Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13284/21.1T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: RENÚNCIA AO MANDATO
PATROCÍNIO OBRIGATÓRIO
EFEITOS
PROVA PERICIAL
EXAME À LETRA
Nº do Documento: RP2023112713284/21.1T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 11/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário (n.º 3 do citado artigo 47.º), razão pela qual, a parte continua a ser assistida pelo mandatário renunciante, que continua vinculado às obrigações decorrentes do mandato forense.
II - Este regime visa justamente acautelar a produção de efeitos negativos para a parte, quando o patrocínio é obrigatório, e a parte não consegue imediatamente constituir novo mandatário, daí que o advogado renunciante continue ligado ao mandato, durante 20 dias, até, dentro deste prazo, o mandante constituir novo mandatário, extinguindo-se, então, o primeiro mandato.
III - A não indicação nas conclusões das alegações do recurso de apelação dos concretos pontos da matéria de facto que se pretende impugnar permite a rejeição imediata do recurso nessa parte [cfr. artigo 640.º, nº 1 al. a) do CPCivil].
IV - Tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (cfr. artigo 607.º, nº 4 do CPCivil) também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) desses meios de prova, não bastando para o efeito, invocar determinados depoimentos e reproduzir de forma telegráfica simples excertos dos mesmos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 13284/21.1T8PRT-A.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Execução do Porto-J2

Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr. António Mendes Coelho
2º Adjunto Des. Dr. Carlos Gil


Sumário:
………………………………..
………………………………..
………………………………..

*


I - RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que A..., S.A. moveu a AA, veio a executada opor-se à execução por meio de embargos de executado, peticionando a extinção da execução.
Para tanto alega, em síntese, ser inepto o requerimento executivo, não ser de sua autoria a assinatura aposta na livrança e que lhe é imputada; não ter sido extrajudicialmente interpelada para cumprir, desconhecer o contrato subjacente à livrança.
*
Regularmente notificado o embargado contestou, impugnando especificadamente os factos e concluindo pela improcedência dos embargos.
*
Realizou-se a audiência prévia, elaborando-se despacho saneador e conhecendo-se da arguida exceção de ineptidão do requerimento executivo.
Após procedeu-se à identificação do objeto do litígio e temas de prova, sem reclamação.
*
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal.
*
A final foi proferida decisão que julgou improcedentes por não provados os embargos e determinou o prosseguimento da execução.
*
Não se conformando com o assim decidido veio a interessada a executada interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
1. A sentença ora recorrida padece do vício de nulidade.
2. Pois a audiência de discussão e julgamento não se poderia realizar dado que a aqui recorrente estava sem mandatário nomeado, e a decorrer o prazo para que nomeasse novo mandatário, devido à renúncia de mandato da anterior mandatária.
3. A renuncia foi recebida pela recorrente no dia 7.12.2022, e foi assinada pela própria, logo a renuncia da anterior mandatária foi operante nesse mesmo dia, nos termos do n.º 2 do artigo 47.º do CPC.
4. A renúncia ao mandato forense é um ato jurídico unilateral recetício (os seus efeitos produzem-se a partir da notificação) que põe termo ao contrato de mandato forense (prática de atos jurídicos próprios da profissão de advoga do, em nome e por conta do mandante).
5. A audiência de julgamento é nula e todos os atos subsequentes e se determine que seja designada nova data para a realização do julgamento, pelo que também se requer a revogação da douta sentença proferida.
6. A decisão recorrida, ao não adiar a audiência de discussão e julgamento, violou os artigos 20° e 18°, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que o artigo 18°, nº 2, da CRP proíbe o excesso; bem como a interpretação e aplicação que a senhora juiz a quo fez da norma do artigo 47° do CPC, no caso concreto, traduz um excesso e uma restrição desproporcionada e, portanto, inadmissível ao direito fundamental do artigo 20° da CRP.
7. A audiência de discussão e julgamento nunca poderia ser ter realizado ainda porque a recorrente que é uma pessoa idosa, não estava presente por motivos de saúde e que justificou a sua falta no dia seguinte, juntando para tal atestado médico.
8. Deve a audiência de julgamento ser declarada nula e em consequência ser marcada nova data para que se realize e assim se possa concretizar o princípio da igualdade das partes (artigo 4° do CPC) e do princípio do contraditório (artigo 3°, nº 3 do CPC), princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigo 20.° da CRP e 6° da CEDH), dos princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito, conforme o regime legal estabelecido na Lei n° 34/2004, de 29/07, na redação que lhe é dada pela Lei n. ° 47/2007, de 28/08 - Acesso ao Direito e aos Tribunais.
9. A prova testemunhal que foi levada para a audiência de discussão e julgamento não foi devidamente valorada.
10. Não existiu prova testemunhal que afirmar-se com toda a clareza de que foi a aqui recorrente quem assinou do seu punho tal livrança.
11. Recorde-se que a testemunha Dr. BB, não se recordava nem tão pouco do nome da aqui recorrente!
12. As testemunhas Dr. CC, e DD, não sabem se foi a recorrente quem assinou tal livrança, dado que não estavam presentes no momento que foi assinada.
13. Dizem as testemunhas, CC e DD, que o Sr. EE (filho da recorrente) a levava para casa, e que depois aparecia assinada na empresa.
14. Não podemos assim concluir de que tenha sido a aqui recorrente a assinar tal livrança, pois não existe uma testemunha que diga com certeza e clareza de quem foi que assinou.
15. A sentença recorrida, deve ser alterada para uma outra em que dê como provado de que não foi a recorrente a assinar a livrança e assim absolver a mesma do pedido formulado.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Corridos os vistos legais cumpre decidir.
*

II- FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
*
No seguimento desta orientação é apenas uma a questão a decidir:
a)- saber se na data da audiência de julgamento havia operado, ou não, a renúncia ao mandato;
b)- saber se tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
c)- decidir em conformidade em função do julgamento da impugnação da matéria de facto.
*
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
São os seguintes os factos que vêm dados como provados pelo tribunal recorrido:
3.1.1. O embargado deu à execução como título executivo o seguinte:





3.1.2. No exercício da sua atividade, a Embargada celebrou, em 7 de fevereiro de 2011, com a sociedade B..., Lda., em nome e a pedido daquela sociedade, a garantia autónoma n.º ...04, a favor do Banco 1..., SA,
3.1.3. no valor de €125.000,00, correspondente a 25% do valor de capital em divida, destinando- se a mesma a garantir o cumprimento das obrigações emergentes do contrato de mútuo celebrado entre aquele Banco e a referida empresa.
3.1.4. Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração do referido contrato, a empresa B..., Lda. entregou à Embargada uma livrança em branco, por si subscrita e avalizada pela ora Embargante e pelos co-executados,
3.1.5. Nos termos da Cláusula 4) do mesmo contrato “Para garantia de todas as responsabilidades que para V. Exas. (leia-se B..., Lda.) emergem do presente contrato, deverão: entregar, nesta data, à A... livrança em branco por V. Exas. subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da A..., ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor, quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas.”
3.1.6. A ora Embargante avalizou a livrança junta como título executivo, tendo aposto, pelo seu próprio punho, no verso do título, a sua assinatura sob a expressão “por aval ao subscritor”.
3.1.7. Bem como apôs, pelo seu próprio punho, a sua assinatura no contrato no local destinado aos avalistas, tendo, em tal contrato, declarado como abonadores da Embargante os senhores CC e DD.
3.1.8. A assinatura aposta pela Embargante no contrato foi reconhecida como tendo sido feita pelo próprio, por termo de reconhecimento elaborado pelo advogado Sr. Dr. BB, que se encontra anexo aquele contrato e do mesmo é parte integrante, o qual refere expressamente que as assinaturas dos avalistas foram apostas na sua presença.
3.1.9. A Embargada, no cumprimento das obrigações assumidas, pagou ao Beneficiário as quantias por ele solicitadas, as quais se referem a 25% do capital garantido em dívida no âmbito do contrato de mútuo celebrado entre o Banco e a sociedade Garantida.
3.1.10. Na sequência das negociações havidas, mormente conformando as condições do contrato a celebrar, e posteriormente à elaboração do contrato pela Embargada, foio mesmo remetido à sociedade B..., Lda., que o analisou e, tendo concordado com o seu teor, nele fez apor as assinaturas de quem a obrigava, à data, bem como dos avalistas, assinaturas essas reconhecidas presencialmente na qualidade em que cada um dos intervenientes assinou o contrato, conforme termo de autenticação anexo aquele contrato.
3.1.11. Após o que procedeu a sociedade B..., Lda. à devolução do contrato e livrança à ora Embargada.
3.1.12. Na sequência do incumprimento por parte da B..., Lda., das obrigações assumidas com o Beneficiário da garantia, Banco 1..., S.A., este solicitou à Embargada A..., S. A., ao abrigo do disposto nas alíneas c) e d) dos Termos e Condições do contrato junto como Doc. n.º 1, o pagamento do valor total de € 85.937,50, correspondente à percentagem garantida do valor de capital do contrato de mútuo vencido (e não pago), o qual deu lugar à resolução por incumprimento definitivo do contrato de mútuo.
3.1.13. Atendendo às obrigações assumidas pela celebração do contrato e da solicitação efetuada pelo Beneficiário, a Embargada pagou àquele Banco, a 04/09/2014, o valor acima referido.
3.1.14. Em consequência do pagamento que vem de ser referido, a ora Embargada, ao abrigo do disposto na Cláusula 2) do contrato junto como Doc. n.º 1–o embargado, por carta datada de 04.09.2014 procedeu à interpelação da empresa, B..., Lda., para esta proceder ao pagamento do montante supra mencionado.
3.1.15. A sociedade B..., Lda. não pagou o valor em dívida suprarreferido.
3.1.16. Por carta datada de 29.07.2021 a Exequente/Embargada interpelou a sociedade B..., Lda. e os avalistas, para o preenchimento da livrança e para procederem ao pagamento das quantias em divida, mediante cartas registadas com aviso de receção, enviadas para as moradas constantes do contrato subscrito pelas partes...
3.1.17. Nomeadamente, para procederem ao pagamento do montante global de €125.557,28,
3.1.18. Bem como a quantia de €627,79 relativa ao Imposto do Selo liquidado nos termos do disposto na alínea j) do n.º 3 do artigo 3º do Código do Imposto do Selo, Tabela Geral do respetivo código, verba 23.2 (0.5%).
3.1.19. A carta dirigida à embargante, enviada para a morada constante do contrato, foi entregue à destinatária.
3.1.20. Era habitual a embargante, mãe dos sócios da B..., intervir em contratos bancários celebrados por aquela, como avalista da sociedade.
*
A acrescentar a estes pontos factuais importa ainda tomar em consideração estes outros facto:[1]
3.1.21. Foi entregue, em 07/12/2022, à embargante/recorrente a carta de notificação da renúncia apresentada pela sua mandatária (cfr. doc. nº 1 junto pela mandatária renunciante com o seu requerimento apresentado em 07/12/2022);
3.1.22- O aviso de receção foi assinado pela apelante no dia 07/12/2022 (cfr. aviso devolvido no dia 13/12).
*
III. O DIREITO
Isto dito e como supra se referiu a primeira questão que vem posta no recurso prende-se com:
a)- saber se na data da audiência de julgamento havia operado, ou não, a renúncia ao mandato.
Preceitua o artigo 40.º, nº 1, al. a) do CPCivil que nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário, a constituição de mandatário é obrigatória.
Tal disposição aplica-se à situação dos presentes embargos de executado e à execução por apenso à qual os mesmos correm termos, visto que tais causas se tramitam num Juízo de Execução, que é um Tribunal com alçada, e que o valor de ambas (€126.285,26) excede a alçada dos tribunais de 1ª instância, que é de €5.000,00 (art. 44º, nº 1 da Lei Organização do Sistema Judiciário).
Como se evidencia dos autos a mandatária da embargante veio em 05/12/2022 renunciar ao mandato.
Em 07/12/2022 apresentou nos autos o seguinte requerimento:
“FF, mandatária renunciante nos autos supramencionados, vem expor e requerer o seguinte:
1. Foi apresentada renuncia ao mandato no presente processo, porém, a mesma ainda não é operante pois não foi ainda notificada à executada;
2. Porém está agendada para o próximo dia 12 de dezembro uma diligência;
3. Dado que houve renuncia ao mandato, a mesma não foi notificada à executada e assim a mesma não tem ainda um outro mandatário nomeado, requer-se a V. Exa. O adiantamento da diligência até que seja nomeado um novo mandatário”.
*
Sobre tal requerimento e no dia 07/12/2022 recaiu o seguinte despacho:
“Uma vez que a renuncia ainda não operou os seus efeitos e a Il. Mandatária renunciante até que aquela opere tem de assegurar os atos do processo, como decorre do Estatuto da O.A, indefiro o requerido”.
*
No mesmo dia 07/12 voltou a mandatária renunciante a apresentar nos autos outro requerimento com o seguinte conteúdo:
“FF, mandatária renunciante tendo sido notifica do despacho vem expor e requerer o seguinte:
1. A notificação da executa foi realizada no dia de hoje dia 7 de dezembro de 2022.–cfr. Doc. N.º 1
2. Assim, a renuncia da ora signatária é operante.
3. Nos termos do n.º 2 do artigo 427.º do CPC. A renuncia produz efeitos a partir do momento da sua notificação.
4. Estando a executada notificada, a renuncia é operante, pelo que não tem a Mandatária renunciante, assegurar os atos do processo.
5. Devendo por fim ser adiada a diligência até nomeação de novo mandatário”.
*
Já em audiência de julgamento o tribunal a quo emitiu, sobre o assim requerido, a seguinte pronúncia:
“Pese embora, o requerido pela I M, no requerimento com a referência 44092802, e o print a ele anexo, extraído do site dos CTT, e que alegadamente demonstra que a carta de notificação da renúncia da Mandatária foi entregue à Embargante, a verdade é que sendo a renúncia um ato que exige a notificação pessoal da Mandante, e esta notificação apenas é comprovada com a junção aos autos do respetivo aviso de receção, e não raras vezes quem assina o aviso nem sempre á a pessoa que consta do site dos CTT, como resulta das regras da experiência judiciária, entende-se não ser de concluir que a renúncia operou os seus efeitos e por conseguinte decide-se realizar o julgamento”.
É, pois, contra esta decisão que se insurge a apelante, alegando que tendo operado a renúncia ao mandato no dia 07/12/2022 a audiência de julgamento devia ter sido adiada.
Mas, salvo o devido respeito, não se sufragar este entendimento.
Sempre que o mandatário forense renuncia à procuração, dispõe o artigo 47.º, nº 1 do CPCivil que tal renúncia deve ser notificada à parte (mandante), acrescentando o nº 2 do mesmo preceito, que os efeitos da renúncia se produzem com a notificação da mesma ao mandante, e que esta notificação deve ser feita pessoalmente e com a advertência do seu efeito cominatório que, no caso vertente, é a extinção dos embargos.
Dúvidas não existem de que a renúncia foi notificada à recorrente no dia 07/12, data em que foi por ela assinado o aviso de receção (cfr. devolução do aviso de receção em 13/12) (cfr. artigo 230.º, nº 1 do CPCivil aplicável ex vi artigo 250.º do mesmo diploma legal).
Acontece que, o entendimento propugnado pela apelante, só seria aceitável para os casos em que o patrocínio judiciário é meramente facultativo: aí sim, os efeitos da revogação ou da renúncia produzem-se, imediatamente, a partir da notificação ao mandatário ou ao mandante (n.º 2 do artigo 47.º do CPC), ou seja, o advogado constituído deixa de estar mandatado para a prática de qualquer ato processual e, enquanto não constituir novo advogado, a parte fica sem patrocínio.
Sendo o patrocínio obrigatório (é o caso dos autos, como já se evidenciou), a renúncia já não produz os seus efeitos imediatamente após a notificação pessoal do mandante, mas sim quando este constitua novo advogado ou decorrido o prazo de 20 dias após a notificação da renúncia (corpo do n.º 3 do citado artigo 47.º).
Portanto, nesse ínterim, a parte continua a ser assistida pelo mandatário renunciante, que continua vinculado às obrigações decorrentes do mandato forense.
Esta diversidade de regimes (patrocínio obrigatório/e não obrigatório) vem, aliás, bem explicitada por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[2] do seguinte modo:
Com a notificação da revogação do mandato este extingue-se, cumprindo ao mandante constituir novo mandatário para que não fique numa situação de falta de patrocínio judiciário. Daí em diante, se a parte pretender praticar algum ato processual em ação em que seja exigido patrocínio judiciário por advogado, só poderá fazê-lo mediante a designação de novo advogado.
Diverso é o regime nos casos de renúncia. Esta é imediatamente eficaz na data em que ocorrer a notificação pessoal do mandante se o patrocínio judiciário por advogado não for obrigatório. Já nos demais casos, deu-se guarida à necessidade de tutelar os interesses da parte patrocinada, persistindo o mandato por mais 20 dias após a notificação da renúncia, sendo o mandante advertido dos efeitos que decorrem da falta de constituição de novo mandatário”.
Acrescentam os autores que se trata de regime que parece equilibrado na medida em que, nos casos de renúncia, obsta a que se produzam efeitos imediatos que poderiam, por exemplo, refletir-se na preclusão relacionado com a prática de atos cujo prazo estivesse ainda em curso.
E concluem destacando que enquanto perdurar o mandato forense por essa via mantém-se os deveres que normalmente emergem dos termos que conjuguem as regras de direito civil com normas do EOA.
Acresce que, o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 671/2017 de 13/10[3], não julgou inconstitucional a interpretação do artigo 47.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), segundo a qual, sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário.
Aliás, ainda no domínio da anterior redação o mesmo Tribunal apreciou a constitucionalidade do artigo 39.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, tendo afirmado no Acórdão n.º 314/2007, e depois reiterado no Acórdão n.º 188/2010, que da aplicação do artigo 39.º do Código de Processo Civil resulta que a renúncia ao mandato por parte de advogado constituído não tem como consequência a imediata extinção da relação de mandato e a consequente cessação das obrigações do mandatário para com o seu cliente, mantendo-se o dever do mandatário renunciante de prestar assistência ao mandante. E assim julgou não desconforme à Lei Fundamental a interpretação segundo a qual aqueles preceitos não atribuem à apresentação de renúncia pelo mandatário judicial efeito suspensivo do prazo para apresentação das alegações de recurso, que estava em curso no momento em que a renúncia foi formalizada.
Revertendo ao caso em apreciação, na data designada para a realização da audiência de discussão e julgamento (12 de dezembro de 2022), a mandatária da embargante não esteve presente, todavia, e dado que nessa data ainda não tinha decorrido o assinalado prazo de 20 dias (a renúncia ao mandato, como acima se afirmou foi notificada à apelante no dia 07/12/2022), o tribunal recorrido, e bem, determinou a realização da audiência de julgamento.
Por outro lado, ao contrário do que sugere a apelante, a realização da audiência de julgamento sem a apelante estar representada por mandatário, não posterga o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, princípios consagrados no artigo 20.º da CRP, e que consubstanciam uma manifestação do imperativo de constitucionalização de direitos fundamentais numa dimensão organizacional, procedimental e processual.
Com efeito, tais direitos mantiveram-se incólumes na medida em que, como supra se referiu, a renúncia ao mandato ainda não havia produzido efeitos, pelo que caberia à mandatária da apelante, assegurar a realização da audiência de discussão e julgamento em representação da apelante.
Na confrontação dos interesses em presença-interesses do mandante e o desiderato de boa administração da justiça-distinta conclusão hermenêutica redundaria, necessariamente, num expediente dilatório, que atentaria contra o dever de administração célere da justiça.
Até à data da audiência, a apelante esteve sempre representada por mandatária, a qual foi conformando a ação de acordo com a estratégia processual gizada em consonância com a aquela tendo participado, até então, em todos os atos realizados.
Na data do julgamento, a mandatário da apelante não compareceu, sendo certo que tal ausência não constituía causa de adiamento do julgamento (artigo 603.º, n.º 1, do CPC), pelo que a audiência de julgamento se realizou como tinha de ser.
Ainda sob este conspecto importa referir que a ausência da apelante na data agendada para a audiência também não constituía motivo de adiamento da mesma.
*
Improcedem, desta forma, as conclusões 1ª a 8ª formuladas pela apelante.
*
A segunda questão que vem colocada no recurso prende-se com:
b)- saber se tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Relativamente a esta questão, importa, antes de tudo, saber se a apelante, cumpriu os ónus impostos pelo artigo 640.º do CPCivil.
Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar, com sucesso, a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de cumprir (“sob pena de rejeição”)[4] vários ónus de especificação que podem ser assim enunciados[5] (artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil):
-especificação dos concretos pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados pelo tribunal recorrido, obrigação que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida;[6]
-indicação das concretas provas (constantes do processo ou que nele tenham sido registadas) que impõem decisão diversa da recorrida, ónus que se cumpre com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe outra decisão;[7]
- indicação da decisão (diversa da recorrida) que, no seu juízo, se impõe quanto a cada um dos pontos de facto que considera mal julgados.
E decorrente da imposição de tais ónus, tendo hoje a consolidar-se e a tornar-se pacífico o entendimento de que a rejeição do recurso que impugna a decisão sobre matéria de facto só se justifica verificada alguma destas situações:
- falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [artigos 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b), de CPCivil];
- falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPCivil], pela importante função delimitadora do objeto do recurso que essa especificação desempenha;[8]
- falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;
- falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
- falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.[9]
Ora, a recorrente não indica, nas conclusões quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, não obstante o faça na motivação.
*
Daí que, nestas circunstâncias e em conformidade com o entendimento acima perfilhado se considere que a recorrente incumpriu os referidos ónus, impondo-se, assim, a rejeição da impugnação da matéria de facto.
*
Mas ainda que assim não fosse a impugnação da matéria de facto nunca poderia proceder.
Analisando.
O cerne da impugnação situa-se na circunstância de ter sido dado como provado que foi a apelante que após a sua assinatura no verso da livrança dada à execução (cfr. conclusões 10ª a 15ª).
O tribunal recorrido sob esse conspecto discorreu do seguinte modo:
“(…)
Do contrato anexo à contestação concluímos qual a relação subjacente à emissão da livrança, sendo que a assinatura aposta no contrato e objeto de termo de autenticação por Il. Advogado não foi arguida a falsidade da assinatura, pelo que concluímos pela autoria da assinatura ali aposta e imputada à embargante.
Relativamente à assinatura aposta no verso da livrança e imputada à embargante, o relatório pericial entrado em juízo em 27.10.2022, conclui ser provável que a assinatura imputada à embargante ali tenha sido aposta pelo seu punho.
Numa escala de gradação que vai do “grau 1” probabilidade próxima da certeza cientifica não” ao “grau11”, probabilidade próxima da certeza cientifica (ser) a conclusão provável situa-se no “grau 8” o que conjugado com a confissão de a assinatura aposta no contato subjacente (reconhecida por IL. Advogado e, por isso, fazendo prova plena quanto à sua autoria–artº 375º, nº1, do C.C.) permitem concluir que a assinatura aposta na livrança e imputada à embargante ali foi aposta pelo seu punho.
A testemunha DD, então funcionária da B..., depôs de forma serena, coerente e credível.
Esclareceu que a embargante é mãe dos sócios da sociedade B..., tendo intervindo em contrato, abonando a embargante, como resulta do contrato anexo à contestação.
Segundo referiu, qualquer contrato bancário celebrado pela sociedade era remetido para a sede da sociedade e o sócio GG, filho da embargante, levava para casa os documentos para a mãe assinar.
Deste depoimento concluímos que os documentos ficavam na posse dos interessados antes de os assinarem.
Do contrato anexo à contestação extraímos o negócio celebrado, condições, pacto de preenchimento, reconhecimento por Il. Advogado das assinaturas apostas nos contratos.
Foi junto como doc. nº 2 anexo à contestação comprovativo da declaração para acionar a garantia mútua e apreço nos autos, subscrita pelo Banco 1..., data e valor peticionado e junto o recibo de quitação emitido pelo Banco 1..., SA que comprova o pagamento daquela quantia pela embargada.
Anexo à contestação foram juntas cartas de resolução do contrato de mútuo, cartas a comunicar o preenchimento da livrança e concessão de para a o seu pagamento, sendo junto comprovativo da receção da carta enviada à embargada a comunicar o preenchimento da livrança e valor.
O Il Advogado Dr. BB confirmou o reconhecimento da assinatura aposta no contrato esclarecendo que nunca reconhece como sendo presencial uma assinatura que não é aposta no documento na sua presença.
CC, economista e que trabalhou na empresa entre 2006 e Março de 2011, depôs de forma serena, revelando conhecimento dos factos. Confirmou que a embargante é mãe dos socos da empresa e ter intervindo no contrato de garantia como abonador, sendo normal a embargante intervir como avalista nos contratos celebrados pela empresa”.
*
Para contrariar esta fundamentação a apelante limita-se a pouco mais que invocar os depoimentos das testemunhas arroladas pela apelada e fazer telegráficas transcrições dos seus depoimentos.
Ora isso não basta.
A lei impõe aos recorrentes que indiquem o porquê da discordância, isto é, em que é que os referidos meios probatórios contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta dos citados meios probatórios.
É exatamente esse o sentido da expressão legal “quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida” (destaque e sublinhados nossos).
Repare-se na letra da lei: “Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida”!
Como afirma Ana Geraldes,[10]: “ (…) tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), (…), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
Como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos.
E ainda que não existam obstáculos formais a que um determinado facto seja julgado provado pelo Tribunal mediante o recurso a um único depoimento a que seja atribuída suficiente credibilidade, não deve perder-se de vista a falibilidade da prova testemunhal quotidianamente comprovada pela existência de depoimentos testemunhais imprecisos, contraditórios ou, mais grave ainda, afetados por perjúrio.
Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.
Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada.”
Por sua vez, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/02/2012[11], (13), afirmou-se, relativamente ao regime semelhante do art. 690.ºA, do Código de Processo Civil revogado, que:
“Insurgindo-se contra uma decisão fundada em determinados meios de prova que ficaram concretizados na motivação, era suposto que se aprimorasse na enunciação dos reais motivos da sua discordância traduzidos na análise crítica (e séria) da prova produzida e não na genérica discordância quanto ao facto de o tribunal de 1ª instância ter dado mais relevo a umas testemunhas do que a outras. Ónus esse que deveria passar pela análise conjugada dos diversos meios de prova, relevando os que foram oralmente produzidos e os de outra natureza constantes dos autos.
Em face de tantas e tão graves distorções em relação aos trâmites impostos pela lei, não seria exigível que a Relação desse seguimento à referida pretensão genérica, justificando-se a rejeição do recurso na parte respeitante à decisão da matéria de facto.
Com efeito, o regime legal instituído não acolhe de forma alguma a impugnação genérica e imotivada de todos os pontos inscritos na base instrutória, do mesmo modo que se afastou de um modelo alternativo que impusesse à Relação a realização de um segundo julgamento. O que está subjacente ao regime vigente é a impugnação especificada e motivada dos pontos relativamente aos quais existe discordância, levando a que a Relação repondere a decisão que foi tomada sobre determinados pontos de facto, servindo-se dos meios de prova que se mostram acessíveis”.
Portanto, o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida não é observado quando o apelante: (i) se insurge genericamente quanto à convicção formada pelo tribunal a quo; (ii) se limita a sinalizar que existe um meio de prova, v.g., testemunha, que diverge dos factos tidos como provados pelo tribunal a quo, pretendendo arrimar–sem mais–nesse meio de prova uma decisão de facto diversa da expressa pelo tribunal a quo; iii ou mesmo se se limita a invocar meios de prova transcrevendo excertos dos seus depoimentos.
Com efeito, o tribunal de primeira instância–no âmbito do contexto de justificação –elabora uma motivação em que explicita as razões que permitem, ou não, aceitar os enunciados fácticos como verdadeiros. Nessa motivação, o juiz a quo valora o conjunto dos meios de prova que foram carreados para o processo, expressando uma convicção que tem que ser objetivável e intersubjetiva.[12]
Assim sendo, cabia à apelante–para efeitos de cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida–argumentar, de forma concretizada, no sentido de que os meios de prova produzidos no processo, apreciados em conjunto e de forma crítica, impõem uma convicção diversa quanto à reconstituição dos factos, atingindo essa diferente versão dos factos o patamar da probabilidade prevalecente, arredando-do mesmo passo-a versão aceite pelo tribunal a quo.
Era incumbência do apelante atuar numa dupla vertente: (i) rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo, (ii) tentando demonstrar que a prova produzida inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente.
Em suma, não foi observado pela apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, pois que se absteve de desconstruir a apreciação crítica da prova, realizada pelo tribunal a quo na decisão impugnada, limitando-se, a pouco mais, que invocar depoimento de testemunhas e fazer transcrições telegráficas dos mesmos.
*
Improcedem, desta forma, as conclusões 9ª a 15ª formuladas pela apelante e, com elas, o respetivo recurso.
*
IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
*

Custas pela apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
*
Porto, 27/11/2023
Manuel Domingos Fernandes
Mendes Coelho
Carlos Gil
______________
[1] Nestes casos a Relação, limita-se a aplicar as regras vinculativas extraídas do direito probatório, devendo integrar na decisão o facto que considere provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado, pois que, nos termos do artigo 663.º, nº 2 do diploma citado, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais se insere o artigo 607.º, nº 3 do mesmo diploma legal, norma segunda a qual o juiz, na fundamentação, toma em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
[2] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Edição, anotação ao artigo 47º, pág. 84.
[3] Acessível em www.dgsi.pt, nele se afirmando para o que qui releva o seguinte: “A norma em causa procede a uma conciliação entre os interesses do mandatário, os do mandante e ainda aos interesses da boa administração da justiça. Assim se compreende que a revogação e a renúncia do mandato judicial tenham lugar no próprio processo e que a renúncia seja pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no n.º 3 (artigo 47.º, n.º 2, do CPC). O regime do artigo 47.º do CPC visa justamente acautelar a produção de efeitos negativos para a parte, quando o patrocínio é obrigatório e a parte não consegue imediatamente constituir novo mandatário. Daí que o advogado renunciante continue ligado ao mandato, durante 20 dias, até, dentro deste prazo - de dimensão perfeitamente razoável-o mandante constituir novo mandatário, extinguindo-se, então, o primeiro mandato.
Estando, por força da lei, o mandatário judicial constituído ligado ao mandato, no momento em que ocorreu a audiência de julgamento, não pode afirmar-se que se tenha verificado qualquer perturbação relativamente ao exercício do direito à tutela efetiva que afetasse a posição processual da recorrente. O facto de a audiência de julgamento ter prosseguido, sem que a embargante estivesse representada, resultou da ausência do advogado (…). Por outro lado, independentemente de uma eventual quebra na relação de confiança entre a mandante e o mandatário, o certo é este não poderia deixar de cumprir as obrigações a que se encontrava adstrito enquanto o mandato não pudesse considerar-se extinto.
Não há, por isso, qualquer risco, em situação de normalidade e desde que se use a diligência devida, de a parte deixar de exercer os direitos processuais por virtude da renúncia do mandato, visto que a lei contempla mecanismos que permitem assegurar a representação processual sem prejuízo para a defesa dos interesses que se pretende fazer valer na ação.
A especialidade do regime tem, pois, a fundamentá-la uma razão material bastante - a celeridade da administração da justiça-razão essa congruente com a prossecução, por parte do legislador ordinário, de interesses e valores constitucionais dotados de particular relevância. Tanto basta para que se conclua que, face ao parâmetro contido no artigo 20.º da CRP, não merece a norma sob juízo qualquer censura”.
[4] Como se decidiu no Ac. STJ de 30.06.2020 (processo n.º 1008/08.3 TBSI.E1.S1), “III - A cominação para a falta de especificações constantes das als. a), b) e c) do n.º 1 do art. 640.º do CPC é a rejeição da impugnação da decisão de facto, não havendo lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento nos termos do n.º 3 do art. 639.º do CPC”.
[5] No Ac. STJ de 16.12.2020 (processo n.º 8640/18.5 YIPRT.C1.S1) fala-se em dois ónus que recaem sobre o recorrente que impugna a decisão sobre matéria de facto: “Um ónus principal, consistente na delimitação do objeto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorretamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – Art.º 640º nº 1 do CPC; e Um ónus secundário, consistente na indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art.º 640º nº 2 al. a) do CPC.”.
[6] Sendo certo que, em casos-limite, a impugnação pode implicar toda a matéria de facto, nem por isso o recorrente está desobrigado de especificar os concretos pontos de facto por cuja alteração se bate (cfr. A.S. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5.ª edição, pág. 163, em nota de pé de página).
Esta especificação serve para delimitar o objecto do recurso e por isso tem de constar das conclusões.
[7] O Sr. Conselheiro Abrantes Geraldes (ob. cit., pág. 170, nota de pé de página) afirma ser “infundada a rejeição do recurso da matéria de facto com fundamento na falta de indicação, nas conclusões, dos meios probatórios ou dos segmentos da gravação em que o recorrente se funda. O cumprimento desses ónus no segmento da motivação parece suficiente para que a impugnação da decisão da matéria de facto ultrapasse a fase liminar, passando para a apreciação do respetivo mérito”, citando jurisprudência do STJ nesse sentido.
No Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 771, de que é autor em conjunto com Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, precisa-se que “é objeto de debate saber se os requisitos do ónus impugnatório devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões, sob pena de rejeição do recurso” e anota-se que “o Supremo tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e de certeza, com os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação”.
[8] Assim, por mais recentes, os Acs. STJ de 19/01/2023 (processo n.º 3160/16.5T8LRS-A.L1-A.S1) e de 27/04/2023 (processo nº 4696/15.0T8BRG.G1.S1).
[9] Cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., na nota 8, pags. 169-169 e o recente acórdão de Uniformização de Jurisprudência datado de 17/10/203-Processo nº 8344/17.6T8STS.E-ASI ainda não transitado em julgado.
[10] In “Impugnação e Reapreciação da Decisão da Matéria de Facto”- in “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas”, Vol. I, págs. 589 e segs.
[11] Processo nº 1858/06.5TBMFR.L1.S1 in www.dgsi.pt..
[12] Cfr. Luís Filipe Sousa, in Prova Testemunhal, 2013, pp. 319-330.