Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CLÁUDIA RODRIGUES | ||
Descritores: | CRIME DE CONTRAFACÇÃO DESPACHO DE PRONÚNCIA DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA INDÍCIOS SUFICIENTES CONCEITO PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO REO" | ||
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Nº do Documento: | RP2022101916113/17.7T9PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/19/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO AOS RECURSOS DOS ARGUIDOS E DO MINISTÉRIO PÚBLICO, | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige a prova no sentido de certeza moral da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios de sinais de ocorrência de um crime, donde possa formar-se a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido, sendo esta uma probabilidade mais positiva do que negativa, pelo que o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o mesmo tenha cometido o crime, do que não o tenha cometido. II – A exegese da existência de indícios suficientes deve ajustar-se aos princípios constitucionais da dignidade humana, da preservação do bom nome e reputação, estando sujeita aos restantes princípios e regras processuais que regem a apreciação da prova, designadamente ao princípio da livre apreciação da prova, com a consequência de que a prova indiciária deverá ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, bem como ao princípio “in dubio pro reo”. III – Por seu turno, há que ter presente que não compete ao Tribunal da Relação apreciar os factos apurados e substituir-se ao tribunal de 1ª Instância na prolação de despacho de pronúncia ou não pronúncia, mas apenas, por força do recurso, com a base indiciária recolhida, corroborada ou não por outros elementos de prova, decidir se, no seu conjunto, são suficientes ou insuficientes para a prolação de um despacho de pronúncia ou não pronúncia a levar a efeito sempre em primeira instância. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 16113/17.7T9PRT.P1 Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: * 1. RELATÓRIO Nos autos de instrução nº 16113/17.7T9PRT, do Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, o assistente AA requereu a abertura de instrução na sequência de despacho de arquivamento do Ministério Público proferido em 01.07.2020 que considerou em relação aos arguidos BB e CC insuficiência de indícios relativamente à sua participação nos factos contra si denunciados e quanto aos arguidos DD e EE, por insuficiência de indícios quanto à verificação do crime de contrafacção, a qual sendo admitida veio a correr os seus termos, culminando com o despacho de pronúncia quanto aos citados arguidos relativamente à discutida responsabilidade pelo cometimento em co-autoria do antedito crime de contrafacção, previsto e punido pelos art.ºs 196.º e 197.º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (DL 63/85, de 14 de Março). Não se conformando com a decisão de pronúncia vieram os arguidos DD e EE e o Ministério Público interpor recursos, todos sustentando que o despacho de pronúncia deve ser revogado e substituído por outro que não pronuncie os arguidos e determine o arquivamento dos autos, finalizando as respectivas motivações com as seguintes conclusões (transcrição): i) Ministério Público I) Nos presentes autos AA denunciou DD, EE, BB e CC, imputando-lhe a pratica de factos suscetíveis de integrarem a pratica do crime de contrafação p.p. pelo art° 196° e 197° do Código de Direito de Autor e Direito Conexos; II) Por considerar a inexistência de suficientes indícios do elemento subjetivo do tipo, o M°P° ordenou o arquivamento dos autos; III) Inconformado com este despacho, o denunciante, constituído assistente requereu a abertura da instrução; IV) Finda a qual o MM0 Juiz entendendo terem sido recolhidos suficientes indícios da pratica do crime de contrafação p.p. pelos artºs 196° e 197°, do Código de Direitos de Autores e Direito Conexos, por estes crimes Pronunciou os arguidos; V) Dispõe o art° 308° n°l e n°3 do CPP que - começando por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais que possa conhecer -, se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia; VI) O CPP, no art° 283°, n° 2, considera "suficientes os indícios sempre que deles resultar a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança"; VII) O despacho de pronuncia de pronúncia terá que ser, assim, devidamente ponderado, pois a simples sujeição de uma pessoa a julgamento, mesmo que venha a ser absolvida, quase sempre lhe acarreta consequências gravosas; VIII) Deve ter-se presente a necessidade de evitar esses "incómodos" e, por isso, quer a doutrina quer a jurisprudência, têm entendido que indícios suficientes são aqueles onde a possibilidade de condenação seja mais forte que a absolvição - Entre muitos Acs.RP de 22/10/200$, Proc 0814910, de 21/10/2009, Proc 533/02.4TAMTS e 26/11/2011, Proc 11018/08.5TDPRT, todos diponíveis in www.dgsi.pt. Esta decisão instrutória deve ser precedida por um juízo de prognose, devendo apenas ser remetidos para julgamento os casos em que seja manifesta uma futura decisão condenatória - Veja-se Ac. Rei. Porto, de 20/10/93, CJ, TIV, pg.261; IX) No caso sub judice, O MM° Juiz não alega qualquer facto objetivo que responsabilize o 4º arguido pela pratica do crime de contrafação que lhe imputa; X) Também não alega nenhum elemento concreto que indicie ter havido responsabilidade dolosa dos arguidos na pratica do crime, veja-se que na imputação subjetiva o MM° Juiz descreve os factos como se de um incumprimento contratual se tratasse, referindo apenas que "os arguidos atuaram de forma ilícita, com manifesta violação do assistente enquanto autor da obra, para além de terem desrespeitado a obrigação assumida pelos mesmos, no já referido contrato de transação celebrado com aquele". XI) Mas, mais do que isso, entendemos, à semelhança do decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/07/2004 que uma mera representação de um órgão humano, ou como ocorre nos presentes autos, de uma reação cerebral a estímulos elétricos não contém em si uma criação intelectual que justifique a proteção em sede de direito de autor ou direitos conexos, pois ela não é mais de que uma manifestação da realidade, faltando-lhe a criatividade para que possa ser considerada artística. A obra alegadamente contrafeita é a representação de uma reação cerebral, tal como um eletrocardiograma é a representação de uma reação do coração. E que se saiba, não é este tipo de representação considerado obra artística para efeitos de proteção autoral. O que efetivamente ocorreu, foi uma ideia da parte do assistente, de transmitir para o papel essa reação cerebral, concretizada pelas manchas verdes e azuis de fls. 39. XII) Mas de acordo com o disposto no n°2 do art° Io do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, as ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste código. XIII) Pelo que, também sob o ponto de vista objetivo, o MM° Juiz não podia ter Pronunciado os arguidos. XIV) E ao fazê-lo, violou o MMº Juiz o disposto nos art°s 308° do CPP, por referência ao art° 283° n°2 do mesmo diploma legal, o art° Io n°2 do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos e ainda o Principio da Legalidade previsto no art° Io do Código Penal. ii) arguidos DD e EE 1. Os autos não evidenciam a existência de indícios suficientes do cometimento, pelos arguidos, do crime de que vêm pronunciados, impondo-se, por isso, uma solução inversa à decidida na decisão ora impugnada, competindo, assim, a este Tribunal “ad quem” usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de censura. 2. Entendem igualmente os recorrentes que o Tribunal a quo andou mal ao ter concluído que se encontram indiciados os factos constantes dos pontos 5, 7, 8, 13, 16, 17, 21, 22 e 23 acima identificados, e, consequentemente, indiciada a prática do crime de contrafação, pois, atenta a globalidade da prova constante dos autos, impunha-se decisão diametralmente oposta! 3. Da análise do artigo 1.º n.º 1 e 2 do CDADC resulta que é essencial à obra, objeto de proteção do direito de autor, a originalidade, isto é, é necessário que a obra incorpore um mínimo de criação pessoal, que lhe dê individualização própria, a marca pessoal do mesmo autor. 4. Conclui-se igualmente de tal preceito que, embora a ideia seja um produto do espírito humano, não é a ideia pura que constitui objeto do direito de autor ou que é protegida por esse direito, ou seja, a proteção do direito autoral recai sobre a forma como se exterioriza a ideia, a criação do espírito exteriorizada na obra. 5. Da descrição feita pelas testemunhas ouvidas em sede de instrução, indicadas pelo assistente, resulta que a designada “K...”, que consta de fls. 39 dos autos, foi obtida através de um método tecnológico de colocação de auscultadores na cabeça de uma pessoa, consistindo a alegada obra na representação do que o cérebro dessa pessoa representa, sendo certo que, qualquer indivíduo pode colocar os tais auscultadores na cabeça de um outro indivíduo e, dessa forma, retirar as imagens que o assistente alega ser a obra artística “K...”. 6. Esta circunstância é reveladora que a “K...” não tem o “cunho” daquele que se diz ser seu autor, porquanto, o que nos é transmitido pela mesma é uma ideia, um processo de se chegar a determinada obra, que efetivamente nos é transmitida pela reação cerebral, daquele que se sujeita a participar no processo, que poderá ser qualquer indivíduo, pelo que, acompanhando o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.07.2004, relator: Dias Cabral, julgamos que a “K...” não integra o conceito de obra artística protegida pelos direitos autorais, porquanto, na verdade, o assistente nada criou, já que, só há criação quando nos afastamos do que está ao alcance de toda a gente para se chegar a algo novo, o que não sucedeu pois, reitera-se, qualquer indivíduo pode colocar os auscultadores e ver representado os seus estímulos cerebrais, tendo o Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal andado mal ao ter pronunciado os arguidos pelo crime de contrafação, sendo certo que, ao fazê-lo violou o citado artigo 1.º n.º 2 do CDADC. 7. Das fotografias juntas ao processo, resulta que o assistente mentiu nas declarações que prestou ao tribunal, na medida em que, os arguidos trabalharam em estrita colaboração com o assistente, unindo esforços, metodologias e valências distintas para criar a designada “K...”, ou seja os arguidos não foram meros “acéfalos” conforme pretendeu o assistente ficcionar de forma a tentar enganar o tribunal. 8. Do requerimento de fls. 542 a 548 e dos documentos a ele anexos fls. 558 a 559 - e ainda da queixa-crime apresentada pelos recorrentes contra o assistente- fls 4 a 32 do apenso A -, resulta que durante os três dias do evento designado por “T...”, organizado por FF, na Fundação ..., powered by M..., foi elaborada e desenvolvida, pelo assistente e pelos recorrentes, em estreita colaboração, união de esforços, metodologias e valências, uma “obra”; que após a realização daquele evento, o assistente publicou, no website do Estúdio ..., do qual é Diretor Artístico - ... -, várias fotografias que foram capturadas durante a execução da referida “obra”, intitulando a mesma de “K...”, e creditando os recorrentes como meros “Cephalos”; que, por estar plenamente convicto da legalidade da sua actuação, devido à circunstância de a “obra” também ser da sua autoria, o recorrente DD publicou a agora denominada “K...” no site da M... - ... - bem como na página do Facebook, intitulando-a de “...; que, perante tal situação, o recorrido começou a levar a cabo comportamentos difamatórios; que foi precisamente por força de tais comportamentos que os recorrentes decidiram contratar um Advogado e, após o envio de várias propostas e contrapropostas, anuíram celebrar o contrato de transação a que se faz alusão no despacho de que se recorre. 9. Os elementos constantes dos autos não deixam, assim, dúvidas de que a celebração do aludido contrato de transação, outorgado em 27 de Janeiro de 2014, não teve subjacente o reconhecimento, por parte dos aqui recorrentes, de que estavam a usar indevidamente uma obra criada unicamente pelo assistente, mas sim que através daquele contrato os recorrentes quiseram colocar termo à conduta que vinha sendo adotada pelo recorrido, essa sim claramente ilícita, pelo que, a primeira conclusão que se impunha retirar dos autos é que, embora, efetivamente, em Janeiro de 2014, assistente e arguidos tenham celebrado o contrato de transação a que se alude na decisão instrutória, no plano material, a realidade fáctica demonstra que a agora designada “K...” é uma “obra” comum que consubstancia o resultado de uma estreita colaboração entre os recorrentes e o assistente. 10. Da análise de tais elementos constantes do processo não é possível afirmar como fez o Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal no ponto que aqui assinalámos com o n.º 5 que a obra “K...” pertença exclusivamente ao assistente, e que este seja detentor único dos direitos sobre a supramencionada “obra”, na medida em que, o mesmo não a pensou, não a idealizou, não a concebeu, nem a executou e, muito menos, a intitulou, sem a intervenção estreita dos arguidos. 11. O tipo objetivo do crime de contrafação consiste na reprodução total ou parcial de uma obra intelectual de terceiros. 12. O artigo 9.º n.º 3 estabelece que “independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respetiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade”. 13. Estes preceitos impõe concluir que, a celebração do contrato de transação não tem a virtualidade de retirar aos arguidos os direitos morais que os mesmos têm sobre a agora designada por “K...”, porquanto, no plano material, os mesmos também são autores da “obra”, sendo nulo o referido contrato de transação o que aqui se invoca e, por isso, não podendo produzir os efeitos jurídicos que o Tribunal a quo lhe atribuiu, já que, o direito de autor de obra feita em colaboração, na sua unidade, pertence a todos os que nela tiverem colaborado, aplicando-se ao exercício comum desse direito as regras da compropriedade. 14. No âmbito dos direitos morais que sempre assistiriam aos arguidos, nos termos do disposto no artigo 56º do CDADC, independentemente dos direitos de carácter patrimonial e ainda que os tenha alienado ou onerado, o autor goza durante toda a vida do direito de reivindicar a paternidade da obra e de assegurar a genuinidade e integridade desta, opondo-se à sua destruição, a toda e qualquer mutilação, deformação ou outra modificação da mesma e, de um modo geral, a todo e qualquer ato que a desvirtue e possa afetar a honra e reputação do autor. 15. Tal circunstância, salvo o devido respeito por melhor opinião, impunha, por si só, que fosse proferido despacho de não pronúncia, por não se verificar preenchido o tipo objetivo do crime em análise, na medida em que, os recorrentes, não reproduziram uma obra de terceiros, mas sim uma obra que também é da sua autoria. 16. Mesmo que improcedessem os argumentos supra, atentos os elementos constantes do processo, impunha-se concluir pela inexistência de indícios suficientes da prática, pelos recorrentes, do crime de que vêm pronunciados, porquanto, conforme já se referiu, apesar de os recorrentes e o assistente terem outorgado o contrato de transação a que alude a decisão instrutória, a verdade é que, o mesmo não teve subjacente o reconhecimento, por parte daqueles, de que estavam a usar indevidamente uma ”obra” criada unicamente por este último, pois, a prova demonstra que, através do identificado contrato, os recorrentes pretenderam tão só e apenas colocar termo à conduta difamatória que o assistente vinha levando a cabo, pelo que, dúvidas não existem de que a conduta em apreciação nos presentes autos não consubstancia a reiteração de um comportamento anterior, na medida em que, repete-se, previamente à celebração da aludida transação, os recorrentes atuaram apenas na clara convicção de que a agora denominada “K...”, por consubstanciar um trabalho conjunto, também lhes pertencia. 17. Do depoimento prestado pela testemunha GG de fls. 110 do apenso A, resulta que em Setembro de 2017, os recorrentes a contrataram, na qualidade de designer, para executar a reformulação do website da M..., entregando-lhe para o efeito todas as pastas e conteúdos dos projetos por eles desenvolvidos, bem como o website antigo, de modo a que a mesma seguisse igual ideologia e metodologia. 18. Resulta igualmente do aludido depoimento, que foi a identificada designer/testemunha quem, por total desconhecimento do litígio existente entre os recorrentes e o assistente, colocou no novo website, sem o conhocimento daqueles, fotografias da “K...” sem a devida creditação. 19. Através do referido depoimento, e ainda das mensagens constantes de fls. 277 a 279, é possível ainda concluir que, quando o recorrente DD analisou o trabalho realizado pela testemunha GG, em 21.09.2017, e constatou tal lapso de creditação, de imediato entrou em contacto com a mesma, dando-lhe conta que nas identificadas fotos tinha de conter um disclaimer, devido a um litigio que já se encontrava resolvido, pedindo àquela que falasse com o recorrente EE para receber instruções relativamente à forma de atribuir o crédito das imagens ao assistente. 20. Da análise de tais documentos e do depoimento da testemunha GG, impõe-se igualmente concluir que, não tendo conseguido corrigir a situação, devido ao facto de a designer não estar a conseguir contactar o recorrente EE, o recorrente DD acabou por determinar que a publicação em causa fosse retirada imediatamente do novo website, o que sucedeu no dia 22.09.2017. 21. Tal versão dos factos foi integralmente confirmada pela testemunha HH fls. 126 do Apenso A. 22. Da prova documental acima identificada e do depoimento das testemunhas GG e HH, resulta também que no período compreendido entre 19.09.2017 e 22.09.2017, o recorrente DD, que era quem estava responsável pela contratação dos serviços de restruturação do Website da M..., encontrava-se em Nova York, sem comunicações por via telefone, podendo apenas comunicar com os seus colegas através de wi-fi quando conseguia encontrar um hotspot, mas, devido à diferença do fuso horário, sempre com um atraso de cinco horas, mas que, apesar disso, tudo fez para que o lapso de creditação fosse resolvido com a maior brevidade possível. 23. Os documentos a que se faz alusão na decisão instrutória pontos aqui identificados sob os n.ºs 19 e 20 reforçam a conclusão (que já era alcançável pela restante prova identificada) de que, embora tenham sido publicadas no website gerido pelos arguidos fotografias alusivas à “K...” sem que tenha sido feita menção ao assistente, tal facto não sucedeu por vontade dos recorrentes, mas sim por circunstâncias meramente acidentais, tal como entendeu, e bem, o Exmo. Senhor Procurador do Ministério Público - fls. 55, 56 e 57. 24. Resultar também da prova documental junta ao processo que a errada creditação apenas esteve no website gerido pelos recorrentes entre o dia 19.09.2017 e 22.09.2017 conforme resulta do requerimento de fls 253, do depoimento da testemunha GG, bem como do e-mail enviado pelo recorrente DD para o assistente, datado de 22.09.2017, dando conta que o problema já havia sido corrigido, solicitando que o mesmo retirasse as frases difamatórias da sua página pessoal de Facebook fls. 55. 25. Os autos demonstram, assim, que o que sucedeu foi um mero lapso, o qual, aliás, fundamentou, e bem, o despacho de arquivamento, ou seja, a falta de creditação deveu-se a um erro da designer contratada pelos arguidos, erro esse absolutamente alheio à vontade e controlo dos aqui recorrentes, pelo que, tendo sido cometido por terceiros, nunca poderia estar em causa uma reiteração. 26. Não tendo resultado suficientemente indiciado, agora, o elemento subjetivo do tipo, ao pronunciar os arguidos, o Exmo. Senhor de Instrução Criminal violou o artigo 308.º do Código de Processo Penal. NESTES TERMOS, e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, e, por via dele, ser revogada a decisão instrutória recorrida, e, em consequência ser proferido despacho que decida pela não pronuncia dos arguidos, como, aliás, é de DIREITO E JUSTIÇA” Os recursos foram regularmente admitidos por despacho proferido em 18.04.2022, sendo fixado o regime de subida imediata, nos próprios autos com efeito não suspensivo. O assistente AA apresentou resposta, na qual sustenta que os recursos apresentados carecem de fundamento legal e factual, porquanto o Tribunal a quo, fez uma correta aplicação do direito aos factos fortemente indiciados e ajuizou corretamente todas as questões ao mesmo submetidas, não sendo violadas quaisquer normas do direito substantivo ou adjectivo, como alegado pelos recorrentes e aduz as seguintes conclusões: Recurso do Ministério Público: “A- Salvo o devido respeito, entende o recorrido que o recurso apresentado carece de fundamento legal e factual, porquanto o Tribunal a quo, fez uma correta aplicação do direito aos factos fortemente indiciados e ajuizou corretamente todas as questões ao mesmo submetidas, não sendo violadas quaisquer normas do direito substantivo ou adjectivo, como alegado pelo Ministério Público, doravante designado de apenas M.P, o que vai procurar explanar na presente resposta. B- Foi proferida decisão Instrutória, em que os arguidos foram mui doutamente pronunciados pelo crime de contrafação, previsto e punido pelos art.º 196.º e 197.º, do Código dos Direitos de Autor e Direitos conexos (DL 63/85, de 14 de março). C- O M.P não concordou com tal, tendo apresentado recurso. D- Primeiramente importa realçar, como bem sublinhou o M.P, no despacho de arquivamento, que “Neste particular, assume-se por ultrapassada a atribuição da obra em apreço, a AA, tal como havia sido previamente assumida pelos arguidos DD e EE”. E- Releve-se que o MP distingue o arguido CC dos restantes, razão pela qual se infere que a conduta destes difere do primeiro. Pelo que a conduta destes é de modo a poder concluir-se de forma diferente. F- A intenção de todos os arguidos de se fazerem passar por autores da obra é evidente, para tanto basta atentar ao documento junto aos autos. G- O arguido CC é identificado explicitamente, como criador da obra que a imagem documenta que é a obra da autoria do assistente, pelo que não se compreende o referido pelo M.P, tendo existido uma vez mais, tal como já acontecera no despacho de arquivamento, uma análise errada dos factos/documentos. H- Tanto assim é, que é o próprio arguido CC que aquando do seu depoimento em sede de inquérito, depoimento valorizado pelo M.P, que até faz referência no seu despacho de arquivamento, afirma que “a sua foto se encontra associada naquele website”. I- Facto é, que durante o período de tempo em que as imagens da obra K..., da autoria do assistente, estiveram ilicitamente publicadas no site da M..., qualquer pessoa que visitasse o site consideraria essas imagens como sendo de obra da autoria do arguido CC. Acresce ainda que, é o próprio CC que se apresenta no ano de 2018 como fundador da M.... J- Pelo que, não merece qualquer reparo a decisão instrutória, ao pronunciar o arguido CC a par dos restantes arguidos. K- Conforme resulta da prova apresentada pelos próprios arguidos e constante a fls. 277 a 279, bem como pelos depoimentos em fase de instrução, os conteúdos do sítio web (imagens e textos) foram fornecidos à designer GG pelo arguido DD. L- Acresce, como evidência da intencionalidade e do manifesto propósito dos arguidos, foram estes a determinar especifica e concretamente qual o trabalho a ser executado pela designer, isto é, todas as instruções foram dadas pelos arguidos, conforme ele próprios reconheceram em audiência. ideologia e metodologia pelo qual o trabalho da designer deveria ser executado. M- Assim, foram os próprios arguidos, no seu depoimento, a trazer à evidência do tribunal que os conteúdos, a ideologia e a metodologia que a designer seguiu na execução do seu trabalho eram os mesmos conteúdos, ideologia e metodologia do site anterior da M.... O - Portanto, o novo site instruído pelos arguidos, além de violar os direitos de autor do assistente, veio indiciar que os direitos do assistente já eram violados em site da M... anteriormente existente. P- Conforme ficou demonstrado, não se tratou da publicação acidental de “uma fotografia”, mas sim da publicação deliberada de cinco fotografias diferentes em três páginas diferentes do website da M.... Q- Além disso, e a confirmar a intencionalidade dos arguidos, por prova trazida aos autos pelos próprios, quando a designer questionou um dos arguidos se também devia retirar as imagens de um portefolio offline o arguido DD respondeu instruindo-a para não o fazer pelo facto do portefolio em causa não estar online!!! R - O que é demonstrativo que além do website também existia, segundo os próprios, um portefolio onde também eram utilizadas as imagens da obra K... da autoria do assistente. S- A responsabilidade do site da M... cabia a todos os arguidos, eram estes que tinham a obrigação de verificar se os conteúdos (imagens e textos) eram correctos e se não violavam o direito autoral de terceiros. Esta responsabilidade não foi nem nunca poderia ser da designer. T- Cabia aos arguidos, a responsabilidade pelos conteúdos publicados no site da M.... Cabia aos arguidos a responsabilidade, antes do site ser publicado, de verificar se algum dos conteúdos, e a forma como eram apresentados, violava direitos autorais de terceiros. U- A designer apenas se limitou a programar o site com os conteúdos que lhe foram entregues pelos arguidos, seguindo as metodologias e ideologia pelos arguidos determinadas, que eram, sublinhe-se, os mesmos do site anterior. V- Não corresponde de todo à verdade, que o projecto em questão tenha estado no Website da M... apenas desde o dia 19 de setembro de 2017, pois conforme atesta o webarchive de onde provém as imagens presentes nos autos, a última actualização da página havia ocorrido a 17 de setembro de 2019. W- Do acima exposto, conclui-se inequivocamente que a publicação das imagens que documentam a obra K... de autoria do assistente NÃO FOI UM LAPSO e que o despacho de arquivamento do M.P não esteve mais uma vez bem, porque, não se tratou, conforme afirma a o M.P, de uma publicação acidental por parte da designer de uma imagem, mas sim da publicação ilícita de cinco imagens diferentes em três páginas distintas do site sendo uma delas a página de entrada do site. X- A contrário do que afirma o M.P, não existiu qualquer legenda que identificasse o legítimo autor da obra representada nas imagens. Pelo contrário, uma das imagens era acompanhada por uma legenda que atribuía ao colectivo M... a autoria da obra do aqui assistente AA. Y- Quanto a questão da “consideração da obra em causa, não ter originalidade suficiente para ser considerada uma obra artística com protecção do Código dos direitos de Autor e direitos conexos”, é fundamental esclarecer que é absolutamente falso que na obra sejam utilizados auscultadores. Os auscultadores são sistemas de difusão sonora que permitem a pessoas escutar sons. Na obra K... não são utilizados auscultadores. O MP demonstra não ter compreendido a obra ou as tecnologias nela utilizadas, mas mesmo assim, arroja-se a tecer considerações sobre a originalidade ou o estatuto artístico da obra K.... Z- Labora em equívoco o MP talvez por não se ter apercebido ou não ter compreendido que aquilo que as imagens publicadas ilícitamente pelos arguidos, documentam, não é uma ideia mas sim um trabalho artístico cujas componentes são constituídas por um programa de computador original em actividade. O autor desse programa de computador é, nada menos, o aqui assistente. O que se discute não é a paternidade de uma ideia, mas de um programa de computador original sem o qual as “manchas verde/limão e azuis” jamais poderiam ser registadas, fotografadas ou videogravadas. AA- A criação intelectual e artística da obra K... não se exterioriza nuns “auscultadores” mas sim num programa de computador de autor, da autoria do aqui assistente. Esse programa de computador foi referido na instrução como programa e como software. Esse programa da autoria do assistente só existe nos arquivos do próprio, do autor. BB- decurso da instrução, quando, o arguido EE foi questionado sobre quem é que possuía o programa/software o arguido respondeu que “o programa estava na possa do assistente. A tutela dos programas de computador está consagrada pelo direito de autor, tanto à escala internacional como no âmbito de legislação portuguesa. CC- Na obra K..., além da dimensão mais imaterial do software/programa de computador de autor e da sua autoria tutelada pelo direito autoral (DL - 63/85 e DL n.º 252/94) há a dimensão da materialização da obra, como é que ela é percebida pelas pessoas – imagens de síntese em movimento visualizadas numa video projecção e os sons de síntese ouvidos difundidos num sistema de difusão estéreo. Além da dimensão conceptual, a obra K... tem uma materialização física e tangível que requer expertise. DD- Está, portanto, a obra K... duplamente protegida pelo direito autoral: o programa de computador e a materialização artística. EE- absolutamente descabida a afirmação de que “qualquer individuo pode colocar os tais auscultadores na cabeça de um ser humano e daí retirar imagens” porque a K... e o programa de computador que a constitui e a faz acontecer não são produtos ready made que “qualquer individuo” possa adquirir. Porque, a K... e o programa de computador que a constitui e a faz acontecer são produto original de um trabalho intelectual criativo. FF- Na obra K... não existe, e a obra K... não é, nem reprodução, nem representação, nem figuração, porque o resultado são acontecimentos de síntese visual e sonora – sons e imagens de síntese, produto original de um trabalho intelectual criativo. O que foi contrafeito não foi uma ideia, mas sim uma obra materializada por um programa de computador original sem o qual as “manchas verde/limão e azuis” jamais poderiam ser registadas, fotografadas ou videogravadas. GG - A obra K... é o resultado do trabalho criativo e intelectual do Artista AA, estando, por conseguinte, protegida pelo CDADC. HH- Existem indícios da participação de todos os arguidos no crime imputado pois à data de 22 de Setembro de 2017, no sitio web M... (onde se encontravam ilicitamente publicadas imagens da obra do assistente) na página “...” que apresentava a equipa da M..., todos os pronunciados estavam identificados com nome e fotografia. Além disso, o nome do arguido CC aparece explicitamente como autor do trabalho dos M... que é documentado com imagens da obra do assistente. II- Existem indícios objetivos do tipo de ilícito, porquanto ficou demonstrado, que imagens da obra K... da autoria do assistente estiveram ilicitamente e deliberadamente publicadas no sitio web M... associado a todos os recorrentes, bem como num sítio web anterior e num portfolio offline. Ou seja, os arguidos documentaram um trabalho seu com imagens que documentam uma obra de terceiros, neste caso, do assistente. Os autos revelam que não existiu lapso, nem erro, da Designer. Sem qualquer responsabilidade autorial, instruída pelos arguidos, apenas executou a reformulação de um website, com a exacta metodologia, ideologia e conteúdos de um site anterior. A sua execução feita pela designer apenas veio confirmar que, ao seguir a ideologia do site anterior e com os mesmos conteúdos, já no “site anterior” se verificava a utilização da documentação de uma obra do assistente no portfólio da M..., como aliás já havia anteriormente acontecido até 2014. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Ex.a sempre mui doutamente suprirá: Deve o recurso apresentado ser julgado totalmente improcedente, devendo ser confirmada a decisão recorrida, sendo, assim, feita inteira JUSTIÇA!!!” Recurso dos arguidos DD e EE A-Salvo o devido respeito, entende o recorrido que o recurso apresentado carece de fundamento legal e factual, porquanto o Tribunal a quo, fez uma correta aplicação do direito aos factos fortemente indiciados e ajuizou corretamente todas as questões ao mesmo submetidas, não sendo violadas quaisquer normas do direito substantivo ou adjectivo, como alegado pelos arguidos, o que vai procurar explanar na presente resposta. B-Ao contrário dos arguidos que vêm apresentando versões diametralmente opostas, fabricando um processo com fundamentação dinâmica – que variou desde o reconhecerem a obra K... como sendo da autoria do assistente (em contrato, em retratações e perante o M.P), reconhecerem a publicação indevida da documentação visual da obra K..., tentando desculpar este ilícito com um “lapso” por parte da designer GG, passando pelo posterior questionamento e disputa da paternidade e da autoria da obra, ou passando pela heresia e contradição de que nem existe obra de autor ou qualquer trabalho de autoria – o assistente mantém exactamente as mesmas declarações e fundamentação pelo simples facto de lhe assistir a verdade. C-Os arguidos tanto afirmam que “a “K...” não integra o conceito de obra artística protegida pelos direitos autorais” como logo a seguir já afirmam a “criação de uma obra comum com a designação “K...”” ou mais à frente que “Importa ainda referir que, a estarmos perante uma obra feita em colaboração e de obra colectiva – artigo 16.º CDAC […]”. D- Ou seja, por conveniência da sua defesa, os arguidos afirmam que a obra não integra o conceito de obra artística protegida pelos direitos autorais e também o seu contrário. Tal é absolutamente falso. Não foi publicada uma fotografia da obra do assistente, mas sim cinco fotografias, e não apenas numa página do site da M... mas sim em 3 páginas, sendo uma delas a página de abertura do sitio web (conforme atestam as provas presentes nos autos. E- Os mesmos documentos comprovam que não existia qualquer legenda em nenhuma das imagens. Verificou-se na fase de instrução, que a publicação não foi acidental. Os conteúdos do site da M... foram fornecidos à designer pelo arguido DD, facto confirmado pelo próprio e pelo arguido EE. F-Também se verificou na instrução que a designer GG faltou à verdade, quando referiu “que o projeto em questão esteve no website desde o dia 19 até ao dia 22 de setembro de 2017”. Tal não é verdade, foi verificado na fase da instrução com base na prova trazida da entidade amen que aloja o site e com base no próprio arquivo web que consta nos autos que a data de publicação da documentação do projecto do assistente no site da M... é anterior a 19 de setembro de 2017. G- Com a prova carreada pelos próprios arguidos e que consta nos autos (troca de mensagens entre o DD e a Designer GG), verificou-se a intencionalidade e má-fé do arguido DD que quando, após ter sido descoberta a sua conduta ilícita, pede à designer para retirar as imagens que documentam a obra do assistente de todas as páginas do site da M.... H- Resultando assim que, que, além das imagens do projecto do assistente terem sido ilicitamente utilizadas como sendo dos arguidos no sítio web da maurts, essas imagens vinham sendo utilizadas num portfólio da M.... Os recorrentes consideram que o tribunal mal andou por ter concluído que se encontram indiciados os factos constantes dos pontos 5, 7, 13, 16, 17, 21, 22 e 23 que a seguir citamos e demonstramos que esteve bem o Sr. Juiz de Instrução ao considerar indiciados os factos, como já nos habituou e é seu apanágio. I- São várias as provas nos autos que atestam que a autoria e criação intelectual da obra K... é exclusiva do assistente. É o próprio MP, que no despacho de arquivamento, que refere que “o denunciante é o autor exclusivo da obra artística com a designação de K... que foi pela primeira vez exibida ao público no decurso do evento, entre os dias 12 e 17 de novembro de 2012”. No contrato de transação que consta nos autos os arguidos reconhecem o assistente como único autor da obra K.... J- A autoria e criação exclusiva da obra pelo assistente foi reiteradamente confirmada durante a instrução pela documentação da comunicação escrita ente FF e o assistente. K- Estão equivocados os recorrentes, aquilo que as imagens publicadas ilicitamente pelos arguidos documentam não é uma ideia, mas sim um trabalho artístico cujas componentes são constituídas por um programa de computador original em actividade. O autor desse programa de computador é o assistente professor AA.O que se discute não é a paternidade de uma ideia, mas de um programa de computador original sem o qual a obra K... jamais existiria, não podendo, portanto, ser fotografada ou videogravada. L-O Sr. Juiz de Instrução, compreendeu e bem que a criação intelectual e artística não se exteriorizava nuns “auscultadores”, mas sim num programa de computador de autor, da autoria do assistente professor AA. M- Esse programa da autoria do assistente só existe nos arquivos do próprio, do autor. Tanto assim é, que quem possuiu o programa/software é o assistente. A tutela dos programas de computador está consagrada pelo direito de autor, tanto à escala internacional como no âmbito de legislação portuguesa. N- Na obra K... não existe, e a obra K... não é, nem reprodução, nem representação, nem figuração. porque o resultado são acontecimentos de síntese visual e sonora – sons e imagens de síntese, que não são nem estão sequer gravados, são sintetizados em tempo real. O- A K... e o programa de computador que a constitui e a faz acontecer são produto original de um trabalho intelectual criativo.O programa de computador que constitui a K... não é um produto comercial, não está à venda e só existe no arquivo do seu autor, o assistente AA. P- Quem reconheceu em 2014 o assistente como autor da obra K... de forma contratual, se retratou e penitenciou por terem utilizado ilicitamente imagens da obra do assistente foram os arguidos que agora, em 2022, em total contradição vêm alegar outra coisa. Q- Quanto às imagens que os arguidos incluem nos autos e incluem no seu recurso, para além do facto evidente, de várias personagens não identificadas e sem se saber em que contexto, estarem a olhar para computadores, não se tira qualquer ilação, muito menos “que os arguidos trabalharam em estreita colaboração com o Assistente” no criação e produção da obra K.... R- O que as imagens podem confirmar é que os arguidos foram figurantes na documentação da obra K.... S- Em nenhuma das imagens, incluídas pelos arguidos no seu recurso, aonde se vêm écrans de computadores aparece o programa de computador original que constitui a obra K... e que é da autoria do assistente conforme se demonstrou na instrução. T -O que se vê em algumas das imagens é o programa do fabricante do headset esse sim que pode ser utilizado por qualquer individuo que o compre. U- É absolutamente falso que a obra K... seja uma criação comum. V- O denunciante é autor exclusivo da obra artística com a designação «K...»”; como bem conclui o Sr. Juiz de Instrução afirmando a “autoria exclusiva por parte do aqui assistente AA: pese embora tenha sido por ele usada a representação visual das ondas cerebrais de terceiros, foi o assistente quem executou a obra em si mesma”; pelas declarações escritas por e-mail e pelas acções (colocação de créditos no vídeo e publicação da obra K... na página dos projectos finais do workshop) do próprio FF; pelo reconhecimento formal dos arguidos em contrato de transação, pelas suas retratações; ou pelas comunicações escritas do arguido DD com a designer. W- O recorrente DD sabia que a obra não era da sua autoria, participou e esteve presente na exposição final no último dia do workshop onde a documentação audiovisual (editada pelo FF) da obra K... foi exibida em loop. Neste documento eram bem visíveis e do conhecimento de todos os participantes do workshop os créditos da obra K...: "Direcção Artística: AA e II; Som, Visuais e Programação AA; Cephalos: DD e EE, Suporte técnico: JJ, Agradecimento Especial: KK.” X- O recorrente sabia que a obra K... não era da sua autoria e que era da autoria do assistente, formalizou esse seu reconhecimento em contrato, retratou-se publicamente do facto de ter utilizado as imagens da obra K... como sendo suas. A obra K... é intitulada durante o workshop, antes ainda do assistente a publicar no seu website e antes do recorrente fazer a publicação ilícita (tentando documentar aquilo que, fora do workshop, denominou de S... com documentação de um trabalho que não lhe pertencia. Y-Ao contrário do que os arguidos querem fazer crer, o que os levou a assinarem o contrato de transação foi: A garantia de que o assistente não participaria à comissão de ética da Universidade do Porto o facto de os arguidos terem publicado ilicitamente no seu portfolio (conforme atesta a imagem na Figura 26) imagens que documentavam a obra do assistente e o facto terem feito uma obra (Figura 27) que poderia constituir um plágio da obra K... do assistente; E a garantia de que o assistente não agiria judicialmente contra os recorrentes pelos factos acima descritos. Z- Conforme consta nos autos e conforme vimos demonstrando a designação da K... não é de agora, é de 2012, de há 10 anos atrás. O que os recorrentes intentam é atabalhoadamente alterar a realidade factual dos quase dez anos de existência da obra K.... AA- A conclusão do Ex.mo Sr. Juiz de Instrução em considerar que a obra K... é da autoria exclusiva do assistente AA, tem por base o diverso material de prova factual que integra os autos, que várias vezes referimos e do qual destacamos as declarações escritas e as acções do FF, o contrato de transação e diversas retratações feitas pelo arguido DD. BB- O trabalho que os recorrentes desenvolveram e apresentaram foi o referido trabalho com uma bailarina e não a obra K... que é da autoria do assistente, e só do assistente, conforme declarado pelo FF e reconhecido anteriormente, por diversas vezes e por diversos meios pelos arguidos. CC- Ficou, portanto, demonstrado na instrução que o assistente AA, ao contrário do que tentam agora ardilosamente insinuar os recorrentes, pensou, idealizou, concebeu, executou e intitulou a obra K... sem a intervenção dos arguidos. DD- Como já foi referido e como demonstrado na instrução a obra K... consiste num programa de computador original que resulta do trabalho intelectual criativo do assistente AA. EE- Assim, sendo é incontroverso que, pelo menos até ao dia 22 de setembro, estiveram publicitadas no sítio da internet com o url:https: //M.../ imagens da obra K..., da autoria do assistente, sem estarem creditadas e referenciadas em conformidade, isto é, sem que aí fosse feita menção da autoria daquele. FF- A responsabilidade do site da M... cabe aos arguidos, eram estes que tinham toda a obrigação de verificar se os conteúdos (imagens e textos) eram correctos e se não violavam o direito autoral de terceiros. Esta responsabilidade não era da designer. GG- Cabia aos arguidos, verificar se o site da M... se encontrava em condições de ser publicado. HH- Cabia aos arguidos a responsabilidade, antes do site ser publicado, de verificar se algum dos conteúdos, e a forma como eram apresentados, violava direitos autorais de terceiros. II- A designer apenas se limitou a programar o site com os conteúdos que lhe foram entregues pelos arguidos, seguindo as metodologias e ideologia pelos arguidos determinadas, que eram, sublinhe-se, os mesmos do site anterior. JJ-Com efeito, não era inédita a atuação dos arguidos, porquanto já em momento anterior havia ocorrido a exibição da obra K... por banda dos arguidos, sem indicação da respetiva autoria. KK-Ou seja, a conduta referida nos presente autos, não é nada mais nada menos, que uma reiteração de comportamentos anteriores, por eles reconhecida como atentatória do direito de autor do assistente. LL- Por isso, e não só, não pode ser havida como acidental, negligente ou descuidada a posterior publicação, no sítio da internet, de imagens da obra “K...”, da autoria do assistente, sem estarem creditadas e referenciadas em conformidade, isto é, como sendo da autoria daquele. MM- Face à fatualidade apurada em sede de inquérito e na instrução, mantendo-se a prova produzida em audiência, quer a que foi apurada em sede de inquérito, quer em sede de instrução, é bem mais provável a condenação dos arguidos do que a sua absolvição. NN- Existem indícios da participação de todos os arguidos no crime imputado pois à data de 22 de Setembro de 2017, no sitio web M... (onde se encontravam ilicitamente publicadas imagens da obra do assistente) na página “...” que apresentava a equipa da M..., todos os pronunciados estavam identificados com nome e fotografia. Além, o nome do arguido CC aparece explicitamente como autor do trabalho dos M... que é documentado com imagens da obra do assistente. OO- Existem indícios objetivos do tipo de ilícito, porquanto ficou demonstrado, que imagens da obra K... da autoria do assistente estiveram ilicitamente publicadas no sitio web M... associado a todos os recorrentes. Ou seja, os arguidos documentaram um trabalho seu com imagens que documentam uma obra de terceiros, neste caso, do assistente. PP- Em suma, é nosso firme entendimento que o recurso interposto carece em absoluto, de fundamento, quer de facto, quer de direito, tendo o douto Tribunal a quo ponderado adequadamente, a prova produzida e nesses termos, feito uma correta aplicação do direito, pelo que, a Douta decisão instrutória não merece qualquer censura e, portanto, deve ser negado, provimento ao recurso apresentado Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Ex.a sempre mui doutamente suprirá: Deve o recurso apresentado ser julgado totalmente improcedente, devendo ser confirmada a decisão recorrida, sendo, assim, feita inteira JUSTIÇA!!!” Foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação, e o Exmo. Procurador-Geral Adjunto na intervenção a que se reporta o art. 416º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), adere à correta e muito bem fundamentada argumentação oferecida nas Motivações e Conclusões dos Recursos interpostos, que subscreve e dá por transcritas. Em conclusão sustenta que o recurso interposto pelo Ministério Público junto da 1ª Instância, bem como o recurso interposto pelos Arguidos DD e EE, devem ser julgados procedentes e, consequentemente, deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por despacho de não pronúncia e que determine o arquivamento dos autos Na sequência da notificação a que se refere o art. 417º, nº 2, do CPP, nada mais foi acrescentado. Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir. * 2. FUNDAMENTAÇÃOConforme vêm considerando a doutrina e a jurisprudência de forma uniforme, à luz do disposto no art. 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, em que resume as razões do pedido, sem prejuízo, naturalmente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso. Face às conclusões extraídas pelos recorrentes das motivações apresentadas, colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões: - Da inexistência de indícios quanto à participação de todos os Pronunciados no crime imputado; - Da inexistência de indícios do elemento subjetivo do tipo de ilícito; - A consideração da obra em causa não ter originalidade suficiente para ser considerada uma obra artística com proteção do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos; - Se os arguidos são também autores da obra “K...” Aqui chegados importa reproduzir o teor da decisão recorrida e descrever os elementos processuais relevantes para a decisão do presente recurso. Assim: Em 01.07.2020, a Magistrada do Ministério Público da Procuradoria da Republica da Comarca do Porto proferiu o seguinte despacho de arquivamento que se transcreve: “ I - Arquivamento parcial: (…) Os presentes autos iniciaram-se com a queixa apresentada por AA contra DD, EE, BB e CC, pelos factos que infra se sintetizam: - O denunciante é autor exclusivo da obra artística com a designação «K...», que foi pela primeira vez exibida ao público no decurso do evento «...», que teve lugar na cidade do Porto, entre os dias 12 e 17 de Novembro de 2012. - Após um diferendo que surgiu entre si e os denunciados, durante o ano de 2014, foi celebrado um contrato de transacção, mediante o qual estes reconheceram que a obra «K...» era da autoria e da criação intelectual do denunciante e que a obra «A...», creditada aos denunciados, era inspirada na obra «K...», comprometendo-se a fazer tal menção em todas as publicações da mesma. - Não obstante o acordado, desde data não concretamente apurada, até ao dia 22-09-2017, estiveram publicadas no site ..., cujos responsáveis e criadores são os denunciados (segundo referência do site ...), imagens da obra «K...» sem estarem creditadas e referenciadas como sendo da autoria do denunciante. Por sua vez, no âmbito do inquérito 16894/17.8T9PRT, apenso a estes autos, DD e EE apresentaram queixa contra AA, denunciando, além de outros, os seguintes factos: - No ano de 2012, denunciantes e denunciado participaram num evento designado «Tangible Feelings», que decorreu na Fundação ..., desenvolvendo em conjunto uma obra artística. - Durante a execução da referida obra, em que os denunciantes se assumiram como performers, foram fotografados e filmados em diversos momentos, com os telemóveis do denunciante DD e do denunciado AA. - Sucede que, desde data não concretamente apurada e pelo menos até à data da apresentação da queixa, em 20-12-2017, o denunciado utilizou indevidamente diversas fotografias dos denunciantes no site ... de forma abusiva e não consentida pelos mesmos. A factualidade supra descrita, em abstracto, é susceptível de integrar a prática dos crimes de contrafacção, p.p. pelos artigos 196º e 197º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, quanto à queixa apresentada por AA, e de gravações e fotografias ilícitas p.p. pelo artigo 199º, n.º 2, al. b), do Código Penal, no que concerne à denúncia apresentada por DD e EE. Juntamente com cada uma das queixas em apreço foi junta documentação relevante para o esclarecimento dos factos, nomeadamente registos fotográficos da obra artística «K...» e do website onde a mesma foi publicada, assim como alusivos ao evento onde foi inicialmente divulgada, cópia de contrato de transacção, correspondência/ conversações estabelecidas entre os envolvidos, e fotografias publicadas por AA onde figuram EE e DD. No decurso do inquérito, foram inquiridas as testemunhas indicadas pelos denunciantes, que, na sua generalidade, revelaram um reduzido conhecimento quanto aos factos, limitando-se a atestar aquilo que resulta já da prova documental inicialmente junta. Excepciona-se, contudo, o depoimento das testemunhas GG e HH. Com efeito, a primeira afirmou ser webdesigner e, nessa qualidade, ter executado a reformulação o website da empresa M... em Setembro de 2017. Nesse âmbito, por desconhecimento, colocou uma fotografia de um projecto que pertencia a AA e uma legenda que assim o indicava, mas colocou-a abaixo da mesma e não na própria fotografia. Nesse seguimento, foi contactada via facebook por DD, que se encontrava em Nova York, e lhe indicou que contactasse EE para receber instruções relativamente à forma de atribuir o crédito das imagens a AA. Como não conseguiu contactar com EE, voltou a contactar com DD, que lhe disse para retirar todo o projecto do site, o que a testemunha fez de imediato. Mais informou que o projecto em questão esteve no website desde o dia 19 até ao dia 22 de Setembro de 2017. Por sua vez, HH confirmou tal factualidade afirmando ter conhecimento de que DD fez de tudo para alterar ou reverter o lapso da designer, o que não lhe foi possível no curto espaço de tempo concedido por AA, por se encontrar fora do país. Inquiridos os denunciantes na qualidade de assistentes/testemunha, foi por todos confirmada a factualidade inicialmente denunciada. Foram constituídos como arguidos DD, EE, BB, CC e AA. Interrogados nessa qualidade, à excepção de CC, todos se recusaram a prestar declarações quanto aos factos, no exercício do direito que legalmente lhes assiste. CC confirmou ter assinado o contrato de transacção celebrado em 2014. Todavia, pouco tempo depois, deixou de fazer parte do colectivo artístico de carácter académico designado M..., que nunca teve um website próprio, afirmando não ter qualquer ligação ao projecto M... e desconhecendo a razão pela qual a sua foto se encontra associada naquele website. Mais esclareceu que o website M... surgiu já depois da sua saída e vai muito para além de um colaborativo artístico, integrando uma empresa da qual nunca fez parte. No seguimento de tais declarações, foi solicitado ao arguido DD que esclarecesse a data de criação do website ... e identificasse os responsáveis pelo mesmo e gestão dos respectivos conteúdos, desde essa data, até ao dia 22-09-2017. Em resposta, foi informado que: - o referido website foi criado em 19-09-2017; - a M... é uma marca associada à sociedade F..., Unipessoal, Lda., que conta apenas consigo e com EE como colaboradores; - por essa razão, foram contratados os serviços da designer GG para refazer o website da marca, à qual foram enviadas todas as pastas e conteúdos dos projectos elaborados, assim como o website antigo, para que seguisse a mesma ideologia e metodologia; - entre 19-9-2017 e 22-09-2017 a responsável pelo website e gestão dos seus conteúdos foi a designer identificada. Não se vislumbram outras diligências a realizar com interesse para o esclarecimento dos factos. Findo o inquérito, nos termos do disposto no artigo 283º do Código de Processo Penal, o Ministério Público deduz acusação quando tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente. Ao invés, o inquérito é arquivado logo que se tenha recolhido prova bastante da não verificação do crime, de que o arguido o não tenha praticado, ou quando não seja legalmente admissível o procedimento ou não tenha sido possível obter indícios suficientes da verificação do crime ou de quem foram os seus agentes – cfr. artigo 277º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal. A lei define indícios suficientes como aqueles de que resulte uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança – artigo 283º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Seguindo a doutrina de Figueiredo Dias, relativamente à definição do que seja uma possibilidade razoável “(...) os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição.” – cfr. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, 1.º vol., 1974, pág. 133. Possibilidade razoável é, pois, uma possibilidade mais positiva do que negativa que resulta da apreciação de todos os indícios, sinais, vestígios, suspeitas, ou indicações existentes nos autos, na medida em que, logicamente relacionados e conjugados, permitem convencer quanto à existência do crime e seu responsável e formular um juízo de prognose sobre a decisão a proferir em audiência de discussão e julgamento, atendendo às regras de admissibilidade e valoração da prova aplicáveis. Importa, agora, transpor tais considerações para o caso dos autos. Da análise crítica e conjugada da prova produzida, conclui-se, em primeiro lugar, no plano indiciário, pelo afastamento da responsabilidade dos arguidos BB e CC relativamente ao cometimento dos factos que lhe são imputados. Na verdade, a sua indicação como suspeitos/denunciados resultou de uma menção aos mesmos constante do site ... como sendo colaboradores da equipa. Pese embora a prova produzida não tenha oferecido qualquer explicação relativamente a tal menção, considerando as declarações prestadas pelo arguido CC (que se demarcou expressamente de tal projecto), os esclarecimentos prestados pelo arguido DD (que afirmou tratar-se de um projecto unicamente da sua responsabilidade e de EE), o depoimento das testemunhas inquiridas (que em momento algum se referiram aos arguidos BB e CC, sendo que, GG, a única que teve intervenção directa nos factos, apenas indicou os arguidos EE e DD como responsáveis pelo website), é forçoso concluir pela insuficiências de indícios relativamente à intervenção destes arguidos no cometimento dos factos. Prosseguindo, importa agora analisar a conduta dos arguidos EE e DD, no que respeita ao crime de contrafacção p.p. pelos artigos 196º e 197º do Códigos dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, que pune «quem utilizar, como sendo criação ou prestação sua, obra, prestação de artista, fonograma, videograma ou emissão de radiodifusão que seja mera reprodução total ou parcial de obra ou prestação alheia, divulgada ou não divulgada, ou por tal modo semelhante que não tenha individualidade própria.». Neste particular, assume-se por ultrapassada a atribuição da autoria da obra em apreço a AA, tal como havia sido previamente assumida pelos arguidos DD e EE. Assim, a leitura da prova documental junta aos autos, conjugada com a prova testemunhal relevante acima indicada, permitiu concluir, uma vez mais, no plano indiciário, que, pese embora tenham sido publicadas no website gerido pelos arguidos DD e EE fotografias alusivas à obra da criação artística de AA sem que tenha sido feita correcta menção ao seu autor, tal facto teve por base circunstâncias meramente acidentais, não se podendo atribuir a sua ocorrência à vontade nem à falta de diligência dos arguidos. De facto, a correspondência trocada e conversações estabelecidas, à época, a este propósito, evidenciam, tal como o relato da testemunha GG (que se crê isento e desinteressado), que a publicação das fotografias se deveu à actuação desta última, que havia sido contratada para executar a formulação do website. Mais resulta que, para execução de tal tarefa lhe foram fornecidos todos os elementos necessários para o efeito, fazendo-se referência, nomeadamente, a um disclaimer existente no portfolio. Tal conclusão é corroborada pela actuação posterior do arguido DD que, tendo realizado esforços para tentar corrigir a situação, acabou por determinar que a publicação fosse simplesmente retirada. Assim, pese embora a factualidade apurada integre a tipicidade objectiva do crime, conclui-se pela insuficiência de indícios quanto à verificação dos elementos subjectivos do mesmo, na sua forma dolosa ou negligente. Resta apreciar a factualidade denunciada por DD e EE, no que respeita à utilização não consentida da sua imagem. O crime de gravações e fotografias ilícitas, p.p. pelo artigo 199º, n.º 2, al. b), do Código Penal, pune quem, contra a vontade, utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referentes a outra pessoa, mesmo que licitamente obtidos. A conduta típica consiste essencialmente na gravação e utilização da imagem contra a vontade do visado. De acordo com o texto legal, a conduta só preenche o tipo legal de crime quando haja uma manifestação de vontade contrária à utilização da imagem. Estamos perante a figura dogmática do acordo-que-exclui-o-tipo, devendo admitir-se, nos termos gerais, o acordo presumido.1 Nesta sede, importa considerar que as fotografias utilizadas foram obtidas no decurso de um evento público de natureza cultural, segundo os próprios denunciantes referem, durante a execução de um projecto 1 Neste ponto, segue-se a orientação de COSTA ANDRADE, em anotação ao artigo 199º, in «Comentário Conimbricense do Código Penal», tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 837. artístico colectivo. Neste contexto, na ausência de qualquer manifestação de vontade expressa de sentido contrário, não é expectável, num juízo de normalidade, que os indivíduos nelas retratados se opusessem à utilização de tais registos fotográficos. Assim se considerando, face à configuração típica do crime de gravações e fotografias ilícitas, é forçoso concluir que a conduta do arguido, ao publicar tais fotografias no seu website, no âmbito da divulgação de uma obra artística, sem que houvesse oposição expressa dos denunciantes a tal publicação e sendo legítimo concluir pela inexistência de oposição presumida, não integra a prática do referido crime. Em conclusão, por todo o exposto, determina-se o arquivamento dos autos, nos termos do artigo 277º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal: - quanto aos arguidos BB e CC, face à insuficiência de indícios relativamente à sua participação nos factos contra si denunciados; - quanto aos arguidos DD e EE, por insuficiência de indícios quanto à verificação do crime; e - quanto ao arguido AA, por se considerar que a conduta denunciada não integra a prática de crime. (…)” Na sequência do ora transcrito despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, o assistente requereu em 22.09.2020 a abertura de instrução concluindo pela existência de indícios suficientes da prática pelos arguidos do crime de contrafação. Com data de 18.02.2022 foi proferido o seguinte despacho - que constitui o objecto do recurso - pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal do Porto Juiz 1 na sequência do debate instrutório realizado em 10.02.2022: “ DECISÃO INSTRUTÓRIA O Tribunal é competente em razão da matéria e do território. O Ministério Público tem legitimidade para acusar. Não existem nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais que importe conhecer. * Foi requerida a abertura da instrução pelo assistente AA (fl.s 371/389), relativamente ao despacho de arquivamento do inquérito pelo M. Público, sem acusação (fl.s 308/314), por entender o requerente que, contrariamente ao vertido naquele despacho de arquivamento, foram recolhidos indícios suficientes no inquérito em como os arguidos DD, EE, BB e CC cometeram, em co-autoria, um crime de contrafacção. Por conseguinte, requer o assistente que sejam aqueles arguidos pronunciados pelo referido crime de contrafacção. Requereu o assistente a prestação de declarações de si próprio, a obtenção de documentos junto de terceiros e a inquirição de testemunhas. * Aberta a instrução, procedeu-se à requerida prestação de declarações pelo assistente, a obtenção de documentos e à inquirição de testemunhas. Igualmente foram interrogados, a seu pedido, os arguidos DD e EE. Procedeu-se depois ao debate instrutório, no decurso do qual o M. Público requereu que seja feita justiça; o assistente pugnou pela pronúncia dos arguidos pelo crime de contrafacção; a defesa dos arguidos concluiu pela sua não pronúncia. * O art. 286.º, n.º 1 do C. Pr. Penal proclama que “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.“. Ou seja, a actividade do juiz de instrução criminal, nesta fase processual, circunscreve-se - apenas e só - a verificar (a comprovar) se o despacho de arquivamento do inquérito, sem acusar os arguidos, é a decorrência lógica e congruente dos indícios constantes do inquérito ou se, pelo contrário, esses indícios eram suficientes no sentido de se concluir em como esses arguidos praticaram o crime de contrafacção que o assistente lhes imputa. Não pretende assim a lei que a instrução constitua um efectivo suplemento de investigação relativamente ao inquérito, não visando esta fase processual facultativa o alargamento do âmbito da investigação realizada em sede de inquérito. Ora, nos termos do art.º 308.º, n.º 1 do C. Pr. Penal, “Se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia “. Por seu turno, e agora de acordo com o art.º 283º do C. Pr. Penal, “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.“. Ou seja: o juiz de instrução criminal analisa a prova indiciária recolhida no inquérito e na instrução e emite um juízo sobre a suficiência desses indícios, procurando responder à seguinte questão: em julgamento, se a prova produzida tiver o mesmo sentido e alcance daquelas que teve no inquérito é mais provável a condenação do arguido que a sua absolvição? Se a resposta for positiva, deve pronunciar o arguido; caso contrário deverá lavrar despacho de não pronúncia. * Percorrendo o inquérito, verifica-se que o M. Público não deduziu acusação contra os arguidos DD, EE, BB e CC pelo participado crime de contrafacção (previsto pelos art.ºs 195.º e 196.º do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos - CDADC, de ora em diante), por ter entendido que “…pese embora tenham sido publicadas no website gerido pelos arguidos DD e EE fotografias alusivas à obra da criação artística de AA sem que tenha sido feita correcta menção ao seu autor, tal facto teve por base circunstâncias meramente acidentais, não se podendo atribuir a sua ocorrência à vontade nem à falta de diligência dos arguidos. De facto, a correspondência trocada e conversações estabelecidas, à época, a este propósito, evidenciam, tal como o relato da testemunha GG (que se crê isento e desinteressado), que a publicação das fotografias se deveu à actuação desta última, que havia sido contratada para executar a formulação do website. Mais resulta que, para execução de tal tarefa lhe foram fornecidos todos os elementos necessários para o efeito, fazendo-se referência, nomeadamente, a um disclaimer existente no portfolio. Tal conclusão é corroborada pela actuação posterior do arguido DD que, tendo realizado esforços para tentar corrigir a situação, acabou por determinar que a publicação fosse simplesmente retirada. Assim, pese embora a factualidade apurada integre a tipicidade objectiva do crime, conclui-se pela insuficiência de indícios quanto à verificação dos elementos subjectivos do mesmo, na sua forma dolosa ou negligente.”. No decurso da instrução, foram inquiridas testemunhas, interrogados - a requerimento da sua defesa - os arguidos DD e EE e juntos documentos em posse de terceiros. Dessa prova indiciária produzida em sede de instrução ainda se verificou uma tentativa de disputar a paternidade da obra em causa – denominada K... – relativamente ao aqui assistente AA. Contudo, aliás como bem sublinhou o M. Público no aludido despacho de arquivamento, “...Neste particular, assume-se por ultrapassada a atribuição da autoria da obra em apreço a AA, tal como havia sido previamente assumida pelos arguidos DD e EE.”. Na verdade, durante o ano de 2014, foi celebrado um contrato de transacção, mediante o qual os ora arguidos DD, EE, BB e CC reconheceram que a dita obra era da autoria e da criação intelectual do denunciante, e que a obra denominada A..., creditada aos denunciados, era inspirada na obra K..., comprometendo-se a fazer tal menção em todas as publicações da mesma, cuja cópia se acha a fl.s 11 v.º/13. Mas independentemente desse reconhecimento formal da criação da obra de arte em questão, a descrição feita no decurso da instrução do modo como a mesma foi executada permitiu afastar quaisquer dúvidas quanto à sua autoria exclusiva por parte do aqui assistente AA: pese embora tenha sido por ele usada a representação visual das ondas cerebrais de terceiros, foi o assistente quem executou a obra em si mesma. Salvaguardando as devidas distâncias, a tese adiantada pela defesa dos arguidos seria como se um modelo humano que servisse para a execução, por um pintor, do respectivo retrato pintado entendesse que, ipso facto, também devia ser havido como o criador (ou co-criador) desse retrato… Assim sendo, é incontroverso que, pelo menos até ao dia 22 de Setembro de 2017, estiveram publicadas no sítio da internet com o url:... imagens da obra "K...", da autoria do assistente, sem estarem creditadas e referenciadas em conformidade, isto é, sem que aí fosse feita menção da autoria daquele. Essa conduta dos arguidos integra a previsão do art.º 195.º do CDADC, não se convergindo com o M. Público quando – conforme supra se referiu – sustenta que “…tal facto teve por base circunstâncias meramente acidentais, não se podendo atribuir a sua ocorrência à vontade nem à falta de diligência dos arguidos”. Com efeito, não era inédita a actuação dos arguidos descrita na participação que deu origem aos presentes autos; já em momento temporal anterior havia ocorrido a exibição da obra K... por banda dos arguidos, sem indicação da respectiva autoria, o que deu origem ao denominado contrato de transacção, celebrado entre o aqui assistente e aqueles arguidos em Janeiro de 2014. Ou seja, a conduta que o assistente verbera aos arguidos nos presentes autos constitui reiteração de comportamento anterior, por eles reconhecida como atentatória do direito de autor do assistente. Por isso, não pode ser havida como acidental, negligente ou descuidada a posterior publicação, no sítio da internet com o url:..., de imagens da obra "K...", da autoria do assistente, sem estarem creditadas e referenciadas em conformidade, isto é, como sendo da autoria daquele. Face à factualidade apurada em inquérito e na instrução - e tendo presente o que supra se referiu quanto ao conceito de suficiência de indícios exigível para a pronúncia - se a prova produzida em audiência de julgamento for aquela apurada em inquérito e em instrução, será mais provável a condenação ou a absolvição dos arguidos pelo crime em questão? A resposta não pode deixar de ser que é mais provável a condenação deles que a sua absolvição; se a prova a produzir em sede de audiência de julgamento tiver, nessa sede, o mesmo conteúdo, sentido e alcance que teve em inquérito, recorta-se como mais provável essa condenação, pelo que se impõe a respectiva pronúncia dos arguidos pelo crime de contrafacção. * Assim, pelo exposto, uma vez que esta fase da instrução é ainda meramente indiciária, de comprovação judicial de indícios, e por efectivamente esses indícios se afigurarem suficientes, nos termos do art.º 308.º, n.º 1, 1.ª parte, do C. Pr. Penal, PRONUNCIAM-SE os arguidos DD, EE, BB e CC pelos seguintes factos: O assistente AA, era - à data dos factos infra referidos - Professor Auxiliar convidado da Faculdade de Belas Artes da Universidade ... (desde 2006) e Professor de Artes Visuais do quadro de nomeação definitiva do ensino básico e secundário; desde 1996, é ainda, Investigador Integrado no C... - ... e Diretor Artístico do Estúdio .... Na data da queixa apresentada nos autos, era professor Auxiliar, em regime de exclusividade, na faculdade de ..., mantendo ainda as funções de Investigador Integrado no C... - ... e Diretor Artístico do Estúdio .... No âmbito das suas funções - designadamente, na prossecução da actividade de investigador e director artístico do Estúdio ..., que funciona como um laboratório para Concepção, Design, Produção e Apresentação de processos intermedia - o assistente tem vindo a conceber e desenvolver diferentes projectos e eventos contemporâneos de arte e design intermedia. Entre tais trabalhos contam-se diferentes obras de arte digital, criadas e desenvolvidas pelo assistente, parte das quais se encontram expostas no website do Estúdio ..., com o link .... Uma das obras cuja autoria e criação intelectual pertence em exclusivo ao assistente, tem a designação de "K..." e foi exibida ao público, pela primeira vez, no decurso do evento “...", no âmbito do programa de Arte contemporânea - Artes, que teve lugar na Fundação ..., entre os dias 12 e 17 de Novembro de 2013. Após a referida exibição, a obra "K..." passou a constar da lista de projectos apresentados no site do Estúdio ... - disponível através da consulta do endereço ..., do qual consta o assistente identificado como autor. Após a apresentação publica da obra "K...", no já mencionado evento "...", os arguidos, sem que tivessem obtido a devida autorização daquele ou tão pouco, informado o mesmo de tal, exibiram a obra, como se tratasse de uma obra dos próprios. Uma vez confrontados pelo assistente, e bem sabendo os arguidos que o comportamento dos mesmos constituía um ilícito, assumiram o uso indevido da obra, e propuseram ao mesmo um acordo extrajudicial, para evitar o recurso à via judicial, que o denunciante acabou por aceitar subscrever. Foi assim alcançado entre o assistente e os arguidos, um acordo, que os mesmos lavraram por escrito, em 27 de Janeiro de 2014. Como melhor resulta do referido acordo, designado por "Contrato de Transacção", os aqui arguidos, que outorgaram o mesmo na qualidade de Primeiros outorgantes, declaram de forma expressa e inequívoca, que reconheciam que a obra “K..." era da autoria e da criação intelectual do ora assistente, ali Segundo outorgante, fazendo-o nos seguintes moldes: "Os 1.ºs Outorgantes reconhecem para todos os devidos e legais efeitos, que a obra "K..." é da autoria e da criação intelectual do 2.º Outorgante" — cláusula l.ª do contrato de transacção. Resultando ainda expressamente do referido contrato, o reconhecimento pelos arguidos que a obra intitulada "A...", creditada aos mesmos, é inspirada na obra "K...", bem como, a obrigação dos arguidos de fazerem a seguinte menção, na identificação daquela obra: "…inspirada na obra K... de AA, ...", conforme n.º 3 da cláusula 1.ª daquele contrato de transacção, nos seguintes termos: "Os l.ºs Outorgantes reconhecem, igualmente, que a obra "A..." é inspirada na obra "K...", o que o 2.º Outorgante admite como lícito e legítimo, sem nada a objectar ou reclamar dos seus autores, desde que figure na sua respectiva identificação, a menção "Inspirada na obra K... de AA, ...". Nos termos lavrados na cláusula 2.ª do mencionado contrato de transacção, os 1.º, 2.º e 3.º arguidos obrigaram-se a "fazer referência ao título da obra "K...", nome do autor e link para a página da obra, em todas as imagens já publicadas em que a referida obra seja visível". O assistente tomou conhecimento que - pelo menos até ao dia 22 de Setembro de 2017 - estiveram publicadas no sítio da internet com o url:..., imagens da obra "K...", da autoria do assistente, sem estarem creditadas e referenciadas em conformidade, isto é, como sendo da autoria daquele. Ora, a página da internet onde foram publicadas as imagens da obra "K...", é do domínio da M..., cujos responsáveis e criadores são os arguidos, como melhor se verifica da página com o link .... Os arguidos declararam ainda, nos considerandos do já aludido contrato de transacção, que a “página de perfil do colectivo M... existente no Facebook (...) é da autoria dos 1.ºs Outorgantes DD, EE e BB", ou seja, dos 1.º, 2.º e 3.º arguidos. Na referida página do Facebook da M..., possível de aceder através do link ..., foi publicado pelos arguidos um vídeo, intitulado "A...", sem que do mesmo estivesse mencionado "Inspirada na obra K... de AA ...", conforme se obrigaram aqueles, na cláusula l.ª e do contrato de transacção. Os arguidos, ao não fazerem constar das referidas imagens a referência ao título da obra "K...", nome do autor e link para a página da obra, não só não atribuíram de forma intencional e propositada, ao assistente a referida e devida autoria, Como, ao publicarem tais imagens em página da internet ..., na qual são identificados como autores ..., fizeram a divulgação e utilizaram as referidas imagens, como sendo da autoria dos mesmos. Comportamento esse, que foi admitido pelo arguido DD, através de comunicações enviadas ao assistente, por meio de correio electrónico, no dia 22 de Setembro de 2017, pelas 17h.52m. e, novamente, às 20h.59m. Na referida mensagem de correio eletrónico, enviada pelo arguido DD ao assistente, em 22 de Setembro de 2017, foi por aquele confirmada a exibição da obra da autoria do assistente sem a autorização deste e sem a menção devida da autoria da obra, tanto mais que, o arguido afirmou expressamente que a retratação está a ser feita e editada pelo designer para que as imagens fiquem com as devidas creditações no novo website. Tal retratação não ocorreu, bem como não foi feita pelos arguidos a correção a que se obrigaram, relativamente às creditações a identificar o assistente, como autor da obra. Os arguidos actuaram de forma ilícita, com manifesta violação dos direitos do assistente enquanto autor da obra, para além de terem desrespeitado a obrigação assumida pelos mesmos, no já referido contrato de transacção celebrado com aquele. Sabiam ser punida a sua conduta. Por conseguinte, os arguidos DD, EE, BB e CC praticaram, na forma consumada e em co-autoria, um crime de contrafacção, previsto e punido pelos art.ºs 196.º e 197.º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (DL 63/85, de 14 de Março). * Prova: aquela indicada a fl.s 387/388. * Os arguidos aguardarão os ulteriores termos processuais na situação coactiva em que se encontram (termo de identidade e residência). * Custas pelos arguidos, a definir a final. * Oportunamente, remeta os autos ao Juízo Local Criminal do Porto para o julgamento.”Apreciemos então se assiste razão aos recorrentes: Como supra se enunciou são essencialmente quatro as questões colocadas em ambos os recursos: - Da inexistência de indícios quanto à participação de todos os Pronunciados no crime imputado; - Da inexistência de indícios do elemento subjetivo do tipo de ilícito; - A consideração da obra em causa não ter originalidade suficiente para ser considerada uma obra artística com proteção do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos e por fim: - Se os arguidos são também autores da obra “K...”. Antes de nos debruçarmos sobre cada uma das concretas questões levantadas, cumpre previamente relembrar que: Estabelece o art. 308.º, n.º 1, do CPP que “Se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”. Critério semelhante está igualmente consagrado no art. 283º, nº 2, do CPP ao estabelecer que: “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. No entendimento de Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, pág. 179, “Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois, a prova, no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido. Esta possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido”. Acrescentando o referido autor “A referência que o art. 301º, nº 3, faz à natureza indiciária da prova para efeitos de pronúncia inculca a ideia de menor exigência, de mero juízo de probabilidade. Na pronúncia o juiz não julga a causa; verifica se se justifica que com as provas recolhidas no inquérito e na instrução o arguido seja submetido a julgamento pelos factos da acusação. A lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança (artº 283º nº 2); não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final”. Ainda na citada obra, pág. 240 lê-se, “na fase de inquérito ou da instrução, fases em que o material probatório não é ainda completo, não pode exigir-se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dos autos, a convicção objectivável com os elementos recolhidos nos autos de que o arguido virá a se condenado pela prática de determinado crime. (…) fortes indícios, ou indícios suficientes, na definição dada pelo art° 283°, n° 2, do CPP, existem sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por forçadeles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.” Em termos jurisprudenciais, retira-se do Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.09.2008, acessível in www.dgsi.pt.:“Constituem-se em vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer da existência de um facto jurídico-penalmente relevante e de que deve ser imputável a alguém determinado, devendo ou podendo ser previsível que, num juízo de prognose solidamente estruturado escorado, a manterem-se em julgamento, ocorrerão fundadas e sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelos factos típicos que lhe são imputados. Na indiciação em fase de inquérito, ou seja numa fase em que os elementos colectados ainda não foram objecto de contraditório, o grau de convencimento do juiz e de ponderação de imputação casual de determinado agir a um concreto sujeito está dependente das regras da experiência e do sentido lógico representativo com que uma dada realidade percepcionada se prefigura ao discernimento e compreensibilidade do julgador. O juiz pode, nesta fase, socorrer-se das inferências permitidas por um conjunto de elementos que soem ocorrer em situações ou casos similares, observando sempre que as máximas de experiências atinam com factores de aleatoriedade que podem conduzir a juízos erróneos ou de defeituosa avaliação.” E do acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 23.11.2011, disponível em, “a exegese da existência de indícios suficientes deve ajustar-se aos princípios constitucionais da dignidade humana, da preservação do bom nome e reputação, bem como do princípio “in dubio pro reo”, como a jurisprudência tem tido o cuidado de salientar, desde logo no seu aresto mais representativo, tirado pelo STJ, no acórdão de 18 de Maio de 2001. Aí se disse, a dado momento, que “aquela “possibilidade razoável” de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa”, em que “o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido” ou, então, que os indícios são suficientes quando haja “uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição”. E mais se lê “…a prova produzida, não deve ser aferida de modo estanque, mas sim na sua globalidade, e na divergência ou contradição entre os diversos depoimentos prestados, que tantas vezes destoam de um depoente para outro, dever-se-á procurar elementos objectivos de prova, que possam suportar, de modo convincente e para além de qualquer dúvida razoável, umas das versões suscitadas (a da acusação ou a da defesa), sendo certo que caso subsista aquela dúvida, aplica-se o princípio “in dubio pro reo”. É, portanto, inequívoca a aplicação do princípio “in dubio pro reo” na aferição da suficiência dos indícios – sendo este princípio aplicável em qualquer fase do processo, como se salienta no acórdão deste TRP, de 28.11.2018 disponível em www.dgsi.pt. Para além disso, a análise da prova indiciária está sujeita aos restantes princípios e regras processuais que regem a apreciação da prova, designadamente ao princípio da livre apreciação da prova, contemplado no art. 127º do CPP – com a consequência de que a prova indiciária deverá ser apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Por isso é que o juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração: pode dar crédito às declarações do arguido ou do ofendido/lesado em detrimento dos depoimentos (mesmo que sem sentido contrário) de uma ou várias testemunhas; pode desvalorizar os depoimentos de várias testemunhas e considerar decisivo na formação da sua convicção o depoimento de uma só como se fez notar no acórdão do STJ de 11.7.2007 acessível in www.dgsi.pt. O que sempre se impõe é que o juiz explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada. Por seu turno, há que ter presente, que não compete ao Tribunal da Relação apreciar os factos apurados e substituir-se ao tribunal de 1ª Instância na prolação de despacho de pronúncia ou não pronúncia mas apenas, por força do recurso, com a base indiciária recolhida, corroborada ou não por outros elementos de prova, decidir se, no seu conjunto, são suficientes ou insuficientes para a prolação de um despacho de pronúncia ou não pronúncia a levar a efeito sempre em primeira instância. É isso que resulta do art. 286º do C.P.P.: a instrução tem como fim a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito com vista a submeter ou não os factos a julgamento. Vejamos, então, se em face da prova colhida no inquérito e na instrução, se pode concluir por uma “possibilidade razoável” de condenação – o que pressupõe que, num juízo de prognose, se conclua que é mais provável a futura condenação dos arguidos, do que a sua absolvição. Donde, cumpre fazer a análise dos factos recolhidos de forma indiciária, a partir do material probatório que consta dos autos, com vista a aclarar se existem nos autos indícios que permitam a pronúncia de todos os arguidos, o que nos conduz à reapreciação da matéria de facto, bem como a apreciação da matéria de direito, quer em consequência daquela, quer igualmente quando conjugada a fundamentação da decisão ora recorrida, com as regras da experiência comum e bem assim com a interpretação e aplicação aos factos das normas legais que no caso se perfilam, nomeadamente os arts. 1º, nº 2, 196.º e 197.º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (DL 63/85, de 14 de março). Prosseguindo: Começando pela primeira questão suscitada: Da inexistência de indícios quanto à participação de todos os Pronunciados no crime imputado Foram os arguidos: DD, EE, BB e CC Pronunciados pela prática, na forma consumada e em co-autoria, um crime de contrafacção, previsto e punido pelos art.ºs 196.º e 197.º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (DL 63/85, de 14 de Março). Nos autos o que se discute é a divulgação de imagens de uma obra da autoria do assistente AA “K...” e sem a sua identificação num determinado site e outra obra inspirada na primeira “A...” sem que isso também tivesse sido dito, pelo que, qualquer um poderia atribuir essas obras aos titulares desse site. Ocorre porém, e desde logo, que é a própria decisão instrutória sob recurso que afirma expressamente, que a página da internet em causa - sítio da internet com o url:... - apenas pertence aos três primeiros arguidos, e segundo as suas próprias declarações, ou seja afirmando o facto e o meio de prova em simultâneo, não se atribuindo, desta forma, em parte alguma do rol dos factos indiciados ao quarto arguido (CC) a titularidade do antedito site divulgador, nem tão pouco se lhe atribui qualquer função que o responsabilize nessa divulgação, e como bem discute o Ministério Público na motivação do seu interposto recurso. Nesse conspecto relembra-se o que se deixou consignado na decisão instrutória: Ora, a página da internet onde foram publicadas as imagens da obra "K...", é do domínio da M..., cujos responsáveis e criadores são os arguidos, como melhor se verifica da página com o link .... Os arguidos declararam ainda, nos considerandos do já aludido contrato de transacção, que a “página de perfil do colectivo M... existente no Facebook (...) é da autoria dos 1.ºs Outorgantes DD, EE e BB", ou seja, dos 1.º, 2.º e 3.º arguidos. E se no primeiro parágrafo se refere genericamente os arguidos sem a sua concreta menção e identificação, já no segundo identifica-se apenas os três primeiros arguidos como os autores do aludido website. Nessa decorrência, se alguma responsabilidade possa existir na divulgação da obra, o que ainda será objecto de análise, de todo poderia ser imputada ao identificado arguido CC, pois os factos não o consentem tal como à saciedade decorre da própria decisão recorrida. Mas ainda assim refira-se que a prova recolhida em inquérito e instrução aponta para a criação do referenciado site em setembro de 2017. Ora, aquele arguido prestou declarações esclarecendo para além do mais, que depois de ter assinado o contrato de transacção celebrado em 2014, deixou de fazer parte do colectivo artístico de carácter académico designado M..., que não tem qualquer ligação ao projecto M... e desconhecendo a razão pela qual a sua foto se encontra associada naquele website. E o certo é que nenhuma prova mais foi produzida que contrarie tal conclusão. Ou seja, o website M... surgiu já depois da sua saída, e efectivamente nenhuma outra intervenção daquele arguido é evidenciada nos autos, mormente a sua participação na criação e gestão do website em questão, como aliás está bem patente na decisão recorrida que, em relação à participação deste arguido CC, é completamente omissa. Quanto ao argumento lançado pelo assistente de que o arguido CC é mencionado como criador da obra no website em causa, nada altera o por nós já expendido, pois não indicia minimamente a sua participação, repete-se na gestão do mesmo. Na defluência do exposto, não se extraindo da pronuncia suficientes indícios ou mesmo indício algum de que o arguido CC praticou o crime que lhe é imputado, resta concluir que ao pronunciá-lo violou o Sr. Juiz de instrução o disposto no art. 308º do CPP. Procede por isso este segmento de recurso. Da inexistência de indícios do elemento subjetivo do tipo de ilícito Sustenta ademais o Ministério Público no recurso (sendo que a mesma posição assume o Ministério Publico nesta Relação muito embora por mera adesão) que na decisão instrutória não se alegam quaisquer factos suscetíveis de se afirmar o elemento subjetivo do tipo de crime. O Tribunal dando como indiciado o elemento objectivo - divulgação de uma obra de outrem, como se fosse dos titulares do site divulgador – assim o fez constar da decisão de pronúncia, mas já em relação à intenção dos denunciados de se fazerem passar pelo autor da obra, vejamos como se tratou na decisão recorrida de tal elemento, por referência ao tipo legal de crime em análise. Nos termos do disposto no art. 196º, nº 1 do CDADC “Comete o crime de contrafacção quem utilizar, como sendo criação ou prestação sua, obra, prestação de artista, fonograma, videograma ou emissão de radiodifusão que seja mera reprodução total ou parcial de obra ou prestação alheia, divulgada ou não divulgada, ou por tal modo semelhante que não tenha individualidade própria. Resulta, pois, evidente que o tipo legal do crime em apreço exige como elemento objetivo a reprodução total ou parcial de uma obra intelectual de terceiros. Por seu turno, no que concerne ao elemento subjetivo, traduz-se ele na vontade livre do agente de praticar o ato com a consciência de que tal atuação é violadora dos direitos de autor de terceiros, e com tal se conformar, ou seja, o tipo subjetivo admite qualquer modalidade do dolo. É sabido que nos elementos do tipo subjectivo de ilícito incluem-se os que se prendem com o dolo ou a negligência, dispondo o art. 13º do Código Penal que “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”. O dolo, única modalidade de culpa de que pode revestir o crime em questão, é composto por vários elementos, habitualmente designados de forma sintética como “o conhecimento e a vontade de realização do tipo objetivo de ilícito” (cfr. art. 14.º do Código Penal). Segundo a doutrina tradicional do crime, o dolo desdobra-se num elemento intelectual e num elemento volitivo ou emocional, sendo que aquele exige o conhecimento do sentido ou significado correspondente ao tipo de ilícito dos diversos elementos materiais e normativos que o compõem. Já este consiste na especial direção da vontade do agente na realização do facto típico, depois de ter representado (ou previsto) as circunstâncias ou elementos do tipo objetivo do ilícito. Em função da diversidade dessa atitude, são distintas as espécies de dolo previstas nos vários números do art. 13.º do Código Penal: dolo directo (em que o agente tem a intenção de realizar o facto criminoso), o dolo necessário (quando o agente não quer o facto, mas prevê-o como consequência necessária da sua conduta) e o dolo eventual (quando o agente prevê o facto como consequência possível, conformando-se com o resultado). Ora precisamente alicerçado nesse entendimento, de que os arguidos não tiveram intenção de se fazer passar por autores da “K...”, que se tratou de um erro absolutamente alheio à vontade e controlo dos arguidos e ficou antes a dever-se a mero lapso ou erro da designer contratada pelos arguidos, já o Ministério Público na 1ª instância havia decidido arquivar os autos quanto a tal crime. No despacho de arquivamento, exarou-se a este respeito (…) permitiu concluir, uma vez mais, no plano indiciário, que, pese embora tenham sido publicadas no website gerido pelos arguidos DD e EE fotografias alusivas à obra da criação artística de AA sem que tenha sido feita correcta menção ao seu autor, tal facto teve por base circunstâncias meramente acidentais, não se podendo atribuir a sua ocorrência à vontade nem à falta de diligência dos arguidos. De facto, a correspondência trocada e conversações estabelecidas, à época, a este propósito, evidenciam, tal como o relato da testemunha GG (que se crê isento e desinteressado), que a publicação das fotografias se deveu à actuação desta última, que havia sido contratada para executar a formulação do website.” Todavia, o Sr. Juiz de instrução, depois de ter como incontroverso que, pelo menos até 22 de setembro estiveram publicadas no website em causa imagens da obra “K...” da autoria do assistente sem estarem creditadas e referenciadas em conformidade, dedicou ao tema as seguintes reflexões: “- não era inédita a actuação dos arguidos descrita na participação que deu origem aos presentes autos - já em momento temporal anterior havia ocorrido a exibição da obra K... por banda dos arguidos, sem indicação da respectiva autoria - a conduta que o assistente verbera aos arguidos nos presentes autos constitui reiteração de comportamento anterior, por eles reconhecida como atentatória do direito de autor do assistente - Por isso, não pode ser havida como acidental, negligente ou descuidada a posterior publicação, no sítio da internet com o url:..., de imagens da obra "K...", da autoria do assistente, sem estarem creditadas e referenciadas em conformidade” Incluindo depois nos factos indiciados/acusação que: “- Os arguidos actuaram de forma ilícita, com manifesta violação dos direitos do assistente enquanto autor da obra, para além de terem desrespeitado a obrigação assumida pelos mesmos, no já referido contrato de transacção celebrado com aquele. - Sabiam ser punida a sua conduta.” Com o devido respeito, é curto e desacertado o que se deixou dito na decisão recorrida no que tange ao abordado tópico, porquanto o “dolo” aí retratado reconduz-se à descrição de um mero incumprimento contratual (por referência ao contrato de transação celebrado entre o assistente e os recorrentes em 27 de Janeiro de 2014) - “desrespeitado a obrigação assumida pelos mesmos”, e enfatizando uma reiteração de comportamento anterior, no sentido de quem já fez, volta a fazer. Na verdade, o que da decisão se colhe é que o Sr. Juiz de instrução se convenceu que os arguidos quiseram intencionalmente divulgar a obra do assistente no seu site como se fosse sua, essencialmente porque no passado tiveram comportamento semelhante e voltaram simplesmente a recidivar, e ainda porque não respeitaram um contrato de transação celebrado em 2014, o que naturalmente resvala da área penal. Donde, sequer se verteu no elenco dos factos indiciados/acusação esse elemento subjectivo (volitivo/intencional) que antes se resumiu a um simples incumprimento contratual tanto quanto dali dimana, diferendo esse que quando muito deve ser resolvido na área cvil. Por outra via, sequer a celebração do apontado contrato de transação, outorgado em 2014, nos pode fazer presumir que teve subjacente o reconhecimento, por parte dos arguidos de que estavam a usar indevidamente uma obra criada pelo assistente, pois tanto quanto resultou indiciado nos autos, o contrato destinou-se tão só a pôr termo ao diferendo em torno da autoria da obra, apaziguando as divergências ocorridas entre todos na sequência de diversos eventos e da apresentação da obra “A...” e que levou à acusação de plágio e apropriação da obra “K...” por parte do aqui assistente contra os arguidos, ou como estes argumentam, destinou-se apenas colocar termo à conduta difamatória que o assistente vinha levando a cabo. Mas insiste-se essa é uma circunstância do foro civil – celebração de uma transacção para por fim a um litigio entre duas partes - inaproveitável por isso, para a questão em apreço de âmbito penal. Para além disso, os indícios apontam claramente para a ocorrência de um lapso, isto é um erro da designer contratada pelos arguidos, como resulta do depoimento daquela, a testemunha GG, bem como do e-mail enviado pelo recorrente DD para o assistente, datado de 22.09.2017, dando conta que o problema já havia sido corrigido. É que do depoimento daquela se infere que foi a identificada designer/testemunha quem, por total desconhecimento do litígio existente entre os recorrentes e o assistente, colocou no novo website, sem o conhecimento daqueles, fotografias da “K...” sem a devida creditação. Em ordem a esta conclusão, extrai-se das mensagens constantes de fls. 277 a 279, que, quando o recorrente DD analisou o trabalho realizado pela testemunha GG, em 21.09.2017, e constatou tal lapso de creditação, de imediato entrou em contacto com a mesma, dando-lhe conta que nas identificadas fotos tinha de conter um disclaimer, devido a um litigio que já se encontrava resolvido, pedindo àquela que falasse com o recorrente EE para receber instruções relativamente à forma de atribuir o crédito das imagens ao assistente. Para além disso a comprovada circunstância de no período compreendido entre 19.09.2017 e 22.09.2017, o recorrente DD, que era quem estava responsável pela contratação dos serviços de restruturação do Website da M..., se encontrar em Nova York, dificultou as comunicações, no entanto e apesar disso, tudo fez para que o lapso de creditação fosse resolvido com a maior brevidade possível. Donde, é inegável concluir que embora tenham sido publicadas no website gerido pelos arguidos fotografias alusivas à “K...” sem que tenha sido feita menção ao assistente enquanto criador da dita “obra”, tal facto não sucedeu por vontade dos recorrentes, não se vislumbrando por isso o preenchimento do elemento subjectivo do crime em causa. De todo o modo, o sobredito elemento não se concretiza seguramente na constatada violação de deveres contratuais emergentes de um contrato celebrado entre assistente e arguidos, donde há inevitavelmente que concluir que o Sr. Juíz de instrução omitiu a narração dos factos integradores do elemento subjetivo do referido tipo de crime, e assim sendo carece de sustentação a acusação quanto à prática do sobredito crime. Nesta medida procede este fundamento de recurso e também por aqui se mostra violado o disposto no art. 308º do CPP. Passando para a questão colocada pelo recorrente MP de que a obra em causa não tem originalidade suficiente para ser considerada uma obra artística com proteção do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos. À luz do disposto no art. 1º, nº 1 do referenciado diploma legal, “consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores.”. E diz-nos o nº 2 da mesma norma “As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código.” Ora revertendo ao caso que temos em mão, está em causa uma “obra” digital designada “K...”, e que a decisão instrutória reputa da autoria e criação intelectual exclusiva do assistente, porém pouco ou quase nada adiantando sobre a essência da mesma. Apenas aí se refere que “a descrição feita no decurso da instrução do modo como a mesma foi executada permitiu afastar quaisquer dúvidas quanto à sua autoria exclusiva por parte do aqui assistente AA: pese embora tenha sido por ele usada a representação visual das ondas cerebrais de terceiros, foi o assistente quem executou a obra em si mesma”. Mas de que obra se trata efectivamente ? De acordo com a explicação trazida aos autos pelas testemunhas ouvidas em instrução, indicadas pelo assistente, a referida obra, que consta de fls. 39 (manchas verde/limão e azuis) foi obtida através de um método tecnológico de colocação de auscultadores na cabeça de um individuo, ou seja, a obra representa o que o cérebro – ondas cerebrais - desse individuo transmite. Nesta medida não podemos deixar de acompanhar o entendimento do Ministério Público no recurso, quando afirma que “A obra em causa nos presentes autos não tem o "cunho" daquele que se diz seu autor, porque o que nos é transmitido pela obra é uma ideia, um processo de se chegar a determinada obra, que efetivamente nos é transmitida pela reação cerebral, daquele que se sujeita a participar no processo.”. Na esteira do defendido cita o recorrente o Ac. desta Relação de 08.07.2004 que em relação a uma situação similar à que se encontra em discussão nos presentes autos decidiu considerar que “a reprodução de um coração humano não contém em si uma criação intelectual que justifique a proteção em sede de direito de autor e dos direitos conexos, pois para uma obra ser protegida deve resultar de uma atividade intelectual, e ser a expressão do seu autor, logo ela deverá ser a emanação de um esforço criador da inteligência do espirito humano, ou seja, "produto original de um trabalho intelectual criativo (com exclusão, portanto, do trabalho puramente técnico ou mecânico)..”, e "Todas as vezes que a expressão for vinculada como modo de manifestação da realidade, falta-lhe criatividade e não há, portanto, obra literária e artística". A presunção de qualidade criativa cessa quando se demonstrar que foi o objeto que se impôs ao autor, e este afinal nada criou. E só há criação quando se sai do que está ao alcance de toda a gente para chegar a algo de novo, a obra há-de ter sempre aquele mérito que é inerente à criação. Ora, no caso dos autos, como se disse recorreu o assistente a um expediente ou técnica de colocação de auscultadores na cabeça, o que desde já se diga, qualquer individuo pode fazer, e daí retirar imagens, para assim se chegar a antedita “obra artística”, não se entrevendo neste processo qualquer laivo de criatividade intelectual, fruto da inteligência do aqui assistente. A prova documental que abunda nos autos, concretamente as fotografias que foram capturadas durante a execução da referida “obra” direcionam-nos inquestionavelmente nesse sentido, pois tal como foram pelos próprios apelidada consiste numa “perfomance audiovisual interactiva”, que se reconduz a umas manchas verde/limão e azuis como supra se deu nota. E mesmo a explicação adicional que o assistente verte no recurso de que se trata de um trabalho artístico cujas componentes são constituídas por um programa de computador original em actividade, anula o que supra se concluiu, pois seguramente que a dita “obra” denominada “K...” é o resultado daquele programa de computador original esse sim da criação do assistente ao que parece, ou seja as ditas manchas verde limão e azuis que foram fotografadas e registadas e surgem como resultado final ou materialização artistica. Donde seja por auscultadores, seja por programa de computador, é que se chega à dita obra. Por isso vir agora falar-se do programa e do software que permitiu chegar à “K...” é absolutamente irrelevante, pois seguramente que não é da tutela dos programas de computador que se trata neste particular. De todo o modo, não cabe a este tribunal discutir o que são obras de arte na óptica do assistente, apenas discernir as que são protegidas à luz do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, e seguramente esta não é porquanto não resulta ela em si mesma de uma obra artística criada pelo assistente, antes é resultado de um processo/método operacional – programa de computador - por aquele criado. Destarte e quando muito, o assistente pode reivindicar é a autoria de uma ideia, que como resulta do acima exposto se encontra afastada da tutela do direito autoral, por força do nº 2 do art. 1º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (DL 63/85 de 14.03). Donde, também com base neste fundamento nunca a decisão instrutória a proferir nos autos poderia ser no sentido da pronúncia dos arguidos. Nesta decorrência, e perante tudo quanto se deixou dito, fica prejudicada a análise da última questão suscitada no recurso dos arguidos atinente a saber se estes são também autores da obra “K...”. Termos em que se revoga a decisão instrutória recorrida, e, em consequência se decide não pronunciar os arguidos, com o arquivamento dos autos no que a este crime concerne. 3. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento a ambos os recursos, e em consequência: - Revoga-se a decisão recorrida de pronúncia dos arguidos DD, EE, BB e CC e determina-se o arquivamento dos autos nesta parte. Sem custas, por não devidas. * Notifique.Comunique de imediato à 1ª instância (Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente). Porto, 19 de outubro de 2022 Cláudia Rodrigues João Pedro Pereira Cardoso Raúl Cordeiro |