Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
358/21.8PAGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ÂNGELA REGUENGO DA LUZ
Descritores: CRIME DE DANO
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA EM SEDE DE SENTENÇA
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A AÇÃO PENAL
Nº do Documento: RP20241107358/21.8PAGDM.P1
Data do Acordão: 11/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – O valor referência para efeitos de qualificação do crime de Dano é o do prejuízo sofrido e não o do valor da coisa na sua totalidade.
II – Sempre que os danos causados tenham valor inferior à unidade de conta não poderá o agente ser julgado por mais do que por um crime de Dano “simples” [art. 212.º, n.º 1, do Cód. Penal].
III - Assim, a convolação do crime de dano qualificado em crime de dano simples verificada em sede de decisão judicial por alteração da configuração factual do ilícito não acarreta a nulidade dos actos anteriormente praticados pelo Ministério Público quando essa condição de procedibilidade não era exigível à data de abertura do inquérito e da formulação da acusação.

(Da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 358/21.8PAGDM.P1


1ª secção




Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto



1 – RELATÓRIO


No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Local Criminal (J1), foi proferida sentença em 04/06/2024, com o seguinte dispositivo:
- absolvição do arguido AA[1] pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça, agravado, p. e p. pelo artigo 153.º n.º1 e 155.º, n.º1, alí. c), in fine, por referência ao art.º 132.º, n.º2, alí. l), todos do Código Penal;
- condenação do arguido AA pela prática em autoria material de um crime de dano qualificado, previsto e punido pelo artigo 212º, n.º 1 e 213º, n.º 1, al. c) do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €5,00, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 47.º do Código Penal, perfazendo o montante global de 500,00€ (quinhentos euros);
- procedência parcial do pedido de indemnização civil, condenando o arguido/demandado civil AA a pagar à Demandante Agrupamento de Centros de Saúde do ..., a quantia de 92,25€ (noventa e dois euros e vinte e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar desde a data da notificação e até efectivo e integral pagamento;
- condenação do arguido no pagamento das custas criminais do processo, fixando a taxa de justiça em 3 (três) Unidades de Conta, cfr. Artigos 513.º, e 514.º todos do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa àquele Regulamento;
- isenção de custas cíveis atento o teor do artigo 4.º, n.º 1, alínea n), do Regulamento das Custas Processuais.

Desta decisão condenatória recorre o Arguido AA, extraindo-se das respetivas motivações as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES
I.
A douta sentença, verteu, como factos provados e para o que releva do presente recurso que o Recorrente, no dia 24 de Novembro de 2021, pelas 18h00, no ao Centro de Saúde “USF ...”, sito na Rua ..., ..., dirigindo-se ao balcão de atendimento, debruçou-se sobre o mesmo, pegou num telefone ali existente e atirou-o contra um monitor de um computador que estava no balcão, da marca HP, modelo, Prodisplay P202, derrubando-o sobre o balcão, provocando danos no ecrã do mesmo, inutilizando-o permanentemente, tendo sido substituído por outro.
II.
Mais ficou provado e vertido na douta sentença que o referido monitor tinha um valor global de €92,25 (75,00€ acrescido de IVA).
III.
O monitor em apreço era propriedade da ARS Norte, isto é, pertencente a um serviço público do Estado Português.
IV.
Tendo o Tribunal a quo¸ em face da factualidade dada como provada, condenado o Recorrente, pela prática de um crime de dano qualificado, previsto e punido pelo 212º, n.º 1 e 213º, n.º 1, al. c) do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €5,00, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 47.º do Código Penal, perfazendo o montante global de 500,00€ (quinhentos euros.
V.
Entende o Recorrente que o Tribunal a quo, não efetuou uma correcta subsunção dos factos ao Direito aplicável.
VI.
Pois, de acordo com o disposto no n.º 3 e 4 do referenciado art. 213.º do Código Penal, e operando-se a remissão aí expressa para o n.º 4 do art. 204.º do mesmo diploma, resulta que, nos casos em que a coisa danificada tiver um valor diminutos, não há lugar à qualificação.
VII.
Por sua vez, e nos termos do disposto na alínea c) do art. 202.º do Código Penal, valor diminuto é aquele valor diminuto é aquele que não excede uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto.
VIII.
E, o valor da unidade de conta à data dos factos – 2021 – era, de acordo com o artigo 232.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2021, de €102,00, inferior ao valor do monitor danificado/inutilizado pelo Arguido.
IX.
Não havendo lugar à qualificação, só poderia o Arguido, em tese, ser condenado pela prática do crime de dano, na sua forma simples.
X.
Contudo, inexiste fundamentação jurídica, mormente processual, para uma eventual condenação do Arguido pelo referenciado crime.
XI.
Pois, a convolação para o crime de dano simples, pressupunha a existência de queixa-crime apresentada pelo titular desse Direito, o que não ocorreu por parte da demandante civil – ARS Norte.
XII.
Nem tão pouco, a mera dedução de pedido de indemnização civil nos autos, por parte da proprietária do monitor, consubstancia uma inequívoca (nem sequer implícita) manifestação de vontade de que contra o Recorrente fosse deduzido procedimento criminal por factos suscetíveis de traduzirem a prática sobre aqueles de crimes de dano.
XIII.
Assim, uma eventual convolação do crime de dano qualificado em crime de dano simples, comportaria uma ilegitimidade do Ministério Público para a dedução de acusação contra o arguido por factos integradores do crime de natureza semi-pública sem que tivesse sido formulada pelo ofendido – ARS NORTE - a respetiva queixa e, tal comportaria igualmente uma nulidade insanável cominada no art. 119º, alínea b), do CPP.
XIV.
Sem prescindir, entende o Recorrente que lhe deverá ser aplicada o perdão previsto no art 3º nº2 al. a) da Lei 38-A/2023, pois à data dos factos tinha 22 anos de idade, e veio condenado na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €5,00.
XV.
Cumprindo, desta forma, todos os requisitos para que lhe seja aplicada a citada Lei e, em consequência, ser perdoada a pena a que foi condenado, não lhe sendo aplicável a excepção prevista na alínea j) do n.º 1 do art. 7., pois seguindo a previsão legal do art. 75.º do CP, o Recorrente praticou o seu primeiro e único crime anterior ao aqui apreciado, em 01 de junho de 2015 e o atual em 24 de novembro de 2021, isto é, mais de seis anos depois, não tendo ocorrido qualquer suspensão desse prazo.
Daí o presente recurso.
Nesta medida,
Atendendo-se a tudo o descrito, atenta a explanação constante do presente recurso e tendo em conta os diplomas e normativo legais aqui elencados com relevância para a decisão da causa, absolvendo o Recorrente do crime de dano qualificado de que veio condenado ou, em alternativa, promovendo o perdão da pena por força da Lei 38-A/2023 de 02 de Agosto, os Venerandos Juízes Desembargadores atenderão à urgência de se fazer a inteira e sã justiça.(…)”
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O Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o\a Sr.º\a Procurador\a-Geral Adjunto\a, perante a decisão recorrida e a resposta do MP na 1ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., foi apresentada resposta que, em suma, mantém os fundamentos e pretensão inicial, esclarecendo que que, em nenhum momento, o Recorrente fundamentou a sua pretensão no facto de, atento o valor do objecto danificado se considerar diminuto, o crime de dano simples revestir a natureza particular. Antes pugnando pela procedência do presente recurso, pelo facto de ter sido condenado pela prática do crime de dano, na sua forma qualificada e, como decorre das motivações por si apresentadas e vertidas nas conclusões (IX), não havendo lugar à qualificação, por força do valor diminuto do objecto danificado, apenas poderia ter sido o Recorrente condenado pelo crime de dano, na sua forma simples, que reveste a natureza semi-pública. Entendeu também o Recorrente que, pese embora o Tribunal a quo considerar estarem preenchidos os tipos objectivo e subjectivo do ilícito certo é que, para tal convolação – de qualificado para simples – carecia de ter existido a apresentação de queixa pela entidade proprietária do monitor danificado (titular do direito de queixa) - o que não ocorreu, conforme extensamente explanado no recurso interposto. Entendendo o Recorrente que, uma eventual convolação do crime de dano qualificado em crime de dano simples, comportaria uma ilegitimidade do Ministério Público para a dedução de acusação contra o arguido por factos integradores do crime de natureza semi-pública sem que tivesse sido formulada pelo ofendido – ARS NORTE - a respetiva queixa e, tal comportaria igualmente uma nulidade insanável cominada no art. 119º, alínea b), do CPP..
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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2 – FUNDAMENTAÇÃO

2.1-QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior. Sublinha-se, pois, que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 – “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
A – Da errada qualificação jurídica do crime de dano;
B – Da ilegitimidade do Ministério Público para a promoção do procedimento criminal face à desqualificação do crime de dano;
C – Da aplicação do perdão previsto no art 3º nº2 al. a) da Lei 38-A/2023.


2.2. Decisão recorrida
A decisão sob recurso é do seguinte teor: (transcrição):
Desde a prolação do despacho que recebeu a acusação não se suscitaram quaisquer questões prévias ou incidentais de que se deva conhecer, nem ocorrem nulidades ou excepções impeditivas do conhecimento do mérito da causa, donde se decidirá da mesma.
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III. Fundamentação
Factos provados
Produzida a prova e discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido AA dirigiu-se no dia 24 de Novembro de 2021 pelas 18h00 ao Centro de Saúde “USF ...”, sito na Rua ..., ..., para uma consulta não agendada com a ofendida BB, Médica naquela unidade de saúde.
2. Ainda antes da consulta, o arguido por várias vezes dirigiu-se às funcionárias do Centro de saúde dizendo:
“ Que se não fosse atendido rapidamente que partia tudo!”.
3. Já durante a consulta, o arguido começou a discutir com a médica ofendida BB, e aos berros dirigiu-se à mesma e disse-lhe:
“Que ela não ia fazer nada!” e “O que é esta merda?”.
4. Sem que nada o fizesse prever, o suspeito exaltou-se lançou a secretária de trabalho contra a Médica, contudo não logrou atingi-la uma vez que a mesma encontrava-se de pé, conseguindo afastar-se.
5. O arguido saiu de imediato do gabinete da ofendida, batendo a porta com todo o estrondo que fez, berrando na sala de espera e recepção daquele centro de saúde.
6. Já na zona do átrio principal, o arguido aos berros pegou em cadeiras da sala de espera e arremessou-as contra as paredes .
7. Ao mesmo tempo, o arguido dizia: “É sempre a mesma merda, puta que os pariu!”. Vocês estão aqui e não atendem o telefone, é sempre a mesma coisa. Eu parto esta merda toda!”.
8. Dirigiu-se então ao balcão de atendimento, debruçou-se sobre o mesmo, pegou num telefone ali existente e atirou-o contra um monitor de um computador que estava no balcão, da marca HP, modelo, Prodisplay P202, derrubando-o sobre o balcão, provocando danos no ecrã do mesmo, inutilizando-o permanentemente, tendo sido substituído por outro.
9. Em consequência da conduta do arguido, a ARS Norte teve um prejuízo no valor de global de 92,25€ (75,00€ acrescido de IVA).
10. O arguido agiu deliberada, voluntária e conscientemente.
11. O arguido quis, e conseguiu, causar estragos no supra referido monitor de computador do Centro de Saúde, que tem uma finalidade pública e notória de uso público, e pertencente a um serviço público do Estado Português, apesar de saber que tal bem não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário.
12. Mais sabia o arguido que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal.
13. O arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em 2017.03.27, pela prática, em 2015.06.01, de um crime de roubo, na pena de 9 meses de prisão substituída por 270 horas de trabalho a favor da comunidade.
14. O arguido é trabalhador no aeroporto, aufere o salário mensal de 500€, pro 4 horas diárias de trabalho, ajuda a Mãe com 200€ por mês para ajuda no pagamento de renda e despesas; tem o 9.º ano de escolaridade.
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Factos não provados
Não se provou nenhum outro facto constante da acusação, designadamente, que:
A. O arguido voltou ao consultório da médica ofendida, entrou pelo mesmo sem autorização, pegou novamente na secretária de trabalho numa tentativa de a virar, só não conseguindo porque as gavetas abriram e impediram a queda da secretária, que ficou inclinada, fazendo com que vários dossiers, teclado de computador, aparelho de medir a tensão arterial e material de escritório caíssem no chão.
B. Acto contínuo o arguido tentou agarrar a médica ofendida, tendo sido impedido pelo enfermeiro CC, que se colocou entre ambos.
C. Ainda antes de sair do gabinete médico, o arguido dirigiu-se à ofendida e disse-lhe: “Que ia chamar a família e amigos e que partia tudo e que dava cabo desta gaja!”.
D. Que o arguido tenha atirado as cadeiras referidas em 6 dos factos provados contra a porta de acesso às casas de banho dos funcionários.
E. Em consequência da conduta do arguido referida em 8 dos factos provados, a ARS Norte teve um prejuízo no valor €160,00 (cento e sessenta euros).
F. A ofendida BB, pelo tom sério e no contexto em que tais expressões foram proferidas pelo arguido, entendeu e admitiu que aquele é capaz de a agredir, razão pela qual, pelo menos a partir daquela data, ficou a recear pela sua integridade física.
G. Ao agir da forma acima descrita, o arguido fê-lo sabendo que as suas condutas eram adequadas, como foram, a causar medo e receio pela integridade física daquela, o que foi querido por si.
H. Ao dirigir-se à ofendida, nos termos atrás descritos, sabendo que a mesma é Médica do Serviço Nacional de Saúde e que estava no desempenho e por causa das suas funções públicas de Clínica/Médica, bem assim, conhecendo do sentido ameaçador das suas palavras proferidas e actos cometidos naquele contexto, perante a comunidade médica e outros utentes de saúde, quisera o arguido, o que conseguiu, atemorizar a ofendida.
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IV. Motivação
A) Meios de Prova e Exame critico
O Tribunal fundamentou a sua convicção em vários elementos.
A convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “olhares de súplica” para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (cfr. Ricci Bitti/Bruna Zani, in “A Comunicação como Processo Social”, editorial Estampa, Lisboa, 1997).
A linguagem nos tribunais também é a linguagem das emoções, do não dito, insuprível fonte de estímulos a despertar a mente do Juiz e a guiá-lo no dever de descobrir a verdade material.
O art.º 127 do C.P.P. indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio, suposto pela ordem jurídica.
As normas da experiência são, como refere Cavaleiro de Ferreira, “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade” (in “Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág.300).
Sobre a livre convicção do juiz diz Figueiredo Dias que esta é “...uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros” (in “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205).
Tal princípio, porém, não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação motivável e incontrolável da prova produzida, sendo que a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever: o dever de perseguir a verdade “material”, de tal modo que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo.
Embora se não procure o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E “se a verdade que se procura é... uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primordiais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros”, como refere Figueiredo Dias em Direito Processual Penal, 1º Vol., pags. 203. Este autor acrescenta logo a seguir que “uma tal convicção existirá quando e só quando... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”, isto é, “quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”.
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O resultado probatório acima consignado, relativamente aos factos provados, resulta:
O arguido, no essencial, negou a prática dos factos; não falou para a médica em concreto mas relativamente ao centro de saúde, nunca ameaçou a médica; era a médica quem estava mais exaltada; a médica não o queria tratar por ter seguro; deu pontapés às cadeiras quando saiu do gabinete, não deu pancada no monitor do computador; começou numa discussão no inicio da consulta (com a ofendida) por ter seguro e a médica dizia-lhe que teria de ir para o seguro para ser tratado, respondeu-lhe que não saia dali sem ser tratado, a ofendida começou ao berros consigo e mandou-o sair do gabinete, disse enão sair, a ofendida é que empurrou a mesa a apenas empurrou de volta. Não voltou ao gabinete, não agarrou na ofendida; houve berros, foi oque chamou a atenção das pessoas, dentro d gabinete não apareceu ninguém, foi à porta porque discutiram à porta do gabinete o enfermeiro CC e os Seguranças foram ao local, mas foi tudo calmo; disse que “dava cabo daquilo tudo” referia-se ao Centro de Saúde, foi um desabafo.
A testemunha BB, casada, médica, no essencial, referiu que no dia em cauda nos autos, chamou o arguido, ainda usavam máscara, o arguido aproximou-se da secretária, enquanto a mesma se afastou; perguntou ao arguido o que tinha o mesmo referiu que tinha tido um acidente de trabalho e que se tinha aleijado num joelho, pensa que esquerdo, pediu para ver, quando disse “mas eu vou..” o arguido joga a secretária contra si, a secretária arrastou, o arguido proferiu palavras insultuosas, não vai fazer nada, o que é esta merda2, o arguido saiu e bate a porta com muita força, ouve um barulho e passado uns minutos o arguido voltou a tentar entrara e o arguido tenta atirar a secretária mas como tinha duas cadeiras fizeram de travão, entretanto, chegam o enfermeiro CC e o Colega DD e o arguido tentou-a agarrar, o arguido disse ao enfermeiro CC para lhe tirar a mão, que lhe partia a cara e que dava cabo desta gaja, dirigindo-se a si:; o arguido disse que ia chamara a família e amigos e dar cabo desta gaja; pediu para chamarem a Policia, o arguido foi duas vezes ao seu consultório, no inicio o arguido estava apático; depois revelou-se muito, muito agressivo só dessa altura quando lhe disse que não parecia ser nada grave; o arguido tentou-a, da segunda, agarra-la foi o enfermeiro que se colocou no meio; nesse dia não continuou a dar consultas mas uma colega não a deixou; ouviu barulho como se fossem cadeiras a cair; o enfermeiro viu o arguido a entrar no seu consultório (pela segunda vez) e terá ouvido, juntamente com o Dr. DD, quando o arguido disse que ia chamar a família “para ir dar cabo desta gaja”
A testemunha EE, solteiro, médico, era coordenador, à data dos factos, da Unidade de Saúde ..., não assistiu a nenhum dos factos, sabe que foi preciso substituir um monitor.
A testemunha DD, casado, médico na Unidade de Saúde ..., no essencial, referiu que trabalha num consultório ao lado da Ofendida, no dia em causa, ouviu umas vozes elevadas e uns barulhos fora do normal, interrompeu a consulta e foi ver o que se passava, quando chegou ao consultório da doutora BB, viu o arguido um bocadinho alterado, estava a doutora BB no consultório, o enfermeiro CC entre o arguido e a doutora BB; fisicamente não viu nada. Ouviu ameaças e insultos verbais; o arguido disse que chamava os irmãos e que lhes davam porrada, foi em geral, a quem estava lá; o arguida estava sempre alterado “a dizer coisas”; na zona átrio contaram-lhe que o arguido danificou um aparelho (computador ou televisão), mas não foi ver; cadeiras mexidas;, a secretária do gabinete da ofendida estava empurrada na direção da mesma, o Arguido estava a sair com o enfermeiro entreposto entre ele e a doutora, não vir entrar novamente no gabinete ouviu insultos e ameaças verbais, mas daí haver a tentativa de agressão não viu; não se recorda de ouvir ameaça especifica à Ofendida, não assistiu ao inicio do que se passou dentro do consultório; a ofendida ficou afetada; não prosseguiu as consultas; não se lembra de ouvir o arguido dizer “eu dou cabo desta gaja”; o Enfermeiro CC estava presente, já estava quando saiu do seu consultório; quando entrou no consultório da ofendida viu a secretária mexida, a Ofendida estava depois, o Enfermeiro a meio entre o arguido e a Ofendida, estava atrás em pé; não se recorda de ver o arguido tentar ultrapassar o Enfermeiro CC para chegar à Ofendida; o arguido saiu do gabinete exaltado, a insultar; no corredor viu o arguido estava bastante exaltado, batia nas portas e nos armários e proferiu as ameaças referidas; a Ofendida estava amedrontada.
A testemunha FF, solteira, reformada, trabalhou no Centro de Saúde ..., no essencial, referiu que a única coisa que se recorda é de um barulho, alteração de vozes e do arguido ao sair, ia zangado, e lembra-se perfeitamente de o arguido ao sair zangado mandar o telefone contra o monitor de uma colega.
A testemunha GG, solteira, assistente técnica no Centro de Saúde ..., no essencial, referiu que o arguido pediu uma consulta de urgência, estava um bocadinho exaltado, o arguido quando saiu atirou o telefone contra o monitor, a dizer que deviam atender o telefone, e o monitor caiu e ficou danificado, ao sair o arguido disse que ia chamar os amigos para irem lá à Unidade de Saúde, atirou cadeiras contra a parede; não ouviu expressões do arguido contra a Ofendida.
A testemunha CC, casado, enfermeiro na Unidade de Saúde ..., no essencial, referiu que estava no meu gabinete, que fica mais ou menos a cinquenta, sessenta metros do gabinete da doutora BB, e comecei a ouvir barulho, diferente daquilo que era o habitual, dirigiu-se ao gabinete da doutora BB, e aí verificou que as mesas estavam arrastadas, a doutora BB estava atrás da sua mesa, e o senhor AA estava a discutir com a doutora BB; não conseguia perceber o que o arguido dizia; quando chegou ao local o arguido estava exaltado com a situação; colocou-se à frente para tentar afastar e colocar fora da sala, o arguido estava exaltado e agressivo e a Ofendida amedrontada; recorda-se, já fora (do gabinete) o arguido dizer que ia partir aquilo tudo, não ouviu ameaça especifica à ofendida; tal como o ter referido que ia chamar família e os amigos, já no corredor; a mesa do gabinete da Ofendida não estava virada contra a mesa, estava arrastada; depois de si apareceu o Dr. DD e, posteriormente, os Seguranças; a partir do momento em que o Sr. AA veio para fora, depois não tem a perceção de ter ouvido dizer que ia chamar a minha família e vamos partir isto tudo; não viu o arguido a deitar o monitor ao chão; a ofendida estava angustiada, aterrorizada; a Ofendida disse querer continuar a dar consultas mas não estava em condições de o fazer; quando chega vê o arguido dentro do gabinete, desde que chegou e retirou o arguido do gabinete o arguido não voltou a entrar; quando entrou no gabinete a Ofendida estava atrás da mesa, que estava arrastado, nunca o arguido tentou ultrapassá-lo para chegar à Ofendida; não teve de agarrar o arguido, que estava exaltado, para que o mesmo saísse do gabinete; a Ofendia estava a tremer, com lágrimas nos olhos, não estava em condições de continuar o trabalho.
A testemunha HH, casada, profissão: enfermeira gestora, no essencial, explicou como chegaram ao valor peticionado no pedido cível formulado, com base em pesquisas na internet.
Da conjugação da prova supra referida, resulta que o arguido não proferiu uma ameaça em concreto à Ofendida, tendo a expressão proferida sido mais um desabado, em geral, de alguém que se encontrava exaltado e zangado.
A restante factualidade resulta provada, desse logo pelo depoimento isento e credível das funcionárias do Centro de Saúde ..., FF e GG que referiram lembrarem-se que o arguido arremessou um telefone contra o monitor de um computador, danificando o mesmo. De referir que o prejuízo apurado resultou das informações prestadas pela ARS Norte.
O Tribunal teve ainda em consideração a prova documental junta aos autos, conjugada com a prova testemunhal, nomeadamente: - auto de noticia de fls. 4; Informação do Aces de ... de fls. 11; fotografias de fls. 12 a 13;- informação do ISS,IP de fls. 72 a 74; informação da DRS Norte de 17.04.2024.
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Ora, face ao que acaba de se referir, o tribunal não se convenceu da ocorrência dos factos dados como não provados, permanecendo na dúvida acerca dos mesmos.
O tribunal não afirma que os factos não ocorreram, até podem ter ocorrido, mas sim que, ponderada cuidadosamente toda a prova, não foi esta capaz de nos convencer, deixando-nos na dúvida acerca do que efectivamente se terá passado.
Ora, em matéria de prova no processo penal vigora o princípio do in dubio pro reu, o qual consiste, em traços largos, na circunstância de na apreciação da prova, caso surjam dúvidas sobre um qualquer facto, deverá o mesmo ser valorado em benefício do arguido.
Castanheira Neves “.. aponta ao in dubio o objectivo de responder à questão de saber qual a decisão a tomar quando o tribunal, uma vez chegado o momento de se pronunciar, seja em que situação for, não adquira a certeza sobre os factos que constituem a acusação e em relação aos quais não adquira o convencimento real e efectivo de que o réu é responsável, concluindo que o princípio em causa proíbe a condenação penal baseada na dúvida” (Cfr. C. Neves, Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1967-1968, pág. 56).
O in dubio tem os seus momentos principais de actuação em sede de acusação e julgamento, funcionando, apenas, em caso de dúvida como último recurso. Previamente a fazê-lo funcionar, intervém o principio da investigação, segundo o qual compete ao juiz oficiosamente o dever de instruir e esclarecer o facto sujeito a julgamento.
Em suma, só é legítimo avocar a regra in dubio pro reo desde que todas as outras formas de solucionar o problema se tenham mostrado, de todo em todo, inconsequentes ou metodologicamente erradas.
Assim sendo, não tendo logrado obter-se prova cabal (permanecendo dúvidas) de que o arguido tenha ameaçado, do modo descrito na acusação, o ofendido, têm os respectivos factos de dar-se como não provados.
Em face do exposto, deverá o arguido ser absolvido do crime de ameaça agravado de que vem acusado.
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V. DE DIREITO:
Da responsabilidade criminal do arguido
Como é sabido, para termos verificada a responsabilidade criminal de um agente é necessário que este tenha praticado uma acção típica, ilícita, culposa e punível.
Quanto ao pressuposto da tipicidade, tem-se de verificar se aquela actuação humana se subsume ao tipo descritivo e normativo na previsão dos seus elementos objectivos e subjectivos.
Para além de o facto ter consistido numa acção típica, ilícita e culposa, é ainda preciso que seja punível.
Quando o preenchimento do tipo preveja a verificação de um resultado, é ainda necessário estabelecer-se um nexo de imputação (ou de causalidade) entre a conduta do agente e o resultado verificado; isto é, que o resultado seja objectivamente imputável à actuação do agente.
Atento o disposto no artigo 10.º do Código Penal, tem a larga maioria da doutrina penal portuguesa defendido que consagra a teoria da adequação, pelo que, para que o nexo de imputação se estabeleça a acção típica deve ser a causa adequada do resultado, ou seja, o resultado deve ser uma consequência previsível da acção.
Cumpre, assim, analisar a estrutura do tipo do crime pelo qual vem acusado o arguido.
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O artigo 153.º, nº 1 do Código Penal refere que “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.”.
O tipo legal de crime de ameaças está inserido no capítulo dos crimes contra a liberdade pessoal e visa sancionar, inequivocamente os ataques ou afectações ilícitas da liberdade individual, pretendendo tutelar a liberdade de decisão e de acção.
Ameaçar, etimologicamente, significa prometer ou pronunciar um mal futuro, de anunciar a intenção de praticar, no futuro, um acto maléfico, donde, são três as características essenciais do conceito de ameaça:
- mal,
- futuro,
- cuja ocorrência dependa da vontade o agente.
A acção de ameaçar pode revestir qualquer forma: oral, escrita ou gestual [cfr., neste sentido, Professor Taipa de Carvalho, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, p. 344]
Como refere o Professor Taipa de Carvalho [ob.cit, p. 343] “Ser o mal futuro, significa que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, i.é., do respectivo mal”.
E continua o citado Mestre “Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência (…). Que o agente refira ou não prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o este seja curto ou longo, eis o que é irrelevante. Necessário é só, que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa (cf. art. 22º-2 c)” (do Código Penal, acrescentamos nós).
Por outro lado, o objecto da ameaça agravada tem de constituir crime “contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor”, que o crime seja punível com pena de prisão superior a três anos, e a mensagem comunicada tem de ser “adequada” a provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação do destinatário.
Porém, refere o artigo 155.º, n.º 1 do Código Penal que quando os factos previstos nos artigos 153.º (…) forem realizados: c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas; ; (…) o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias (…).
Prevê, pois, esta disposição uma circunstância modificativa agravante.
Quanto ao tipo subjectivo, o mesmo pode ser preenchido por qualquer modalidade de dolo.
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Ora, face ao que acaba de se referir, o tribunal não se convenceu da ocorrência dos factos dados como não provados, permanecendo na dúvida acerca dos mesmos.
O tribunal não afirma que os factos não ocorreram, até podem ter ocorrido, mas sim que, ponderada cuidadosamente toda a prova, não foi esta capaz de nos convencer, deixando-nos na dúvida acerca do que efectivamente se terá passado.
Ora, em matéria de prova no processo penal vigora o princípio do in dubio pro reu, o qual consiste, em traços largos, na circunstância de na apreciação da prova, caso surjam dúvidas sobre um qualquer facto, deverá o mesmo ser valorado em benefício do arguido.
Castanheira Neves “.. aponta ao in dubio o objectivo de responder à questão de saber qual a decisão a tomar quando o tribunal, uma vez chegado o momento de se pronunciar, seja em que situação for, não adquira a certeza sobre os factos que constituem a acusação e em relação aos quais não adquira o convencimento real e efectivo de que o réu é responsável, concluindo que o princípio em causa proíbe a condenação penal baseada na dúvida” (Cfr. C. Neves, Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1967-1968, pág. 56).
O in dubio tem os seus momentos principais de actuação em sede de acusação e julgamento, funcionando, apenas, em caso de dúvida como último recurso. Previamente a fazê-lo funcionar, intervém o principio da investigação, segundo o qual compete ao juiz oficiosamente o dever de instruir e esclarecer o facto sujeito a julgamento.
Em suma, só é legítimo avocar a regra in dubio pro reo desde que todas as outras formas de solucionar o problema se tenham mostrado, de todo em todo, inconsequentes ou metodologicamente erradas.
Assim sendo, não tendo logrado obter-se prova cabal (permanecendo dúvidas) de que o arguido tenha ameaçado do modo descrito na acusação, o ofendido, têm os respectivos factos de dar-se como não provados.
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-Do crime de dano qualificado, previsto e punido pelo artigo 213.º, n.º 1, alínea c), do C.P.-
Dispõe o artigo 213.º, n.º 1, alínea c), do C.P., que:
“1. Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável:
(...)
Coisa ou animal destinada ao uso e utilidade públicos ou a organismos ou serviços públicos;
(...)
é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”.
São elementos deste tipo legal de crime:
Destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável;
coisa destinada ao uso e utilidade públicos;
finalmente, o dolo.
A destruição, seguindo os ensinamentos do Professor Manuel Costa Andrade, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, II volume, páginas 221 e seguintes, é a forma mais intensiva e drástica de cometimento da infracção, determinando a perda total da utilidade da coisa e implicando, normalmente, o sacrifício da sua substância.
A danificação abrange os atentados à substância ou à integridade física da coisa que não atinjam o limiar da destruição.
Na desfiguração encontram-se abrangidos os atentados à coisa que alteram a imagem exterior da mesma.
Tornar não utilizável abrange o conjunto de acções que reduzem a utilidade da coisa segundo a sua função.
Por coisa destinada ao uso e utilidade públicos deverá entender-se a coisa cuja finalidade seja precisamente o serviço ou a utilidade em relação ao público, ou seja, a coisa a que foi cometida uma função de serviço à comunidade. Por outro lado, a utilidade tem de ser imediata, ou seja, sem necessidade de mediação de um terceiro legitimado.
Finalmente, e atentando agora no tipo subjectivo de ilícito, o crime de dano qualificado exige o dolo, em qualquer das suas modalidades.
Em face da factualidade que resultou provada em sede de audiência de julgamento, a conclusão só pode apontar no sentido de que o arguido cometeu em autoria um crime de dano qualificado, previsto e punido pelo disposto no artigo 213.º, n.º 1, alínea c), do C.P..
Com efeito
Os factos provados integram os elementos objectivo e subjectivo do tipo legal crime de dano qualificado, previsto e punido pelo artigo 212º, n.º 1 e 213º, n.º 1, al. c) do Código Penal, na medida em que resultou provado que o arguido pegou num telefone ali existente e atirou-o contra um monitor de um computador que estava no balcão, da marca HP, modelo, Prodisplay P202, derrubando-o sobre o balcão, provocando danos no ecrã do mesmo, inutilizando-o permanentemente, tendo sido substituído por outro.
Em consequência da conduta do arguido, a ARS Norte teve um prejuízo no valor de global de 92,25€ (75,00€ acrescido de IVA).
O arguido agiu deliberada, voluntária e conscientemente.
O arguido quis, e conseguiu, causar estragos no supra referido monitor de computador do Centro de Saúde, que tem uma finalidade pública e notória de uso público, e pertencente a um serviço público do Estado Português, apesar de saber que tal bem não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário.
Mais sabia o arguido que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal.
Acresce que inexistem quaisquer causas de exclusão da ilicitude e da culpa.
Pelo que se conclui que, o arguido praticou, em autoria material, e na forma consumada, um crime de dano qualificado, previsto e punido pelo artigo 212º, n.º 1 e 213º, n.º 1, al. c) do Código Penal
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MEDIDA DA PENA
1. Da pena principal
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, importa, agora, determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.
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Medida concreta da pena
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa, agora, determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.
O crime de dano qualificado é punível com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
Nos termos do artigo 70.º do C.P., “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O artigo 40.º do C.P. estabelece a protecção de bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade como as finalidades da aplicação de uma pena.
A necessidade de protecção de bens jurídicos traduz-se “na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida” (cfr. o Professor Jorge de Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, 1993, página 228).
Trata-se da chamada prevenção geral positiva ou de integração e que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Ora, no presente caso ainda entendo suficiente a aplicação de uma pena de multa, bastando-se para melhor permitir a reinserção dos arguidos na sociedade e para realizar o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.
Uma vez que o C.P. adoptou o sistema dos dias-de-multa, a fixação da medida concreta da pena de multa, nos termos do artigo 47.º do C.P., cinde-se em dois momentos: num primeiro momento, determinam-se os dias de multa, atendendo aos critérios estabelecidos no artigo 71.º, n.º 1, do C.P., ou seja, em função da culpa e das exigências de prevenção; num segundo momento, procede-se à determinação do quantitativo diário da pena de multa, a fixar em função da situação económica e financeira dos arguidos e dos seus encargos pessoais.
Cabe proceder, em primeiro lugar, à determinação do número de dias de multa em que os arguidos deverão ser condenados.
Ponderando os factos provados, bem como as circunstâncias que militam a favor e contra os arguidos:
A favor:
- a ausência de antecedentes criminais, por crimes de mesma natureza
- estar integrado social e profissionalmente.
Contra:
- A ilicitude traduzida no valor dos danos causados;
- ter agido com dolo directo, que é a modalidade mais grave do dolo.
Assim, atentas a moldura abstracta da pena de multa (aplicando o artigo 206.º, n.º2, 73.º, n.º1, al c), ambos do C.P. ex vi artigo 213.º, n.º3), entendo adequado fixar a pena de 100 (cem) dias de multa pela prática em autoria material do crime de dano qualificado previsto no artigo 213.º, n.º 1, alínea c), do C.P., de que vem acusado.
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Finalmente, nos termos do artigo 47.º, n.º 2, do C.P., importa determinar o quantitativo diário da pena de multa, atendendo à situação económica e financeira do arguido e aos seus encargos pessoais.
No que respeita ao quantitativo diário, que se fixará entre €5,00 e €500,00, face aos critérios impostos pelo n.º 2 do art.º 47.º do Código Penal, atendendo às condições económico sociais do arguido acima descritas [cfr. factos “supra” provados], julga-se adequado fixar a taxa de multa em €5,00 ao arguido AA.
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Da eventual substituição da pena principal:
Sendo abstractamente aplicável ao caso a pena de admoestação [cfr. artigo 60.º do Código Penal], “in casu”, entende o tribunal que esta pena substitutiva não assegura de forma suficiente as finalidades da punição, designadamente a protecção de bens jurídicos, pelo que não a substitui a pena de multa, devendo “in casu” aplicar-se, pois, esta.
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DA RESPONSABILIDADE JURÍDICO-CIVIL
O Agrupamento de Centros de Saúde do ..., pessoa coletiva n.º ...93, com sede na Rua ..., ..., sob tutela do Ministério da Saúde, nos termos e ao abrigo do Decreto–Lei n.º 61/2022, de 23 de setembro, e Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto, que aprovou a orgânica da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, e o Estatuto do SNS, respetivamente, representado pela sua Diretora Executiva, Exma. Senhora HH, pedido cível contra o arguido/demandado, peticionando a condenação do mesmo, pelos factos descritos na acusação e dos prejuízos patrimoniais decorrentes dos mesmos, o pagamento da quantia de 160,00 € (cento e sessenta euros), acrescida de juros de mora, contados, desde a notificação do requerimento até ao efetivo pagamento, à taxa legal.
Nos termos do disposto no artigo 129.º do C.P., “a indemnização de perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil”. A indemnização deverá, pois, ser calculada segundo as regras constantes dos artigos 483.º e seguintes e 562.º a 566.º, todos do Código Civil - adiante designado pela sigla C.C..
O princípio geral da responsabilidade jurídico-civil por factos ilícitos encontra-se expresso no artigo 483.º, n.º 1, do C.C., com a seguinte redacção: "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
São pressupostos da obrigação de indemnizar:
- um facto voluntário do lesante, no sentido de que deve ser “um facto dominável ou controlável pela vontade” (cfr. o Professor Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, volume I, 7.ª edição, página 517);
- a ilicitude, que se analisa na violação de um “direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”, ou seja, a reprovabilidade do comportamento no plano geral e abstracto;
- a ocorrência de danos na esfera de outrem;
- a existência de um nexo de causalidade entre o facto e os danos, no sentido de que apenas relevarão aqueles danos que não se teriam verificado sem a intervenção do lesante (cfr. o artigo 563.º do C.C.);
-e a existência de um nexo de imputação subjectiva entre o facto e o lesante, ou seja, a culpa, reportando-se a sua análise ao homem medianamente sagaz e previdente, o bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (cfr. o artigo 487.º, n.º 2, do C.C.).
Resultou provado que o arguido pegou num telefone ali existente e atirou-o contra um monitor de um computador que estava no balcão, da marca HP, modelo, Prodisplay P202, derrubando-o sobre o balcão, provocando danos no ecrã do mesmo, inutilizando-o permanentemente, tendo sido substituído por outro. Em consequência da conduta do arguido, a ARS Norte teve um prejuízo no valor de global de 92,25€ (75,00€ acrescido de IVA).
Dúvidas não existem de que tais danos se deveram à conduta ilícita do arguido, pelo que igualmente se verifica o exigido nexo de causalidade entre a conduta e os danos.
Encontra-se igualmente demonstrada a culpa do arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 487.º do C.C..
Ao actuar da forma descrita, o arguido constituiu-se em responsabilidade civil por factos ilícitos e na consequente obrigação de indemnizar a demandante civil pelos danos patrimoniais sofridos, no valor supra indicado.
*

O montante supra apurado deve ser acrescido de juros de mora à taxa legal e contados desde a data da notificação do pedido de indemnização civil ao demandado/arguido e até integral e efectivo pagamento, nos termos dos artigos 805.º, n.º 3, e 559.º, n.º 1, ambos do C.C..
(…)”.
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2.3 Outros aspectos relevantes para a apreciação da pretensão recursória
A ofendida BB declarou desejar procedimento criminal contra o arguido.
Dos autos consta a informação de que a proprietária do computador danificado é a ACES ..., ..., USF ..., Gabinete Médico, sita na Rua ..., ....
O Agrupamento de Centro de Saúde dos ..., proprietário do computador danificado, através da sua Directora Executiva HH, deduziu, em 04/05/2023, um Pedido de Indemnização Civil, mas não apresentou qualquer declaração onde expressasse a sua intenção de apresentar queixa pela prática do crime de dano.

*

2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
2.3.1- Recordamos aqui que, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, suscitam-se as seguintes questões:
A – Da errada qualificação jurídica do crime de dano;
B – Da ilegitimidade do Ministério Público para a promoção do procedimento criminal face à desqualificação do crime de dano;
C – Da aplicação do perdão previsto no art 3º nº2 al. a) da Lei 38-A/2023.
***

Questão A – Qualificação jurídica.
A decisão condenatória proferida em primeira instância condenou o arguido como autor de um crime de dano qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos art. º212 e art.º213 n. º1 c) do C.Penal, crime este que, fruto da qualificação, reveste natureza pública.
De acordo com a tese apresentada pelo Recorrente, o Tribunal a quo, não efetuou uma correcta subsunção dos factos ao Direito aplicável na medida em que, face ao disposto no n.º 3 e 4 do referenciado art. 213.º do Código Penal, operando-se a remissão aí expressa para o n.º 4 do art. 204.º do mesmo diploma, resulta que, nos casos em que a coisa danificada assume um valor diminuto, não há lugar à qualificação.
E, uma vez que, nos termos do disposto na alínea c) do art. 202.º do Código Penal, valor diminuto é aquele que não excede uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto, - €102,00 -, inferior ao valor do monitor danificado/inutilizado pelo Arguido, cumpriria desqualificar a conduta do arguido.
Vejamos se assiste razão ao arguido recorrente tendo por referência a factualidade dada por assente pelo tribunal a quo nos autos, isto é, que o arguido:
“(…) 8. Dirigiu-se então ao balcão de atendimento, debruçou-se sobre o mesmo, pegou num telefone ali existente e atirou-o contra um monitor de um computador que estava no balcão, da marca HP, modelo, Prodisplay P202, derrubando-o sobre o balcão, provocando danos no ecrã do mesmo, inutilizando-o permanentemente, tendo sido substituído por outro.
9. Em consequência da conduta do arguido, a ARS Norte teve um prejuízo no valor de global de 92,25€ (75,00€ acrescido de IVA).
10. O arguido agiu deliberada, voluntária e conscientemente.
11. O arguido quis, e conseguiu, causar estragos no suprarreferido monitor de computador do Centro de Saúde, que tem uma finalidade pública e notória de uso público, e pertencente a um serviço público do Estado Português, apesar de saber que tal bem não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário.
12. Mais sabia o arguido que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal.(…)
Factos Não Provados
(…)
E. Em consequência da conduta do arguido referida em 8 dos factos provados, a ARS Norte teve um prejuízo no valor €160,00 (cento e sessenta euros).(…)”

Constata-se que, não obstante ter mantido quase integralmente a factualidade descrita pela acusação pública, o tribunal recorrido reduziu o montante referente ao valor do prejuízo mantendo intocada a qualificativa do tipo legal do crime de dano do art.º213 n. º1 a) do C.P.Penal.
Certo é que, tal como o refere a decisão recorrida,
-Do crime de dano qualificado, previsto e punido pelo artigo 213.º, n.º 1, alínea c), do C.P.-
Dispõe o artigo 213.º, n.º 1, alínea c), do C.P., que:
“1. Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável:
(...)
Coisa ou animal destinada ao uso e utilidade públicos ou a organismos ou serviços públicos;
(...)
é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”.
São elementos deste tipo legal de crime:
Destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável;
coisa destinada ao uso e utilidade públicos;
finalmente, o dolo.
A destruição, seguindo os ensinamentos do Professor Manuel Costa Andrade, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, II volume, páginas 221 e seguintes, é a forma mais intensiva e drástica de cometimento da infracção, determinando a perda total da utilidade da coisa e implicando, normalmente, o sacrifício da sua substância.
A danificação abrange os atentados à substância ou à integridade física da coisa que não atinjam o limiar da destruição.
Na desfiguração encontram-se abrangidos os atentados à coisa que alteram a imagem exterior da mesma.
Tornar não utilizável abrange o conjunto de acções que reduzem a utilidade da coisa segundo a sua função.
Por coisa destinada ao uso e utilidade públicos deverá entender-se a coisa cuja finalidade seja precisamente o serviço ou a utilidade em relação ao público, ou seja, a coisa a que foi cometida uma função de serviço à comunidade.
Por outro lado, a utilidade tem de ser imediata, ou seja, sem necessidade de mediação de um terceiro legitimado.
Finalmente, e atentando agora no tipo subjectivo de ilícito, o crime de dano qualificado exige o dolo, em qualquer das suas modalidades.
Em face da factualidade que resultou provada em sede de audiência de julgamento, a conclusão só pode apontar no sentido de que o arguido cometeu em autoria um crime de dano qualificado, previsto e punido pelo disposto no artigo 213.º, n.º 1, alínea c), do C.P..
Com efeito
Os factos provados integram os elementos objectivo e subjectivo do tipo legal crime de dano qualificado, previsto e punido pelo artigo 212º, n.º 1 e 213º, n.º 1, al. c) do Código Penal, na medida em que resultou provado que o arguido pegou num telefone ali existente e atirou-o contra um monitor de um computador que estava no balcão, da marca HP, modelo, Prodisplay P202, derrubando-o sobre o balcão, provocando danos no ecrã do mesmo, inutilizando-o permanentemente, tendo sido substituído por outro. Em consequência da conduta do arguido, a ARS Norte teve um prejuízo no valor de global de 92,25€ (75,00€ acrescido de IVA).
O arguido agiu deliberada, voluntária e conscientemente.
O arguido quis, e conseguiu, causar estragos no supra referido monitor de computador do Centro de Saúde, que tem uma finalidade pública e notória de uso público, e pertencente a um serviço público do Estado Português, apesar de saber que tal bem não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário.
Mais sabia o arguido que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal.
Acresce que inexistem quaisquer causas de exclusão da ilicitude e da culpa.
Pelo que se conclui que, o arguido praticou, em autoria material, e na forma consumada, um crime de dano qualificado, previsto e punido pelo artigo 212º, n.º 1 e 213º, n.º 1, al. c) do Código Penal.(…)”
Alega o recorrente que o tribunal recorrido não efetuou uma correcta subsunção dos factos ao Direito aplicável na medida em que, face ao disposto no n.º 3 e 4 do referenciado art. 213.º do Código Penal, não atendeu à remissão aí expressa para o n.º 4 do art. 204.º do mesmo diploma, quando, face ao valor do prejuízo dado por provado, o deveria ter feito.
Reza o art.º213 n. º3 do C.Penal o seguinte:
“(…)
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 204.º e 2 e 3 do artigo 206.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 207.º
(…)”
Ditando o referenciado art. º204 n. º3 do C. Penal que
“(…)
4 - Não há lugar à qualificação se a coisa ou o animal furtados forem de diminuto valor(…)”
Compulsada a matéria de facto dada por provada, e a qual não foi atacada em sede de recurso, certo é que, tendo ficado por apurar o valor do computador (coisa danificada) foi alcançado o valor do prejuízo que o dano causou (entendendo-se este como a perda “in natura” que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses - materiais, espirituais ou morais - que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar).
Ora, o n. º3 do art.º 213 do C.P. remete-nos para o preceituado no art. º204 n.º 4 do mesmo diploma, que impõe a desqualificação do crime quando “o crime de furo é de diminuto valor”.
Encontramos a definição legal de diminuto valor no art. º202 c) do Código Penal, que considera “(…)Valor diminuto: aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto;(…)”.
De acordo com o preceituado no artigo 232.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2021[2], o valor da unidade de conta à data da prática dos factos estava fixado em €102,00.
Definido o conceito de valor diminuto cumpre agora recorrer aos doutos ensinamentos doutrinais do Professor Costa Andrade[3] no que toca à interpretação do referido art.º204 n. º4 no quadro do crime de dano. Sustenta este autor que, relativamente ao valor elevado e valor consideravelmente elevado no crime de dano, “as expressões assumem aqui o sentido que lhes é dado no art. 202°, respetivamente, valor superior a 50 e a 200 unidades de conta, avaliadas no momento da prática do facto. Mas as coisas colocam-se no domínio do Dano em termos diferentes do que se passa em matéria de Furto ou de Abuso de Confiança. Ao contrário do que o teor literal parece linearmente sugerir, nem todo o dano que atinge coisa alheia de valor elevado ou consideravelmente elevado determina a punibilidade nos termos do art. 213°. O problema não se coloca, naturalmente, para a modalidade de conduta destruir (no todo). Mas já se coloca nas demais modalidades de conduta e, particularmente, na de danificação, brevitatis causa, nem toda a lesão de uma coisa de valor elevado ou consideravelmente elevado configura um caso de Dano qualificado: um simples risco na pintura de um valioso automóvel não configura necessariamente um Dano qualificado. Significa isto que o referente do valor elevado ou consideravelmente elevado há-de ser não a coisa-objeto-da-ação mas o prejuízo causado pela ação.
Como se sublinha no Ac. do STJ de 18.04.2002, citado no Acórdão do TRP de 09/01/2013 (relatora Eduarda Lobo; proc.10/11.2GATBC.P1 in www.dgsi), aqui se transcrevendo este último (transcrição parcial) “… é indiscutível que em qualquer crime patrimonial o valor da coisa objeto material e imediato do crime é de importância jurídica imprescindível, tal como vai implícito, desde logo, na disposição preliminar constituída pelas definições legais do artigo 202.º do Código Penal, que abre com as diversas definições de valor, e também, por outro lado, nas consequências drásticas que a sua variação pode acarretar inclusive a nível da tipicidade relevante, tal como se vê da disposição do n.º 4 do artigo 204.º, do mesmo diploma, que importa a desqualificação do crime quando for diminuto o valor da coisa furtada”.
Também no Acórdão da Relação de Coimbra de 06.12.06[4] se entende que “a circunstância qualificativa do nº. 1 do artigo 213º do C. Penal, em caso de destruição parcial, opera atendendo ao prejuízo causado e não ao valor da coisa danificada, (…) A jurisprudência maioritária, que também sufragamos, aponta no sentido de considerar que, face ao estatuído pelo artigo 9.º do Código Civil [CC], a lei deverá ser interpretada de forma não literal, o que implica que, atendendo ao seu espírito, se possa afirmar que “uma coisa danifica-se quando, sem perder totalmente a sua integridade, sofre um estrago substancial com a consequente diminuição do seu valor económico ou da sua utilidade específica” (cfr. Código Penal, de Leal-Henriques e Simas Santos), apenas se podendo falar em identidade do valor da coisa e do prejuízo quando haja destruição da coisa, e não, como no caso dos autos, nos casos de destruição parcial. Isto é, a jurisprudência mostra-se praticamente unânime no sentido de que o teor estritamente literal do citado art. 213.º, n.º 1, alínea a), apenas se coaduna com a destruição total da coisa, impondo-se, nos casos de destruição parcial, a interpretação corretiva...”
Tal entendimento é igualmente sufragado pelo Acórdão desta Relação do Porto de 09.05.2001[5], onde se entendeu que “Para efeitos de determinação, no crime de dano, de coisa alheia de valor elevado (artigo 213 n.2 alínea a) do Código Penal), só assume relevância típica o dano diretamente infligido à coisa, aferindo-se o valor do dano pelos custos da reparação e da desvalorização da coisa”.
Ora, na medida em que a redação do Código Penal parece apontar e prever apenas condutas de destruição e inutilização totais da coisa, a mesma exige e reclama o recurso às interpretações doutrinais e jurisprudenciais a que acima se alude, aderindo-se, nesta sede, ao entendimento nas mesmas sufragado, nomeadamente ao fazerem corresponder o valor da coisa destruída ou danificada, para efeitos da qualificação do tipo, ao valor do prejuízo diretamente causado. Impõe-se assim, na senda das posições doutrinais e jurisprudenciais acima citadas, a interpretação da norma no sentido de que o valor referente para efeitos de qualificação do crime de dano é o do prejuízo sofrido e não o do valor da coisa na sua totalidade.
Reportando-nos ao caso em análise, certo é que o valor do prejuízo causado não ultrapassou a unidade de conta vigente à data dos factos, a qual de €102,00.
E face a um prejuízo no valor apurado de €92,25 euros impõe-se a aplicação do disposto no nº 3 do art.º 213 do Cód. Penal, o qual remete para o disposto nos nºs. 3 e 4 do artº 204º, cumprindo desqualificar o tipo legal do crime de dano atento o seu diminuto valor.
A este propósito chamamos à colação o entendimento de Faria Costa[6], o qual escreve: “(…) Se o valor da coisa furtada não exceder o da unidade de conta …não chega sequer a preencher-se o tipo qualificador, remetendo-se o comportamento proibido para o tipo matricial”.
Também no Comentário Conimbricense do Código Penal de Figueiredo Dias e Costa Andrade, na nota 85 do art. º204 do referido diploma legal (2. º edição), deparamos com o entendimento que “No mínimo – isto é, perante a mais imediata das interpretações – poder-se-á sustentar que o que aqui se contempla não é mais, mas também não é menos, do que uma norma de desqualificação. Do mesmo modo que o legislador pode criar normas incriminatórias que são expressão normativa de reais e efectivas qualificações a atitude inversa é curial e absolutamente legítima. Pressuposta uma determinada condição – também ela definida legalmente – considera-se que o comportamento, em princípio suscetível de ser enquadrado como adequada expressão de qualificação, mais não deve do que ser degradado para a integração do crime matricial. O que é o mesmo que sustentar que, em rigor, se está exclusivamente perante um furto simples. No entanto preferimos à lógica da desqualificação a ideia mais forte e talvez mais expressiva de que neste caso se está perante um contratipo. O tipo qualificador cede, nas circunstâncias, quando se faz apelo ao contratipo, ou seja: desta maneira julgamos ser mais consequente a aceitação e a defesa de que se a coisa for de diminuto valor não chega sequer a preencher-se o tipo qualificador, remetendo-se o comportamento proibido para o tipo matricial, como já se disse.(…)”
Isto dito, no caso em apreço, tendo os factos ocorrido em 24/11/2021, não tendo o prejuízo causado pelo arguido excedido o valor da unidade de conta de € 102,00, não deveria ter sido o mesmo condenado pelo crime de dano qualificado previsto no art.º. º213 n. º1 do C.P., mesmo verificando-se a circunstância qualificativa prevista na sua alínea c). Isto porque, “se a coisa for de diminuto valor não chega sequer a preencher-se o tipo qualificado.” (Faria Costa citado na nota 35 do art.º213 do Comentário Coninbricense do C.Penal de Figueiredo Dias e Costa Andrade).
Deste modo, os factos provados no que respeita ao elemento essencial do valor inquinam a decisão que foi tomada pelo tribunal a quo quanto à subsunção no tipo legal qualificado. Pois que apenas permitem a subsunção da conduta do arguido/recorrente no “contratipo”, isto é, no tipo legal de dano simples p. e p. no artº 212º nº 1 do Código Penal.
Razão pela qual procede, neste segmento, a pretensão recursória, sendo de enquadrar a conduta do arguido no tipo legal do crime de dano simples p. e p. no art.º212 do C.Penal.
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Questão B – Da ilegitimidade do Ministério Público face à desqualificação do crime de dano.
Importa agora aferir da segunda questão recorrenda, isto é, saber se a desqualificação do crime de dano, operada posteriormente à prolacção da acusação pública, mercê da redução do valor do prejuízo indiciado nesta, afecta retroativamente a legitimidade do Ministério Público para impulsionar o processo e procedimento criminal.
E se tal acarreta a nulidade prevista no art.º119 b) do C.PP.
O crime de dano simples p. e p. no artº 212º nº 1 e 213 n. º3,em conjugação com art.º204 n. º4, todos do Código Penal, assume natureza semi-pública pois que o procedimento criminal depende de queixa. (nº 3 do mesmo preceito).
Nos termos do n.º 1 do art.º 113º do Código Penal, quando o procedimento criminal depender de queixa tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.
Preceitua o artº 49º nº 1 do C.P.Penal que “Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo”.
Segundo Figueiredo Dias[16] (Direito Penal Português – as consequências jurídicas do crime, pg. 665), a “queixa é o requerimento, feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do respetivo direito (em regra, o ofendido) exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada (…)”.
Logo, indispensável é que o queixoso revele de modo indubitável a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os responsáveis pela acção ou acções criminosas de que foi alvo. A queixa não tem que obedecer a qualquer forma específica, mas deve ser inequívoca quanto à manifestação da vontade da vítima de ver o autor do crime responsabilizado criminalmente pelos seus autos. Tal como ensina Figueiredo Dias[7], “(…) tanto o C.P: como o C.P.P: são omissos, devendo por isso entender-se que ela pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a entender a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por certo facto…”
Nos crimes semi-públicos esta manifestação de vontade inequívoca é condição de procedibilidade que está também subjacente ao Princípio de Direito Processual Penal da Oficialidade (art. º48 do C.P.) Isto é, face a esta natureza mista do crime, o Ministério Público só pode promover o processo penal se for apresentada queixa pelo ofendido ou por quem para tal estiver legitimado.
Nos autos em análise verifica-se que os mesmos tiveram o seu início com o auto de notícia de 24/11/2021, documento este onde é lavrada a ocorrência de uma altercação na ISF de ..., envolvendo o arguido e a ofendida BB (médica), assim como a ocorrência de estragos num computador, propriedade da referida unidade de saúde. Este auto de notícia traduz-se, tão somente, num documento oficial praticado por entidade policial através do qual esta regista os factos aparentemente ilícitos que lhe foram relatados ou que o agente policial presenciou, mas que não dispensa a apresentação formal da queixa caso os factos relatados consubstanciem ilícitos semi-públicos.
E na verdade, posteriormente à elaboração do auto de notícia a ofendida BB declarou desejar procedimento criminal contra o arguido pelos factos de que foi vítima, factos estes consubstanciadores de um crime de ameaça.
Já o Agrupamento de Centro de Saúde do ..., proprietário do computador danificado, através da sua Directora Executiva HH, limitou-se a deduzir, em 04/05/2023, um Pedido de Indemnização Civil, mas não apresentou qualquer declaração onde expressasse a sua intenção de apresentar queixa pela prática do crime de dano. Nem se retiram dos autos outros elementos dos quais se infira que o ofendido Centro de Saúde tenha interagido com os agentes de autoridade e Ministério Público de modo a que essa sua vontade fosse claramente perceptível. A actuação daquele Centro de Saúde reduziu-se à informação dada no que toca à propriedade do bem e seu valor, assim como, posteriormente, com a formulação do pedido de indemnização civil. Mas estes actos não são, «per se», suficientes para que se conclua pela manifestação de uma vontade ineludível do ofendido de apresentar o autor do dano perante um tribunal criminal. Note-se que, inclusive, nem o auto de notícia (referência 306629180 de 25/11/2021) faz qualquer alusão a este ofendido o qual apenas é posteriormente identificado nos autos mercê de um pedido de informação por parte do Ministério Público.
A queixa configura um pressuposto processual assim como um pressuposto positivo de punição e, nos casos em que o procedimento criminal está dependente da sua pré-existência, na sua ausência decai a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal e, consequentemente, para alcançar o fim último deste procedimento que será a prolacção de uma decisão judicial condenatória ou absolutória. E como pressuposto de procedibilidade apresenta-se como uma “conditio sine qua non” para que se inicie o processo.
As dificuldades no enquadramento da questão revidenda revelam-se quando se constata que, aquando da promoção inicial do processo e aquando da dedução de acusação pública, a factualidade nesta explanada configura a prática de um crime de natureza pública (que não reclama a referida condição de procedibilidade – a queixa) e que só posteriormente, quando perspectivada a mesma pelo juiz da causa, sofre uma alteração que traz consigo a alteração da natureza pública do crime para uma natureza semi-pública ou particular.
A este propósito, com especial clarividência, encontramos o teor do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2024 (in DR n.ª131, I.ª série), evidenciando-se aqui o seguinte trecho:
“(…), a situação é em tudo idêntica à que foi objeto do atrás citado Ac. RL de 17.06.2015, de que foi relatora Graça Santos Silva, e com a qual concordamos e que aqui se reafirma. No sumário deste aresto pode ler-se:
“(…)
3 - Estando, necessariamente, em causa, um menos relativamente ao mais constante da acusação, entendemos que a situação não se subsume à previsão das normas dos artºs 358.º ou 359.º, do CPP.
4 - A autonomização dos factos relativamente ao crime maior, no âmbito do qual foram acusados, não tem a virtualidade de desprovir de legitimidade para o exercício da acção penal o Ministério Público, órgão que, quando do exercício dessa mesma acção, a tinha e a usou de acordo com a lei.
(…)”
E aqui ganha especial foco o entendimento de André Teixeira dos Santos, “in Queixa, participação e acusação particular versus crime público convolado em crime particular em sentido amplo por força da redução de factos objecto do processo”, também citado no Douto Aresto do Supremo Tribunal de Justiça a que já acima aludimos, segundo o qual:
Tratando-se de condições que se traduzem em momentos temporais, têm de verificar-se nos tempos chave a que se reportam. Isto é, a queixa e a participação, enquanto conditio sine qua non do processo, têm de existir no seu início, antes de se encetar diligências de investigação e probatórias, sem prejuízo das medidas cautelares e de polícia. Já a acusação particular tem de se verificar no final do inquérito. É nesses momentos-chave que cumpre aferir se o crime objeto do processo reclama o preenchimento dessas condições. Ultrapassado o marco temporal a que se reporta a condição de procedibilidade, os actos praticados posteriormente são válidos. Logo, deduzida uma acusação por crime público, se no julgamento este crime for convolado em crime particular, por somente se terem provado os factos descritos na acusação pública respeitantes a este crime contra a honra, poderá ocorrer a condenação [...]. Nesse ponto do processo não renasce a questão da procedibilidade ou da legitimidade do MP para a prossecução do processo. [...] Em suma, a pedra de toque de todo o edifício jurídico das condições de procedibilidade assenta nos factos que dão azo à instauração do processo-crime e que permitem tal instauração, bem como à fase de julgamento. Marcos temporais delimitados e circunscritos na lei, nisso consistindo a sua definição de pressupostos processuais que, uma vez verificados, não deixam de existir e permitem que haja unidade e um fio condutor no sistema processual penal.”(…)as exigências legais quanto a essas condições remontam à data em que tais atos deveriam ter sido praticados.(…)” Exigências legais essas reportadas ao cenário inicial em que os factos objeto dos autos foram correctamente perspetivados pelo MP, sem erro nem lapso na sua qualificação jurídica.”
E assim sendo, não sendo de considerar afectada a legitimidade do Ministério Público nos termos sobreditos, é igualmente não provido o segmento do recurso no que concerne à invocada nulidade prevista no art.º119 b) do C.P.P., sendo evidente também que a situação acima descrita não configura uma situação de falta de promoção do processo pelo Ministério Público ou uma situação de ausência do Ministério Público em atos relativamente aos quais a lei exige a respectiva comparência.
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Aqui chegados, cumpre apreciar se, determinada a alteração da qualificação jurídica nos termos acima providos, a ausência de queixa é um obstáculo legal /processual impeditivo da apreciação da responsabilidade criminal do arguido quanto ao crime de dano p. e p. pelo arguido 212.º do C. Penal. E aqui a resposta não pode deixar de ser afirmativa, face à natureza da queixa como pressuposto processual, reveladora da intenção do ofendido em recorrer à acção punitiva do Estado, sendo assim uma condição sem a qual não pode prevalecer o procedimento criminal.
A este propósito chama-se à colação parte de um artigo publicado por Heleno Cláudio Fragoso (docente da Faculdade Naacional de Direito/Brasil) com o título Pressupostos do crime e Condições objectivas de punibilidade[8]: “Os pressupostos processuais pertencem ao direito processual e nada têm a ver com a existência do crime ou sua punibilidade. Condicionam apenas a possibilidade da apreciação jurisdicional do fato, ou seja, a possibilidade do procedimento criminal (pressupostos da realização válida da pretensão punitiva do Estado).
A distinção prática entre a condição objetiva de punibilidade e o pressuposto processual é de grande relevância: a falta deste último não permite julgamento sobre o mérito, mas apenas sobre a constituição válida da relação processual, ao passo que a falta de condição objetiva de punibilidade obriga a decisão sobre o mérito, com a declaração de improcedência da ação penal. O pressuposto processual pressupõe a realização do fato ilícito e apenas condiciona o exercício da ação penal. São elementos estranhos à conduta delituosa, que surgem posteriormente a esta e às condições objetivas de punibilidade. A queixa, (…) são pressupostos processuais, porque supõem a existência de um fato punível, constituindo antecedente necessário ao procedimento criminal com base no mesmo. Não condicionam a punibilidade do fato, mas a ação penal contra um fato cuja punibilidade já está estabelecida.(…) A queixa (…), se não fossem de natureza processual, seriam, como sustenta MANZINI, condições de punibilidade do crime.(…)”.
Certo é que nos presentes autos a identificada entidade proprietária do bem danificado não apresentou queixa. O que acarreta, nos termos dos art.ºs 48.º, 49.º, n.ºs 1 e 2 e 119.º, do Cód. Proc. Penal, a inviabilidade da prossecução do procedimento criminal dos autos pela prática do crime de dano punido pelo art.º 212 do C.Penal.
Cumpre assim julgar extinto o procedimento criminal por força da inexistência de queixa, pressuposto processual indispensável para a prossecução dos autos com vista a uma decisão de mérito.
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3- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam as/os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto:
1 - em conceder provimento ao recurso e convolar o crime de dano qualificado p. e p. pelo art.º 213 n. º1 c) para o crime de dano previsto no art. º212 n. º 1, em conjugação com o disposto no art. º204 n. º4, todos os preceitos do Código Penal;
2 Consequentemente, atento o preceituado no art. º212 n. º3 do C. Penal, julga-se extinta a responsabilidade criminal do arguido AA e o respectivo procedimento criminal, por inexistência de queixa.
No demais:
3- mantém-se intocada a legitimidade do Ministério Público quanto aos atos praticados até ao momento da convolação do crime de dano qualificado para o crime de dano previsto no art.º212 do C.Penal;

Sem custas – art. º513 n. º1 C.P.P.
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Notifique.

(Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP)
Data e assinaturas electrónicas.

Porto, 7/11/2024
Maria Ângela Reguengo da Luz (relatora)
Amélia Catarino (1ª adjunta)
José Quaresma (2ª adjunto)


____________________________
[1] O qual nascido a ../../1999, natural da Freguesia ..., ..., filho de II e de JJ, titular do Cartão do Cidadão n.º ...33, solteiro, actualmente desempregado, residente na Rua ..., ..., ..., ...
[2] Artigo 232.º- “Em 2021, mantém-se a suspensão da atualização automática da unidade de conta processual prevista no n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, mantendo-se em vigor o valor das custas vigente em 2020.”
[3] In Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo 2, pág. 245.
[4]  In Proc. nº 61/04.3TAFIG.C1, Des. Brízida Martins, disponível em www.dgsi.pt
[5] Proc. nº 0110269, Des. Costa Mortágua, disponível in www.dgsi.
[6] In Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Tomo II, 1999, pag. 87.
[7]As consequências Jurídicas do Crime”, pág.675. parágrafo 1086; vide também Ac.TRG de 10/07/2014, 525/12.5GAAMR.G1 do relator Fernando Monterosso; ARC de 05/12/2018, Processo 417/16.9PBCVL.C1, relator Luís Ramos – www.dgsi.
[8] In https://www.fragoso.com.br/wp-content/uploads/2017/10/20171003013224-pressupostos_crime.pdf