Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5850/19.1JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ROSÁRIO MARTINS
Descritores: CRIME DE ABUSO DE PODER
BENEFÍCIO ILEGÍTIMO
CONSUMAÇÃO
Nº do Documento: RP202405225850/19.1JAPRT.P1
Data do Acordão: 05/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - O tipo objectivo do crime de abuso de poder consiste no abuso dos poderes ou violação dos deveres inerentes às funções do funcionário, ou seja, inerentes à sua função.
II - Para o preenchimento do tipo subjectivo do ilícito o agente terá que actuar com uma específica intencionalidade, traduzida no objectivo de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa.
III – Benefício é toda a vantagem, patrimonial ou não patrimonial, que o agente pretende retirar da sua actuação, que seja ilegítima, isto é, a que não tenha direito ou lhe seja devida.
IV - O crime consuma-se com a comissão do acto ou facto abusivo por parte do funcionário, independentemente da verificação ou não do resultado (crime de mera conduta)

(da responsabilidade da relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 5850/19.1JAPRT.P1
Comarca do Porto
Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 1






Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO

I.1. Por decisão instrutória de 03.03.2023 o Tribunal de Instrução Criminal decidiu pronunciar:
A) O arguido AA, como autor material e na forma consumada, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143o, n.º 1 do Código Penal e de um crime de injúria, p. e p. pelos artigos 181º, n.º 2 e 184º do Código Penal, por referência ao artigo 132º, n.º 2, al. d) do Código Penal;
B) O arguido BB, como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. d), ambos do Código Penal, de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal e de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382º, do Código Penal;
C) O arguido CC, como autor material e na forma consumada, pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. d), ambos do Código Penal, de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal e de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382º, do Código Penal.
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I.2. Recurso da decisão
O arguido CC recorreu da decisão instrutória que o pronunciou pelo crime de abuso de poder, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição integral):
“1. Veio o MM.0 Juiz de Instrução Criminal pronunciar todos os arguidos nos termos que já constavam dos autos, acrescendo, no que ao recorrente e coarguido BB diz respeito, a pronúncia pelo crime de abuso de poder previsto e punido pelo art.° 382° do CP, sendo que é desta parte da decisão instrutória, que pronunciou o arguido pelo crime de abuso de poder que se recorre, por se entender, que, não foram recolhidos quaisquer indícios da prática, pelo recorrente, de tal crime e fruto disso, verifica-se a nulidade da decisão de pronúncia, pois a mesma não descreve/contém factos suficientes para a verificação do crime de abuso de poder.
2. Tal como resulta da motivação da decisão ora posta em crise, no que ao recorrente respeita, o assistente/arguido AA não referiu absolutamente nada, neste sentido vide declarações gravadas no sistema de gravação digital do tribunal.
3. Quer das declarações do arguido AA, quer do visionamento das imagens de vídeo vigilância, resulta que, quando o arguido BB "puxou" e exibiu o crachá, o recorrente, encontrava-se uns metros atrás, «avançando» o BB sozinho para o local onde o segurança se encontrava.
4. O coarguido/ofendido BB, referiu que foi ele que puxou do crachá identificativo da PJ, não referindo em qualquer momento, que o recorrente o tenha feito, o que, de resto, é visível das imagens de vídeo vigilância não sucedeu.
5. Equivale o exposto a concluir que, nenhuma prova foi feita - quer testemunhal, documental ou outra - de que o, aqui recorrente, tenha exibido o seu crachá da PJ ou sequer tenha, mencionado, a sua função nas circunstâncias de modo, tempo e lugar descritas nos autos, sendo que é isso, que, de igual forma, resulta da fundamentação da decisão instrutória, ao longo da qual, o MM Juiz é omisso sobre a matéria, precisamente porque, a prova foi inexistente.
6. O tribunal imputa ao recorrente um crime praticado por outra pessoa, numa aparente, «nova modalidade» de crime, praticada por um (BB), em nome de terceiro (CC).
7. Percorrida a parca, fundamentação da decisão, resulta que o tribunal a quo, alicerça o, necessário, benefício ilegítimo, no querer entrar no estabelecimento comercial sem efectuar o consumo no interior do mesmo, sendo que tal questão não se coloca, nem esteve, sequer, em causa, nem aliás foi referido por nenhum dos intervenientes, designadamente pelo AA.
8. O crime de abuso de poder pressupõe que o agente, investido de poderes públicos, actue com violação dos deveres funcionais que sobre si impendem, sacrificando o interesse público para satisfação de finalidades ou interesses particulares que se venham a traduzir num benefício ilegítimo para si ou para terceiro ou num prejuízo para outra pessoa, situação que não verifica no caso dos presentes autos.
9. In casu, o móbil para suposto benefício não existe, pelo que não se verifica o elemento essencial para a consumação do crime.
10. O crime de abuso de poder constitui um crime de função e, por isso, um crime próprio, o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede, sendo que, no caso, não resulta sequer imputado que "fins diferentes" foram esses, o que se percebe, pois não se verificam.
11. Compulsados os autos não resulta que o recorrente tenha tido um mau ou uso indevido dos seus poderes enquanto inspetor da Polícia Judiciária, nem que os tenha excedido, até porque, conforme alegamos supra e resulta claro, o aqui arguido, nem sequer se identificou como tal.
12. Omissa em factualidade essencial para preenchimento do tipo legal, resulta evidente que a pronúncia é nula, pois, ao aqui arguido, não são imputados factos suficientes para a sua condenação. Dito de outra forma, ainda que os factos resultassem provados, o que, apenas por mera hipótese académica se admite, não serão suficientes para a sua condenação.
13. A acusação/pronúncia deve descrever, pela narração dos respetivos factos, todos os elementos em que se decompõe o dolo, sendo que, faltando todos ou algum dos elementos caracterizadores do dolo na narração da acusação/pronúncia, o conjunto dos factos nela descritos não constituirá crime e assim sendo, torna-a inviável e, consequentemente, manifestamente infundada.
14. De nenhum dos factos descritos na pronúncia se vislumbra elementos que remetam para os elementos subjetivos do dolo direto do crime de abuso de poder e que, conforme a jurisprudência até aqui citada, têm, imperativamente, de ser expressamente alegados para serem provados, porque são constitutivos do tipo.
15. A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art.° 358.° do Código de Processo Penal,
16. A pronúncia é manifestamente infundada, pelo que deve ser rejeitada, nos termos da al. a), do n.° 2 e al. b), do n.° 3, do art.° 311 do Código de Processo Penal.
17. De igual forma há que concluir pela nulidade da Decisão Instrutória por falta de fundamentação e de exame critico da prova e por omissão de pronuncia visto que da análise da referida decisão recorrida se constata que o Tribunal "a quo" não examinou correctamente as provas juntas aos autos, não tendo a prova sido valorada e apreciada em obediência às regras e princípios do direito probatório, de forma correcta e de acordo com as regras da experiência, o que se traduziu numa deficiente fundamentação, não resultando da decisão recorrida, a razão de se ter tomado esta opção em detrimento de outra, isto no que às contrapartidas recebidas pelo arguido recorrente respeita.
18. Salvo o devido respeito, tal raciocínio não se alcança da Douta Decisão, sendo evidentes as dificuldades do Tribunal para suportar os factos, fazendo apenas uma imputação genérica da prática do crime ao arguido CC, o que, além dos vícios que, supra, apontamos, implicam também a nulidade da Douta Decisão por falta de fundamentação.
19. O Tribunal "a quo", ao pronunciar o arguido CC pelo crime de abuso de poder, de forma infundada e não motivada - somente na parte que vimos pondo em crise e a que aludimos neste recurso - com base em considerações genéricas, desvalorizando provas credíveis e isentas em sentido contrário, sem a preocupação de espelhar a real valoração da prova que foi produzida, violou o dever de fundamentação a que estava adstrito.
20. A Decisão Instrutória tem de conter os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido.
21. Padece a Decisão Instrutória de que ora se recorre de nulidade por falta de fundamentação, violando os artigos 97.°, n. °4, 374° n° 2, 379°, n.° 1, alínea a), b) e c) do CPP, bem como artigo 202.° e 205°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, o que deverá ser declarado com as legais consequências.”
Pugna pela revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine a não pronúncia do recorrente pelo crime de abuso de poder.
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I.3. Resposta do Ministério Público
O Ministério Público, na resposta ao recurso, sem formular conclusões, pronunciou-se pela sua improcedência, concluindo que a decisão recorrida não violou qualquer norma legal, nem padece de qualquer nulidade de que cumpra conhecer.
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I.4. Resposta do assistente AA
O assistente AA, na resposta ao recurso, pugnou pela sua improcedência, concluindo (transcrição parcial):
“(…)6. Sinalize-se, de pronto, que a decisão instrutória prolatada pelo Tribunal se mostra totalmente certeira e que, por conseguinte, não assiste razão ao recorrente.
7. Foram delineados em traços bastante sumários, o quadro teórico-jurídico caracterizante do crime de abuso de poder, assim como o disposto no artigo 12° do Dl n.° I38/20I9 de I3 de Setembro que se encontram descritos na presente peça.
8. Dos depoimentos dos presentes autos, é possível apurar que o arguido CC, BB e CC, assim como, as restantes pessoas que os acompanhavam estavam num jantar de natal organizado pela seção de investigação de ... da Polícia Judiciária, veja-se ponto I da acusação pública.
9. Na sequência de um jantar, tentaram entrar no bar, utilizando o livre-trânsito.
10. Atente-se que o art. 12° do referido DL refere que é facultado o direito ao livre trânsito quando devidamente identificados e em missão de serviço. O que não é o caso!!!!
11. Os inspectores utilizaram o livre-trânsito e a qualidade de Inspetores da Polícia da Judiciária, para poderem entrar no bar ....
12. Na noite de I4 de Dezembro de 20I9, o assistente como habitualmente, estava a exercer a sua actividade profissional, tendo como função acautelar a segurança do bar, nomeadamente, de acordo com as orientações da gerência do bar, cabe ao assistente poder escolher quem pode e o bom funcionamento normal do bar.
13. Nessa sequência, e como já vem descrito na acusação, dado que, já teriam entrado dois colegas para ajudar a encontrar o cartão de consumo o assistente recusou a entrada de CC, dado que o mesmo se encontrava bastante alcoolizado e só iria gerar confusão.
14. Sem ser no exercício da sua profissão, para resolver uma questão pessoal, não é permitido pelo Estatuto Profissional da Policia Judiciária, os inspectores utilizarem o livre-trânsito para ter acesso ao interior do bar.
15. Bem sabendo os arguidos, que o assistente estava ali na qualidade de vigilante, tendo como função acautelar a segurança do bar.
16. IG. Atente-se ainda que a sua colega DD, não estava sozinha no interior do bar, nem os mesmos estavam impedidos de comunicar com a mesma.
17. Pelo que, se estranharam a demora da sua colega, como um qualquer cidadão comum (que era a qualidade que se encontravam naquele momento), poderiam ter ligado à mesma a questionar o motivo da demora.
18. Até porque, e como confirmou a testemunha DD, identificada a fls. 372, a gerência do bar deixou-a sair sem pagar qualquer consumo.
19. Situação que era prática da casa e que obviamente o assistente sabia, não se justificando a entrada de mais pessoas.
20. Pelo que, ao mostrarem o livre transito o mesmo actuaram com abuso de poder.
21. Vem agora o recorrente alegar que foi o arguido BB que exibiu o crachá, que o recorrente encontrava-se inclusivamente uns metros atrás. Refere ainda que em nenhum momento puxou o crachá de serviço ou mencionou a sua função.
22. Conclui ainda que o crime de abuso de poder, foi apenas cometido pelo arguido BB, que o tribunal imputa ao recorrente a pratica de um crime cometido em nome de terceiro.
23. Não podemos de todo, concordar com as considerações do recorrente, até porque as mesmas não correspondem à verdade.
(…)27. Duvidas não restam que o recorrente referiu ao assistente diversas vezes que era polícia. Aliás refere mesmo nas suas declarações que o assistente sabia muito bem quem eles (arguidos CC e BB) eram, concluindo que era o que faltava estar a dar explicações ao segurança, a partir do momento que nos identificamos passamos a ser policias, entra e pronto o segurança não tem de avaliar.
28. O recorrente invocou a sua qualidade de polícia, bem sabendo que não estava no exercício de funções. Tal identificação por parte do recorrente, teve um único fim, entrar no bar “..." sem efetuarem qualquer consumo e dessa forma abusar da sua qualidade de Policias.
29. Atente-se que os presentes estão na fase de instrução, que visa um suplemento à investigação por parte do Ministério Público. Neste fase processual, a decisão do Juiz de instrução tem por base analisar se existem indícios suficientes para apurar se o recorrente praticou, neste caso, o crime de abuso de poder.
30. O M° Juiz de instrução, após a conjugação de todos os elementos de prova, no qual remetemos principalmente para a inquirição da testemunha EE e as próprias declarações do recorrente, tanto no ministério público como em fase instrutória, confirmam que o mesmo se identificou como polícia judiciária, referindo que o assistente não tinha quaisquer dúvidas.
31. Pelo que, a decisão do M° Juiz de instrução de pronunciar o recorrente CC, pelo crime de Abuso de Poder, não merece qualquer reparo.
II - DA NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
32. Neste hemisfério, em traços sinóticos, o recorrente insurgiu-se contra a decisão do tribunal, que se encontra descrita na presente peça.
33. Foram delineados em traços bastante sumários, relativos ao artigo 183.° do CPP, relativos ao que se considera indícios que se encontram descritos na presente peça.
(…)35. Numa aproximação imediata, pontifique-se que o posicionamento do recorrente não merece acolhimento.
36. Temos ainda de atender que estamos numa fase processual indiciária e que a decisão instrutória, não tem obrigatoriamente de ter a mesma fundamentação e motivação que uma sentença ou Acórdão.
(…) 38. Nesta fase processual, o M° Juiz de instrução, apenas tem de obedecer aos requisitos do art. 308 n.° 1 e 283.° do Código do Processo Penal e como e muito bem refere a decisão instrutória "d juiz de instrução criminal analisa a prova indiciária recolhida no inquérito e na instrução e emite um juízo sobre a suficiência desses indícios, procurando responder à seguinte questão: em julgamento, se a prova produzida tiver o mesmo sentido e alcance daquelas que teve no inquérito é mais provável a condenação do arguido ou a sua absolvição?
39. Se a resposta for positiva, deve pronunciar o arguido; caso contrário deverá lavrar despacho de não pronúncia."
40. Foi exactamente esse juízo de prognose que o M° Juiz de instrução fez, justificou com os elementos de prova, que se entende que o recorrente ao se intitular como policia judiciária, para aceder ao bar "...", com o intuito de entrar sem consumir e apesar de ser barrado pelo assistente. Que abusaram da sua qualidade de agentes Policiais.
41. Ora, entende-se que a fundamentação que consta da decisão instrutória, não tem falta de fundamentação e não violou os artigos 97, n.º 4, 374° n.º 2, 379°, n.º 1, als. a) b) e c) do CPP, pelo que deve ser indeferida a arguida nulidade.
42. Interessa, hic et nunc, clarificar que os factos atinentes ao crime de abuso de poder, rigidamente, devem ser enfocados no recorte da coautoria - em verdade, é isso que deflui linearmente do acervo indiciário e do teor da decisão instrutória, mais concretamente da facticidade que embasa a pronúncia.
43. Nem se objete que a particularidade de se achar omissa, na pronúncia, a fórmula sacramental/costumeira - a atuação em comunhão de esforços e intentos - obsta a tal focalização, porquanto a comparticipação exsurge clarividente e impressiva no contexto, v.g., dos artigos 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 29, 30 e 31 da pronúncia.
44. Vale isso por dizer que, nessa inteleção da coautoria, não ocorre nenhuma nulidade, maiormente a decorrente do artigo 283.°, n.° 3, alínea b), aqui aplicável ex vi do artigo 308.°, n.° 2.
45. Foram delineados em traços bastante sumários, relativos ao artigo 283.°, n.° 3, alínea b), aqui aplicável ex vi do artigo 308.°, n.° 2., que se encontram descritos na presente peça.
46. Concluindo que sempre deve constar de uma acusação, de harmonia com o citado artigo, é a narração dos factos que são relevantes para a imputação do crime e para a determinação da espécie e da medida da sanção, ou seja, a acusação deve conter, sempre, todos os elementos constitutivos do crime que é imputado ao arguido, e que são elemento objetivo e subjetivo do tipo de crime que lhe é imputado.
47. Foram ainda delimitados traços bastantes sumários relativos à forma do crime, que se encontram descritos na presente peça.
48. Ora, no caso sub examine, conquanto a pronúncia não seja absolutamente paradigmática/modelar, pelo tocante ao grau de (com)participação de cada um dos agentes nos factos atinentes ao crime de abuso de poder (uma vez que se mostra privada ou devoluta da referência expressa à comunhão de esforços e intentos - que, porém, se colhe facilmente da apropositada narrativa), é inconcusso que, no precípuo, relata a correspondente intervenção conjunta. Haja vista que a pronúncia, no apartado do ilícito em comento, com valência, ressalta o seguinte: a indigitação dos factos a ambos os arguidos; a qualidade invocada pelos arguidos, em razão das funções que desempenhavam na Polícia Judiciária; os termos em que cada um deles contribuiu para a produção dos factos; e a participação, concertada e esclarecida, de ambos os arguidos.
49. Da matéria de facto relatada na pronúncia, desponta, pois, cristalino que os arguidos CC e BB agiram em comunhão de esforços e de intentos, na execução do mesmo fim criminoso, de acordo com um plano previamente traçado por eles e com plena consciência do resultado da conduta de ambos - significa isso que, nos termos resultantes da pronúncia, agiram em coautoria material.
50. Pode, pois, afirmar-se, com solidez, que, na decretada pronúncia, posto que de forma algo incompleta, no segmento balizado, foi efetuada uma diegese/narração dos factos atribuídos concertadamente - assim sendo, nessa pressuposição, jamais se poderia firmar a nulidade prevenida no artigo 283.°, n.° 3, alínea b) - cf., ainda, o artigo 308.°, n.° 2.
51. De outro lado, na situação em comento, a verificação da diminuta/exígua insuficiência conexa com o grau de (com)participação dos arguidos nos factos pode, facilmente, ser sobrepujada, sem nenhuma postergação das garantias de defesa, pela via da alteração não substancial dos factos.
52. Em jeito sinótico: a pronúncia contém todos os factos necessários para que possa vir a ser aplicada aos arguidos CC e BB uma pena, já que contém descritos os factos suscetíveis de integrar, em coautoria material, o crime de abuso de poder, previsto e punível pelo artigo 382.° do Código Penal, que lhes vem irrogado - nomeadamente nos artigos 7.° a I3.° da pronúncia - bem como inclui o correspondente elemento subjetivo (dolo) - nos artigos 29.° a 3I.° - não padecendo, por conseguinte, também aqui, de nenhuma nulidade.”
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I.5. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público pronunciou-se pela procedência do recurso e revogação da decisão instrutória recorrida.
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I.6. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.7. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II. Objecto do recurso
O objecto do recurso está limitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, disponível em www.dgsi.pt).
São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal
de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336).
Da análise das conclusões do recorrente as questões que importam apreciar e decidir são as seguintes:
1ª Saber se a decisão instrutória recorrida é nula por falta de fundamentação;
2ª Saber se a decisão instrutória recorrida deve ser rejeitada por omissão da factualidade essencial para o preenchimento dos elementos constitutivos do crime de abuso de poder.
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II.1. Decisão instrutória (que se transcreve parcialmente, nos segmentos com interesse para a apreciação do recurso)
“(…) Foi requerida a abertura da instrução pelos arguidos AA, BB, CC e FF, relativamente à acusação pública contra si dirigida pelo M. Público), pela acusada prática de crimes de ofensa à integridade física, e de ameaça agravada, que lhes são imputados pelo M. Público; por seu turno, o arguido AA - também na qualidade de assistente - pretende a pronúncia dos arguidos CC e BB pela alegada prática do crime de abuso de poder.
(…)
Percorrendo os presentes autos, verifica-se que os indícios recolhidos em inquérito quanto à imputada agressão física do AA na pessoa dos arguidos BB e CC se respaldam desde logo nas declarações destes coarguidos em sede de inquérito (a fls. 2/3 e a fls. 33/35; a fls. 139/141, a fls. 318/321 e 343/346), nas declarações das testemunhas GG (a fls. 30/32), HH (a fls. 249/251), II (a fls. 292/293), EE (a fls. 370/371), sendo que as testemunhas JJ (a fls. 142/143), KK (a fls. 223/224), LL (a fls. 225/227), MM (a fls. 228/229), NN (a fls. 230/231), OO (a fls. 232/233), PP (a fls. 253/254), QQ (a fls. 256/257), RR (a fls. 288/289), SS (a fls. 367/369), DD (a fls. 372/374) e TT (375/377) declararam não ter presenciado essas alegadas agressões.
O arguido FF (fls. 286/287 e 424/426), por seu turno, negou ter agredido quem quer que fosse, o mesmo tendo referido o arguido UU (a fls. 434/435).
O arguido AA descreveu os termos em que ocorreu a altercação havida entre ele e os arguidos BB e CC, negando que os tenha agredido, física ou verbalmente (a fls. 58/60, 176/179 e a fls. 416).
De igual modo, o episódio de urgência e de consultas médicas relativas ao arguido BB (a fls. 215/220, a fls. 301/302 e 802/805), as informações clínicas de fls. 144/156 e os exames periciais efectuados no INMLCF (a fls. 128/131, relativamente ao arguido CC), corroboram os ferimentos sofridos pelos referidos arguidos.
As testemunhas inquiridas em inquérito - JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, DD, TT - em bom rigor, não presenciaram a totalidade da contenda havida entre os arguidos, algumas delas apenas constataram que o arguido BB apresentava lesões no rosto, na zona bucal.
Os arguidos - principais, por assim dizer: CC, BB e AA - trouxeram versões distintas do sucedido à entrada do estabelecimento de diversão onde ocorreram os factos; todos negaram terem agredido quem quer que fosse ou ter injuriado ou ameaçado alguém.
Os depoimentos das testemunhas inquiridas em inquérito também não são concordes quanto ao sucedido no local, no dia 14.DEZ.19.
Consensual apenas é que ocorreu uma altercação envolvendo os referidos arguidos BB e CC, por um lado, e AA, por outro, uma vez que aqueles pretenderam aceder ao interior do ..., no que foram impedidos de o fazer pelo arguido AA (que na altura exercia as funções de segurança desse estabelecimento); pode igualmente assentar- se que no decorrer dessa altercação houve agressões físicas do arguido AA aos outros dois arguidos, sem que seja possível estabelecer com rigor e exactidão quem as iniciou, se houve igualmente agressões físicas por parte de terceiros envolvidos e se algum dos intervenientes o fez em legítima defesa, própria ou alheia.
No que respeita às palavras injuriosas e/ou ameaçadoras que terão sido verbalizadas entre os referidos três arguidos as versões também não coincidem, pois todos o negam ter feito.
Importa sublinhar que das imagens de videovigilância que foram captadas por uma câmara direccionada para a entrada do referido estabelecimento é possível verificar a altercação (sem som) havida entre aqueles arguidos; se, num momento inicial, é possível perscrutar a inexistência de agressões entre os referidos arguidos (apenas alguns empurrões, por causa de o arguido CC tenar aceder ao interior do estabelecimento: 2.44.56 a 2.44.26), a partir do momento em que os três se dirigiram para a via pública e em que se verifica a intervenção de terceiros, constata-se que o arguido AA desfere um murro no arguido CC enquanto este e um outro segurança da A... se encontravam em confronto verbal e com empurrões mútuos (2.46.06); momentos depois, o arguido AA agrediu corporalmente o arguido BB com um murro, que o fez cair no chão (2.4 6.13).
Pese embora esta oposição de versões - susceptível de lançar dúvidas quanto à factualidade em análise - pode assentar-se que - por apelos às regras da experiência comum - os arguidos se agrediram reciprocamente, daí resultado lesões físicas para todos; na verdade, no ambiente de tensão que se instalou, decorrente do propósito anunciado pelos arguidos CC e BB voltarem a entrar no ... e da impossibilidade de o fazerem ante a oposição do BB, é perfeitamente natural que tenha ocorrido confronto físico entre eles, através de agressões mútuas.
O mesmo se diga relativamente às ameaças que alegadamente dirigiram ao arguido AA e às injúrias deste ao arguido BB.
A defesa do arguido CC sustenta que este não dirigiu palavras ameaçadoras ao arguido AA; todavia, conforme se referiu, no calor da contenda, é conforme às regras da experiência comum que tenham sido por ele proferidas as palavras ameaçadoras que o M. Público verteu na acusação, tanto mais que - novamente por apelo às imagens supra referidas - se constata que a linguagem corporal do arguido CC é consentânea com tal tipo de conduta. Não se acompanha, por isso, a defesa deste requerente da instrução, quando preconiza a não pronúncia dele pelo referido crime de ameaças.
Por seu turno, a defesa do arguido BB pretende não existir prova indiciária em como tenha ameaçado o arguido AA; todavia, para além do que atrás se referiu quanto à plausibilidade de tal ter acontecido no contexto em que os factos ocorreram, não pode olvidar-se o que o arguido AA referiu a esse propósito, bem como o depoimento da testemunha II.
O arguido AA, para além de negar ter ofendido corporalmente os agentes da P. Judiciária, sempre invoca que actuou em legítima defesa do co-arguido UU, ao vê-lo agredido pelo arguido CC. Se é certo, pelo visionamento das imagens já referidas, que o arguido UU e os dois referidos agentes da P. Judiciária se encontravam aos empurrões (estes tentando regressar à entrada do ..., aquele tentando evitar a aproximação dele a esse local, onde se encontrava o arguido AA), não se constata e existência de qualquer agressão dos arguidos BB e CC ao arguido UU, que justificasse que o AA atingisse corporalmente, primeiro o arguido CC e, de seguida, o arguido BB.
Vele dizer: só em julgamento, ouvidos os arguidos, as testemunhas arroladas pelo M. Público e pela defesa dos arguidos CC, BB e AA será possível apurar de quem partiu a agressão e, assim, se os requerentes da presente instrução iniciaram a agressão ou se, pelo contrário, foi apenas o AA quem agrediu o CC e o BB, limitando-se estes a se defenderem dessa agressão; o mesmo sucede relativamente às injúrias que o assistente BB afirma ter sido alvo pelo arguido AA e às ameaças do CC e do BB dirigidas àquele.
O arguido AA deduziu acusação particular contra os já referidos arguidos CC e BB, imputando, a cada um deles, a prática de um crime de injúrias (instr. 5901/22.2T9PRT, apenso a estes autos); apenas o arguido BB requereu a instrução (a fls. 270/276 daqueles autos apensos), negando tê-lo feito; conforme se referiu já, no contexto em que ocorreram os factos, é perfeitamente plausível que os dois agentes da P. Judiciária lhe tenham dirigido as palavras que o arguido AA afirma terem sido proferidas por eles, pelo que se conclui terem sido recolhidos indícios suficientes em como o fizeram.
Quanto às palavras que a acusação pública afirma terem sido ditas pelo arguido CC ao arguido AA (“Mas quem és tu (...)? Eu mato-te (...)! Só sais daqui dentro de um caixão (...), vou-te dar um tiro nos cornos!”) e que consubstanciariam a comissão de um crime de ameaça, a defesa desse arguido sustenta que aquelas palavras - a terem sido proferidas - não constituem o anúncio de um mal futuro, pelo que a acusação, nessa parte, deve soçobrar; não se acompanha esta conclusão: aquelas palavras, constituindo efectivamente o anúncio de um mal, tanto podem referir-se ao momento em que foram ditas, como a um momento posterior, a ocorrerem num futuro mais ou menos próximo. Como tais palavras não foram seguidas de qualquer acto de agressão por parte do arguido CC ao arguido AA.
Por isso, não pode escapar à pronúncia por tal crime.
Igualmente valem estas considerações quanto ao imputado crime de ameaça praticado pelo arguido BB ("Vou-te foder! Não sabes com quem te estás a meter!") , uma vez que ele, logo a seguir a proferir essas expressões, não chegou a vias de facto com o AA …
Tendo havido uma solução de continuidade entre o anúncio feito verbalmente pelo BB e a agressão preconizada por ele ao arguido AA, a ameaça efectivamente existiu.
Ainda no capítulo do crime de ameaças que o arguido AA imputa aos arguidos BB e CC, mas agora já no interior das instalações da P. Judiciária, os arguidos negam-nas, sendo que apenas o AA e a testemunha VV (fls. 47/49 da instrução apensa) referem ter o arguido CC proferido palavras ameaçadoras; por seu turno, a testemunha TT asseverou que nenhum dos outros arguidos teve acesso ao AA enquanto este esteve no interior das instalações da P. Judiciária.
Analisando a restante prova indiciária recolhida a este respeito, pode assentar-se que o arguido BB não teve contacto com o arguido AA, por ter ido receber tratamento médico às lesões que sofreu nas imediações do .... Relativamente ao arguido CC, considerando as declarações da namorada do AA e as declarações daquele em como, logo a seguir aos factos, foi recolher o seu veículo às instalações da P. Judiciária, é lícito concluir-se que o arguido CC.
A defesa do arguido FF sustenta que não houve queixa do arguido CC contra ele e que, de todo o modo, para além de não ter agredido quem quer que fosse, a imputação que o CC lhe faz procede de lapso, pois não é, nem nunca foi, funcionário da empresa de segurança A..., antes o sendo da B...; de facto, percorrendo o inquérito e, em especial, as já aludidas imagens de videovigilância, não se perscruta a ocorrência de qualquer agressão física ao arguido CC por algum segurança, salvo aquela já acima referida perpetrada pelo arguido AA.
Por isso, não existindo indícios suficientes no inquérito em como o arguido FF ofendeu corporalmente o coarguido WW, impõe-se a não pronúncia daquele requerente da instrução.
O arguido UU não requereu a instrução; todavia, considerando o disposto no art.° 307.°, n.° 4 do C. Pr. Penal, há que referir que quanto a ele também não resultaram do inquérito indícios suficientemente sólidos e credíveis em como tenha cometido o crime de ofensas à integridade física que o M. Público lhe imputa; de facto, pelo visionamento das imagens já abundantemente referidas, apenas se constata que o UU desenvolveu esforços no sentido de impedir a aproximação dos arguidos BB e CC ao arguido AA, após este os ter afastado da entrada do ...: vê-se o UU a oferecer resistência física aos dois agentes policiais (2.46.00), altura em que o arguido AA se aproxima deles e bate no CC e, depois, no BB.
Por isso, impõe-se a não pronúncia do arguido UU.

Finalmente, o arguido AA - agora nas vestes de assistente - pretende a pronúncia dos arguidos CC e BB pela comissão, além do mais, de um crime de abuso de poder, por, prevalecendo-se da sua condição de agentes da P. Judiciária e assim, através do cartão de livre trânsito de que eram titulares e portadores, pretenderem aceder ao interior do ....
Dos indícios recolhidos em inquérito resulta que, efectivamente, em 14.DEZ.19, o arguido BB e CC tentaram aceder ao interior do referido estabelecimento de diversão nocturna, tendo o BB para o efeito invocando a sua qualidade de agentes policiais, exibindo o seu crachá e cartão de identificação de agente da P. Judiciária.

O M. Público, no despacho de arquivamento, entendeu que o arguido BB o fez "...para remover um obstáculo que lhe foi oferecido, traduzido na proibição de acesso ao interior do estabelecimento no contexto de uma demora tida por injustificada relativamente a uma colega de trabalho que os acompanhara." concluindo que, por isso, "...ainda que censurável tal atitude, o que justificou, entre outras razões, a instauração de processo disciplinar, afigura-se- nos que não houve uma violação do conteúdo dos deveres funcionais dignos de censura jurídico-penal.".
Neste particular, não se acompanha a conclusão do M. Público.
Na verdade, ainda que se aceite que a intenção de os arguidos era a de verificar a razão da demora de uma colega sua no interior do estabelecimento em questão e de a auxiliar a resolver o problema da perda ou extravio do cartão de consumo dela, certo é que a invocação da sua qualidade de polícias - quando não estavam em exercício de funções como tal - constitui a comissão do crime de abuso de poder (art.° 382.° do C. Penal), por afronta ao disposto no art.° 12.° do DL 138/19, de 13.SET: com intenção de obterem um benefício ilegítimo (qual seja: o de entrarem no dito estabelecimento de diversão nocturna sem efectuarem qualquer consumo no interior do mesmo), abusaram da sua qualidade de agentes policiais.
Por isso, não podem escapar à pronúncia por tal crime.
Assim, em julgamento, face à prova indiciária, qual é o juízo de prognose correcto?
Os indícios apurados nos autos permitem dar uma resposta positiva à interrogação supra referida, no sentido da maior probabilidade de condenação dos arguidos requerentes que a sua absolvição relativamente a parte dos factos ocorridos em 14.DEZ.19, se a acusação impugnada for objecto de julgamento.
*
Por conseguinte acha-se suficientemente indiciado que:
No dia 14 de dezembro de 2019, BB e CC participaram num jantar de natal organizado pela secção de investigação de crimes… Polícia Judiciária, onde então exerciam funções, num restaurante localizado nesta cidade do Porto.
De seguida, pelas 00h.15m., o grupo dirigiu-se para o estabelecimento de diversão nocturna denominado "...", sito na rua ..., nesta mesma cidade.
Por volta das 01h.30m. já no exterior do estabelecimento e depois de terem pago os respectivos consumos, chegou ao conhecimento do grupo que uma colega ficara retida no interior por ter extraviado o seu cartão de consumo.
Na sequência disso, dois dos elementos do grupo que se encontrava no exterior dirigiram-se para a entrada do estabelecimento, onde se encontrava o arguido AA, a exercer funções como segurança.
Depois de explicarem o sucedido ao arguido, assim como ao Relações Púbicas que se encontrava junto dele, foram autorizados a entrar.
Alegando ter consigo um comprovativo de pagamento do sobredito consumo, CC também se dirigiu para a porta do estabelecimento a fim de, com esse fundamento, solicitar a sua reentrada.
No que se lhe juntou BB que, ao mesmo tempo que exibia ao arguido AA o seu livre trânsito e crachá, identificava-se a si e ao colega como sendo Inspectores da Polícia Judiciária.
Com o argumento de que já estariam outros colegas no interior do estabelecimento a tratar do mesmo assunto, o arguido AA negou-lhes a entrada.
Pese embora BB haja exibido os seus documentos profissionais por várias vezes, o arguido AA não lhes consentiu a entrada no referido estabelecimento.
Então o arguido CC forçou a entrada no estabelecimento, no que foi impedido pelo arguido, seguindo-se uma discussão inflamada entre todos.
Nesse contexto, o arguido AA, dirigindo-se a BB e CC, disse-lhes:"Sois uns polícias de merda!".
Por sua vez, mantendo a exibição dos documentos acima referidos, e dirigindo-se a AA, BB disse "Vou-te foder! Não sabes com quem te estás a meter!" E CC, dirigindo-se também àquele, disse "Mas quem és tu, ó filho da puta (...)? Eu mato-te filho da puta (...)! Só sais daqui dentro de um caixão (...), vou-te dar um tiro nos cornos!" .
O arguido AA empurrou de seguida os dois outros arguidos para a via pública, assim os afastando da entrada do estabelecimento.
Depois, o arguido AA recuou para o hall de entrada do estabelecimento, de onde voltou a sair segundos depois, correndo em direção à rua, mais concretamente para junto de CC, a quem desferiu vários socos.
De imediato, BB saiu em defesa do colega e o arguido AA desferiu-lhe vários socos na zona da boca e do nariz, projectando-o contra o chão.
Posteriormente, o arguido AA recolheu à entrada do estabelecimento.
Sucedeu-se nova troca de palavras entre o AA e o CC, tendo o arguido AA voltado a sair em sua direção, acabando por ser afastado por várias pessoas que se encontravam no exterior.
O arguido AA foi detido e transportado para o interior das instalações da P. Judiciária, no Porto.
Depois de o arguido AA contactar a sua namorada, VV, esta dirigiu-se às instalações da P. Judiciária.
Quando aí chegou, e ainda no exterior dessas instalações, a referida VV foi abordada pelo arguido CC que lhe disse, referindo-se ao arguido AA "Eu vou pô-lo debaixo da terra, eu vou matar esse filho da puta!" .
O comportamento do arguido AA foi causa directa e necessária para CC de dores e ferimentos, resultando nas lesões identificadas no relatório médico-legal junto a fls. 128 e seguintes, para o qual se remete e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.
Tais lesões determinaram para aquele 8 dia para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e da capacidade de trabalho profissional.
O comportamento do arguido AA foi causa directa e necessária para BB de dores e ferimentos, designadamente um edema e hemorragia dos lábios, edema no nariz e hematoma da região anterior do joelho, com edema e escoriação associadas, como se infere dos elementos clínicos juntos a fls. 215 e seguintes e 305 e seguintes, para os quais se remete para os devidos efeitos.
Ao actuar do modo supra descrito, quis o arguido AA molestar fisicamente BB e CC, como conseguiu, provocando-lhes, como era sua intenção, dores e ferimentos.
Igualmente com a sua conduta, quis o arguido AA ofender, como ofendeu, o arguido BB na sua honra e consideração, o mesmo sucedendo relativamente aos arguidos BB e CC, quando lhe dirigiram as referidas palavras.
Por sua vez, os arguidos CC e BB sabiam que as expressões que proferiram e o tom que utilizaram eram adequados a provocar receio no ofendido AA, fazendo-o temer, como fez, pela sua integridade física, tanto mais que fizeram uso da sua qualidade de inspectores da Polícia Judiciária.
Mais sabiam que atendendo às funções que desempenhavam, a sua conduta suscitaria forte reprovação social.
Os arguidos CC e BB - ao invocarem a sua profissão de agentes da P. Judiciária e o BB ao exibir o respectivo cartão de livre trânsito e crachá - sabiam que não estavam no exercício das suas funções de agentes policiais.
Fizeram-no com o propósito de aceder ao interior do estabelecimento de diversão nocturna denominado ..., sem que tivessem que efectuar qualquer consumo no seu interior.
Os arguidos agiram todos de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
(…)
*
Assim, pelo exposto, uma vez que esta fase da instrução é ainda meramente indiciária, de comprovação judicial de indícios, e por esses indícios se afigurarem suficientes, nos termos do art.° 308.°, n.° 1, 1.a parte, do C. Pr. Penal, PRONUNCIAM-SE os arguidos AA, UU, CC e BB, pelos seguintes factos:
1. No dia 14 de dezembro de 2019, BB e CC participaram num jantar de natal organizado pela secção de investigação de …. da Polícia Judiciária, onde então exerciam funções, num restaurante localizado nesta cidade do Porto.
2. De seguida, pelas 00h.15m., o grupo dirigiu-se para o estabelecimento de diversão nocturna denominado "...", sito na rua ..., nesta mesma cidade.
3. Por volta das 01h.30m. já no exterior do estabelecimento e depois de terem pago os respectivos consumos, chegou ao conhecimento do grupo que uma colega ficara retida no interior por ter extraviado o seu cartão de consumo.
4. Na sequência disso, dois dos elementos do grupo que se encontrava no exterior dirigiram-se para a entrada do estabelecimento, onde se encontrava o arguido AA, a exercer funções como segurança.
5. Depois de explicarem o sucedido ao arguido, assim como ao Relações Púbicas que se encontrava junto dele, foram autorizados a entrar.
6. Alegando ter consigo um comprovativo de pagamento do sobredito consumo, CC também se dirigiu para a porta do estabelecimento a fim de, com esse fundamento, solicitar a sua reentrada.
7. No que se lhe juntou BB que, ao mesmo tempo que exibia ao arguido AA o seu livre trânsito e crachá, identificava-se a si e ao colega como sendo Inspectores da Polícia Judiciária.
8. Com o argumento de que já estariam outros colegas no interior do estabelecimento a tratar do mesmo assunto, o arguido AA negou-lhes a entrada.
9. Pese embora BB haja exibido os seus documentos profissionais por várias vezes, o arguido AA não lhes consentiu a entrada no referido estabelecimento.
10. Então o arguido CC forçou a entrada no estabelecimento, no que foi impedido pelo arguido, seguindo-se uma discussão inflamada entre todos.
11. Nesse contexto, o arguido AA, dirigindo- se a BB e CC, disse-lhes:"Sois uns polícias de merda!" .
12. Por sua vez, mantendo a exibição dos documentos acima referidos, e dirigindo-se a AA, BB disse "Vou-te foder! Não sabes com quem te estás a meter!" .
13. E CC, dirigindo-se também àquele, disse "Mas quem és tu, ó filho da puta (...)? Eu mato-te filho da puta (...)! Só sais daqui dentro de um caixão (...), vou-te dar um tiro nos cornos!".
14. O arguido AA empurrou de seguida os dois outros arguidos para a via pública, assim os afastando da entrada do estabelecimento.
15. Depois, o arguido AA recuou para o hall de entrada do estabelecimento, de onde voltou a sair segundos depois, correndo em direção à rua, mais concretamente para junto de CC, a quem desferiu vários socos.
16. De imediato, BB saiu em defesa do colega e o arguido AA desferiu-lhe vários socos na zona da boca e do nariz, projectando-o contra o chão.
17. Posteriormente, o arguido AA recolheu à entrada do estabelecimento.
18. Sucedeu-se nova troca de palavras entre o AA e o CC, tendo o arguido AA voltado a sair em sua direção, acabando por ser afastado por várias pessoas que se encontravam no exterior.
19. O arguido AA foi detido e transportado para o interior das instalações da P. Judiciária, no Porto.
20. Depois de o arguido AA contactar a sua namorada, VV, esta dirigiu-se às instalações da P. Judiciária.
21. Quando aí chegou, e ainda no exterior dessas instalações, a referida VV foi abordada pelo arguido CC que lhe disse, referindo-se ao arguido AA "Eu vou pô-lo debaixo da terra, eu vou matar esse filho da puta!" .
22. O comportamento do arguido AA foi causa directa e necessária para CC de dores e ferimentos, resultando nas lesões identificadas no relatório médico-legal junto a fls. 128 e seguintes, para o qual se remete e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.
23. Tais lesões determinaram para aquele 8 dia para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e da capacidade de trabalho profissional.
24. O comportamento do arguido AA foi causa directa e necessária para BB de dores e ferimentos, designadamente um edema e hemorragia dos lábios, edema no nariz e hematoma da região anterior do joelho, com edema e escoriação associadas, como se infere dos elementos clínicos juntos a fls. 215 e seguintes e 305 e seguintes, para os quais se remete para os devidos efeitos.
25. Ao actuar do modo supra descrito, quis o arguido AA molestar fisicamente BB e CC, como conseguiu, provocando-lhes, como era sua intenção, dores e ferimentos.
26. Igualmente com a sua conduta, quis o arguido AA ofender, como ofendeu, o arguido BB na sua honra e consideração, o mesmo sucedendo relativamente aos arguidos BB e CC, quando lhe dirigiram as referidas palavras.
27. Por sua vez, os arguidos CC e BB sabiam que as expressões que proferiram e o tom que utilizaram eram adequados a provocar receio no ofendido AA, fazendo-o temer, como fez, pela sua integridade física, tanto mais que fizeram uso da sua qualidade de inspectores da Polícia Judiciária.
28. Mais sabiam que atendendo às funções que desempenhavam, a sua conduta suscitaria forte reprovação social.
29. Os arguidos CC e BB - ao invocarem a sua profissão de agentes da P. Judiciária e o BB ao exibir o respectivo cartão de livre trânsito e crachá - sabiam que não estavam no exercício das suas funções de agentes policiais.
30. Fizeram-no com o propósito de aceder ao interior do estabelecimento de diversão nocturna denominado ..., sem que tivessem que efectuar qualquer consumo no seu interior.
31. Os arguidos agiram todos de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.”
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II.2. Despacho de arquivamento (que se transcreve parcialmente, nos segmentos com interesse para a apreciação do recurso)
“(…) AA apresentou queixa alegando, além do mais, que, no dia 14.12.2019, por volta das 02h42m, quando se encontrava a exercer as suas funções de segurança no bar denominado "...", sito nas ..., nesta cidade, uma Inspectora da Polícia Judiciária que ali estivera num convívio com colegas de profissão solicitou ao mesmo para voltar a entrar a fim de ajudar uma colega que havia perdido o cartão de consumo, tendo para o efeito exibido o seu crachá profissional, na sequência do que autorizou a sua entrada. Poucos minutos depois, CC e BB identificaram-se como Inspectores da Polícia Judiciária, tendo o último exibido o seu crachá profissional, apóso que solicitaram também a entrada no estabelecimento invocando o mesmo propósito. O denunciante recusou a entrada dizendo que já se encontravam duas pessoas lá dentro e que, por isso, a entrada de mais pessoas iria gerar confusão. Nisto, CC, num tom intimidatório, dirigindo-se ao denunciante, disse "Mas quem és tu oh filho da puta? Eu mato-te filho da puta!". Após, CC empurrou o denunciante com tanta força que o projectou para a zona de entrada do bar, com o intuito de entrar à força e de o molestar fisicamente. Nesse momento, este conseguiu repelir a agressão e colocar CC na entrada do bar, ou seja na rua, enquanto solicitava a intervenção de BB a fim de terminar com as agressões a que estava a ser sujeito, o qual nada fez limitando-se a segurar o seu crachá profissional. Não satisfeito, CC continuou a agredir o denunciante, apertando e puxando o braço esquerdo com muita força. Já no exterior do bar, CC tentou agredir o denunciante, por três vezes, com o guarda chuva que trazia consigo, o que acabou por fazer, por duas vezes, na zona da barriga, o que lhe gerou lesões e dores. Posteriormente e já no meio das diversas pessoas que se encontravam naquela zona, foi agredido por várias vezes, tudo conforme o vídeo de vigilância junto aos autos. O denunciante acabou por ser detido e conduzido para as instalações da Polícia Judiciária. Enquanto lá esteve ficou sentado numa cadeira, tendo sido ameaçado de morte e sujeito a diversas tentativas de agressão por parte dos denunciados, os quais foram impedidos pelo Inspector Chefe. Acresce que um dos denunciados, no exterior das instalações, aproximou-se da companheira do denunciante, que ali se havia dirigido para estar consigo, e disse-lhe que voltaria a ver o mesmo "debaixo da terra." Ao ser confrontada com a fúria do mesmo, a sua companheira saiu do carro e solicitou na intervenção do Inspector Chefe que mandou o colega retirar-se. Conclui o denunciante dizendo que tais factos são suscetíveis de integrar a prática, além do mais, dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143°, n° 1, 145°, n° 1, al. a) e 2, este último por referência ao artigo 132°, n° 2, alíneas m) e de abuso de poder, p. e p. pelo art.° 382.°, com referência ao art.° 386.°, todos do Cód. Penal.
Foram realizadas as seguintes diligências de Inquérito:
Tal como se infere da informação constante de fls. 23 do processo apenso (com o número 7224/20.2T9PRT, originado pela queixa sob apreciação), não foi possível a preservação das imagens de videovigilância no interior das instalações da Polícia Judiciária, em virtude da capacidade de armazenamento ter sido ultrapassada.
AA foi inquirido a fls. 44 do aludido apenso, tendo confirmado a denúncia.
Inquirida a fls. 47 do processo apenso, VV esclareceu que, depois de ter tomado conhecimento dos factos, se dirigiu às instalações da Polícia Judiciária para saber do seu companheiro e no exterior foi abordada por um indivíduo que chegou de mota, e que mais tarde veio a saber tratar-se do Inspector CC, o qual, num tom agressivo, disse "eu vou pô-lo debaixo da terra, eu vou matar esse filho da puta". Havia muitas pessoas no interior da entrada do edifício que o agarraram e que ele empurrava ao mesmo tempo que dizia "eu vou matar esse filho da puta", referindo-se ao seu companheiro que se encontrava no interior. O Inspector Chefe falou com a depoente e disse-lhe que de momento não poderia ver o seu companheiro e que o mesmo seria presente ao TIC logo pela manhã, sendo muito educado e cordial.
Da informação constante de fls. 58 resulta a identificação do Inspector Chefe que se encontrava de serviço, a saber TT.
Foram inquiridos todos os elementos que integravam o grupo de convívio da Polícia Judiciária.
Foram recolhidas e visionadas as imagens de videovigilância captadas no estabelecimento onde ocorreram os factos - cf. fls. 113 e 121.
Inquirido a fls. 140 e interrogado a fls. 319, BB referiu que depois das agressões foi transportado pelo INEM para o serviço de urgência do Hospital de Santo António, tendo chegado à Polícia Judiciária após as 6h, numa altura em que o detido AA já havia recolhido à zona prisional, sendo que nenhum familiar, namorada ou amigo se encontravam presentes.
Inquirida a fls. 226, LL, colega de BB, pela mesma foi dito ter acompanhado o mesmo ao hospital e que os mesmos chegaram às instalações da Polícia Judiciária por volta das 6h, verificando que o arguido AA já não estava no piquete e que já havia recolhido à zona prisional.
Inquirido a fls. 249, HH, segurança no bar "C...", situado ao lado do bar onde ocorreram os factos sob investigação, pelo mesmo foi referido que, depois de se aperceber da confusão, sedirigiu para a entrada do mesmo e se deparou com um grupo de pessoas, nomeadamente dois indivíduos do sexo masculino, a tentarem a entrar no bar e a insultarem o segurança AA usando as seguintes palavras "filho da puta, vou-te matar e vou-te dar um tiro nos cornos". Mais referiu que o indivíduo mais magro ainda conseguiu bater no AA com um guarda chuva e dar-lhe socos na zona do peito, quando um outro colega que usava óculos, depois de também insultar e ameaçar o AA, puxou de um cartão a identificar-se como Inspector da Polícia Judiciária.
Inquirido a fls. 292, II disse ser amigo do arguido AA e que na noite da ocorrência, por volta das 2h, passou pelo bar onde este trabalhava e ficou a falar com o mesmo. De repente passa por si um senhor que tenta entrar no estabelecimento, no que foi impedido pelo AA. Entretanto, surge outro indivíduo do sexo masculino, mais alto e mais forte, que disse àquele para os deixar entrar pois eram da Polícia Judiciária. Não se recorda das palavras utilizadas, assegurando, no entanto, que eram insultuosas e agressivas. Os dois indivíduos forçaram a entrada, sendo que o mais baixo agrediu por diversas vezes o AA com um guarda chuva na zona lombar. Este de imediato empurrou-os para fora da entrada e um dos referidos indivíduos exibe o crachá da Polícia Judiciária dizendo para o AA "Vou-te foder. Não sabes com quem te estás a meter!"
A fls. 323 consta o registo de entrada de BB nas instalações da Polícia Judiciária no dia 14.12.2019, concretamente às 6h14.
Interrogado a fls. 344, CC declarou que, após os factos, foi transportado às instalações da Polícia Judiciária para recolher o seu veículo e apenas lá estavam os seus colegas de serviço, de piquete. O segurança e o seu advogado não se encontravam nas instalações. Foi para casa no seu carro, deitou-se e adormeceu. No início da manhã, pelas 5h30m, dois colegas foram buscá-lo a casa para ir prestar declarações antes da apresentação do detido a tribunal. Na Polícia Judiciária apenas se encontravam os colegas que estavam de serviço e os colegas que tinham acompanhado a detenção, cerca de 10. Nunca se chegou a cruzar ou sequer a ver o segurança, porquanto este já havia recolhido às instalações do estabelecimento prisional.
Inquirido a fls. 375, TT, Inspector Chefe da Polícia Judiciária, esclareceu que, no dia da ocorrência, se encontrava como chefe de piquete nas instalações da Polícia Judiciária ... assegurando todo o serviço urgente da PJ. Assim, durante a madrugada, foi transportado pela PSP, na condição de detido em flagrante delito, o arguido AA, ficando de imediato sob proteção e resguardo nas instalações do piquete, afastado de quaisquer contactos de outros colegas se que encontravam naquelas instalações. Confirmou que o arguido foi transportado, sob a sua alçada, para o Estabelecimento Prisional junto da PJ do Porto e que ninguém, com exceção dos Inspetores que se encontravam de piquete, se aproximou do referido arguido. Assegurou também que se encontrava nas instalações um dos elementos da PJ que tinha sido agredido, nomeadamente o Inspetor Chefe CC, encontrando-se este visível e compreensivelmente alterado por ter sido alvo de uma agressão física. Todavia, em nenhum momento este esteve em contacto direto e ou teve acesso ao arguido, cuja segurança foi intransigentemente salvaguardada. A pergunta feita disse que todos os factos foram transmitidos superiormente, tendo sido aberto o respetivo procedimento de avaliação. Mais informou que o Inspetor BB não se encontrava nas instalações aquando da permanência do arguido AA tendo chegado do hospital já quando o mesmo se encontrava no interior do estabelecimento prisional. Acrescentou que o arguido teve oportunidade, dentro das instalações do piquete, de contactar com a sua advogada em lugar reservado, não tendo esta lavrado qualquer protesto ou registado quaisquer situações menos próprias que o seu representado tivesse relatado aquando da sua estadia na PJ. Mais, o depoente teve oportunidade de falar com os familiares a amigos que o arguido tinha no exterior das instalações informando-os sobre a condição de detido em que este se encontrava e garantindo paralelamente toda a segurança necessária e adequada para obviar ou suster qualquer comportamento menos próprio fruto das emoções que gerou este episódio. Todos os intervenientes, independentemente da sua condição, respeitaram os regulamentos, a lei e a urbanidade que nas circunstâncias em concreto era expetáveis e esperadas.
Aqui chegados, importa agora decidir se existem nos autos indícios suficientes da prática dos crimes participados.
Vejamos.
(…)
Do crime de abuso de poder
Preceitua o art.° 382.° do Cód. Penal que comete o crime de abuso de poder, "o funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro,benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa (...)".
O crime de abuso de poder prevê a incriminação das condutas que não estejam abrangidas nos restantes tipos legais de crimes cometidos no exercício de funções públicas.
O preenchimento do tipo objetivo de ilícito poderá ter lugar através do abuso de poderes ou da violação de deveres pelo funcionário, sendo que em ambos os casos terão que se tratar de poderes ou deveres inerentes à função.
O "abuso de poderes", de uma forma geral, define-se como uma instrumentalização dos poderes (inerentes à função), para finalidades contrárias às permitidas pelo direito administrativo.
São várias as situações suscetíveis de configurar esse abuso de poderes por parte do funcionário, como sejam: o agente que excede os limites da sua competência, quanto à natureza dos assuntos que lhe são confiados, em razão do grau hierárquico, em razão do lugar ou em razão do tempo (incompetência relativa); a conduta do funcionário que desrespeite formalidades impostas por lei, ou atua fora dos casos estabelecidos na lei (violação da lei); o agente que faz uso dos seus poderes para um fim diverso daquele para o qual eles lhe foram conferidos (desvio de poder).
A violação de deveres reporta-se aos casos em que o funcionário viola os deveres funcionais, isto é, os deveres que estão relacionados com o exercício da função (tanto os deveres funcionais específicos como os deveres funcionais genéricos).
Os deveres funcionais específicos são os impostos por normas jurídicas ou instruções de serviço e os deveres funcionais genéricos, e no que concerne aos funcionários, referem-se a toda a atividade desenvolvida no âmbito da administração do Estado, como o dever de obediência, o dever de zelo, o dever de sigilo, o dever de isenção, o dever de lealdade, o dever de correção, o dever de assiduidade, o dever de pontualidade.
O tipo subjetivo é doloso, exigindo-se ainda que o agente atue com a intenção de obter para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa.
O benefício ilegítimo caracteriza-se como toda a vantagem que se pretende retirar de uma certa e determinada atuação, de forma ilegítima, enquanto reflexo da ilicitude decorrente da atuação do agente.
Já o prejuízo causado a outrem deve ser entendido no sentido de que alguém é atingido, negativamente, com uma certa atuação ou decisão.
Estamos perante um crime cometido por funcionário, portanto crime específico, sendo que para efeitos penais releva o conceito de funcionário inscrito no art.° 386.° do Cód. Penal.
Decorre da denúncia que o denunciado BB exibiu o livre trânsito e o crachá profissionais para poder aceder ao interior do estabelecimento identificado nos autos.
De facto, em conformidade com o disposto no artigo 12°, n° 1 do DL n° 138/2019, de 13.09 (que aprova o Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária) "às autoridades de polícia criminal e aos demais trabalhadores da carreira de investigação criminal, quando devidamente identificados e em missão de serviço, é facultado direito de acesso e livre- trânsito aos locais em que, no âmbito da prevenção criminal a PJ deva proceder à deteção e dissuasão de situações conducentes à prática de crimes, nomeadamente através de fiscalização e vigilância de locais suscetíveis de propiciarem a prática de atos ilícitos criminais, bem como naqueles onde se realizem ações de prevenção, deteção ou investigação criminal, bem como coadjuvação judiciária", o que manifestamente não sucedeu no caso.
Mas, como resulta dos autos, BB fê-lo para remover um obstáculo que lhe foi oferecido, traduzido na proibição de acesso ao interior do estabelecimento no contexto de uma demora tida por injustificada relativamente a uma colega de trabalho que os acompanhara.
Mais resulta dos autos que não se tratou de uma actuação fria, antes de um acto irreflectido, emergente de um ambiente emotivo, que terá seguramente perturbado o discernimento do denunciado, que agiu precipitadamente.
Assim, ainda que censurável tal atitude, o que justificou, entre outras razões, a instauração de processo disciplinar, afigura-se-nos que não houve uma violação do conteúdo dos deveres funcionais dignos de censura jurídico-penal.
(…)
Não se afigurando pertinente ou útil a realização de qualquer outra diligência investigatória, por insuficiência de indícios, determina-se igualmente nesta parte o arquivamento dos autos, nos termos do art.° 277.°, n.° 2 do Cód. Proc. Penal.”
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II.3. Apreciação do recurso
II.3.1. Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação
§1. O recorrente alega que a decisão recorrida padece de falta de fundamentação e de exame crítico da prova por não constar da mesma os motivos que levaram a dar como provados certos factos e outros não.
O recorrente invoca como normas violadas os artigos 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1, al. a), ambos do CPP.
Adiantamos, desde já, que não assiste razão ao recorrente.
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§2. O dever de fundamentação das decisões judiciais é um imperativo constitucional, que decorre do artigo 205º, n.º 1 da Constituição da Repúplica Portuguesa que prescreve que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.“
Na lei ordinária o dever de fundamentação encontra-se genericamente consagrado no artigo 97º, n.º 5 do CPP que dispõe que Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão “.
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§3. A consequência da violação do dever geral de fundamentação de acto decisório depende do acto que esteja em causa.
Como é sabido, o nosso Código de Processo Penal estabelece em matéria de nulidades o princípio da legalidade e tipicidade que se traduz em só haver nulidade dos actos quando expressamente cominada na lei, sendo que quando a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular - cfr. nºs 1 e 2 do artigo 118º do citado diploma legal.
As nulidades específicas da sentença estão previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 379º do CPP, não existindo qualquer disposição legal que torne extensível aos despachos o regime de nulidades da sentença.
A falta de fundamentação dos despachos pode consubstanciar qualquer das nulidades previstas nos artigos 119º e 120º do CPP desde que a lei expressamente comine a nulidade e, nos casos em que tal não aconteça, o acto ilegal é, como estabelece o nº 2 do citado artigo 118º, irregular.
A irregularidade consiste no vício formal do acto processual que não produz nulidade, determinando a invalidade do acto desde que arguida nos termos e no prazo legal previsto no artigo 123º do CPP, sob pena de se considerar sanada.
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§4. No caso em apreciação, a decisão recorrida consubstancia um acto decisório proferido pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal que tem a natureza de despacho que carece de ser fundamentado e, ao contrário do que pretende o recorrente, não faz sentido recorrer ao artigo 379º do CPP, que se aplica apenas às sentenças (e não aos meros despachos, por maior relevância que tenham).
A invocada falta de fundamentação do despacho recorrido, não estando expressamente sancionada na lei como nulidade, configura apenas uma irregularidade enquadrável no artigo 123º do CPP, devendo ser arguida perante o tribunal recorrido no prazo previsto no n.º 1 do citado artigo 123º.
Donde, consubstanciando a questão suscitada pelo recorrente uma irregularidade nos termos previstos no artigo 123º do CPP e, não tendo a mesma sido invocada perante o tribunal que proferiu o despacho em causa, a dita irregularidade, a existir, tem de considerar-se sanada, não podendo o recorrente agora, em sede de recurso, vir arguir a falta de fundamentação do despacho de pronúncia.
Mas sempre se dirá que não se vislumbra onde o despacho judicial recorrido tenha violado a exigência de fundamentação, porquanto, da simples leitura do despacho em crise constata-se que não se verifica a falta que lhe imputa o recorrente.
Nestes termos, improcede o recurso neste segmento.
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II.3.2. Da rejeição da decisão recorrida por omissão da factualidade essencial para o preenchimento dos elementos constitutivos do crime de abuso de poder.
§1. O recorrente insurge-se contra a decisão instrutória que o pronunciou pelo crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 382º do Código Penal (doravante CP).
Argumenta que a decisão instrutória deve ser rejeitada por ser manifestamente infundada por não descrever/conter factos suficientes para a verificação do crime de abuso de poder, faltando os seus elementos objectivos e subjectivos.
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§2. Dispõe o artigo 382.º do CP com a epígrafe “Abuso de poder”:
“O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
No que concerne ao bem jurídico protegido por esta norma Paula Ribeiro de Faria (em Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, págs. 774-775) afirma:
“Está em causa a autoridade e credibilidade da administração do Estado, ao ser afectada a imparcialidade e eficácia dos seus serviços. Corresponde esta exigência, de resto, a um princípio fundamental da organização do Estado consagrado constitucionalmente nos arts. 266º, 268º e 269º-1 da CRP. Em particular o n.º 2 do art. 266.º refere que “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade”.
Para Paulo Pinto de Albuquerque (em Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição actualizada, pág. 1297) “O bem jurídico protegido pela incriminação é a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e acessoriamente, os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa”.
O tipo objectivo do ilícito consiste no abuso dos poderes ou violação dos deveres inerentes às funções do funcionário. Em ambos os casos terá que se tratar de poderes ou deveres inerentes à sua função.
Para o preenchimento do tipo subjectivo do ilícito o agente terá que actuar com uma específica intencionalidade, isto é, com o objectivo de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa.
Sobre o conceito de benefício Paula Ribeiro de Faria (in ob. cit., págs. 777-778) escreveu:
“Podemos caracterizar como benefício toda a vantagem que o sujeito activo pretende retirar da sua actuação, e que em concreto poderá assumir natureza patrimonial ou não patrimonial. De facto, o legislador penal não exige que o benefício tenha carácter patrimonial, bastando-se com a sua ilegitimidade. O funcionário que abusou das suas funções, ou que violou deveres, pode no limite, até ter actuado com fins caritativos ou altruístas. (…)
Quanto à sua consumação Paula Ribeiro de Faria (in ob. cit., págs. 779) refere:
“O crime consuma-se com a comissão do acto ou facto abusivo por parte do funcionário, sendo irrelevante sob este ponto de vista a efectiva verificação do dano ou vantagem para o agente ou para terceiro (crime de mera conduta)”.
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§3. Transpondo estas breves considerações para o caso em concreto, percorrida a decisão recorrida afigura-se-nos que os factos indiciados acima transcritos serão suficientes para o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime de abuso de poder.
Explicando.
No que concerne ao tipo objectivo, alega o recorrente que o mesmo não se mostra preenchido porquanto não exibiu o seu crachá da Polícia Judiciária, nem se identificou como inspector da Polícia Judiciária.
Se atentarmos aos factos indiciados acima transcritos dos mesmos resulta que de facto quem exibiu os documentos de identificação profissional – o crachá e o livre trânsito atribuídos aos arguidos, enquanto inspectores da Polícia Judiciária – foi o arguido BB.
No entanto, e quanto ao recorrente, temos que ter em consideração a globalidade da sua actuação, contextualizando-a com a sequência cronológica dos factos indiciados acima transcritos, o que permite concluir que o recorrente ao agir, fê-lo invocando (ao menos implicitamente) a sua qualidade de inspector da Polícia Judiciária, o que foi assim entendido pelos destinatários da sua conduta e não foi por ele negado, considerando o modo como actuou.
Senão vejamos.
O episódio aqui em causa narrado na decisão recorrida começa por imputar ao recorrente a seguinte factualidade indiciada – “alegando ter consigo um comprovativo de pagamento do sobredito consumo, CC também se dirigiu para a porta do estabelecimento a fim de, com esse fundamento, solicitar a sua reentrada.”
De seguida, juntou-se-lhe “BB que, ao mesmo tempo que exibia ao arguido AA o seu livre trânsito e crachá, identificava-se a si e ao colega como sendo Inspectores da Polícia Judiciária.”
Perante a recusa por parte do arguido AA de reentrarem no estabelecimento “com o argumento de que já estariam outros colegas no interior do estabelecimento a tratar do mesmo assunto” e, após as várias insistências infrutíferas do arguido BB junto do arguido AA, “que não lhes consentiu a entrada no referido estabelecimento”, o recorrente “forçou a entrada no estabelecimento, no que foi impedido pelo arguido, seguindo-se uma discussão inflamada entre todos” e “nesse contexto, o arguido AA, dirigindo- se a BB e CC, disse-lhes:"Sois uns polícias de merda!" .
Daqui decorre que o recorrente forçou a reentrada no estabelecimento comercial só após o arguido BB os ter identificado como polícias perante o arguido AA e este lhes ter negado, por várias vezes, a reentrada no local, não obstante a sua qualidade profissional, que, aliás, “avaliou” nos moldes acima referidos.
Esta conduta do arguido AA mostra que ele interpretou o comportamento do recorrente e do arguido BB como uma tentativa, por parte de dois membros da Polícia Judiciária, de acederem ao interior do estabelecimento comercial, por tal lhes ser profissionalmente possível, e que estes – embora, de forma explícita, só pela voz de um deles – se apresentaram como tal e invocaram essa sua qualidade para conseguirem tal acesso.
Deste modo, quando o recorrente forçou a reentrada no estabelecimento comercial, fê-lo assumindo a sua qualidade de inspector da Polícia Judiciária, e quis ser assim identificado pelo arguido AA (sendo que este assim o entendeu, pese embora não tenha acedido à vontade do recorrente e do seu colega), de modo a que lhe fosse reconhecido um suposto direito (de aceder ao interior de um estabelecimento comercial) que lhe caberia enquanto membro da Polícia Judiciária. Tal pode, pois, preencher o tipo objectivo do crime de abuso de poder, no sentido de um uso, fora das respectivas condições legais, de poderes que só a agentes da Polícia Judiciária, enquanto tais, pertenceria exercitar.
No que concerne ao tipo subjectivo da infracção criminal em apreço, cremos que actuação indiciada do recorrente poderá consubstanciar a intenção de obtenção de uma vantagem (que, nas circunstâncias do caso, não pode deixar de considerar-se ilegítima).
Como referimos supra, o benefício ilegítimo, em concreto, poderá assumir natureza patrimonial ou não patrimonial, podendo o agente até ter actuado com fins caritativos ou altruístas.
No caso vertente, o recorrente levou a cabo a sua conduta indiciada com o objectivo de reentrar num local, cujo acesso lhe estava vedado (sendo por isso a sua entrada indevida) e cuja vantagem se pode traduzir na entrada no dito local, sem o cumprimento das condições que normalmente lhe seriam impostas (ou seja, a entrada teria como contrapartida a entrega de um cartão para o respectivo consumo). O recorrente, ao agir como agiu, fê-lo claramente com a específica intenção de reentrar no estabelecimento, sem que tivesse que efectuar qualquer consumo no seu interior (conforme admitido por ele próprio recorrente), tentando impor a sua vontade ao arguido AA e, dessa forma, alcançar os seus objectivos.
Acresce que não podemos confundir a finalidade da reentrada no dito estabelecimento – tratar do assunto da colega que ficara retida no interior por ter extraviado o seu cartão de consumo – com a vantagem objectiva (e ilegítima) perseguida pelo recorrente, já que a reentrada nos moldes pretendidos pelo recorrente sempre consubstanciaria numa vantagem ilegítima independentemente dessa mesma finalidade, nos termos sobreditos. Dito de outro modo, a qualidade da vantagem não é necessariamente determinada pela finalidade pela qual essa mesma vantagem é perseguida, se o exercício dos poderes que ao funcionário estão conferidos não lhe permitem usufruir dela.
Em suma: podemos concluir que se mostram indiciados – e, nesta fase dos autos, é só isso que se exige que apreciemos – os pressupostos típicos objectivos e subjectivos do crime de abuso de poder a que alude o artigo 382º do CP, não merecendo, nesta parte, qualquer censura a decisão instrutória.
Improcede o presente recurso neste segmento.


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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso do arguido CC e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS (artigo 513º, nº 1, do CPP e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III).









Porto, 22.05.2024
Maria do Rosário Martins (Relatora)
Pedro Menezes (1º Adjunto)
Maria Luísa Arantes (2ª Adjunta)