dois anos de prisão) ou, no limite, suspensão assente em rigorosíssimo regime de prova bem como justa indemnização de prejuízos causados à ofendida;
II. O Tribunal a quo fundamenta a condenação cível no art. 82º-A CPC tratando-se de manifesto lapsus calami pois será do CPP [de igual forma já antes havia denominado a ofendida de Cristina (factos provados 22 e 23) quando será CC] e tal norma legal refere que o Tribunal pode arbitrar a indemnização “quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”, sendo que do teor do n.º2 do art. 16º da Lei 130/2015 ressalta a indemnização a favor de “vítimas especialmente vulneráveis” pelo que tais particulares exigências de protecção ou vulnerabilidade teriam de constar da matéria de facto, a qual é totalmente omissa a esse aspecto sendo que tão-pouco ressalta de tal matéria de facto que a ofendida tenha tido o estatuto de vítima, o que se desconhece mas não decorre das suas inquirições na Polícia Judiciária;
JJ. Foi a mesma notificada da douta acusação bem como para, querendo, deduzir pedido de indemnização civil, mediante notificação datada de 13-X-2022 e referência 123904023, e o certo é que nada fez ou disse tendo sido tal notificação efectuada na qualidade de “Ofendido”, que não do sentido técnico-jurídico legislativo de vítima!
KK. O Tribunal a quo fundamenta tal atribuição “face às lesões que sofreu” mas trata-se de um roubo atípico (que não no sentido jurídico do termo!) pois que em momento algum foi utilizada ou exibida qualquer arma, o que atenua também a ilicitude, os danos na vítima bem como as exigências de prevenção tendo a vítima sofrido apenas lesões que determinaram 21 dias para a cura mas sem qualquer incapacidade laboral, conforme dado por provado nos pontos provados 15 (ainda que face a este se tenha peticionado supra a alteração!) e 16, com lesões apenas no membro superior esquerdo, pelo que da demais conduta imputada aos arguidos não resultaram lesões tendo estes tido minimamente cuidado de não ofender a saúde nem integridade física da vítima!
LL. Não se vislumbra assim fundamento para a aplicação do art. 82º-A CPP, devendo os arguidos ser absolvidos de tal indemnização, inexistindo matéria de facto e base jurídica para tal condenação dos recorrentes, tendo o Tribunal a quo incorrido em manifesto erro notório sendo que, a assim não se entender, no limite mostra-se a quantia fixada como majorada e sem respaldo na matéria de facto dada por prova, devendo ser atenuada para no limite 1/5 (€ 1.000,00), e constituir o seu pagamento condição de suspensão da pena de prisão;
MM. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, o entendimento e dimensão normativa dos arts. 82º-A CPP e 16º n.º 2 da Lei 130/2015 quando interpretados no sentido de “É de fixar oficiosamente pelo Tribunal a indemnização a favor de quem não tenha estatuto de vítima conferido nos autos e tenha sido previamente notificado para deduzir pedido de indemnização cível, na qualidade de ofendido e não o tenha feito”;
NN. É inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, o entendimento e dimensão normativa dos arts. 82º-A CPP e 16º n.º 2 da Lei 130/2015 quando interpretados no sentido de “É de fixar oficiosamente pelo Tribunal a indemnização a favor de vítima sem que conste da matéria de facto julgada provada quaisquer dados, elementos ou factos que atestem a especial vulnerabilidade da mesma e as lesões sofridas não co-envolvam qualquer afectação da capacidade de trabalho geral e profissional”;
OO. Normas jurídicas violadas: maxime arts. 24º, 29º, 50º n.os 1 e 2, 51º, 52º, 53º, 58º, 70º, 71º n.º 1 e 2 a) a f), 204º n.º 1 f) e 2 a) e 210º n.º 2 CP; arts. 82º-A e 410 n.º 2 CPP; arts. 483º n.º 1 CC; art. 412º CPC; art. 16º n.º 2 Lei 130/2015; arts. 1º, 2º, 12º n.º 1, 13º n.os 1 e 2, 18º, 27º n.º 1, 29º n.º 5, 32º n.os 1, 2 e 5, 202º n.os 1 e 2 e 205º n.º 1 CRP; Princípios violados e erroneamente aplicados: maxime da culpa, in dubio pro reo, da proibição da dupla valoração, ne bis in idem, da suficiência da fundamentação, da necessidade de fundamentação, da materialidade decisória, da interpretação jurídica, da preferência por pena não privativa da liberdade, da culpa, da legalidade, da igualdade, da não discriminação, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso bem como inerentes aos fins das penas e da necessidade da reparação em sede cível.
Terminam pedindo o provimento do recurso e atenuada a responsabilidade criminal assacada, com modificação do regime de cumprimento da pena e com absolvição da parte cível (ou no limite atenuação substancial!).
*
O recurso foi liminarmente admitido.
O MP junto da primeira instância respondeu ao recurso interposto pugnando pela sua improcedência, sumariando as seguintes conclusões:
1. Não se vislumbra qualquer erro de julgamento na matéria de facto impugnada pelos recorrentes.
2. O recurso com objecto em reapreciação da matéria de facto não se destina a um novo julgamento ou à postergação do princípio da livre convicção, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, consistindo apenas num “remédio” para os vícios de julgamento da primeira instância, onde existe a desejável oralidade e imediação na produção da prova que permite ao julgador avaliar mais correctamente da credibilidade das declarações prestadas pelos intervenientes processuais.
3. Tendo o Tribunal de Primeira instância beneficiado das fundamentais oralidade e imediação, subjacentes à audiência de discussão e julgamento, e sendo a convicção por aquele alcançada plausível e ainda consonante às regras da experiência comum, deverá ser dada prevalência à mesma.
4. Não pode, sob pena de violação do princípio da livre convicção do julgador, substituir-se o livre juízo apreciativo da prova formulado pela primeira instância pela interpretação e valoração pessoal dos recorrentes acerca da prova produzida.
5. Por outro lado, a prova pericial representa em processo penal um desvio ao princípio da livre apreciação da prova, tendo lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, cujo juízo médico-científico se encontra subtraído à livre apreciação do tribunal (nos termos do disposto nos artigos 151.º, 159.º e 163.º do Código de Processo Penal) e que os recorrentes também não cuidaram de afastar.
6. No caso em apreciação, nenhum reparo nos merece o processo de formação da convicção do Tribunal a quo, que sustentadamente não só alcançou uma solução lógica e razoável à luz das regras da experiência comum, como aliás é a única que se nos afigura coerente com as mesmas.
7. A convicção do Tribunal a quo para decisão dos factos e consequente condenação dos recorrentes baseou-se nos elementos de prova carreados para os autos, mais se tendo orientado pelas regras da lógica e da experiência da vida, evidenciando uma tomada de posição clara, inequívoca e coerente relativamente à prova produzida, cuja valoração lhe está livremente conferida;
8. pelo que, salvo melhor entendimento e ao contrário do sustentado pelos recorrentes, não nos merece o acórdão recorrido qualquer reparo em matéria de decisão de facto.
9. É igualmente inequívoco o preenchimento típico de todos os elementos do crime de roubo agravado na forma tentado praticado pelos arguidos, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, nº1, 202º, al. b), 210º, nº1 e 2, por referência ao disposto no artigo 204º, nº1, al. f), e nº2, al. a), do Código Penal;
10. bem tendo andado o Tribunal recorrido na subsunção jurídica efectuada e não tendo qualquer aplicabilidade in casu o artigo 24.º do Código Penal.
11. Pressuposto essencial para a relevância penal da desistência é que o “agente abandone voluntária e espontaneamente a execução do crime, isto é, omita a prática de mais actos de execução (desistência voluntária)”.
12. “A voluntariedade só se verifica quando o agente desiste de prosseguir na execução do crime de forma espontânea, isto é, quando desiste, não obstante poder prosseguir na execução daquele, pelo que a desistência após a constatação/verificação de que a situação ilícita se não pode produzir em virtude de factos estranhos ao agente, surgidos depois do início dos actos de execução, terá de considerar-se irrelevante”.
13. In casu a não consumação do crime de roubo agravado não resultou de qualquer atitude intrínseca ou voluntária dos recorrentes, qualquer revogação motu propriu dos seus intentos criminosos; tal foi causalidade directa da acção externa das autoridades policiais e do receio pela sua presença provocado nos recorrentes por ausência de qualquer outra alternativa de levarem avante tais intentos.
14. Ao contrário do alegado pelos recorrentes, não ocorreu assim qualquer desistência da tentativa por parte dos mesmos, mas a mera conformação com a constatação de que a consumação do crime de roubo que executavam já na estava à sua disposição.
15. Do mesmo modo, bem andou o Tribunal a quo na dosimetria das penas e subsequente fixação das penas de quatro anos de prisão aplicadas aos arguidos recorrentes, tendo procedido ao escrupuloso cumprimento dos princípios basilares que compõem todo o sistema de escolha e determinação da medida da pena e das finalidades da punição (e que encontram consagração legal nos artigos 40.º, 70.º, 71.º e 77.º do Código Penal);
16. Mais se tendo como justo, adequado e necessário o respectivo quantum sancionatório alcançado, não se vislumbrando fundamentos para a sua redução.
17. Não apenas todas as devidas circunstâncias foram devidamente sopesadas pelo tribunal de primeira instância no acórdão recorrido, como as finalidades subjacentes à punição reclamam in casu a exacta medida da pena aplicada.
18. Nos presentes autos, foram os recorrentes condenados nas penas de 4 anos de prisão dentro de uma moldura abstractamente aplicável entre um mínimo de 7 meses e 6 dias e um máximo de 10 anos de prisão, sendo certo que pese embora a desadequação e excesso reputados pelos arguidos, as penas nas quais vieram a ser condenados não chegando a ultrapassar a metade da moldura aplicável (e que, reitere-se, tinha como máximo os 10 anos de prisão).
19. A acrescer, ao contrário do sustentado pelos recorrentes, no caso presente é inadequada e insuficiente a eventual substituição da pena de prisão única aplicada por outra pena não privativa da liberdade.
20. Seria assim insuficiente, quer para as necessidades de ressocialização manifestadas pelos arguidos, quer para exigências mínimas de prevenção geral de integração e de reafirmação do ordenamento jurídico (que se fazem sentir com particular acuidade no âmbito da criminalidade violenta), a simples censura do facto e a ameaça da prisão ínsita numa eventual suspensão da execução da pena de prisão.
21. Desta feita, e sem necessidade de mais considerações além daquelas já doutamente expendidas no respectivo acórdão condenatório, afigura-se-nos adequada e suficiente às circunstâncias do caso concreto a condenação dos arguidos nas respectivas penas de prisão aplicada, reclamadas por um lado, pelas muitíssimo elevadas exigências de prevenção geral e, por outro, pelas exigências de prevenção especial ao nível da previsível reiteração da conduta delituosa.
22. Não foram assim violadas quaisquer das normas legais invocadas pelos recorrentes, nem incorre o acórdão recorrido em qualquer violação dos princípios da culpa, da proporcionalidade, da adequação ou da proibição do excesso, nem muito menos do princípio da igualdade, sendo absolutamente descabidas quaisquer considerações de discriminação em razão da nacionalidade dos mesmos.
23. Por tudo o exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, não deverá o recurso a que ora se responde merecer provimento, mais devendo o douto acórdão recorrido ser confirmado e integralmente mantido.»
*
O Exmo. PGA emitiu parecer onde pugna pela improcedência do recurso e de onde se respiga por pertinente o seguinte:
«(…)
…- Impugnação da matéria de facto e integração jurídico-penal dos factos dados como provados.
Evidentemente que assiste total razão à Digna procuradora da República em 1ª instância nos argumentos que apresenta a este propósito e obviamente que vão na linha do que foi devidamente fundamentado e avaliado pelo tribunal a quo.
Os arguidos no seu Recurso, porque não havia forma em termos de defesa de negarem/ ou contrariarem parte dos factos dados como provados, tentaram diminuir em termos de gravidade a dinâmica da sua actuação, sendo que o fizeram de modo totalmente falhado.
Em primeiro lugar, tentaram colocar em dúvida o modo como agrediram fisicamente a ofendida- rodeando-lhe numa primeira fase o pescoço com o braço de tal modo que a ofendida chegou a desmaiar e a estar inconsciente durante alguns instantes e ao colocaram-lhe fita adesiva na boca na altura em que a amarraram-, considerando que tal actuação não fez com que o brinco que a ofendida usava tivesse sido arrancado, circunstância que a ofendida descreve e que é completamente compatível com as regras da experiência comum perante a actuação acima descrita.
Também ao nível das consequências físicas das suas atuações, os arguidos tentam questionar as lesões sofridas pela ofendida, tecendo “teses cientificas” sobre as mesmas, ao arrepio das conclusões do INML, cujo teor só poderia ser contrariado, como é evidente, por outra perícia que tivesse sido requerida no momento próprio, ou através de pedido de esclarecimentos adicionais às mesmas, o que não foi feito.
Quanto ao enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados, deve-se dizer, desde logo, que os Recorrentes quiseram eles próprios criar uma nova tipicidade criminal, reformulando-a à luz das suas próprias conveniências e de acordo com máximas produzidas por pensadores que se debruçaram sobre os fenómenos humanos, cuja aplicabilidade aos critérios de legalidade andam necessariamente distantes.
Em primeiro lugar, e como muito bem se explica na Resposta do M.º P.º em 1ª instância, é muito claro o artigo 24.º do Código Penal ao falar da relevância criminal da desistência do propósito criminoso, pressupondo-se desde logo um comportamento voluntário por parte do agente da conduta criminosa, que não provenha, por contrariar essa decisão necessariamente livre e assumida, de factos alheios à sua vontade, e que no caso concreto levavam às suas detenções em flagrante delito e na posse de todos os objectos em ouro que já tinham com eles, com o valor aproximado de 20.000 euros.
Os arguidos ainda dentro do estabelecimento aperceberam-se da presença no exterior de carros da polícia, desviando nessa altura as câmaras de vigilância e tentando fugir de seguida, fuga que perceberam não ser viável, sendo que só nessa altura, e após telefonema a terceiro a quem chamavam chefe, se desapossaram dos objetos em ouro e desamarraram a ofendida. Alegar desistência do propósito criminoso nestas circunstâncias é no mínimo insólito.
Quanto à verificação das agravantes das alíneas f) do n.º1 do artigo 204.º e n.º2 a) do Código Penal, são mais uma vez as alegações de recurso, no mínimo, surpreendentes, tendo em conta que os arguidos entraram num espaço reservado da ourivesaria, arrastando a pessoa que estava à frente do estabelecimento para aquele local, sendo irrelevante obviamente que as portas de acesso estivessem fechadas, até porque, caso assim acontecesse, então a alínea preenchida era a alínea e) do n.º2 do artigo 204.º do Código Penal.
Nestas alíneas (f) do n.º 1 e e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal, que agravam o Furto/ e por remissão o Roubo, protegem-se os espaços não acessíveis ao publico, ou a quem não tenha autorização para aí entrar, sendo esse o meio ilícito escolhido para a concretização do acto de subtracção de coisa alheia, o que agrava a culpa manifestada na conduta.
O mesmo se passa com o valor dos objetos que os recorrentes pretendiam subtrair e que no caso da tentativa se afere pelo propósito criminoso revelado pelos actos de execução praticados, tendo-se tornado evidente que os Recorrentes pretenderam tirar o maior número de objectos possíveis em ouro e de maior valor, pelo que foi essa a conduta típica pretendida e projectada e à qual obviamente a tentativa se reporta.
Também é totalmente anacrónica a comparação feita entre o furto qualificado e o roubo qualificado, sendo que embora estejam ambos integrados no capitulo dos crimes contra a propriedade, no crime de Roubo está em causa a protecção de bens jurídicos patrimoniais e pessoais- a propriedade e a integridade física, vida e liberdade pessoal das pessoas ofendidas do crime- o que necessariamente implicou para o legislador a previsão de uma moldura abstrata de pena superior para o crime de Roubo.
A violência prevista no tipo legal como modo de execução do crime de Roubo, ou seja, a violência usada como meio de execução do acto de subtracção, desapossando-se ou impossibilitando-se o legitimo proprietário da coisa ou animal de impedir esse desapossamento, tornam o crime de Roubo mais gravemente punido que o crime de Furto.
Medida da pena de prisão aplicada aos arguidos e sua suspensão.
Também neste ponto a improcedência do recurso interposto pelos arguidos é manifesta. Utilizando-se argumentos “demagógicos” sobre a nacionalidade dos arguidos, os Recorrentes não apresentam, em concreto, razões que demonstrem a irrazoabilidade da pena de prisão concreta aplicada e as razões apresentadas pelo tribunal a quo quanto à inexistência de prognose favorável relativamente à possibilidade da suspensão da execução da pena de 4 anos de prisão aplicada aos Recorrentes.
Apesar de não serem conhecidos antecedentes criminais aos arguidos em Portugal, a conduta criminosa praticada por ambos em co-autoria foi de elevada gravidade ao nível da ilicitude, atento o modo de execução e suas consequências, ao nível da culpa manifestada na prática criminosa e considerando que os arguidos mostraram actuar com um plano detalhado de execução e com o objetivo claro de se apoderarem de grandes valores em peças de ourivesaria.
As razões de prevenção geral são também muito elevadas, considerando o elevado sentimento de insegurança provocado por este tipo de assaltos, quer para quem trabalha em estabelecimentos comerciais abertos ao público, como para os possíveis clientes desses estabelecimentos.
Por outro lado, os arguidos apenas admitiram os factos que perceberam não poderem negar e tentaram diminuir-lhe a sua gravidade, o que denota fraca ressonância ao nível da interiorização da censurabilidade das suas condutas e que se reflecte em termos de prevenção especial na necessidade de cumprimento efectivo da pena de prisão como modo de afastamento dos Recorrentes no futuro da prática de crimes da mesma natureza.» [fim de citação]
**
Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo sido oferecida resposta onde os recorrentes voltaram a pugnar pela excessividade da pena e voltaram a renovar as concussões que sumariaram no seu recurso e concluíram, agora no que respeita à presente resposta, pelo entendimento que «pese embora as doutas considerações vertidas na douta resposta do Ministério Público de 1ª instância e douto parecer do Ministério Público junto do Tribunal ad quem, in casu, por as mesmas se não mostrarem totalmente conformes à normatividade jurídica aplicável bem como dissidentes face ao plasmado na Lei Fundamental, justifica-se outro e adequado tratamento fáctico-jurídico, sendo que não deixarão V/ Exas. de, como sempre, de forma justa fazer funcionar a aplicação do Direito em termos adequados e assim julgarem procedente o presente recurso
Colhidos os vistos e realizada a conferência cumprindo decidir.
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II - Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes das motivações apresentadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Impugnação da matéria de facto.
- Tentativa de roubo e desistência.
- Qualificação jurídica dos factos.
- Medida das penas de prisão.
- Suspensão das penas.
- Indemnização concedida ao abrigo do 82º A. do CP
- Inconstitucionalidades.
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2. Enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, tal como constam do acórdão sob recurso.
«(…)
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1.1 - A ofendida “A..., Lda”, pessoa coletiva com o NIPC ..., é uma sociedade comercial que tem por objeto o comércio a retalho de relógios e de artigos de ourivesaria, sendo que, à data dos factos que seguidamente se descreverão, tinha um estabelecimento comercial de venda ao público, denominado “A...”, sito na Avenida ..., na cidade de Aveiro.
2.2 - Naquela data e à imagem do que sucedia por norma, no interior da “A...” encontravam-se diversos artigos de joalharia e relojoaria, designadamente em ouro, prata, pedras preciosas e outros, os quais se encontravam, mais concretamente, nas montras, nos expositores existentes no interior da loja, nas malas de transporte utilizadas pelos vendedores e ainda num cofre existente no estabelecimento, totalizando um valor que, embora não concretamente apurado, seria não inferior a €1.000.000,00 (um milhão de euros).
3.3 - No dia 16 de abril de 2022, cerca das 15h00, os arguidos AA e BB, agindo em comunhão de esforços e na execução do entre ambos acordado, dirigiram-se para as imediações da referida “A...”, com o propósito de se introduzirem no respetivo interior e daí retirarem e fazerem seus os bens que viessem a encontrar e que lhes interessassem.
4.4 - Naquela altura, o atendimento ao público no referido estabelecimento “A...” estava a ser assegurado unicamente pela funcionária CC.
5.5 - Pese embora o estabelecimento comercial estivesse em horário de atendimento ao público, por razões de segurança a porta de acesso ao estabelecimento encontrava-se trancada, sendo que, sempre que um potencial cliente se aproximava da dita porta e tocava à campainha com o propósito de entrar, a funcionária procedia à abertura da mesma.
6.6 - Assim, no referido dia 16 de abril de 2022, cerca das 15h00, o arguido AA, na execução do previamente acordado com o arguido BB, abeirou-se da porta do estabelecimento e tocou à campainha, pelo que, pensando tratar-se de um normal cliente, a funcionária CC procedeu à abertura da porta e franqueou-lhe a entrada.
7.7 - Já no interior do estabelecimento e no âmbito do suposto atendimento comercial, a funcionária CC teve dificuldade em comunicar com o arguido AA, dado que o mesmo não falava nem aparentava compreender a língua portuguesa.
8.8 - Assim, o arguido AA apontou, primeiro para um relógio, depois para outro, dando a entender estar interessado na respetiva aquisição.
9.9 - Entretanto, o arguido BB entrou na loja.
10.10 - A fim de continuar a convencer a CC de que efectivamente estava interessado em adquirir um dos relógios, o arguido AA, através de gestos, deu a entender à referida funcionária que pretendia saber se dava para retirar e/ou colocar elos na bracelete, ao mesmo tempo que experimentava o relógio.
11.11 - Enquanto o arguido AA assim agia, o arguido BB movimentava-se dentro da loja, sendo que, a certa altura, aproximou-se de CC de modo a que a mesma ficasse posicionada entre ambos os arguidos, limitando-lhe o espaço para se movimentar.
12.12 - Nesse instante, o arguido AA agarrou CC pelas costas e colocou-lhe um braço à volta do pescoço, imobilizando-a, tendo a mesma, por consequência, desmaiado, permanecendo inconsciente durante um curto período de tempo.
13.13 - Então, o arguido AA, com a ajuda do arguido BB, arrastou a mesma CC para a parte mais reservada da loja, acessível apenas a sócios e funcionários, zona essa composta, entre outros espaços, pelo escritório e por uma casa de banho.
14.14 - Acto contínuo, os arguidos, actuando sempre em comunhão de esforços e com vista a impedir CC de dali sair ou gritar por socorro, amarraram-lhe os pés e as mãos e selaram-lhe a boca com recurso a fita adesiva, da qual vinham já munidos, sendo que, neste processo, arrancaram-lhe um brinco da orelha esquerda.
15.15 - Ainda como consequência direta e necessária desta parte da conduta dos arguidos, a ofendida CC sofreu, para além do mais, dores nas partes do corpo que foram atingidas e ainda as lesões que se encontram descritas no relatório de exame médico-legal que se encontra a fls. 301 e 302 dos autos, designadamente, no membro superior esquerdo: equimose de cor arroxeada e arredondada, medindo 4cm de diâmetro, na parte externa e superior do braço; 3cm abaixo desta, outra equimose de cor negra e arredondada, de 2cm de diâmetro; 6 cm abaixo desta, outra equimose de cor arroxeada, de 8cm por 4cm; e ainda equimose de cor negra e arredondada, com 3 cm de diâmetro, na parte externa do cotovelo.
16.16 - Tais lesões, demandaram à ofendida CC 21 (vinte e um) dias para atingir a cura, todos sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.
17.17 - Após assim terem imobilizado e silenciado a CC, os dois arguidos calçaram luvas, fecharam a porta de entrada do estabelecimento e desde logo abriram a mochila que traziam, com vista a acondicionarem os objetos de que pretendiam apossar-se.
18.18 - Seguidamente, os arguidos abriram cada uma de 6 (seis) malas de transporte utilizadas pelos vendedores da “A..., Lda”, que ali se encontravam depositadas, após o que abriram os tabuleiros que se encontravam no interior das ditas malas e que continham diversas peças em prata de lei, designadamente, fios, anéis, brincos e pulseiras, objetos esses que, embora em número e valor individual não concretamente apurados, tinham um valor total seguramente superior a €20.400,00 (vinte mil e quatrocentos euros).
19.19 - Após, o arguido AA vazou todo o conteúdo dos tabuleiros para o interior de um saco e das mochilas que tinham consigo.
20.20 - Na execução do plano criminoso que haviam delineado, os arguidos tentaram ainda, sem sucesso, abrir o cofre do estabelecimento, onde deduziram encontrar-se e efetivamente se encontravam outros bens e de maior valor, abertura essa que não lograram concretizar por motivos alheios à sua vontade.
21.21 - Acto contínuo, percorreram toda a área reservada do estabelecimento, sempre com o propósito de encontrar outros bens de elevado valor e facilmente transportáveis, o que também não lograram, por motivos alheios à sua vontade.
22.22 - Entretanto, DD, sócio-gerente da “A..., Lda”, dirigira-se para o local, onde chegou por volta das 15h30, com vista a prestar apoio à funcionária CC no exercício da atividade comercial.
23.23 - Surpreendido pela circunstância de a mesma CC não ter aberto a porta após, para tanto, ter tocado à campainha, e surpreendido, ainda, com o facto de ter avistado um relógio pousado em cima do balcão, DD, através do seu telemóvel, acedeu remotamente às imagens captadas pelo circuito de videovigilância do estabelecimento, tomando assim conhecimento do que estava a suceder, pelo que, de imediato, acionou o serviço de emergência 112, tendo a Polícia de Segurança Pública comparecido no local poucos minutos depois.
24.24 - Quando os agentes da PSP já se encontravam na parte exterior do estabelecimento, os arguidos, entretanto alertados pelo som das sirenes dos veículos policiais, de imediato rodaram as câmaras do sistema de videovigilância, de modo a que não continuassem a captar as imagens da sua atuação.
25.25 - De seguida, enquanto um dos arguidos se mantinha junto da CC, que permanecia na área reservada, o outro percorreu todo o piso superior do estabelecimento, com vista a encontrar uma saída alternativa para fugirem, o que não logrou alcançar, desde logo por inexistência da mesma.
26.26 - Ao aperceberem-se de que a PSP havia montado um perímetro de segurança em torno do estabelecimento e de que não iriam conseguir fugir, os arguidos, de imediato, despejaram pelo chão o conteúdo das mochilas e saco que tinham consigo.
27.27 - Enquanto assim agiam, o arguido BB efetuou várias chamadas telefónicas, apelidando o interlocutor de “chefe”, sendo que, após o último desses telefonemas, os arguidos levantaram a CC do chão e desamarraram-na, tendo, através de gestos e verbalizando a expressão “no pistolas”, instruído a mesma para que dissesse aos agentes policias que não tinham armas de fogo na sua posse.
28.28 - Indicaram, ainda, à mesma ofendida onde se encontrava o comando para abrir a porta, tendo a mesma dali saído, de imediato.
29.29 - Passados poucos minutos, cerca das 17h30, conscientes da impossibilidade de fugir, os arguidos saíram do estabelecimento “A...”, tendo sido de imediato detidos pelos agentes da Polícia de Segurança Pública que se encontravam no local.
30.30 - Com a supra descrita conduta, designadamente, ao manietarem a ofendida CC, amarrando a mesma nos pés e nas mãos e tapando-lhe a boca com fita adesiva, visaram os arguidos, como conseguiram, imobilizá-la e silenciá-la, com a finalidade de que a mesma ficasse incapaz de oferecer resistência e de pedir auxílio, tudo com o propósito de fazer seus todos os bens que viessem a encontrar no interior das instalações da ofendida “A..., Lda” e que conseguissem transportar, bem sabendo que tais bens não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade da sua legítima proprietária, resultado este que só não lograram atingir por razões alheias à sua vontade.
31.31 - Também sabiam, os arguidos, que parte do sobredito estabelecimento comercial, onde também se introduziram, era reservada apenas aos seus proprietários e funcionários e, portanto, não acessível ao público, razão essa pela qual não podiam ignorar que não estavam autorizados a ali se introduzir e que, fazendo-o, agiam, também aqui, contra a vontade da sua legítima proprietária.
32.32 - Os arguidos conheciam, ainda, as características do estabelecimento comercial “A...”, designadamente, a natureza, qualidade, previsível quantidade e valor dos bens que ali se encontravam expostos, guardados e armazenados, pelo que não podiam ignorar que tais bens poderiam ter, como efetivamente tinham, valor superior a € 1.000.000 (um milhão de euros).
33.33 - Os arguidos AA e BB agiram sempre de modo livre, voluntário e consciente, em comunhão de esforços e na execução de plano entre ambos delineado, bem sabendo que toda a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
34. Do relatório social de AA consta o seguinte:
“O presente relatório foi elaborado com base na seguinte metodologia e fontes de informação:
Entrevista ao arguido no Estabelecimento Prisional ... (EP ...);
Contacto com EE, Técnico Superior de Reeducação, no EP ...;
Articulação com Técnico da DGRSP responsável pela elaboração do relatório social referente ao coarguido BB;
Análise de dados recolhidos junto de Serviços da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), designadamente Serviços Clínicos e de Vigilância e Segurança do EP ...;
Encontrando-se a família a residir no país de origem do arguido, neste item, as fontes circunscrevem-se, exclusivamente, do próprio. Os dados respeitantes ao processo de desenvolvimento e contexto socioeconómico e cultural de origem foram transmitidos pelo arguido, com recurso à tradutora FF, previamente solicitada para o efeito.
I – Dados relevantes do processo de socialização
O arguido nasceu e cresceu em ..., na Ucrânia, no seio de um agregado familiar constituído pelos progenitores e três descendentes, sendo AA o segundo mais velho da fratria. A partir dos 10 anos de idade, e dado o falecimento das irmãs (em momentos distintos) por causas naturais (doença), foi assegurado, ao arguido, um relacionamento de contínua proximidade e de afeto por parte dos ascendentes.
O agregado familiar, de condição socioeconómica favorável, subsistia da atividade do pai como médico, sendo que a mãe, engenheira alimentar, mantinha funções como técnica alimentar (controlo) numa empresa sediada naquela cidade.
Com seis anos de idade, ingressou num estabelecimento de ensino em ... iniciando um percurso marcado por sucesso e aproveitamento escolar. Concluiu curso superior de economia na Universidade ..., licenciatura que realizou com êxito.
Durante a frequência do ensino superior, e de forma paralela, manteve-se laboralmente ativo numa empresa de produção de cereais, com entrega do produto agrícola junto de uma empresa de cerveja local. Já licenciado, foi progredindo nos quadros da empresa, chegando a ser responsável de produção, quer em ..., quer em regiões periféricas.
Com 20 anos de idade (2000), casou com uma jovem Ucraniana da mesma idade, colega de escola, nascendo, um ano mais tarde (2001), a filha do casal. Apesar da relação conjugal ser recordada como gratificante, mantiveram um período de separação e divorcio, oficializado em 2008, sendo que, um ano mais tarde, voltaram a encetar o relacionamento afetivo que se mantém, aparentemente, até à data.
Durante o período de separação conjugal, iniciou consumos de estupefacientes que rapidamente escalaram para consumos de cocaína e heroína injetável, sem recurso a acompanhamento médico regular. A recuperação conjugal manifestou-se positiva ao nível da saúde (física e psicológica), por consumos mais pontuais que, ainda assim, se foram mantendo até à sua detenção em meio prisional.
Manteve ocupação laboral e estabilidade familiar até ser chamado para combater no conflito de Donetsk, entre 2015-2017, momentos que recorda com stress e manifesto trauma.
Num pós-guerra, experienciou períodos de emigração na Polónia, Hungria e outros países da europa, na procura de melhores condições de vida, até à sua integração em Portugal.
II - Condições sociais e pessoais
À data dos factos, o arguido encontrava-se, há cerca de um mês, em Portugal, integração justificada com propósitos de melhorar as suas condições de vida, instabilidade promovida pelos períodos de guerra e fragilidade clínica e laboral.
À data da sua detenção não tinha emprego, nem residência fixa, pernoitando em quartos arrendados, quer no Porto quer na ..., junto de outros dois elementos da mesma nacionalidade.
Apesar da fragilidade social, verbaliza que a subsistência foi sendo minimamente garantida através de alguns rendimentos auferidos dos períodos migratórios efetuados, que lhe foram garantindo as necessidades básicas diárias.
Foi mantendo contactos regulares com o agregado, na Ucrânia, com o propósito de reunir, a médio prazo, a família no nosso País.
III- Impacto da situação jurídico-penal
O arguido ingressou no Estabelecimento Prisional ..., a 18 de abril de 2022, preventivo à ordem do atual processo, mantendo, até à data, comportamento isento de reparos.
A situação jurídico-penal do arguido teve repercussões ao nível pessoal pelo isolamento que se agravou após detenção, e pelo falecimento do progenitor, já após a sua detenção.
Apresenta-se ativo e integrado nas atividades proporcionadas ao nível institucional, nomeadamente com a aprendizagem da língua portuguesa (escola), promotora de melhorias na comunicação, integração e oportunidades. O arguido não recebe visitas com regularidade pela ausência de familiares e amigos que se encontram na Ucrânia, seu país Natal.
Instado a pronunciar-se em geral sobre comportamentos que configuram crimes de teor e conteúdo abstrato semelhante, o arguido identifica a ilicitude de factos da mesma natureza e expressa crítica proporcional aos eventos em análise.
O arguido manifesta alguma preocupação face à situação jurídico-penal em que se encontra, bem como a uma possível medida/sanção.
IV – Conclusão
Da análise do percurso de vida do arguido, emerge uma estrutura familiar normativa e socialmente integrada que, mesmo perante perdas/lutos relevantes, se manteve aparentemente vinculada à transmissão de valores e princípio promotores de comportamentos normativos e socialmente integrados.
Apesar de algum esforço na sua reintegração laboral, os consumos de estupefacientes, desencadeados pela rutura afetiva conjugal e as experiências de guerra, foram condicionando uma vida mais plena e salutar.
Neste âmbito, caso AA venha a ser condenado, somos de parecer que na execução da respectiva pena deverá ser orientada no sentido de suprir as necessidades diagnosticadas e promover factores que contribuam para a sua reinserção.”
35. Do relatório social de BB consta o seguinte:
“Introdução
O presente Relatório Social foi elaborado com recurso à metodologia e fontes a seguir indicadas:
- Entrevista ao arguido, realizada no Estabelecimento Prisional ... e com recurso aos serviços de tradução de FF;
- Articulação com Equipa de Tratamento Prisional, do Estabelecimento Prisional ...;
- Articulação com Técnica da DGRSP responsável pela elaboração do relatório social referente ao coarguido AA;
- Análise das peças processuais remetidas por esse Juízo.
I – Dados relevantes do processo de socialização
BB é natural de ..., cidade localizada no lado ocidental da Ucrânia, centro administrativo de ....
Trata-se de uma cidade envolta por zona agrícola, onde o seu pai desenvolveu atividade como médico veterinário e a sua mãe como vendedora numa loja alimentar.
Sendo filho único, beneficiou ao longo do seu processo de desenvolvimento de adequadas condições socioeconómicas, com casa própria, tendo evoluído nos estudos até à conclusão de licenciatura em engenharia mecânica, obtida no ano de 1996.
Empregou-se de seguida na sua área de formação, trabalhando numa exploração agrícola daquela zona, antigo Kolkhoz do tempo da União Soviética.
No ano de 2005 contraiu matrimónio com GG, companheira com mantém relação até ao presente e com teve dois filhos, nascidos em 2006 e 2008.
O arguido interrompeu a atividade profissional para combater no conflito de Donetsk, corria o ano de 2014, tendo sido atingido em combate e sofrido queimaduras de 3º grau nos membros inferiores, resultando sequelas que lhe conferiram um determinado grau de incapacidade (para o desempenho militar), não obstante tenha retomado o exercício laboral.
Em março de 2022, com a invasão do exército russo, BB e respetivo agregado, saiu da Ucrânia para escapar à guerra, tendo sido acolhidos pela Polónia, país onde a sua esposa ficou temporariamente, juntamente com os dois filhos.
Saíram da Ucrânia com os poucos bens que podiam carregar e algumas economias que tinham, sendo que não possuíam habitação própria, viviam em casa arrendada.
O arguido viria, entretanto, a deslocar-se para Portugal, com o intuito de procurar trabalho e estabelecer-se, para depois aqui reunir a família. Estava há sensivelmente uma semana em Portugal, quando foi detido. Não tinha ainda conseguido obter trabalho e vinha dormindo em quartos arrendados, primeiro no Porto e depois na ..., pelo que não é possível colher informações complementares, relativas à sua inserção social e conduta.
II - Condições sociais e pessoais
BB encontra-se preso preventivamente desde há cerca de dez meses, no âmbito do presente processo. À data da sua detenção não tinha emprego, nem tinha uma residência fixa, habitualmente pernoitando em quartos arrendados.
No estabelecimento prisional tem apresentado comportamento consentâneo com as regras institucionais, sem registo de infrações.
Tem algumas dificuldades ao nível da comunicação, expressando-se sobretudo na sua língua nativa, conhecendo igualmente o polaco e o alemão. Para melhor adaptação ao nosso país, encontra-se a frequentar a escola, inserido numa turma de aprendizagem da língua portuguesa.
O arguido encontra-se sem retaguarda familiar ou outro apoio, ainda que tenha recebido uma ou outra visita de cidadão ucraniano que o visitou por solidariedade.
Não obstante, e se tal lhe for permitido, afirma manter o seu projeto inicial, que passa por obter emprego em Portugal e reunir neste país a esposa e respetivos filhos, familiares que, entretanto, terão regressado à Ucrânia, não sendo fácil o contacto com os mesmos, pelos condicionalismos em que se encontram, sem eletricidade, e outras facilidades.
III - Impacto da situação jurídico-penal
Em contexto de entrevista e solicitada a sua visão relativamente à tipologia criminal em causa no presente processo, e em abstrato, o arguido expressou juízo de censura e consciência da sua ilicitude e desadequação ao cumprimento das normas e dos valores sociais vigentes, compreendendo assim, a necessidade de atuação do aparelho da Justiça.
Recentrando-se no presente processo, BB refere-se àquele período como um dia em que se encontrou com um compatriota (o coarguido), efetuando consumos alcoólicos de forma exagerada, revelando apreensão face à aplicação de uma eventual pena privativa da liberdade.
Do que referiu, o mesmo não terá antecedentes criminais.
IV – Conclusão
A informação disponível sobre o percurso de vida de BB, sugere que o mesmo se tenha orientado por princípios e escolhas de pendor maioritariamente normativo, apresentando-se com família constituída, hábitos de estudo e de trabalho, aparentemente sem antecedentes criminais e socialmente integrado, no seu país de proveniência.
A sua postura, relativamente à tipologia criminal em causa, é assertiva, condizente com as normativas legais e comuns regras sociais vigentes.
Encontra-se adaptado e colaborante com as regras institucionais a que se encontra sujeito, em sede de prisão preventiva, integrado numa turma de aprendizagem da língua portuguesa.”
36. Os Arguidos não têm antecedentes criminais em Portugal.
*
Factos não provados.
Não se provaram quaisquer outros enunciados de facto relevantes para a bondade da decisão.
**
Motivação da decisão de facto.
A motivação da decisão de facto tem como objectivo primacial o de aprimorar junto dos sujeitos processuais, de forma contundente, a força persuasiva do julgamento da matéria de facto.
Na verdade, nos termos do artigo 124º do CPP, para a decisão de facto apenas relevam os factos juridicamente relevantes que se prendam com a existência, ou inexistência, de crime, a punibilidade ou não punibilidade do Arguido, e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis. Sendo que caso exista um pedido cível, constituem igualmente objecto de cognição do Tribunal os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil.
Vale por dizer que qualquer outra alegação, seja da acusação, da(s) contestação(ões), do(s) pedido(s) cível(eis), ou resultante da audiência da causa, que não se prenda com aquele reduto fáctico será, a nosso ver, despicienda a nível de consagração na fundamentação de facto da sentença a proferir – cfr. art. 374º, nº2, do CPP.
Por outro lado, é uma tarefa regida pelo princípio da livre apreciação da prova, tal como se encontra sufragado no artigo 127º do Código de Processo Penal, sendo certo que a mesma é temperada pelo princípio in dubio pro reo1.
Para a presente decisão sobre a matéria de facto provada o Tribunal considerou primacialmente o depoimento isento, desinteressado e crível de CC, a qual viveu a situação de facto narrada nos factos provados.
(…)
Com efeito, descreveu de forma rigorosa e coerente toda a actuação que os Arguidos encetaram e que se mostra respaldada na matéria de facto provada.
Assim, descreveu como os Arguidos entraram na Ourivesaria de forma desfasada, sendo que BB já lá havia estado cerca de três semanas antes, como foi distraída por AA quando este a ludibriava com a putativa aquisição de um relógio, como foi rodeada pelos Arguidos e violentamente agarrada por AA, facto que a levou a perder os sentidos. Mais esclareceu que foi amarrada com fita-cola nas mãos, boca e pernas, ficando logo imobilizada, sendo que a apontada fita-cola era dos próprios Arguidos,tal como as luvas que os mesmos envergaram para levar a cabo o “assalto”.
CC descreveu com rigor e pormenor toda a actuação posterior que os Arguidos levaram a cabo, tendo esclarecido a procura de bens de valor, a forma como os encontraram e despejaram nas suas mochilas, como taparam as câmaras de videovigilância e contactos telefónicos que BB desenvolveu com um “chefe”, após se terem apercebido das sirenes policiais, sendo que na sequência desses contactos BB através de gestos e verbalização transmitiu que não teria armas.
Ademais, esclareceu as lesões que sofreu, as quais foram ao encontro do que consta no relatório pericial de fls. 301v.
Ante a clareza e isenção do depoimento de CC, que também foi ao encontro do respaldado nas imagens de fls. 576 a 602, considerou-se assente a matéria de facto irrogada na acusação contra os Arguidos.
Nessa medida, ante a precisão e coerência do depoimento daquela testemunha, o tribunal não credibilizou a versão carreada pelos Arguidos de que estariam embriagados no cometimento dos factos e que apenas teriam ficado deslumbrados com o ouro que viram na ourivesaria. Aliás, de notar, que ao contrário do que CC narrou, o arguido AA disse que BB nunca havia estado naquele estabelecimento, que não tinha realizado qualquer chamada telefónica no decurso do “assalto”, e que não haviam imobilizado a referida Testemunha, o que se demonstrou não ser verdade.
Assim, ao contrário do que os Arguidos quiseram fazer crer a sua actuação concertada demonstra uma conduta reflectida, pensada, dir-se-ia, mesmo, profissional com o objectivo quase logrado de obterem os valores descritos na acusação, facto que não conseguiram em virtude da rápida actuação da polícia.
De outro prisma, DD, em depoimento isento e preciso, esclareceu de forma coerente o que resultou nos factos provados 1, 2, 18, 22, 23, 24, e segs., porquanto acompanhou toda a situação por intermédio do sistema de videovigilância existente no local, o qual remetia as imagens para o seu telemóvel. Ademais, com rigor, descreveu os bens existentes na ourivesaria e seus valores, bem como o sistema “blindado” que constitui(a) as instalações físicas do referido estabelecimento, bem como o estado de pânico de CC aquando a sua libertação.
A nível da restante prova testemunhal, de salientar o depoimento de HH, agente da Polícia Judiciária, que, com rigor e isenção, narrou todas as diligências de investigação e apreensão que a Polícia Judiciária levou a cabo.
Nos mesmos termos, valoraram-se os depoimentos de II, JJ, KK, e LL, todos agentes da PSP, os quais retrataram a operação policial tendente à captura dos Arguidos, sendo de sublinhar as declarações de JJ e KK, os quais estiveram em contacto com os Arguidos e não lhes notaram, tal como CC, qualquer odor a álcool, como estes quiseram fazer crer.
A nível dos factos atinentes ao elemento subjectivo do crime o Tribunal alicerçou-se nas regras da experiência comum, as quais inculcam no cidadão normal o conhecimento do carácter proibido da conduta criminosa irrogada aos Arguidos, os quais também esclareceram conhecer.
Por fim, que não por último, atentou-se nos seguintes elementos:
Auto de apreensão de fls. 8, relativo a telemóvel na posse de BB
Reportagem fotográfica do telemóvel do auto de fls. 8 – fls. 17;
Auto de Inspecção Judiciária de fls. 27;
Exame ao estabelecimento comercial A... – fls. 37;
Recolha de vestígios com interesse para a decisão – fls. 46;
Auto de apreensão de objectos – fls. 47;
Informação Operadoras de Redes Móveis – fls. 57;
Termo de recebimento de pen com o sistema de videovigilância da Ourivesaria A... – fls. 164;
Ficha de registo automóvel do veículo de matrícula ..-..-BS – Ford ... – fls. 166;
Preservação de latas de tinta e de mata formigas e baratas – fls. 167;
Foto de mala, mochila e arca em madeira – fls. 169;
Jerrycans – fotos de fls. 170;
Reserva da Gest House, a cargo de BB - fls. 172;
Apreensão de objectos deixados pelos Arguidos na B... Gest House – fls. 175;
Apreensão de objectos deixados pelos Arguidos na Guest C... (...) – fls. 179;
Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal relativo a CC.
Relatório de Exames – visionamento de imagens do estabelecimento Zara – fls. 319;
Relatório de Exame Pericial fls. 457 – ourivesaria;
Auto de Apreensão de veículo Citroën ... relativo ao Processo 98/22.0GBETR - fls. 478 – (algemas; taser; e ferramentas);
Auto de visionamento com cronologia – fls. 573; e
Exame latas apreendidas na Ourivesaria – fls. 680.
Por último, no que respeita à ausência de antecedentes criminais em território nacional atentou-se nos respectivos certificados e quanto ao conteúdo dos relatórios sociais atentou-se no respectivo teor.»
***
**
3. Apreciação do recurso.
3.1. - Impugnação da matéria de facto.
…………………….
…………………….
…………………….
*
3.2.- Tentativa de roubo e desistência.
Pretendem os recorrentes que atentos os factos provados em 26, 27, 28 e 29 e o disposto no artigo 24ºdo CP, deve entender-se que houve desistência voluntária da consumação dos factos, devendo os arguidos ser punidos unicamente pelo crime de sequestro, ainda que eventualmente atenuado especialmente por força do seu comportamento dado por provado nos pontos de facto 27 e 28 (levantar, desamarrar e libertar a vítima, permitindo a sua saída em paz), sendo absolvidos da tentativa de roubo por força da desistência.
Vejamos.
Dispõe o artigo 24º «Desistência»
1 - A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime, ou impedir a consumação, ou, não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime.
2 - Quando a consumação ou a verificação do resultado forem impedidas por facto independente da conduta do desistente, a tentativa não é punível se este se esforçar seriamente por evitar uma ou outra.
Como decorre do artigo em análise, pressuposto essencial para a relevância penal da desistência é que o “agente voluntariamente desistia de prosseguir na execução do crime…”.
Neste sentido se vem pronunciando de forma unânime e consistente a jurisprudência, nos seguintes termos:
«No conceito de desistência relevante, do ponto de vista da juridicidade do seu conteúdo, a mesma só ocorre quando o agente não dá prosseguimento à execução do crime por sua própria vontade.
Não há desistência relevante no caso de o agente, após a prática de actos de execução, percebendo os riscos que correrá para obter o êxito a que propôs atingir, conclui que não tem outra alternativa senão obstar no seu prosseguimento[1].»
« - A desistência só é relevante quando o agente, podendo prosseguir na execução do crime, a cessa sem ser coagido por circunstâncias extrínsecas, surgidas após o início da execução, como a iminência de uma intervenção policial ou a reacção dos ofendidos ou até de terceiros: a impunibilidade da tentativa funda-se no regresso ao direito operado pelo agente, o que significa um propósito deste neste sentido.
II - Não se verifica uma desistência voluntária da execução do crime, no sentido de acto espontâneo, numa situação em que o recorrente, tendo chegado a ter a pasta com dinheiro em seu poder, só a largou em resultado da reacção dos ofendidos, que se envolveram em luta consigo, durante a qual a pasta caiu, reacção que levou o recorrente a fugir, deixando a mesma no chão.[2] »
«A tentativa de cometimento de um crime, subsumível à previsão dos art.ºs 22.º e 23.º do C. Penal, pode, não obstante, deixar de ser punível. Basta que o agente: abandone voluntária e espontaneamente a execução do crime, isto é, omita a prática de mais actos de execução (desistência voluntária) − art. 24.º, n.º 1, 1.ª parte. Tal tipo de desistência só pode provir dos autores materiais do crime. Será o caso, por exemplo, do agente que introduz uma menor no seu automóvel e contra a sua vontade, a transporta para um lugar ermo a fim de a violar, a despe e inicia os actos que levam à violação, mas a dada altura decide não prosseguir na execução;
2 – É de excluir o privilégio da desistência e a sua voluntariedade, se o agente que, concretamente, pode ainda continuar com a execução, já compreendeu que dela não extrairá as vantagens que pretendia e por isso desiste, quando as desvantagens ou os perigos ligados à continuação da execução se revelam segundo a perspectiva do agente desproporcionalmente grandes à luz das vantagens esperadas, de tal modo que seria desrazoável suportá-los.[3] »
« I - Para que haja "desistência da tentativa", não basta que o arguido deixe de prosseguir, materialmente, a execução do crime, por meras razões de estratégia, em face da dificuldade ou impossibilidade com que, sem contar, deparou na concretização do seu projecto criminoso ou por receio da intervenção de terceiros, designadamente, de agentes de autoridade.
II - Com efeito, a desistência só é relevante se, por auto-inversão psicológica, o arguido, voluntária e espontaneamente, por motivos próprios, assumidos, de reconsideração, "revogar" a sua anterior decisão de cometer o crime[4].
Também a doutrina se pronuncia, no mesmo sentido.
«…relevante para a doutrina da tentativa jurídico-penal não é o instituto da desistência – que em verdade, hoc sensu, nem sequer “existe”, como tal – mas o da desistência voluntária; que, por conseguinte, a “voluntariedade” não é somente um requisito ou elemento da desistência, a par de outros, mas constitui a autêntica ratio essendi do instituto e o fundamento do seu especifico efeito jurídico-penal
A razão de ser do instituto e o fundamento do efeito jurídico-penal só se encontram quando se atenta que eles se ligam não à verificação da desistência como tal, mas á «desistência voluntária, isto é, numa fórmula curta (…), da desistência que seja obra pessoal do agente: é o sentido jurídico-penalmente positivo de valor ínsito nesta contribuição pessoal para o facto global que faz ganhar ao “regresso ao direito”, à inversão do perigo”, à reversibilidade do processo lesivo”, o seu efeito privilegiador e permite a desistência ser arvorada em fundamento de impunidade da tentativa.»[5]
O que releva é que “a desistência (…) possa ser vista como obra pessoal do agente e nessa base lhe possa ser imputável”[6]
Pelo exposto, afigura-se-nos absolutamente claro que não se pode ter como voluntária uma desistência que apenas ocorre quando, como no caso em apreço, os recorrentes se vêm rodeados das forças policiais, em virtude de estas terem montado um perímetro de segurança em torno do estabelecimento de ourivesaria onde praticavam os factos, o que obrigou os arguidos a tal desistência por falta de qualquer outra saída alternativa, nomeadamente de fugir, solução que ainda procuraram. E atenta a factualidade provada sob os pontos 24 a 29, apenas quando confrontados com a impossibilidade de fuga e já depois de procurarem uma saída alternativa no piso superior, é que os arguidos vieram a despejar o conteúdo das mochilas e saco em que haviam colocado os artigos de joalharia subtraídos e libertaram a ofendida instruindo-a para que transmitisse aos agentes policiais que não estavam armados, sendo que tal ocorreu quase cerca de duas horas depois do início dos atos de execução do roubo que, assim, não chegaram a consumar.
A não consumação não fica, portanto, a dever-se a qualquer desistência voluntária, a qualquer contribuição pessoal dos recorrentes, no sentido de se considerar que se trata de uma sua obra pessoal, mas antes resulta de uma confrontação com uma realidade externa que os amedrontou, como foi o perímetro policial à volta do estabelecimento onde se encontravam, o que decorre até do facto de terem pedido à funcionária que sequestraram para dizer que não estavam armados. Tratou-se, assim, de uma mera conformação com a constatação de que a consumação do crime de roubo que executavam já não era de todo possível, pois a sua vontade já não era bastante para alcançar o desiderato pretendido.
Uma “desistência” no circunstancialismo provado não tem qualquer relevância, pelo que a questão é claramente improcedente, sendo assim a atuação dos recorrentes necessariamente punível, pelo crime de roubo na forma tentada.
Não se verifica qualquer inconstitucionalidade, neste segmento, que, aliás, só foi tautologicamente invocada, sem a necessária precedência de argumentação e se dirige não tanto a um segmento normativo mas ao caso concreto.
Improcede a totalidade da questão.
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3.3.- Qualificação jurídica dos factos.
§ 1º Da inconstitucionalidade do artigo 210º, n.º 2 do CP.
Defendem os recorrentes a inconstitucionalidade do art. 210º, n.º 2 do CP. Para tanto, argumentam
-que a construção dogmática subjacente à norma incriminatória do n.º 2 do artigo 210 e a consagração da pena fixada ofende os princípios da culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso bem como coloca em causa a construção punitiva e coerência face aos demais crimes.
- aquilo que se afigura ilícito e não conforme à Constituição da República Portuguesa é o tratamento semelhante conferido ao roubo em caso de verificação dos pressupostos do furto qualificado, independentemente de serem os relativos ao grau I ou grau II.
Para concluírem que têm por inconstitucional, por violação das garantias de defesa e dos princípios da (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso o entendimento e dimensão normativa do art. 210º n.º 2 CP quando interpretado no sentido de “Mostra-se conforme à Constituição da República Portuguesa e aos princípios inerentes a um direito penal que se queira justo o facto de a agravação do roubo com base nos exemplos padrão do n.º 1 do art. 204º CP ter tratamento semelhante, em termos de punição e moldura penal, face à agravação com base nos exemplos padrão do n.º 2 de tal norma legal, havendo assim apenas um único estádio de agravação e não dois como sucede com o furto qualificado”.
E ainda que têm por inconstitucional, por violação das garantias de defesa e dos princípios da (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso o entendimento e dimensão normativa do art. 210º n.º 2 CP quando interpretado no sentido de “Mostra-se conforme à Constituição da República Portuguesa e aos princípios inerentes a um direito penal que se queira justo o facto de a punição do crime de roubo agravado em concurso aparente com o crime de sequestro representar punição deveras majorada face àquela que resultaria da punição em concurso real dos crimes de furto qualificado e do tal crime de violência associado ( sequestro).
Vejamos.
Afigura-se-nos claro que a pretensão dos recorrentes se dirige a uma sindicância da inconstitucionalidade abstrata do tipo legal, que nesta sede não caberá apreciar.
Ainda assim.
Unanimemente considera-se que o crime de roubo tem um bem jurídico diverso, e muito mais abrangente, que o crime de furto, por nele estarem incluídos bens pessoais de grande importância, que além da propriedade, são a vida, a integridade física e a liberdade de decisão e ação. Bens jurídicos diversos que conferem ao legislador, a quem está atribuído o poder legislar, tratar de forma diferente o que realmente e juridicamente se mostra diferente, no confronto com o crime de furto, que apenas protege bens patrimoniais.
No crime de roubo, diferentemente do crime de furto, quer a substração da coisa móvel alheia quer o constrangimento da pessoa na entrega dos bens a subtrair, são executados de modo vinculado, por meio de violência, ameaça ou colocação na impossibilidade de resistir.
O princípio da proporcionalidade tal como é enquadrado pelo artigo 18.º, n.º 2 da CRP, estabelece os critérios de validade das leis restritivas de direitos fundamentais.
O Tribunal Constitucional tem afirmado que nas leis restritivas de direitos fundamentais, cumpre respeitar a margem de liberdade conformadora que, no plano da definição da política criminal, cabe, nos termos de uma adequada separação de poderes do Estado, ao legislador democrático, isto é, à Assembleia da República, em primeira linha, ou ao Governo, uma vez emitida a correspondente credencial parlamentar.
A este propósito, escreveu no Acórdão n.º 634/93 (publicado no Diário da República, I série, de 31 de Março de 1994):
“[O] juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais cabe, em primeira linha, ao legislador, ao qual se há-de reconhecer, também nesta matéria, um largo âmbito de discricionariedade. A limitação da liberdade de conformação legislativa, nestes casos, só pode, pois, ocorrer quando a punição criminal se apresente como manifestamente excessiva.”
E, no acórdão n.º 527/95 (publicado na I série A, de 10 de Novembro de 1995):
“[É] inegável que cabe ao legislador o juízo sobre a necessidade de recurso aos meios penais, dispondo, nesta matéria, uma ampla margem de liberdade, dado que inexiste na Constituição qualquer proibição de criminalização. Porém, a criminalização de condutas deve restringir-se aos comportamentos que violem bens jurídicos essenciais à vida em comunidade, devendo a liberdade de conformação do legislador ser limitada sempre que a punição criminal se apresente como manifestamente excessiva ou o legislador actue de forma voluntarista ou arbitrária, ou ainda as sanções se mostrem desproporcionadas ou desadequadas (…).”
Atenta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, não vemos que as penas impostas na norma em análise sejam excessivas e, portanto, desproporcionais aos bens jurídicos protegidos ou desadequadas aos fins da norma que é manter os cidadãos afastados da prática de crimes da gravidade subjacente à norma em análise; e, muito menos, violadores do direito da igualdade, uma vez que os bens jurídicos subjacentes à norma são muito diferentes e de muito maior relevo que os bens jurídicos subjacentes às normas que preveem e punem o crime de furto.
Finalmente, não vislumbramos como uma norma substantiva penal geral e abstrata pode violar as garantias de defesa dos recorrentes e os recorrentes também não o demonstram.
Sem mais considerandos julgamos esta parte da questão improcedente.
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§ 2º Qualificação dos factos ao abrigo do art. 204º, n.º 1 al. f) e al. a) do n.º2 do art. 204º do CP
Defendem os recorrentes que não existem razões para a qualificação do crime em função da referida al. f).
Para tanto argumentam:
- do teor dos factos dados provados não se poderá dizer que os arguidos tenham entrado no estabelecimento de forma ilegítima, ilícita ou aí tenham permanecido escondidos com intenção de furtar, dado que o fizeram à vista, desde logo da funcionária, e entraram de forma normal. A questão coloca-se assim na entrada e permanência na zona reservada, mas não se mostra dado por provado que quaisquer portas em tal interior estivessem fechadas e tivessem de ser ou tenham sido ilicitamente abertas.
-Concluem, inexistir matéria de facto suficiente para o preenchimento de tal qualificação, devendo os arguidos ser absolvidos da mesma, restando apenas a eventual qualificação da alínea a) do n.º 2 do art. 204º CP…
Todavia, defendem também, que a qualificação ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art. 204º CP, não deve ter lugar nos crimes meramente tentados.
Para tanto argumentam:
-mostra-se o roubo (também) qualificado em nome do alegado valor/vantagem patrimonial ser superior a 200 unidades de conta, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 204º CP.
-salvo o devido respeito julga-se que nem todos os exemplos-padrão poderão ter funcionamento em sede de crimes meramente tentados e não consumados.
-e este é precisamente um desses exemplos pois acabando por não haver em concreto qualquer dano patrimonial consumado, deixa de fazer sentido fazer depender uma punição majorada e suplementar face a algo que verdadeira e objetivamente inexistiu.
-julga-se que a punição majorada unicamente em nome de algo que poderia ter sucedido mas que não sucedeu e face a um dano potencial e eventual que não teve lugar nem se traduziu objetiva e negativamente na esfera da lesada, se mostra para além da culpa e das exigências de prevenção.
Concluem com o entendimento de que é bastante, proporcional e adequada a punição a título de roubo simples pois o mesmo já abarca a violência levada a cabo sobre a vítima, sem atender a conjeturas sobre o que poderia ter sucedido, mas que não ocorreu!
O tribunal a quo fundamentou a subsunção jurídica dos factos, do seguinte modo:
«FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Do crime de roubo.
Dispõe o Código Penal o seguinte:
Artigo 26 Autoria
(…)
Artigo 22º.
Tentativa
(…)
Artigo 204º
Furto qualificado
(…)
Artigo 210º
Roubo
(…)
O Bem jurídico que o legislador pretendeu titular com o crime de roubo assume-se como uma pluralidade de bens patrimoniais (propriedade e detenção de bens móveis) e pessoais (liberdade de decisão e acção).
O tipo objectivo de crime comporta vários elementos. Assim, o sujeito passivo pode ser o detentor ou proprietário da coisa.
Por seu turno, exige-se a subtracção da coisa (no entendimento da passagem do domínio da esfera do detentor, para o agente, contra a vontade daquele), ou o constrangimento de outrem, seja a vítima, seja um terceiro, de molde a que o Agente se apodere do bem.
Já a violência, cujo conceito não é pacífico, importa força física, ou violência psíquica. A ameaça descrita no tipo terá de provocar medo, inquietação, ou insegurança, de forma a perturbar a liberdade de decisão e acção da vítima.
O crime de roubo é um crime de dano e de resultado. Com efeito, para o preenchimento do tipo importa que tenha havido a efectiva subtracção do bem, ou que este tenha sido entregue ao Agente, e efectivo constrangimento.
Ademais, importa que haja um nexo de imputação entre o lograr obter a coisa e os meios utilizados.
No que respeita ao tipo subjectivo do crime, cumpre dizer que o mesmo é doloso.
Assim, é fulcral que o agente conheça os elementos do crime; que represente a sua conduta como tipificada e punida pela lei penal. Sendo certo que tal conhecimento terá de ser actual ou contemporâneo do crime, e não obstante tal conhecimento é necessário, ainda, que persista na vontade de agir de molde a preencher esse tipo de delito. Ou seja, no desejo de cometer o crime. De pretender ver realizado certo acto ou resultado. Sendo que, sob este prisma, a motivação do agente é irrelevante, podendo, contudo, relevar para efeitos de determinação da medida da pena.
O dolo compreende três modalidades, as quais estão previstas no artigo 14º, do CP.
Assim, a primeira, chamada dolo directo, refere-se à intenção criminosa e nela o agente prevê e tem como finalidade a obtenção da realização do facto criminoso.
Já na segunda das modalidades, conhecida por dolo necessário, o agente sabe que da conduta que pretende adoptar resultará um facto que preenche um tipo de crime, e, não obstante isso, não se abstêm de a tomar.
Por último, na terceira das modalidades, temos o chamado dolo eventual, que surge quando o agente embora não tendo como objectivo uma certa consequência, nem a configure como consequência necessária do seu acto, admite que ela possa acontecer.
No caso vertente, os Arguidos, face à matéria de facto provada, nomeadamente a entrada e permanência ilegítima na Ourivesaria A..., com o propósito de se assenhorearem de objectos de metais precisos de valor superior a 20.400,00€, tendo adoptado actos idóneos a tal desiderato, o que apenas não conseguiram por factos alheiros às suas vontades, mormente a rápida actuação da polícia, actuando da forma descrita nos factos provados e conhecendo a punibilidade das suas condutas, incorreram na prática de um crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, nº1, 202º, al. b), 210º, nº1 e 2, por referência ao disposto no artigo 204º, nº1, al. f), e nº2, al. a), do Código Penal.
Inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude.» [fim de citação]
Vejamos.
Cumpre referir, em primeiro lugar, e para obviar a considerandos espúrios, que ultrapassada a questão da desistência da tentativa, os recorrentes não põem em causa a subsunção dos factos ao crime de roubo na forma tentada simples.
Vejamos então, as qualificativas que o tribunal a quo considerou.
Dispõe o art. 204º, n.º 1 al. f).
1 - Quem furtar coisa móvel ou animal alheios:
f) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar;
(…) è punido….
Relativamente à concreta circunstância prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 204º, dir-se-á que nela se preveem duas situações:
- A primeira prende-se com a actuação do agente que se introduz ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado e aí leva a cabo a apropriação ilegítima;
- A segunda reside na conduta do agente que se introduz legitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, aí permanece com intenção de furtar e realiza o furto previamente planeado[7].
A segunda parte do preceito não está aqui em causa, porquanto os recorrentes não permaneceram escondidos no estabelecimento.
Coloca-se a questão quanto à sua entrada ilegítima, para efeitos da primeira parte da referida alínea.
Como resulta dos factos provados, embora os arguidos/recorrentes se tenham dirigido para as imediações da Ourivesaria, com o propósito de se introduzirem no respetivo interior e daí retirarem e fazerem seus os bens que viessem a encontrar e que lhes interessassem e aí tivessem efetivamente entrado com esse fito, certo é que o estabelecimento comercial estava em horário de atendimento ao público e, embora, por razões de segurança a porta de acesso ao estabelecimento se encontrasse trancada foi a funcionária do estabelecimento, CC, que ao toque da campainha, e pensando tratar-se de um normal cliente, procedeu à abertura da porta e franqueou a entrada.
Afigura-se-nos não haver, portanto, meio de subsumir os factos à referida alínea, já que a entrada, embora com reserva mental dos recorrentes, foi efetuada de forma legitima exatamente nos mesmos moldes dos outros clientes. Os recorrentes não entraram forçando a porta; não entraram sequer a correr ou aproveitando a entrada da funcionária ou de outros clientes, objetivamente entraram do mesmo modo e com os mesmos meios que um cliente normal. O Tribunal de julgamento também não aprofundou minimamente esta questão, concedendo quaisquer argumentos que pudessem, nesta sede, ser tidos em conta.
Relativamente à permanência ou entrada na parte mais reservada da loja, o certo é que se trata de uma parte, escritórios e casa de banho, que integra o estabelecimento no seu todo, os recorrentes não entraram aí para subtrair bens, mas sim para aí deixar a funcionaria CC, que para aí arrastaram, e a entrada no estabelecimento, legítima, já havia ocorrido anteriormente. Por outro lado, nem sequer, como dizem os recorrentes, está provado que entre uma e outra das partes da ourivesaria houvesse portas a dificultar o acesso, entre a parte do público e a parte mais reservada. Cumpre ainda referir que se desconhece, atentos os factos provados em que momento o segundo arguido entrou na loja.
Pelo exposto entendemos não poder subsumir os factos à referida alínea, pelo que nesta parte e nesta questão procede o recurso.
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Quanto à subsunção dos factos à alínea b) do n.º 2 do artigo 210º do CP, por remissão para a alínea a) do n.º 2 do art. 204º do CP, vejamos.
Dispõe esta última alínea e artigo:
«2 - Quem furtar coisa móvel ou animal alheios:
a).- De valor consideravelmente elevado;»
É valor consideravelmente elevado aquele que excede 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto, nos termos da al. b) do n.º 2 do artigo 202º do CP.
Ora, em 16 de abril de 2022 o valor da unidade de conta era de 102,00€[8] pelo que, assim, não há dúvidas de que os bens de que os arguidos em concreto se tentaram apropriar - e desprezando o valor total dos bens que se encontravam na ourivesaria – e conforme o provado no ponto 18) da matéria de facto, tinham pelo menos o valor de 20.400,00€, sendo que este valor ultrapassa largamente as 50 unidades de conta necessárias para se considerar o valor consideravelmente elevado, que naquela data tinham um valor de 5.100,00€.
É assim incontroversa a integração dos factos num crime de roubo agravado na forma tentada pela referida alínea a) do n.º 2 do artigo 204º e al. b) do n.º 2 do artigo 210º, ambos do CP. Acresce até que está dado por provado que «Os arguidos conheciam as características do estabelecimento comercial “A...”, designadamente, a natureza, qualidade, previsível quantidade e valor dos bens que ali se encontravam expostos, guardados e armazenados, pelo que não podiam ignorar que tais bens poderiam ter, como efetivamente tinham, valor superior a € 1.000.000 (um milhão de euros).»
Pensamos, no entanto, que o valor que deve ser tido em conta é o valor dos bens de que efetivamente se quiseram apropriar, e que já tinham acondicionado em malas que posteriormente despejaram.
No sentido de que «deve ser punido como autor de um crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1 e 2 al.ª a) e b), 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b) e 204.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, o agente que tendo-se apoderado numa instituição bancária da quantia global de € 5.225, apenas logrou ficar com a quantia de €230, por, durante a fuga, entre o balcão e a porta de saída dessa instituição, inadvertidamente, ter deixado cair ao chão o restante dinheiro, que logo foi recuperado.», pronunciou-se o ac. do TRE de 20.10.2012.[9]; acórdão que aqui citamos a título meramente exemplificativo atenta a multiplicidade de acórdãos que aceitam a agravação do roubo ou do furto pelo valor consideravelmente elevado ou meramente elevado, dos bens tentados furtar ou roubar, nomeadamente, por conhecerem das questões relacionadas com a medida da pena, sem questionarem a qualificação jurídica dos factos.
Pelo exposto, e atento o que atrás deixamos dito, consideramos que os recorrentes praticaram um crime de roubo agravado p. e p. pelo artigo 210º, nº 2 al. b), por referência à al. a) do n.º 2 do artigo 204º e 202º, n.º 1, al. b), todos do CP.
Procede, assim, portanto e apenas parcialmente a questão da subsunção juridica.
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Relativamente à aparente questão de inconstitucionalidade que os recorrentes alinharam como «- julga-se inconstitucional, por violação das garantias de defesa e dos princípios da(des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso o entendimento e dimensão normativa do art. 210º n.º 2 CP conjugado com a alínea a) do n.º 2 do art. 204º CP quando interpretado no sentido de “Mostra-se conforme à Constituição da República Portuguesa e aos princípios inerentes a um direito penal que se queira justo a agravação do crime de roubo em nome do valor consideravelmente elevado sempre e quando em concreto se trate de mera tentativa e nenhum bem tenha sido subtraído à lesada”; dado que nada foi argumentado, consideramos a questão manifestamente improcedente.
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3.4.- Medida das penas de prisão.
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…………………………….
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3.5.- Suspensão das penas.
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3.6.- Indemnização concedida ao abrigo do 82º A. do CPP
Os recorrentes defendem que a quantia arbitrada a título de reparação à vítima é excessiva e não devia ter sido arbitrada, devendo os recorrentes dela ser absolvidos.
Argumentam que:
- as particulares exigências de proteção ou vulnerabilidade da vítima teriam de constar da matéria de facto, a qual é totalmente omissa nesse especto;
- não ressalta da matéria de facto que à ofendida tenha sido conferido o estatuto de vítima.
- entendem que a quantia arbitrada excessiva, pretendendo que seja reduzida para a quantia de 1.000,00€.
- Invocaram a inconstitucionalidade do art. 82º a) do CPP.
Vejamos.
Dispõe o artigo 82º A, n.º 1, do CPP:
«Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham.»
Nos termos do art. 67º, A, n.º 1 a) i) considera-sevítima’: a pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente, à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime.
b) “Vítima especialmente vulnerável”, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;
3 - As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.
Sobre os conceitos de criminalidade violenta e altamente violenta prescreve o artigo 1º, n.º 1 als. j) e l) do CPP:
j) 'Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;
l) 'Criminalidade especialmente violenta' as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos;
Finalmente e, por sua vez, dispõe o art. 16º, n.º 2 da lei Lei 130/2015, de 04 de Setembro:
2 - Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
No despacho de 23.11.2022, despacho de recebimento da acusação, foi ordenada a notificação dos arguidos, “para querendo, exercer o seu direito de contraditório relativamente a uma indemnização a conceder à Vítima, nos termos dos artigos 1º, al. j), 67º-A, nº3, e 82º-A, do CPP, e artigo 16º da Lei 130/2015 de 04/09”.
Nada foi argumentado no sentido de que a vítima se opôs à aplicação do artigo e, consequente, arbitramento de indemnização e também nada consta da ata da sessão de julgamento em que a mesma foi ouvida, a 06.02.2023, que faça supor qualquer oposição expressa.
Lidos os factos provados, em conjugação com o artigo art. 67º, A, n.º 1 a) i), concluímos que a ofendida CC é considerada vítima para efeitos do sistema processual penal. E por força da moldura penal do crime em apreço, mesmo da moldura concretamente aplicável, tem a qualidade de vítima especialmente vulnerável, art. 67º A), n.º 3 conjugado com as alíneas j) e i) do n.º1 do art. 1º do CPP.
Ora, nos termos do art. 16º, n.º 2 da lei 130/2015 de 04 de Setembro “Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis”.
Portanto, entendemos não haver dúvidas que a leitura conjugada dos artigos transcritos resulta a imposição[10] ao tribunal de fixar, em relação a vítimas especialmente vulneráveis, reparação pelos danos sofridos, a suportar pelos agentes do crime, sendo certo que, o crime de roubo se integra no conceito de “criminalidade violenta” e, no caso, no de “criminalidade especialmente violenta”, que nos são dadas pelo artigo 1º, alíneas j) e l), do CPP, já que os bens jurídicos tutelados pela incriminação são, não só a propriedade, mas também a vida, a integridade física e a liberdade de decisão e ação[11].
Os pressupostos necessários para a atribuição de uma indemnização/reparação oficiosa são a condenação penal num crime qualificado como criminalidade especialmente violenta; a inexistência de PIC; a qualidade de vítima especialmente vulnerável da ofendia CC; a existência de claros danos físicos e emocionais da ofendida - atentas as lesões provadas e o circunstancialismo provado de onde resulta necessária e notoriamente – vejam-se as circunstâncias do desmaio - que a vítima naquelas cerca de duas horas esteve num estado de ansiedade e medo acerca do que lhe poderia mais suceder e do que já lhe tinha sucedido e notoriamente viu afetado o seu bem estar e qualidade de vida, pelo menos nesse dias e nos próximos-. Todos os pressupostos estão verificados.
Impõe-se uma última nota antes de passarmos a avaliação da indemnização arbitrada.
Parece ser pretensão dos recorrentes que da matéria de facto provada não resulta que tenha sido conferido à ofendida CC o estatuto de vítima e que tal seria impeditivo do arbitramento de reparação ao abrigo do artigo 82º A) do CPP.
Não resulta dos autos que tenha sido conferido à ofendida o estatuto de vítima. Todavia compulsando os regimes previstos no artigo 20º da lei 130/2015 de 4.09 e no artigo 14º, n.º 1, da lei 112/2009, de 16.09 - regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e assistência das suas vítimas – verificamos que só no segundo regime a atribuição desse estatuto se mostra obrigatório e com a finalidade óbvia de maior proteção da vítima.
Portanto, resultando a qualidade de vítima especialmente vulnerável da lei e estando legalmente definidos os pressupostos de atribuição de uma reparação/indemnização oficiosa e estando estes verificados em concreto, não há que fazer depender o arbitramento oficioso de indemnização da atribuição de estatuto de vítima que é atribuído para a proteger e assistir e nunca para a prejudicar. E, no caso concreto da lei 130/2015 nem sequer é obrigatória a atribuição desse estatuto de vítima.
Vejamos, então, a questão do montante da reparação arbitrado.
Consabidamente, o critério para a fixação de danos morais [12], consta do art 494º do CC por remissão do nº 3 do artº 496º, podendo dizer-se que, no fundamental, o legislador faz apelo à equidade e às circunstâncias do caso concreto.
Na determinação da mencionada compensação deve por isso atender-se ao grau de culpabilidade do responsável(eis) e à sua situação económica, bem como à do lesado.
E a apreciação da gravidade do dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve ser efetuada seguindo critérios objetivos.
Assim sendo, haverá de ser tido em conta que os arguidos/recorrentes agarraram a vitima pelas costas e colocaram-lhe um braço à volta do pescoço, imobilizando-a, tendo a mesma, por consequência, desmaiado, permanecendo inconsciente durante um curto período de tempo; além disso, amarraram-lhe os pés e as mãos e selaram-lhe a boca com recurso a fita adesiva, da qual vinham já munidos, sendo que, neste processo, arrancaram-lhe um brinco da orelha esquerda; que que arrastaram a vítima para a parte mais reservada da loja; e, como consequência direta e necessária desta parte da conduta dos arguidos, a ofendida CC sofreu, para além do mais, dores nas partes do corpo que foram atingidas e ainda as lesões que se encontram descritas no relatório de exame médico-legal, designadamente, no membro superior esquerdo: equimose de cor arroxeada e arredondada, medindo 4cm de diâmetro, na parte externa e superior do braço; 3cm abaixo desta, outra equimose de cor negra e arredondada, de 2cm de diâmetro; 6 cm abaixo desta, outra equimose de cor arroxeada, de 8cm por 4cm; e ainda equimose de cor negra e arredondada, com 3 cm de diâmetro, na parte externa do cotovelo; e que, finalmente, tais lesões, demandaram à ofendida CC 21 (vinte e um) dias para atingir a cura, todos sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional; bem como os danos emocionais que a ofendida sofreu em consequência de toda esta sua atuação como atrás explicamos; havendo ainda de ter em atenção que a vítima era funcionária de uma ourivesaria e os arguidos, embora sem profissão em Portugal, têm ambos com formação superior, o que, pelo menos, faz supor mais competências para angariar mais meios de subsistência e fortuna.
Resumindo e concluindo, o caso em análise, estamos perante a prática de um crime doloso, em que o grau de culpa dos agentes se mostra muito elevado e em que as suas consequências não podem deixar de ser consideradas relevantes para a ofendida. Não havendo dúvidas sobre a gravidade do crime praticado e o consequente impacto na pessoa da vítima quer em termos de lesões físicas quer em termos de danos emocionais, como já dissemos, e tendo em atenção os critérios jurisprudenciais correntes consideramos que o montante de 3.000,00€ a título de reparação dos danos não patrimoniais sofridos se mostra equitativo e adequado a reparar os danos sofridos em substituição do montante de 5.000,00€ fixado na primeira instância.
Procede, assim, parcialmente esta questão.
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Finalmente invocam os recorrentes a inconstitucionalidade do art. 82º A) do CPP, nos seguintes termos:
«Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, o entendimento e dimensão normativa dos arts. 82º-A CPP e 16º n.º 2 da Lei 130/2015 quando interpretados no sentido de “É de fixar oficiosamente pelo Tribunal a indemnização a favor de quem não tenha estatuto de vítima conferido nos autos e tenha sido previamente notificado para deduzir pedido de indemnização cível, na qualidade de ofendido e não o tenha feito.»
«É inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, o entendimento e dimensão normativa dos arts. 82º-A CPP e 16º n.º 2 da Lei 130/2015 quando interpretados no sentido de “É de fixar oficiosamente pelo Tribunal a indemnização a favor de vítima sem que conste da matéria de facto julgada provada quaisquer dados, elementos ou factos que atestem a especial vulnerabilidade da mesma e as lesões sofridas não coenvolvam qualquer afetação da capacidade de trabalho geral e profissional».
Nada foi argumentando sobre as razões de os arguidos considerarem os “segmentos normativos” que enunciam como padecendo de inconstitucionalidade, nem sequer a identificação dos artigos da Constituição violados, numa argumentação congruente. Assim sendo, como é, a questão é manifestamente improcedente. Aliás mesmo que assim não fosse sempre haveriam de ser tidos em conta os argumentos expendidos pelo TC nos seus acórdãos n.ºs 187/90 e 452/2000, par os quais se remete.
Foram indicados como violados múltiplos princípios, mas não foi produzida qualquer argumentação em relação a essa violação, pelo que nada mais há a conhecer.
Pelo exposto, atento o que atrás referimos, procede parcialmente o recurso interposto.
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III. Decisão.
Acordam os juízes subscritores em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e, consequentemente, com a alteração parcial do acórdão recorrido, condenar os recorrentes
1. AA pela prática de um crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, e 210º, nº 1 e 2 al. b) e 204º, n.º 2 al. a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6(seis) meses de prisão, a cumprir.
2. BB pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, e 210º, nº 1 e 2 al. b) e 204º, n.º 2 al. a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, a cumprir.
3. Condenam-se os arguidos, aqui recorrentes, a pagarem solidariamente à ofendida CC, a quantia de 3.000,00€ (três mil euros) ao abrigo do art. 16º, n.º 2 da lei 130/2015, de 04.09 e art. 82ºA) do CPP.
4. Manter o demais decidido no acórdão da 1ª instância.

Sem custas, nesta instância, dado o parcial provimento do recurso.

Notifique.
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Revisto pela Relatora.

Porto, 28 junho 2023.
Maria Dolores da Silva e Sousa
Liliana de Páris Dias
Cláudia Rodrigues
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[1] Cf. Ac. do TRL de 09.11.2022, acedido aqui: https://jurisprudencia.pt/acordao/210884/
[2] Cf. Ac. do STJ de 18.10.2006 acedido aqui: https://jurisprudencia.pt/acordao/136992/
[3] CFr. Ac. do STJ de 05.07.2007, acedido aqui: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f75ee7bd40a75ff0802573230033f491?OpenDocument
[4] Cfr. Ac. do STJ de 03.04.1998, acedido aqui: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3e5358ad07a6a5f7802568fc003b9e5f?OpenDocument
[5] Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 732.
[6] Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 749.
[7] Cf. Faria Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, II, 66/67.
[8] Cf. https://www.sfj.pt/docs/103045671390.pdf
[9] http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/2E74E594F9D6476480257DE10056F979
[10] Exceto no caso em que a vítima expressamente se opuser.
[11] Além do que supra referimos, Cfr. Paulo P. Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª edição atualizada, UCE, 210, pág. 210 e, na jurisprudência nacional, o Ac. do STJ de 01/04/2020, Proc. nº 643/18.6PTLSB.L1.S1, consultável aqui: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e5c952db4c045f2b80258687007ff8b0?OpenDocument
[12] Indemnização/reparação, que assumindo, embora, primordialmente um cariz compensatório se reveste também de um carácter sancionatório. Cf. Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, pág. 879, a 888.