Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4421/22.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL PEIXOTO PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
TRANSITÁRIO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP202501234421/22.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Ainda quando a Ré, sendo transitária, responda perante o seu cliente pelas obrigações contraídas por terceiros com quem haja contratado, nos termos do art. 15.º do DL 255/99, aplicável já o disposto no normativo seguinte que estipula a prescrição dessa obrigação no prazo de 10 meses contados desde a conclusão da prestação do serviço, não se vislumbrando fundamento legal, sequer lógico, para a extensão do prazo prescricional ao prazo de caducidade dos direitos contra o transportador.
II - Assim é que, ao estabelecer para o transitário um regime de responsabilidade que o leva a responder como responderia o transportador, qualquer que tenha sido o objeto do contrato que ele celebrou com o expedidor, a lei procurou obviar as dificuldades que se levantam no momento de determinar qual foi a obrigação assumida pelo transitário, se própria de um mandato, atuando como transitário-comissário se aquela de um verdadeiro transportador, atuando como transitário-transportador; e, assim, acabou por se reforçar a proteção concedida ao carregador perante o emaranhado de intervenientes que envolvem a realidade do transporte.
III - Esta vertente da responsabilidade do transitário explica o estabelecimento de um prazo prescricional incaracterístico (porque – ao que se sabe – sem paralelo) e curto (inferior a um ano) por parte do art.º 16.º do DL n.º 255/99.
IV - A reduzida dilação do prazo prescricional destina-se a compensar a onerosidade que representa sempre a instituição de uma responsabilidade dele credere que não foi convencionada entre as partes, antes surge imposta pela lei.
V - É que outrossim apenas uma dilação inferior a um ano permite ao transitário fazer valer o seu direito de regresso contra o transportador efectivo, pois, caso o interessado na carga exerça o seu direito de indemnização perto do termo do prazo fixado no art.º 16.º do DL n.º 255/99, o transitário ainda disporá de 2 meses para acautelar a sua pretensão ressarcitória.
VI - Pressupondo a interrupção da prescrição a existência de acto que, directa ou indirectamente, dê minimamente a conhecer ao devedor a intenção do credor exercer a sua pretensão, em situações de falta de citação, mostra-se inaplicável o disposto no nº 3, do art.º 323º, do CC, sendo que a realização de “citação” em pessoa distinta da que é demandada equivale a falta de citação.
VII - Ainda quando, por estar em causa uma situação anómala de citação por erro da secção de quem não era parte na acção, se admitisse o relevo do mesmo acto processual, uma vez que a comunicação sempre o foi da intenção da A exercer um direito contra outra pessoa jurídica, não pode ter-se a prescrição por interrompida com base do disposto no nº 4 do art. 323º do CC convocado, não se tendo por caracterizada a ocorrência nos autos de um outro acto pelo qual se dá a conhecer ao devedor mesmo que é intenção do credor de exercer contra si o direito.

(Da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4421/22.0T8PRT. P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível da Maia - Juiz 1

Relatora: Isabel Peixoto Pereira

1º Adjunto: António Carneiro da Silva

2º Adjunto: Ana Luísa Loureiro


*


Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

A 7 de março de 2022, a Recorrente intentou ação declarativa sob a forma de processo comum contra A..., S.A., tendo sido citada para os termos da acção a Recorrida B... SA.

A secretaria citou oficiosamente a demandada inicial, a 06.04.2022, tendo dado nota à citada inicialmente de que a citação o havia sido por lapso, o que fez aos 19.04.2022, comunicando a sua ineficiência.

No dia 31 de maio de 2022, após a apresentação nos autos da contestação pela demandada, na qual alegava a sua ilegitimidade, a aqui Recorrente requereu a citação urgente da ora Recorrida, o que veio a ser indeferido pelo Tribunal, a 6 de junho de 2022, porque a Recorrida não figurava como parte na acção.

Do mesmo não foi interposto recurso.

Já em sede de resposta às excepções convocadas na contestação veio, a 15 de junho de 2022, alegar a Autora que a demanda da A..., S.A., havia sido motivada por manifesto lapso, requerendo a sua rectificação, com a consequente substituição da Ré passando a aqui Recorrida a assumir tais vestes. Nesse requerimento, a Recorrente defendeu desde logo que a aqui Recorrida tomou conhecimento dos presentes autos e, consequentemente, da pretensão da Recorrente, não obstante tal ter ocorrido por via de lapso da secretaria. Como tal, ocorreu, nesse momento, a interrupção de eventuais prazos de caducidade ou prescrição a que o direito da Recorrente estivesse sujeito.

Sucede que, após remessa dos autos ao Tribunal a quo, por via da procedência de excepção de incompetência territorial do Juízo Local Cível do Porto, aquele Tribunal ordenou que se procedesse a nova citação da Recorrida, uma vez que a primeira citação havia sido dada sem efeito, na medida do concomitante deferimento da requerida rectificação da petição inicial quanto à identificação da Ré devendo ler-se B..., S.A onde se lê A..., S.A.

Deste despacho, proferido a 15.07.2022, não foi interposto recurso.

A mesma foi levada a cabo, em 09.11.2022, conforme resulta da referência citius sob 33960690.

A Ré, B..., S.A., invocou, ao abrigo do disposto no artigo 16º, do Decreto-lei nº 255/99, a prescrição do direito da Autora porquanto entre a data de entrega da mercadoria e a citação da Ré decorreram 1 ano e 3 meses.

Pronunciou-se a Autora pugnando pela improcedência da excepção porquanto a Ré foi citada para os termos da acção em 10 de Março de 2022. Assim, tendo a entrega da mercadoria ocorrido em 12.08.2021 e a citação ocorrido em 10.03.2022, entre os referidos momentos não decorreu o prazo de 10 meses previsto no citado diploma. Com efeito, defende a Autora que a anulação da primeira citação da Ré, ordenada por despacho com referência 437452084, não possui a virtualidade de impedir o efeito interruptivo previsto no n.º 1, do artigo 323.º, do Código Civil e, caso assim se não entenda, sempre a mesma interrompeu o prazo nos termos do n.º 4, do artigo 323.º, do Código Civil. Acrescenta que nos presentes autos não se discutem, apenas, os danos e perdas da mercadoria transportada pela Ré, mas também o prejuízo causado pelo incumprimento contratual cujo prazo de prescrição é de 20 anos, consagrado no artigo 309.º, do Código Civil.

Admitida a intervenção de C... GMBH também esta invocou a prescrição do direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário, nos termos do artigo 15º, nº 1, do Decreto-lei n.º 255/99, de 7 de Julho, porquanto tendo a mercadoria sido entregue em 12.08.2021 e a Ré citada em 9.11.2022, decorreram mais de doze meses entre as referidas datas.

Pronunciou-se a Autora reiterando a posição assumida quanto à contestação da Ré.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido saneador-sentença, o qual julgou procedente a excepção peremptória de prescrição do crédito invocado e, em consequência, nos termos do artigo 576º, nº 3, do Código de Processo Civil, absolveu a Ré do pedido.

Ali se entendeu que:

«Conforme resulta do (…) artigo 15.º n.º 1, do Decreto-Lei nº 255/99 de 7 de Julho, a Ré, enquanto empresa transitária, responde perante a Autora, sua cliente não só pelo incumprimento das suas obrigações enquanto tal, mas também pelas obrigações contraídas pelo terceiro com quem outorgou o contrato de transporte, sem prejuízo do direito de regresso sobre ele. À responsabilidade emergente dos contratos celebrados no âmbito deste diploma aplicam-se os limites estabelecidos, por lei ou convenção, para o transportador a quem seja confiada a execução material do transporte, salvo se outro limite for convencionado pelas partes. Assim, são aplicáveis as regras previstas na Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimentos, assinada em Bruxelas a 25 de agosto de 1924, designada por Convenção de Bruxelas, aprovada pelo Decreto nº 19857, de 18 de Maio de 1931, publicado do Diário da República, 1ª Série, nº 128, de 2 de junho de 1932, sem prejuízo da responsabilidade extra contratual que possa resultar da sua actuação. Assim, sendo invocada a responsabilidade contratual e extra contratual da Ré pelo incumprimento dos serviços a que se obrigou enquanto transitária, incluindo a sua responsabilização pelo incumprimento do serviço de transporte o prazo de prescrição de 10 meses previsto no artigo 16º, do Decreto Lei 255/99, deve ser entendido como sendo de um ano porquanto não faz sentido um prazo de prescrição inferior ao prazo de caducidade.

Ora, conforme resulta do artigo 323º, nº 1, do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa o indirectamente, a intenção de exercer o direito. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por qualquer causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decoram cinco dias.

No caso dos autos, a acção foi intentada contra A..., S.A. citada em 8.04.2022.

A Ré foi citada, indevidamente, em 14.03.2022 tendo a Autora requerido que a citação produzisse efeitos e considerada urgente. Tal pretensão foi indeferida por despacho de 6.06.2022, nos termos do qual “A referida “B..., S.A.”, com NIPC ...49, não é parte nestes autos (e, nessa medida, foi dado sem efeito o expediente da sua citação, o qual foi enviado por lapso). A R. na presente acção é, isso sim, “A..., SA”, com NIPC ...08. Pelo exposto, não sendo a referida “B..., S.A.” parte na presente acção (designadamente, no lado passivo), não se justifica, por ora, a sua citação. Indefiro, assim, a requerida citação de “B..., S.A.”.”.

Na sequência de tal despacho veio a Autora, em 15.06.2022, invocar um lapso na identificação da Ré e requerer que se considere a Ré como parte na acção o que foi deferido por despacho de 3.11.2022. Não obstante, foi indeferida a pretensão da Autora de se considerar a citação da Ré em 14.03.2022 e como tal foi ordenada a sua citação que ocorreu a 9.11.2022.

Ora, à data da citação da Ré o prazo de um ano já havia decorrido. Note-se que a primeira citação efectuada foi dada sem efeito porquanto a Ré não era parte na acção e só veio a ser admitida como tal por despacho de 3.11.2022. Tal circunstancialismo só pode ser imputado á Autora e ao lapso na identificação da Ré.

Resulta do exposto que a Ré foi citada em 9.11.2022 e nenhum acto anterior pode ser equiparado à citação mormente para efeito de se considerar a prescrição interrompida.

Note-se, ademais, que a falta de citação nos cinco dias posteriores ao requerimento de 15.06.2022 também à Ré é imputável porquanto a acção foi intentada perante tribunal territorialmente incompetente conforme despacho de 21.09.2022 tendo os autos sido remetidos a este juízo local em 20.10.2022, quando o prazo de prescrição já havia decorrido.

Resta acrescentar que o prazo de prescrição de um ano porque é um prazo especial afasta o prazo ordinário de prescrição de vinte anos previsto no artigo 309º, do Código Civil.»

É desta decisão que vem interposto o presente recurso, mediante as seguintes conclusões:

A. O presente recurso de apelação incide sobre o despacho saneador-sentença proferido pelo Juízo Local Cível da Maia, o qual julgou procedente a exceção perentória de prescrição do crédito da aqui Recorrente, deduzida pela aqui Recorrida.

B. Impõe-se, para melhor compreensão do fundamento da presente apelação, expor e analisar cronologicamente os atos praticados na fase inicial dos presentes autos.

C. A 7 de março de 2022, a Recorrente intentou ação declarativa sob a forma de processo comum, por lapso, contra a A..., S.A..

D. A razão que conduziu a que a Recorrente cometesse tal lapso reside no facto de a A..., S.A. e a aqui Recorrida partilharem elementos de identificação muito semelhantes e que fomentam a sua confundibilidade.

E. Com efeito, além das designações sociais de ambas serem muito semelhantes, estas duas sociedades partilham a mesma sede social, dois dos três membros do Conselho de Administração de ambas são as mesmas pessoas e o beneficiário efetivo que detém 99% do capital social de ambas e é Presidente do Conselho de Administração de ambas é a mesma pessoa.

F. No dia 10 de março de 2022, a secretaria do Tribunal onde foi intentada a ação expediu uma citação para a aqui Recorrida, tendo a mesma sido citada no dia 14 de março de 2022.

G. Já no dia 6 de abril de 2022, a referida secretaria procedeu ao envio de outra citação, desta feita para a A..., S.A.

H. Apenas no dia 19 de abril de 2022, foi remetida para a Recorrida uma notificação para que a mesma desse sem efeito a citação efetuada anteriormente, atento o lapso que a motivou.

I. No dia 31 de maio de 2022, a Recorrente requereu que a citação da Recorrida, consumada a 14 de março de 2022, produzisse efeitos e fosse considerada urgente – o que veio a ser indeferido com fundamento no facto de a Recorrida não figurar como Parte na ação.

J. Nessa sequência e perante tal decisão, a Recorrente procurou explicar, por via de requerimento apresentado a 15 de junho de 2022, que a demanda da A..., S.A. havia sido motivada por manifesto lapso, requerendo a sua retificação e consequente substituição da Ré – passando a Recorrida a assumir tais vestes.

K. No requerimento que se vem de referir, a Recorrente defendeu aquele que reputa como sendo o entendimento mais sensato e materialmente mais justo, e que serve de fundamento da presente apelação.

L. Em concreto, a Recorrente defendeu que, não obstante em resultado do lapso da secretaria daquele Tribunal, a Recorrida tomou conhecimento dos presentes autos e, consequentemente, da pretensão da Recorrente.

M. Como tal, verificou-se a interrupção de eventuais prazos de caducidade ou prescrição a que o direito da Recorrente estivesse sujeito.

N. Sucede que, após remessa dos autos ao Tribunal a quo, por via da procedência de exceção de incompetência territorial do Juízo Local Cível do Porto – onde a ação havia sido intentada –, aquele Tribunal ordenou a que se procedesse a nova citação da Recorrida, uma vez que a primeira citação tinha sido dada sem efeito.

O. A 9 de novembro de 2022, a Recorrida foi novamente citada, tendo apresentado a sua contestação no dia 6 de janeiro de 2023.

P. Na sua contestação, a Recorrida defendeu-se por exceção, alegando a caducidade do direito de ação da Recorrente, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 6, da Convenção de Bruxelas.

Q. Subsidiariamente, a Recorrida alegou a prescrição do direito da Recorrente, nos termos do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 255/99.

R. Concretamente, a Recorrida defendeu que, considerando que a contagem de tais prazos se iniciou na data de entrega das mercadorias – 12 de agosto de 2022 –, os mesmos esgotaram-se porque a Recorrida apenas foi citada a 9 de novembro de 2022.

S. A Recorrida desconsiderou, por completo, o facto de ter sido citada no dia 14 de março de 2022 e de ter ficado na posse da Petição Inicial durante mais de um mês, até ser notificada para dar sem efeito aquela citação.

T. Surpreendentemente, o Tribunal a quo veio dar razão à Recorrida quanto à alegada prescrição do direito de crédito da Recorrente.

U. Em suma, o Tribunal a quo entendeu que, não obstante o Decreto-Lei n.º 255/99 estabelecer um prazo de prescrição de 10 meses, tal prazo deve ser entendido como sendo de um ano – em conformidade com o prazo consagrado na Convenção de Bruxelas – porquanto “não faz sentido um prazo de prescrição inferior ao prazo de caducidade”, e que “à data da citação da Ré o prazo de um ano já havia decorrido”.

V. A decisão recorrida desconsiderou, também ela, o facto central de toda a controvérsia: a Recorrida foi citada a 14 de março de 2022.

W. O Tribunal a quo desconsiderou, igualmente, o facto de a Recorrida e a A..., S.A. serem praticamente uma só pessoa coletiva, partilhando: i) a sede social; ii) dois dos três membros do Conselho de Administração; iii) beneficiário efetivo que detém 99% do capital social de ambas e é Presidente do Conselho de Administração de ambas; iv) e, soube-se entretanto, o mesmo Ilustre Mandatário.

X. Entende a Recorrente, por isso, que, ao proferir a decisão recorrida, o Tribunal a quo proferiu uma decisão materialmente injusta, que ignora a realidade dos factos para preservar uma formalidade desajustada e que não garante qualquer justiça.

Y. Com efeito, durante mais de um mês, a Recorrida teve oportunidade de analisar a Petição Inicial apresentada pela Recorrente, tomando pleno conhecimento do seu teor.

Z. Ademais, durante tão longo período, a Recorrida não adotou qualquer diligência no sentido de informar o Tribunal de que não figurava como parte nos presentes autos.

AA. É certo que não teria que o fazer mas, considerando as gritantes semelhanças entre a Recorrida e a A..., S.A., incluindo o facto de serem representadas pelo mesmo Ilustre Mandatário, a mais elementar prudência impunha uma postura oposta ao silêncio a que a Recorrida se remeteu.

BB. Uma vez que a decisão de que se recorre julgou improcedente a exceção de caducidade invocada pela Recorrida, a presente apelação apenas se debruça sobre a exceção de prescrição julgada procedente.

CC. Conforme bem decidiu o Tribunal a quo, o prazo de prescrição a que alude oartigo 16.º do Decreto -Lei n.º 255/99, de 7 de julho, convertido num prazo de um ano, iniciou-se a 12 de agosto de 2021 – data em que ocorreu a receção da mercadoria pela Cliente da Recorrente.

DD. Assim, tal prazo esgotar-se-ia no dia 12 de agosto de 2022.

EE. Sucede que, conforme referido, no dia 7 de março de 2022, a Recorrente deu entrada da Petição Inicial e a Recorrida foi citada sete dias depois.

FF. O artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, estabelece que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito.

GG. Por sua vez, o n.º 3 do mesmo preceito postula que a anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.

HH.Da conjugação das duas normas que acabam de se referir, resulta evidente que uma citação, ainda que posteriormente dada sem efeito, interrompe qualquer prazo de prescrição que se encontrasse em curso.

II. Como tal, a notificação remetida pela secretaria do Tribunal a quo à Recorrida no dia 19 de abril de 2022, dando sem efeito a citação consumada no dia 14 de março de 2022, não possui a virtualidade de impedir o efeito interruptivo da prescrição, o qual se consumou nesta última data e se consolidou ao longo de mais de um mês.

JJ. E é compreensível que assim seja, ainda para mais numa situação como a dos autos, em que as duas sociedades em causa se confundem entre si e partilham o mesmo Mandatário.

KK. De facto, durante mais de um mês, a Recorrida esteve na posse da Petição Inicial apresentada pela Recorrente e, consequentemente, plenamente convicta de que teria que a contestar.

LL. Situação distinta seria, por exemplo, se a notificação a dar sem efeito a citação tivesse ocorrido escassos dias após a consumação desta.

MM. Mas mesmo nesse caso, a Recorrida sempre teria tomado conhecimento da intenção da Recorrente de exercer o seu direito de agir judicialmente contra aquela.

NN. Admite-se, no entanto, que se o lapso temporal entre a consumação da citação e a notificação a considerá-la sem efeito fosse muito curto, a Recorrida não teria oportunidade de se inteirar cabalmente do teor da Petição Inicial.

OO. Porém, tal não sucedeu e a Recorrida, bem como o seu Ilustre Mandatário, estiveram na posse da Petição Inicial por mais de um mês.

PP. Aliás, não fossem as férias judiciais que decorreram entre os dias 10 e 18 de abril de 2022, a Recorrida teria que ter apresentado a sua Contestação antes sequer de ser expedida a notificação a dar sem efeito a citação consumada no dia 14 de março de 2022.

QQ. Tendo a Recorrida tomado pleno conhecimento da intenção da Recorrente de exercer o seu direito, o prazo de prescrição interrompeu-se na data da consumação da citação, sendo irrelevante a posterior decisão de dar a mesma sem efeito.

RR. Ainda que assim não se entenda – o que apenas por mera cautela de patrocínio se concebe, sem conceder – sempre se refira que, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 323.º do Código Civil, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido é suscetível de interromper o prazo prescricional.

SS. Como tal, mesmo considerando um eventual entendimento de que a primeira citação da Recorrida, por ter sido dada sem efeito, não consubstancia uma citação plena dotada do poder que lhe é conferido pelo artigo 323.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil, a verdade é que, ao abrigo do n.º 4 da mesma norma, sempre lhe seria atribuída tal virtualidade.

TT. Conclui-se, por isso, que sendo citada a Recorrida e sendo esta quem a Recorrente efetivamente quis demandar – o que é inequívoco, bastando, para comprovar tal facto, ler a Petição Inicial – não se verifica qualquer nulidade.

UU. Pelo exposto, e com o devido respeito, assume-se evidente que o Tribunal a quo errou na aplicação do Direito quando julgou procedente a exceção perentória de prescrição invocada pela Recorrida.

VV. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 323.º, n.ºs 1, 3 e 4, do Código Civil, porquanto considerou não ter operado a interrupção da prescrição num caso em que, conforme se demonstrou, é inequívoco que a Recorrida foi citada e tomou conhecimento da intenção de a Recorrente exercer o seu direito de ação.

WW. Com efeito, mesmo que não se considere ter existido uma citação plena – o que não se concede mas se concebe por mera cautela de patrocínio –, a verdade é que o ato através do qual a Recorrida tomou conhecimento da existência dos presentes autos é suficiente para que esta tivesse ficado ciente da intenção da Recorrente, integrando-se, por isso, no campo de aplicação do n.º 4 do artigo 323.º do Código Civil.

XX. Devendo, por isso, tal decisão ser revogada e substituída por outra que decida pela improcedência da referida exceção.

Termina pedindo seja a Sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a exceção perentória de prescrição invocada pela Recorrida, prosseguindo os autos os seus ulteriores desenvolvimentos.

Respondeu a Recorrida, pugnando pela improcedência do Recurso, louvando-se, em síntese, na seguinte argumentação:

- Há um dever de cuidado na propositura de acções judiciais, devendo o autor tomar a essencial atenção de identificar correctamente a pessoa ou entidade contra quem propõe a acção;

-Ora, a recorrida apenas foi citada a 9 de Novembro de 2022, donde só a partir dessa data se podem contar os efeitos interruptivos da prescrição.

Sempre a argumentação da recorrente e a persistência na invocação de factos falsos é intencional e efectuada de forma, não apenas ostensiva, mas censurável, pelo que existe má-fé processual. Peticiona a condenação da Recorrente como litigante de má fé em multa e indemnização, fixadas ex aequo et bono pelo tribunal.

Foi ouvida a Recorrente quanto a esta pretensão, pronunciando-se pela sua improcedência, nos termos que dos autos resultam.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).

Assim, o presente recurso tem por objecto as seguintes questões:

- a do efeito interruptivo da prescrição da “citação” indevidamente realizada em 06.04.2022 e a

- da litigância de má fé pela Recorrente.

Assim é que, quanto à questão primeira suscitada, a da data da citação da Recorrida para os termos da acção, enquanto facto interruptivo da prescrição do direito exercido pela Autora, como tal, i.é., como citação para os termos da acção, afastada a possibilidade do conhecimento do objecto do recurso, nessa parte, por via do caso julgado formal constituído sobre/quanto ao despacho de 15 de Julho de 2022, nestes autos, acima caracterizado.

Como é sabido, o caso julgado consubstancia-se “na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário”, tornando indiscutível o conteúdo da decisão[1].

O caso julgado aporta à decisão um segundo nível estabilidade (de continuidade na emissão dos seus efeitos jurídicos) – constitui uma técnica de estabilização dos resultados do processo, que se integra numa linha gradual de estabilização: do esgotamento do poder jurisdicional (art. 613º do CPC), enquanto regra de proibição do livre arbítrio, resulta um primeiro nível de estabilidade da decisão judicial, ainda que interna ou restrita, relativa ao próprio autor da decisão; o trânsito em julgado permite à decisão alcançar um segundo nível de estabilidade alargada, vinculando o tribunal e as partes, dentro do processo (caso julgado formal - art. 602º do CPC), ou mesmo fora dele, perante outros tribunais (caso julgado material - art. 619º do CPC)[2].

O “caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjectivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo”[3]; têm valor intraprocessual, vinculativo no próprio processo em que a decisão é proferida[4].

Adquirindo, em regra, valor de caso julgado formal[5], as decisões de forma (art. 620º do CPC), que incidem sobre aspectos processuais (que, em qualquer momento do processo, apreciam e decidem questões que não sejam de mérito[6]), são vinculativas no processo, produzindo efeitos processuais: enquanto efeito negativo, resulta da decisão transitada a insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que a proferiu, se voltar a pronunciar sobre ela; como efeito positivo, resulta da decisão transitada a vinculação do tribunal que a proferiu (e de outros) ao que nela foi definido ou estabelecido[7].

Assim que qualquer despacho proferido sobre questão processual (por exemplo, que decida de uma arguida nulidade ou sobre qualquer meio de prova, assim como sobre a suspensão da instância – no fundo, todos os despachos que decidam questão que não seja de mérito), uma vez transitado em julgado, adquire valor de imutabilidade, sendo no processo inadmissível (e por isso ineficaz – art. 625º, nº 2 do CPC) decisão posterior sobre a mesma questão que dele tenha sido objecto[8] – não sendo respeitados os efeitos processuais resultantes de decisão transitada em julgado, ocorrerá situação de contraditoriedade, a solucionar de acordo com a regra prescrita no art. 625º do CPC, valendo aquela que primeiro transitou em julgado (princípio da prioridade do trânsito em julgado que vale também para as decisões de natureza adjectiva proferidas no processo, como resulta do nº 2 do art. 625º do CPC).

O caso julgado formal duma decisão obsta a que no processo seja tomada (pelo tribunal que a proferiu ou por qualquer outro) nova decisão (seja renovando, seja modificando a anterior) – e, assim que uma ‘pretensão já decidida, em contexto meramente processual’, e não recorrida, seja objecto de repetida decisão (se tal acontecer, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão)[9].

Apurar se uma pretensão – ao nível da relação meramente processual (alheia ao estrito mérito da causa) – constitui a renovação, alteração ou repetição (esse o pressuposto nuclear do instituto) duma anteriormente decidida, remete-nos para o âmbito objectivo do caso julgado, isto é, para a determinação do seu objecto, para a “determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal”[10] na decisão transitada – os efeitos processuais do trânsito em julgado, aportando valor de imutabilidade ao decidido, circunscrevem-se a esse apreciado e decidido objecto (a proibição de reapreciação e a vinculação ao apreciado reportam-se à questão já decidida, protegendo a continuidade na emissão dos seus efeitos jurídicos).

Tais limites objectivos respeitam, no caso julgado formal, à questão processual concretamente apreciada e decidida (veja-se o art. 595º, nº 3 do CPC).

Na situação trazida em apelação constata-se que a decisão recorrida (saneador-sentença) conheceu, apreciou e decidiu da prescrição do direito exercido pela Autora, no pressuposto de que o único acto interruptivo desta a atender vinha a sê-lo a citação para os termos da acção na sequência do ordenado por despacho de 15.07.2022.

Independentemente da questão de não estarem em causa (nos despachos de 06.06 e 15.07) decisões susceptíveis de recurso autónomo, nos termos do art. 644ºdo CPC, é ademais certo que no recurso apreciando, delas não foi apresentado/interposto directo e oportuno recurso, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do referido artigo 644º…

E se é manifesto quanto ao despacho de 05 de Junho, na medida em que referindo-se a um pedido de citação urgente da ora Recorrida, que não está agora em causa questão ali decidida, indiscutível que a determinação da citação da ora Recorrida para os termos desta acção, conforme despacho de 15.06, repete-se, não objecto de recurso, perante os termos do requerimento de interposição e alegações, se tem de haver como decidindo definitivamente a questão da ineficiência/ineficácia/imprestabilidade da citação anterior da Recorrida, como citação mesma.

Identidade objectiva da questão apreciada em ambos os despachos a que não obsta a circunstância do despacho determinativo de “nova” citação não ter, expressamente, discorrido sobre o, no caso, não efeito interruptivo da prescrição implicado pela citação ineficiente primeira.

Tendo-se por seguro que a solução consagrada no art. 595º, nº 3 do CPC é de aplicação genérica, e assim que o caso julgado formal apenas se forma relativamente a questões que tenham sido concretamente apreciadas e nos limites dessa apreciação (não valendo os julgamentos meramente genéricos ou tabelares)[11], tem de reconhecer-se que, na situação dos autos, a questão (saber se a citação por erro da secção da Recorrida se podia haver como citação “antecipada” desta, admitida subsequentemente a rectificação do lapso na identificação da parte, donde a alteração da identificação errada da parte ) foi concretamente conhecida e apreciada no despacho não objecto de impugnação de 15.07.2022, que determinou da citação da ora Recorrida, por não o estar ainda…

À delimitação do objecto processual apreciado é alheia a argumentação aduzida pelas partes e/ou considerada pelo tribunal – a argumentação jurídica aduzida em sustento da decisão sobre determinado aspecto processual da causa não integra a definição da questão processual objecto de apreciação (da questão concretamente conhecida e apreciada).

Sempre, contudo, a questão processual suscitada em ambas as decisões (a de 15 de Julho e o saneador-sentença) vem a ser a mesma, a do valor ou eficiência da citação de 14.03.2022, a qual foi havida como ineficaz, porquanto dada sem efeito, na medida em que devendo-se a lapso da secretaria/secção.

Constata-se, pois, que nessa parte (a relativa ao valor ou eficiência da citação errónea de quem não era parte para os termos da acção) o recurso renova questão que já foi definitivamente decidida, obstando o caso julgado da decisão de 15.07 à repetição da sua apreciação e conhecimento – caso julgado formal que este tribunal tem que respeitar. Caso julgado formal cujos efeitos processuais se mantinham (e mantêm), pois a situação que determinou a prolação de tal despacho permanece inalterada.

Conclui-se, assim que a decisão de 15.07.2022, transitada em julgado, vinculando o tribunal (tanto o tribunal a quo como qualquer outro, designadamente esta Relação) e as partes, dentro do processo, produz quanto à questão (a da ineficácia ou imprestabilidade da citação de 14.03.2022 como citação da Ré para os ternos da acção) os efeitos processuais do caso julgado: quer a insusceptibilidade do tribunal (qualquer tribunal) se voltar a pronunciar sobre ela (efeito negativo) quer a vinculação do tribunal (tribunal que a proferiu ou outros) ao que nela foi definido (efeito positivo).

Do exposto resulta, sem mais, a improcedência da apelação, quanto à desconsideração na decisão recorrida daquela citação de 14.03.2022, como citação da Ré para os termos desta acção, como momento processual, assim, de interrupção da prescrição pela citação para a causa mesma, porquanto essa questão suscitada e apreciada na decisão recorrida mostrava-se já decidida nos autos com força de caso julgado, pelo despacho, não objecto de recurso, que decidiu da citação (ulterior) necessária da Ré.

Em resumo: adquirindo, em regra, valor de caso julgado formal, as decisões de forma (art. 620º do CPC), que incidem sobre aspectos processuais (que, em qualquer momento do processo, apreciam e decidem questões que não sejam de mérito), são vinculativas no processo, adquirindo valor de imutabilidade, sendo no processo inadmissível (e por isso ineficaz – art. 625º, n.º 2 do CPC) decisão posterior sobre a mesma questão. Donde, o caso julgado formal duma decisão obsta a que no processo seja tomada (pelo tribunal que a proferiu ou por qualquer outro) nova decisão (seja renovando, seja modificando a anterior). Sempre os efeitos processuais do trânsito em julgado, aportando valor de imutabilidade ao decidido, circunscrevem-se a esse apreciado e decidido objecto (a proibição de reapreciação e a vinculação ao apreciado reportam-se à questão já decidida, protegendo a continuidade na emissão dos seus efeitos jurídicos) – os limites objectivos respeitam, no caso julgado formal, à questão processual concretamente (art. 595º, nº 3 do CPC) apreciada e decidida. A decisão que determina/decide da citação nos autos de uma parte, no pressuposto da ineficácia de um acto anterior de citação, por erro, impede, pela operância do caso julgado formal, que se tenha a citação anterior ou prévia, havida por ineficaz, como relevante como e enquanto citação para os termos dos autos[12].

Donde, como se adiantou, apenas possível conhecer nesta sede se aquele acto de 14.03.2022 se pode haver como interruptivo da prescrição, ainda quando, como é mister e vem de expor-se, não se constitua como acto de citação para os termos destes autos (como afirmado na decisão recorrida).

Previamente e quanto ao prazo prescricional mesmo, não sendo objecto de discussão a configuração e qualificação do direito exercido pela A.:

Conforme resulta do artigo 15.º n.º 1, do Decreto-Lei nº 255/99 de 7 de Julho, a Ré, enquanto empresa transitária, responde perante a Autora, sua cliente não só pelo incumprimento das suas obrigações enquanto tal, mas também pelas obrigações contraídas pelo terceiro com quem outorgou o contrato de transporte, sem prejuízo do direito de regresso sobre ele. À responsabilidade emergente dos contratos celebrados no âmbito deste diploma aplicam-se os limites estabelecidos, por lei ou convenção, para o transportador a quem seja confiada a execução material do transporte, salvo se outro limite for convencionado pelas partes. Assim, são aplicáveis as regras previstas na Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimentos, assinada em Bruxelas a 25 de agosto de 1924, designada por Convenção de Bruxelas, aprovada pelo Decreto nº 19857, de 18 de Maio de 1931, publicado do Diário da República, 1ª Série, nº 128, de 2 de junho de 1932, sem prejuízo da responsabilidade extra contratual que possa resultar da sua actuação.

Na decisão recorrida decidiu-se que: «invocada a responsabilidade contratual e extra contratual da Ré pelo incumprimento dos serviços a que se obrigou enquanto transitária, incluindo a sua responsabilização pelo incumprimento do serviço de transporte o prazo de prescrição de 10 meses previsto no artigo 16º, do Decreto Lei 255/99, deve ser entendido como sendo de um ano porquanto não faz sentido um prazo de prescrição inferior ao prazo de caducidade.»

Não oferece qualquer dúvida que a R. foi contratada pela A. para lhe prestar os seus serviços no âmbito da atividade transitária que exerce, pelo que importa ter em conta em primeiro lugar o regime legal aplicável a esta atividade.

É o Decreto Lei 255/99 de 7 de julho vem regular o acesso e o exercício da atividade transitária, cujo âmbito é definido no seu art.º 1.º nos seguintes termos:

“1- O presente diploma aplica-se ao acesso e exercício da actividade transitária.

2- A actividade transitária consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos seguintes domínios de intervenção:

a)- Gestão dos fluxos de bens ou mercadorias;

b)- Mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respectivos contratos de transporte;

c)- Execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento de transporte unimodal ou multimodal.”

Desta previsão resulta que os serviços que podem ser contratados ao transitário no âmbito da sua atividade são múltiplos, correspondendo à prática de diversos serviços diretamente relacionados com o transporte de mercadorias, podendo integrar a celebração de contratos de transporte em nome e representação do cliente, como previsto na al. b) deste artigo. O transitário, por força do contrato de prestação de serviços que celebra com o expedidor, que assume a modalidade de um contrato de mandato, age como um intermediário entre o expedidor e o transportador.

O transporte das mercadorias visado tanto pode ser realizado diretamente pelo transitário, que nessa medida age também como transportador, como por terceiro por ele contratado para o efeito.

Ao transporte marítimo de mercadorias é aplicável a Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimentos, assinada em Bruxelas a 25 de Agosto de 1924, designada por Convenção de Bruxelas, aprovada pelo Decreto nº 19857, de 18 de Maio de 1931, publicado do Diário da República, 1ª Série, nº 128, de 2 de junho de 1932.

Nos termos do artigo 3º, nº 6, deste diploma, “Em todos os casos o armador e o navio ficarão libertos de toda a responsabilidade por perdas ou danos, não sendo instaurada a respectiva acção no prazo de um ano a contar de entrega das mercadorias ou da data em que estas deveriam ser entregues”.

No caso dos autos, a mercadoria foi recepcionada pelo cliente da Autora no dia 12 de Agosto de 2021 (artigo 53º da petição inicial).

Pela sua clareza na distinção do contrato de prestação de serviços integrado na atividade do transitária, do contrato de transporte[13], citamos aqui o Acórdão do TRL de 17/05/2001 no proc. 0130568 in www.dgsi.pt: “(…) a actividade típica da empresa transitária é a prestação de um serviço, o de «arquitectar» o transporte, assumindo o transitário a obrigação de concluir os actos jurídicos que assegurem a deslocação das mercadorias, a efectuar por terceiros, ou seja, o dever de contratar o transporte em nome do expedidor. [Citado acórdão do STJ de 17.11.94]. Em sentido estrito, o contrato de expedição é um mandato, pelo qual o transitário se obriga a celebrar um contrato de transporte por conta do expedidor-mandante. Em sentido amplo, estamos perante um contrato de prestação de serviços que poderá abranger a prática de operações materiais, ou de actos jurídicos ligados a um contrato de transporte. Pode assim definir-se o contrato de «comissão de transporte», também denominado expedição ou trânsito, como o contrato pelo qual uma das partes (transitário) se obriga perante a outra (expedidor) a prestar-lhe certos serviços – que tanto podem ser actos materiais ou jurídicos – ligados a um contrato de transporte, e também a celebrar um ou mais contratos de transporte em nome e representação do cliente. [Costeira da Rocha, obra citada, pág. 80]. Apesar da actividade multiforme desenvolvida actualmente pelos transitários, o contrato de expedição ou comissão de transporte e o contrato de transporte são realidades jurídicas distintas. O transitário, em rigor, celebra com o expedidor um contrato de prestação de serviços, na modalidade de contrato de mandato, funcionando como intermediário entre o expedidor e o transportador. Assim, em princípio, o transitário não é o «transportador». Contudo, começou a ser frequente os transitários agirem como transportadores, acordando com os expedidores serem eles ou alguém a seu mando a executar o transporte, surgindo assim, a figura do denominado transitário-transportador. Importa referir que se o transitário celebrar com o expedidor um contrato de transporte, sem que se interponha um contrato de mandato, o transitário vincular-se-á apenas como transportador.”

Como é sabido, a razão de ser da prescrição pode ser encontrada nos princípios de certeza e segurança jurídica que norteiam o nosso ordenamento jurídico. Tal como nos diz o Acórdão do STJ de 15/02/2017 no proc. 540/12.9TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt: “A prescrição, tal como a caducidade e o não uso, exprimem a relevância do tempo (do seu decurso sobre as relações jurídicas), visando a certeza e a segurança do tráfego jurídico, tendo como fundamento a consideração de que não merece a protecção do ordenamento jurídico quem descura o exercício dos direitos que lhes assistem, porque a paz social não se compadece com a inércia, para lá de limites temporais impostos pelo legislador.”

Resulta dos factos alegados e reciprocamente aceites que as partes celebraram entre si um contrato mediante o qual a Ré, licenciada como agente transitário, se obrigou a prestar à Autora “serviços de natureza logística relativos à circulação de coisas ou mercadorias, incluindo a celebração, em nome próprio e por conta da outra parte, de contratos de transporte” (José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Coimbra, 2009, pág.731); ou seja, a prestar-lhe serviços de actividade transitária – artigo 1º do Decreto-Lei nº 255/99.

É igualmente seguro que os danos invocados pela A. para fundamentar o pedido de indemnização se baseiam no incumprimento ou, dizendo melhor, no cumprimento defeituoso do serviço de transporte, directamente realizado pela interveniente, e não pela ré. A Ré responde, nos termos do disposto no artigo 15º, nº 1, do Decreto-Lei nº 255/9, “pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito de regresso”, valendo eventuais limites de responsabilidade que se apliquem ao transportador material (nº 2).

Na situação em presença, como se viu, a R. contratou com a A. na sua qualidade de transitária e não de transportadora, tendo depois, ao abrigo de tal contrato, celebrado com empresa transportadora terceira o contrato de transporte internacional da mercadoria do A.

Já se adiantou que, de acordo com o disposto no art.º 15.º n.º 1 da Lei que regula a actividade transitária, a R. enquanto empresa transitária responde perante a A., sua cliente não só pelo incumprimento das suas obrigações enquanto tal, mas também pelas obrigações contraídas pelo terceiro com quem outorgou o contrato de transporte, sem prejuízo do direito de regresso sobre ele.

Como refere a este propósito o Acórdão do STJ de 14/01/2014 no proc. 2896/04.TBSTB.L2.S1 in www.dgsi.pt: “Quer dizer que as empresas transitárias respondem perante os clientes que consigo contratam, como se fossem elas próprias as transportadoras que tivessem incorrido em incumprimento, empresas estas por si contratadas para efectuarem o transporte, sem prejuízo do direito de regresso que poderão accionar.”

A responsabilidade do transportador, como se viu, deve ser aferida à luz da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimentos, assinada em Bruxelas a 25 de Agosto de 1924, designada por Convenção de Bruxelas, aprovada pelo Decreto nº 19857, de 18 de Maio de 1931, publicado do Diário da República, 1ª Série, nº 128, de 2 de junho de 1932, que regula o transporte marítimo de mercadorias, uma vez que esta é condição para a responsabilidade do transitário, atento o disposto no art.º 15.º n.º 1 do diploma referido. Neste sentido pronuncia-se também o Acórdão do STJ de 09/07/2014 no proc. 7347/04.5TBMTS.P2.S1 in www.dgsi.pt: “Como o Supremo Tribunal de Justiça repetidamente tem observado, e resulta da forma como o citado artigo 15º faz recair sobre o agente transitário a garantia do pagamento da indemnização que, a final, poderá recair sobre o encarregado de executar o transporte, por via do direito de regresso, há que determinar a responsabilidade deste último para se saber qual a medida da responsabilidade do primeiro. Cumpre assim aplicar as regras do contrato de transporte (neste sentido, cfr. por exemplo os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 2003, proc. nº 03B4302, ou de 18 de Dezembro de 2008, proc. nº 08B3832, ambos disponíveis em www.dgsi.pt ou António Menezes Cordeiro, Introdução ao Direito dos Transportes, ROA, vol. I, Janeiro 2008, em http://www.oa.pt .”

Donde aquela Convenção de Bruxelas relativa ao TMM, destinando-se à regulação do contrato de transporte internacional de mercadorias por mar, não se aplica directamente ao transitário, mas a ela importa recorrer por remissão, quando este tenha contratado o transporte em nome do expedidor, por força do art.º 15.º do Decreto Lei 255/99 que o responsabiliza quando os danos do expedidor resultam do transporte da mercadoria.

Na situação em presença, estando em causa a responsabilidade da R. enquanto empresa transitária responsável perante a A., nos mesmos termos em que o seria se tivesse sido ela a transportadora, forçosamente caímos no âmbito da aplicação da Convenção CTMM.

Uma vez que a responsabilidade da R. enquanto empresa transitária responsável perante a A., se afere nos mesmos termos da responsabilidade da transportadora, conforme previsto na Convenção CTMM, tudo se passando como se tivesse sido ela a transportar a mercadoria, sem prejuízo do direito de regresso, a decisão recorrida limita-se a decidir da extensão do prazo prescricional relativo à actividade transitária ao “tempo” da responsabilidade do transportador, por não ser lógico ou compreensível ser inferior ao prazo de caducidade da obrigação do transportador…

Na verdade, não se tratando imediatamente de uma responsabilidade da R. por incumprimento dos serviços a que se obrigou enquanto transitária, mas antes a sua responsabilização pelo incumprimento do serviço de transporte que contratou, nos termos do art.º 15.º do Decreto Lei 255/99, não temos para nós impor-se o alargamento do prazo de prescrição de 10 meses previsto no art.º 16.º daquele diploma, em face do mais extenso prazo especial de caducidade do direito, por estar em causa um direito indemnizatório resultante do transporte da mercadoria[14].

Certo que o prazo a que alude a Convenção é, indiscutivelmente, um prazo de caducidade, pois decorre do art.º 298.º, n.º 2, do CC que "quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição".

O fundamento do instituto da caducidade consiste na necessidade da certeza jurídica, isto é, na exigência de que certos direitos sejam exercidos durante certo prazo a fim de que a situação jurídica fique definida e inalterável. A caducidade é, pois, estabelecida com o fim de dentro de certo prazo se tornar certa, se consolidar, se esclarecer, uma determinada situação jurídica. Ou seja, quando a lei fixa um prazo para o exercício de certo direito, não quer tornar esse direito dependente da observância do prazo, mas apenas fazê-lo extinguir, se o prazo não for observado.

A "caducidade ou preclusão é um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não-exercício prolongado por certo tempo"[15], tendo como fundamento específico, continuando a usar palavras de Manuel de Andrade, “a necessidade de certeza jurídica. Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre, com o transcurso do respectivo prazo"[16]. Ora, a nossa lei seguiu um critério formal[17], pelo que, quando um direito deva ser exercido durante certo prazo, se aplicam as regras da caducidade, salvo se a lei referir expressamente à prescrição (artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil), estando o seu regime previsto nos artigos 328.º e seguintes do Código Civil e sendo distinto do da prescrição, nomeadamente por não comportar causas de suspensão, nem de interrupção (ao contrário da prescrição que se suspende e se interrompe[18]) e tendo um distinto regime de invocação.

A caducidade (ou perempção) é, pois, "a morte dos direitos; é o termo natural da eficácia dos direitos em virtude de ter chegado o seu limite máximo de duração. Nisto se distingue ela da prescrição: enquanto que nesta o que determina a extinção do direito é o seu não uso ou não exercício durante um certo tempo, na perempção é o seu simples chegar ao fim do tempo previamente fixado para o seu exercício, quer este tenha tido lugar quer não.(...) Como escreve Coviello, enquanto que o fim que se tem em vista na prescrição consiste em marcar um tempo aos direitos que, por não terem sido utilizados se supõem abandonados pelo seu titular, o fim que na caducidade ou perempção a lei tem em vista, consiste em fixar previamente, ou deixar que se fixe, um certo período de tempo dentro do qual o direito tem de ser exercido e efectivado a além do qual já o não pode ser", de forma que a caducidade tenha de entender-se como o "fatal «deu a hora», anunciado pela lei à vigência de um direito"[19].

Já a prescrição será, como refere Albano Ribeiro Coelho, "o meio por que, havendo decorrido o tempo fixado na lei e verificando-se as demais condições por esta exigidas, se adquirem direitos pela posse, ou extinguem obrigações por não se exigir o seu cumprimento"[20]: "pela prescrição o devedor adquire o direito de se libertar do cumprimento da obrigação, alegando-a e paralisando consequentemente a acção do credor", conclui Guilherme Moreira[21].

Como dizem Pedro Pais de Vasconcelos-Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, a “sua invocação é feita, na maior parte dos casos, por exceção, como um meio de defesa que o devedor opõe ao exercício do direito pelo credor”, constituindo “um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício”, traduzindo-se “em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita”[22].

O fundamento dominante deste instituto jurídico assenta, seguindo agora Manuel de Andrade, na "negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de protecção jurídica (dormientibus non sucurrit ius)"[23]. A prescrição sanciona, antes de mais, a negligência em fazer valer um direito, lutando contra a inércia de um credor ou do titular de um direito, respondendo a considerações mais individualistas e subjectivas no caso do direito civil, justificando-se mediante a constatação de existe uma probabilidade, baseada na experiência, de que uma pretensão formulada com base num facto constitutivo dado com muita anterioridade nunca tenha ocorrido ou se tenha extinguido. Não obstante, subsistindo a prestação, o titular terá de atribuir o prejuízo da prescrição à sua negligência na salvaguarda do seu direito.

Em causa já a prescrição negativa ou extintiva ("instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei e que varia conforme os casos"[24]), caracterizada "pelo facto de, não havendo sido pedido o cumprimento duma obrigação durante o prazo fixado na lei, o credor perder o direito respectivo"[25].

Assim, e na síntese de Ana Filipa Morais Antunes, estamos diante de um instituto fundado “em interesses multi­facetados”[26], como:

“i) a probabilidade de ter sido feito o pagamento;

ii) a presunção de renúncia do credor;

iii) a sanção da negligência do credor;

iv) a consolidação de situações de facto;

v) a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento;

vi) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos;

vii) o imperativo de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos;

viii) a exigência de promover o exercício oportuno dos direitos”.

Temos pois: "a existência dum direito; o seu não exercício por parte do titular; e o decurso do tempo"[27], sendo que, "verificados estes elementos, a prescrição procede"[28], perdendo o direito alegado, a sua eficácia.

Em concreto, no Código Civil Português, a matéria vem regulada nos artigos 298.º e 300.º a 327.º do Código Civil e ainda em normas especiais deste (artigos 430.º, 482.º, 498.º, 500.º, 521.º, 530.º, 636.º), sendo evidente a dicotomia criada entre prescrições extintivas (artigos 309.º a 311.º, 498.º) e presuntivas (artigos 312.º a 317.º).

É esta contextualização em termos de Direito e de compreensão do que envolve e fundamenta a prescrição, que nos vai permitir olhar os factos em causa neste Recurso e decidir em conformidade.

Desde logo, o DL n.º 255/99, de 07-07, instituiu o novo regime jurídico aplicável ao acesso e exercício da actividade transitária, tendo revogado o DL n.º 43/83, de 25-01. O DL n.º 255/99 foi posteriormente alterado pela Lei n.º 5/2013, de 22-01, a qual simplificou o acesso à actividade transitária, através da eliminação dos requisitos de idoneidade e de capacidade técnica ou profissional dos responsáveis das empresas, dando nova redacção aos art.ºs 3.º, 9.º e 11.º e revogando os art.ºs 4.º, 5.º, 8.º, n.ºs 1, al. c), e 3, 10.º, n.º 2, e 25.º.

Substantivamente e no que para o caso releva, o art.º 16.º do DL n.º 255/99, de 07-071, epigrafado de “Prescrição do direito de indemnização”, estabelece que «[o] direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada.»

A “responsabilidade do transitário” a que se refere o citado preceito legal é a prevista no art.º 15.º do DL n.º 255/99, titulado de “Responsabilidade das empresas transitárias”, o qual estabelece que o comummente apelidado de “arquitecto do transporte” responde perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações bem como daquelas que foram contraídas pelos terceiros com quem contratou, sem prejuízo do direito de regresso.

Consagram-se, assim, duas vias pelas quais pode haver responsabilidade civil do transitário:

- pelo incumprimento das suas obrigações, convencionadas com o interessado na carga;

- pelos actos de terceiro com quem o transitário haja contratado, sem prejuízo do direito de regresso, preconizando nesta sede uma responsabilidade del credere legal. Note-se que ambos os casos se referem a situações gerais de incumprimento lato sensu do contrato, abrangendo assim a mora, o cumprimento defeituoso e o inadimplemento definitivo.

A apontada dupla vertente da responsabilidade do transitário explica o estabelecimento de um prazo prescricional incaracterístico (porque – ao que se sabe – sem paralelo) e curto (inferior a um ano) por parte do art.º 16.º do DL n.º 255/99.

Sempre se afigura que a reduzida dilação do prazo prescricional se destina a compensar a onerosidade que representa sempre a instituição de uma responsabilidade dele credere que não foi convencionada entre as partes, antes surge imposta pela lei. Sempre os transportadores que o transitário habitualmente contrata no cumprimento da sua obrigação de celebrar o negócio jurídico relativo à deslocação da carga do seu cliente beneficiam de prazos de prescrição ou caducidade bastante reduzidos [mais concretamente, um ano, quer no caso dos transportes (terrestres) sujeitos à Convenção relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (art.º 32.º), quer no dos transportes (marítimos) regulados pela Convenção Internacional para Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga (art.º 3.º, n.º 6), quer ainda no dos transportes (ferroviários) disciplinados pela Convenção relativa aos Transportes Internacionais Ferroviários (art.º 58.º das Regras Uniformes CIM)].

Donde, apenas uma dilação inferior a um ano permite ao transitário fazer valer o seu direito de regresso contra o transportador efectivo, pois, caso o interessado na carga exerça o seu direito de indemnização perto do termo do prazo fixado no art.º 16.º do DL n.º 255/99, o transitário ainda disporá de 2 meses para acautelar a sua pretensão ressarcitória[29].

Concorda-se já com o expendido, pois, no Acórdão da Relação do Porto de 11 de Janeiro de 2021 (Processo n.º 1598/18.2T8PFR.P1-Fernanda Almeida), acessível na base de dados da dgsi.pt, onde se conclui que o “transitário responde objetivamente pelos atos praticados por outrem, ou seja, pelo transportador com quem celebrou o contrato de transporte, mas a sua obrigação prescreve no prazo de 10 meses previsto no art.º 16.º daquele diploma”.

Assim é que, ao estabelecer para o transitário um regime de responsabilidade que o leva a responder como responderia o transportador, qualquer que tenha sido o objeto do contrato que ele celebrou com o expedidor, a lei procurou obviar as dificuldades que se levantam no momento de determinar qual foi a obrigação assumida pelo transitário, se própria de um mandato, atuando como transitário-comissário se aquela de um verdadeiro transportador, atuando como transitário-transportador; e, assim, acabou por se reforçar a proteção concedida ao carregador perante o emaranhado de intervenientes que envolvem a realidade do transporte[30].

Reitera-se que o transitário tem uma responsabilidade del credere legal – o transitário surge como garante legal do cumprimento das obrigações de terceiros, sem prejuízo de poder intentar uma ação de regresso contra o terceiro. Neste sentido, Januário da Costa Gomes, “Sobre a vinculação del credere”, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Martim de Albuquerque, Vol. 2, 2010, p. 243 e ss.

Certo que o estatuto de transitário não impediria a Ré de exercer funções de transportador, desde que contratualmente tivesse assumido a obrigação de deslocação das mercadorias. Aludir-se-ia, nesse contexto, à figura do transitário-transportador. Porém, não é isso que resulta alegado in casu.

Ainda quando a Ré., sendo transitária, responda perante o seu cliente pelas obrigações contraídas por terceiros com quem haja contratado, nos termos do art. 15.º do DL 255/99, aplicável já o disposto no normativo seguinte que estipula a prescrição dessa obrigação no prazo de 10 meses contados desde a conclusão da prestação do serviço, não se vislumbrando fundamento legal, sequer lógico, para a extensão do prazo prescricional ao prazo de caducidade dos direitos contra o transportador.

Tem-se, por conseguinte, por aplicável o prazo prescricional de 10 meses.

Cabe afrontar agora a questão essencial, a do decurso daquele prazo, a implicar a consideração do efeito interruptivo da prescrição pela recepção pela Ré/recorrida dos termos da “citação” em 14.03.2022.

Na avaliação da situação em presença importa ter em conta o regime da interrupção da prescrição previsto nos art.º 323.º ss. do Código Civil.

Como nos diz Luís A. Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, pág. 560: “As causas interruptivas da prescrição podem ser de duas modalidades, consoante resultem de acto do credor ou de acto do devedor.”

A interrupção da prescrição pressupõe que o prazo prescricional ainda esteja a correr. A partir do momento que já ocorreu a prescrição, não pode haver uma interrupção da mesma por ato posterior, seja do credor seja do devedor.

É igualmente consabido que, interrompida, inutiliza-se todo o tempo anterior entretanto decorrido – cfr. art.º 306º,nº1, do CC.

Desde logo, a Recorrente não aduz beneficiar da dilação prevista no nº 2 do artigo 323º do CC, em função do requerimento indeferido pelo despacho de 06 de Junho de 2022, com o que impertinente argumentar sobre a ausência de um comportamento do autor da acção e requerente susceptível de ser objecto de um juízo de censura.

Sempre a expressão legal “por causa não imputável ao requerente”, há-de ser interpretada em termos de causalidade objectiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente e efectivamente a lei, em qualquer estado do processo, até à verificação da citação. É o entendimento praticamente unânime do STJ, como anotado, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25/3/2021, Proferido no Processo nº 13057/16.3T8PRT-A.P1, e Acórdão do STJ de 24/1/2019, Proferido no Processo nº º524/13.0TBTND-A.C1.S1, ambos em www.dgsi.pt

E bem se compreende que assim seja e deva ser, pois que, como é consabido, o fundamento último da prescrição assenta e pressupõe a negligência do credor em não exercer o seu direito a tempo e horas, o que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou, pelo menos torna-o (o titular ) indigno de protecção jurídica ou não merecedor de uma tutela do Direito, nos termos já expostos.

Ora, com base em juízo de “causalidade objectiva” a não citação, para mais indeferida por decisão transitada, ficou a dever se objectivamente à conduta reprovável da A. que veio requerer a citação de quem não era parte na acção, não requerendo imediata e concomitantemente a rectificação ulteriormente pedida, não podendo assim “beneficiar” da citação ficta a que se refere o nº 2 do art.º 323º, do CC…

Excluída também a situação da previsão do nº 3, do art.º 323º, do CC, rezando o mesmo que “A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores”…

A propósito do alcance e exacto sentidos do disposto no referido nº 3, do art.º 323º, do CC, ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[31], que “Importa distinguir entre falta e nulidade da citação ou notificação. Como se exige que seja levada ao conhecimento do obrigado a intenção de exercer o direito, se falta a citação ou a notificação, a prescrição não se interrompe, a não ser nos termos excecionais acima referidos ; se, porém, há nulidade, não deixa de haver interrupção, se, não obstante a nulidade, se exprimiu aquela intenção ».

Também Filipa Morais Antunes[32], a propósito do nº 3, do art.º 323º, do CC, começa por referir que « A interpretação e correcta aplicação do normativo sobre a interrupção da prescrição deve ser feita em termos estritos  ̶ atenta a natureza excecional do respetivo figurino ̶, só podendo vislumbrar-se um acto do credor com eficácia interruptiva na eventualidade de o credor revelar, através da prática de atos de natureza judicial, a intenção de exercer o seu direito ».

Depois, mais adiante, explica/reconhece igualmente ser discutível que a solução legal do nº 3, do art.º 323º, do CC, possa ser igualmente aplicável na hipótese de falta de citação, o que sucede na eventualidade de o acto ser totalmente omitido ou de ter sido praticado em circunstâncias equiparadas à omissão (como sejam, o erro na identidade do citado…).

Alinhando por semelhante entendimento, igualmente para Cunha de Sá[33] não faz sentido equiparar, para efeitos da interrupção do prazo prescricional, a falta de citação à nulidade da citação.

Para efeitos de aplicação do disposto no art.º 323, nº 3, do CC, certo é que tem vindo o STJ (cfr. v.g. em Ac. de 24/3/2021[34]) igualmente a considerar que importa distinguir entre a falta de citação e a nulidade da citação. É assim que, também em Acórdão já de 22/9/2015[35], vem concluir assertivamente que “a anulação da citação não impede a interrupção da prescrição (art.º 323.º, n.º 3, do CC), desde que, não sendo caso de falta de citação, mas de nulidade, a intenção de exercer o direito tenha sido expressa e levada ao conhecimento do obrigado”.

Pressupondo a interrupção da prescrição a existência de acto que, directa ou indirectamente, dê minimamente a conhecer ao devedor a intenção do credor exercer a sua pretensão, difícil não é alinhar com o entendimento no sentido de que, em situações de FALTA DE CITAÇÃO, mostra-se inaplicável o disposto no nº 3, do art.º 323º, do CC. É que, em rigor a interrupção da prescrição não se basta com a introdução da acção em Juízo, necessário se tornando a prática de actos judiciais que revelem a intenção do credor de exercer a sua pretensão contra o devedor e que a levem ao conhecimento deste, como se decidiu no Ac. do STJ, de 4/3/2010, Proferido no Processo nº 1472/04.OTVPRT-C.S1, acessível em www.dgsi.pt.

Ora, a realização de “citação” em pessoa distinta da que é demandada equivale a falta de citação, como, de resto, foi decidido no despacho, transitado, de 15 de Julho de 2022, pelo que vedado está ao julgador considerar a prescrição interrompida nos termos do nºs 1 e /ou nº 2 (citação ficta ) e 3 do art.º 323º, do CC.

Quanto agora à equiparação – para efeitos de prescrição – do acto pelo qual a Recorrida foi “citada”, em 14.03.2022, por aplicação do disposto no art.º 323º, nº 4, do CC: “É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”.

Desde logo, afigura-se-nos que para integrar a previsão convocada, tem de estar em causa um outro acto processual, distinto do da citação havida como ineficaz, em falta/ inexistente.

Ainda quando, por estar em causa uma situação anómala de citação por erro da secção de quem não era parte na acção, se admitisse o relevo do mesmo acto processual, com pertinência para a questão ora em análise, e tal como decorre igualmente do nº 1, do art.º 323º, do CC, o que releva para efeitos de interrupção, é que em razão da notificação judicial de um qualquer acto – e porque exprime ele, directa ou indirectamente, a intenção de exercer um direito – fique o devedor ciente e conhecedor da pretensão do credor de fazer valer o seu direito, dele não abdicando.

Para o referido efeito, exigível é, desde logo, que não seja o devedor confrontado (no âmbito de um processo judicial já em curso) com meras declarações genéricas ou vagas do propósito do exercício do direito pelo seu titular, antes deve do acto em causa decorrer uma clara e inequívoca vontade do credor de exercer o direito, ou seja, por si só deve o mesmo mostrar-se de todo incompatível com o desinteresse do credor pelo direito de cuja prescrição se trate[36].

Ora, quando se considere que à Recorrida foi dado conhecimento da intenção da Autora exercer um direito contra outra pessoa jurídica, não pode ter-se a prescrição por interrompida com base do disposto no nº 4 do art. 323º do CC convocado, não se tendo por caracterizada a ocorrência nos autos de um outro acto pelo qual se dá a conhecer ao devedor que é intenção do credor de exercer contra si o direito.

E irrelevam quaisquer considerações de “proximidade” de personalidades jurídicas.

Ponto é, para efeitos de interrupção da prescrição, que a intenção do exercício do direito vá dirigida à pessoa jurídica do devedor e não já que seja por ele recebida uma intenção de exercício perante outrem, que vem a ser o que sucede mediante a comunicação de uma petição inicial em que figura como Ré pessoa jurídica distinta.

Não há, pois, qualquer facto interruptivo da prescrição a atender, estando, assim, inelutavelmente prescrita a obrigação que a A. pretendia exercer nos autos contra a Ré, como se decidiu na decisão sob recurso.

Improcedente, consequentemente, a apelação.


*

Quanto à litigância de má fé

Impendendo sobre as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa fé - cfr. art. 8º, do Código de Processo Civil -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual.

O instituto da má fé processual, regulado nos artigos 542º a 545º, de tal diploma legal, visa sancionar a parte que preencha, com a sua atuação processual, a respetiva previsão.

Ao contrário do que sucedia antes da revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, atualmente as condutas passíveis de integrar má fé não têm de ser, necessariamente, dolosas, já que o instituto passou a abranger, também, a negligência grave. Atingiu-se uma maior responsabilização das partes.

Como resulta do preâmbulo do referido diploma, o atual Código de Processo Civil, com a nova filosofia de colaboração que lhe está ínsita, consagrou "expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos". Na reforma processual introduzida por este DL houve uma substancial ampliação do dever de boa fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má fé processual - quer a substancial quer a instrumental -, tanto na vertente subjetiva como na objetiva. A condenação por litigância de má fé pode agora fundar-se em negligência grave, para além da situação de dolo já anteriormente prevista.
Alberto dos Reis
[37] distinguia, em matéria de conduta processual das partes, quatro tipos de lide: lide cautelosa (aquela em que a parte esgota todos os meios para se assegurar de que tem razão e apesar disso vê inviabilizada a sua pretensão (ou oposição)), lide imprudente (aquela em que a parte comete imprudência leve ou levíssima), lide temerária (aquela em que a parte, embora convencida que tem razão, incorre em culpa grave ou erro grosseiro, indo a juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas (de facto ou de direito) que devia empregar para desfazer o seu erro, comprometendo a sua pretensão) e lide dolosa (aquela em que a parte, apesar de ciente de que não tem razão, litiga e deduz pretensão (ou oposição) conscientemente infundada).

Ao sancionar, atualmente, a litigância com negligência grave a lei está a proibir, para além da lide dolosa, a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro[38].

“Segundo o nº2 (do art. 542º do CPC), constituem atuações ilícitas da parte: a dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da exceção (alínea a)); a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínea d))”[39].

O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo”, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil. Litiga de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado e prudência, bem assim com o dever de indagar a realidade em que funda a pretensão[40].

Distingue-se entre má fé material ou substancial e má fé processual ou instrumental.

A primeira tem a ver com o mérito da causa, a segunda com a conduta processual. Na primeira “a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental, podendo portanto o vencedor da ação ser condenado como litigante de má-fé”[41].

A má fé a que se reportam as supra referidas als. a) e b) é a má fé material ou substancial, aquela que se refere à relação jurídica material; as restantes alíneas contendem com a má fé instrumental.

No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa "In Agendo" (3ª Edição)).

Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida.

Em qualquer caso, a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 456º do Código de Processo Civil e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça”[42].

A questão da má fé material não pode ser vista de forma linear, sob pena de se limitar o direito de defesa que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, com foros de garantia constitucional, tendo de ser feita uma apreciação casuística, não cabendo a análise do dolo ou da negligência grave no processo civil em estereótipos rígidos. A má fé processual não opera no domínio da interpretação e aplicação das regras do direito, mas tão só no domínio dos factos. A sustentação de posições jurídicas, mesmo que desconformes com a correta interpretação da lei, não basta à conclusão da litigância de má fé de quem as propugna.

Sempre necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão infundada, pelo que se torna necessário que a parte tenha procedido com intenção maliciosa ou com falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou previsão, que deve ser observada nos usos correntes da vida.

Ora, vista a Doutrina e a Jurisprudência tendo-se em atenção a lição assim colhida, que em nosso entender plasma a interpretação mais avisada da figura jurídica do litigante de má fé, e analisando a conduta processual da Apelante, não podemos considerar que a mesma actuou com dolo ou negligência grave, pondo em causa os seus deveres como litigante. Desde logo, pese embora o menor rigor técnico, aqui e além, na descrição dos factos pertinentes ao conhecimento das questões, de indesejável recondução ou afeiçoamento dos dados objectivos emergentes do processo mesmo a uma conceptualização conclusiva a seu favor (paradigmática a caracterização pura e simples do acto de 14.03.2022 como de citação da Ré para os termos desta acção), não se evidencia ou revela “a falta à verdade”, nem a intenção dolosa de “confundir” o tribunal. Certo outrossim que, convocando já questões atendíveis (veja-se a apreciação acima) do domínio da interpretação e aplicação das regras do direito, não se denota também a convocada dedução de pretensão conscientemente infundada caracterizadora da actuação como litigante de má fé, não podendo, por isso, ser proferida condenação como tal.

III.

Pelo exposto, julga-se a apelação da Autora totalmente improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Julga-se improcedente a pretendida condenação da Recorrente como litigante de má fé.

Porto, 23 de Janeiro de 2025

Isabel Peixoto Pereira

António Carneiro da Silva

Ana Luísa Loureiro

___________________________
[1] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª edição, 1997, p. 567.
[2] Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, revista Julgar Online, Novembro de 2018, pp. 2/3.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 745.
[4] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 569.
[5] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), pp. 569/570.
[6] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, p. 753.
[7] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 572.
[8] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código (…), pp. 752/753.
[9] Por todos, a título meramente exemplificativo, Acórdão do STJ de 8/03/2018 (Fonseca Ramos), no sítio www.dgsi.pt.
[10] Na explicativa expressão de Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 572.
[11] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 696.
[12] Sempre se afigura que a citação, por erro da secção, de quem não é parte ou demandado nos autos, ainda quando em causa lapso na identificação desta no articulado inicial, não pode ter-se como relevante ou eficiente como acto de citação, independentemente da ocasião em que vem a ser comunicada essa situação de ineficiência… É que a citação, visto o fim a que se destina, apenas pode sê-lo de quem é parte no processo. Ora, na situação decidenda, a qualidade ou natureza de parte apenas veio a ser reconhecida à Recorrida mediante o despacho que admitiu a rectificação do lapso na identificação da Ré na petição inicial. Antes daquele, a Recorrida não era parte na acção, com o que a citação para os termos da causa não se pode ter como relevante processualmente como tal… Muito menos “retroactivamente”, “aproveitando” a Autora um erro da secção. É que não é o caso de os lapsos ou erros desta não poderem prejudicar a parte (sempre em causa o prejuízo para a Recorrida…), mas o de processualmente ser inadmissível a citação de um terceiro, de quem não é parte na causa, mesmo que devesse sê-lo, por ter havido lapso na identificação pelo A.
Irrelevante, neste segmento de apreciação, a argumentação quanto à “proximidade” das pessoas jurídicas em causa, já que, como é imperioso reconhecer, a citação, como acto formal de “chamada” de uma concreta e inconfundível pessoa jurídica aos termos de uma causa, está dependente da identidade mesma da pessoa colectiva que é demandada. Da relevância daquela “proximidade” se conhecerá em sede de aferição do valor interruptivo da prescrição implicado pela comunicação pela secção à Ré dos termos da causa na qual não era demandada.
[13] Ali em causa um contrato de transporte rodoviário de mercadorias, mas perfeitamente cabíveis os termos da explicação.
[14] Sempre não se tem já por aplicável o prazo previsto no nº 2 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 352/86, de 21 de Outubro (Regula o contrato de transporte de mercadorias por mar), na medida do lugar da entrega da mercadoria, enquanto factor de internacionalização, que exclui a aplicação do regime “nacional”, hoc sensu. Sobre a questão, exemplarmente, Mário Raposo,  Contrato de Transporte Marítimo, Comentário ao  Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de Outubro de 2001, acessível em https://www.oa.pt/conteudos/artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30777&idsc=13758&ida=13774.
[15] Teoria Geral da Relação Jurídica, II, Almedina, 1983, páginas 463-464.

[16] Loc. cit.
[17] Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, 12.ª reimpressão, Coimbra Editora, 1999, página 374.
[18] Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4.ª edição, Coimbra Editora, página 294.
[19] Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 4.ª edição, Almedina, 1995, páginas 739-740.
[20] Prescrições de Curto Prazo, Jornal do Foro, Ano 27, 142-143-144, Jan-Set, 1963, página 54.
[21] Instituições de Direito Civil Português, II, página 239.
[22] Teoria Geral do Direito Civil, 9ª edição, Almedina, 2019, página 386.
[23] Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 7.ª reimpressão, Almedina, 1987, página 445.
[24] De notar que Autores como Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos consideram que a “prescrição não extingue o direito nem a vinculação. Apenas confere ao obrigado o poder de recusar o cumprimento” (Teoria Geral…, cit., página 387), ao passo que Carvalho Fernandes, a entende como a “extinção de direitos por efeito do seu não exercício dentro do prazo fixado na lei, sem prejuízo de se manter devido ao seu cumprimento como dever de justiça” (Teoria Geral do Direito Civil. II, 5.ª edição, Universidade Católica Editora, 2010, página 650).
[25] Albano Ribeiro Coelho, ob. cit., página 54.
[26] Algumas Questões Sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, III, FDUL-Coimbra Editora, 2010, página 39.
[27] Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, cit., página 424.
[28] Albano Ribeiro Coelho, ob. cit., página 54.
[29] Quando o faça já para além deste prazo terá de sê-lo  (e no prazo respectivo, de caducidade e prescrição, conforme o tipo de transporte em apreço) contra o transportador efectivo mesmo, ainda que com ele não tenha directamente contratado, não podendo este opor-lhe a sua ilegitimidade processual ou substantiva,  emergindo a sua responsabilidade da doutrina das obrigações com eficácia relativamente a terceiros. Quanto a esta, por todos, com recensão da doutrina e jurisprudência, a dissertação de Mestrado de Marina Enes, Eficácia Externa das Obrigações, disponível em https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/2391/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o..pdf.
[30] Nuno Castello-Branco Bastos, Direito dos transportes, abril de 2004, p. 82.
[31] Em Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 2ª edição, 1979, pág. 269, nota 4.
[32] Em Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2.ª EDIÇÃO, págs. 224/228.
[33] Em Modos de Extinção das Obrigações, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Almedina 2002, apud Filipa Morais Antunes, ibidem, pág. 228.
[34] Proferido no Processo nº 771/19.0T8CTB.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[35] Proferido no Processo nº 255/14.3T8SCR.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[36] Cfr. Menezes Cordeiro, em Tratado de Direito Civil, Vol. I, Tomo IV, pág. 197.
[37] Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª Ed. 1981, p. 262 e seguintes.
[38] Ac. do STJ, de 20/3/2014: Processo 1063/11.9TVLSB.L1.S1,in dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703, onde se decidiu que “a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição “cuja falta de fundamento não devia ignorar”, ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte, como litigante de má fé, demonstrando-se que o litigante tinha consciência “de não ter razão”, pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização”.
[39] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 3ª Edição, Almedina, pág 457.
[40] Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, na base de dados da dgsi.
[41] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 457.
[42] Ac. da Relação de Guimarães de 10/11/2011, Processo 387645/09.9YIPRT.G1, in dgsi.net.