Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0645004
Nº Convencional: JTRP00039936
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: TRIBUNAL DO TRABALHO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RP200701080645004
Data do Acordão: 01/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 40 - FLS 82.
Área Temática: .
Sumário: I - A competência do tribunal é um pressuposto processual que deve ser aferido em função do pedido e da causa de pedir formulados pelo autor.
II - Tendo o autor alegado que desde 1995 tem vindo a ocupar o cargo de D………. (em regime de requisição ao Ministério da Educação) e, nessa qualidade, desenvolvido actividade por conta, sob ordens, direcção e fiscalização e no interesse exclusivo da requerida, com a qual celebrou, em 1997, um contrato de trabalho, é competente o tribunal do trabalho para conhecer da pretensão formulada num procedimento cautelar, no âmbito do aludido contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto Relatório.

I. B………. instaurou procedimento cautelar comum contra C………., requerendo que esta em prazo não superior a 5 dias proceda à requisição do requerente para exercer funções como D………. em São João da Pesqueira no ano lectivo de 2006 e 2007. Permitia ao requerente o exercício regular das suas funções com efectividade não lhe criando obstáculos ou outras formas de acção ou coacção que se traduzam num boicote ao exercício das funções para as quais foi contratado e pague ao requerente a título de sanção pecuniária compulsória a quantia diária de euros 200,00.
Alegou em resumo que é funcionário público do Ministério da Educação, professor de biologia/geologia., sendo que a requerida é uma associação de direito privado sendo titular do estabelecimento de ensino da C1………. . O requerente tem vindo desde 1995 a ocupar o cargo de D……… da referida escola profissional, vindo desde então sucessivamente a ser requisitado aos quadros do Ministério da Educação. Desde 1995 o requerente desenvolveu uma série de actividades por conta, sob a direcção e no exclusivo interesse da requerida. Em 1997 foi outorgado um contrato de trabalho entre a requerente e a requerida. Por força das repetidas requisições para funções directivas e pedagógicas na requerida o requerente passou à situação de supranumerário na E………. de São João da Pesqueira o que motivou que tivesse de concorrer agora para um lugar de quadro tendo sido colocado na F………. da Meda. O requerente reside em sempre trabalhou em São João da Pesqueira, sendo que a deslocação para a Meda implica a feitura de 80 quilómetros diários com acréscimos de custos. Acresce que as inverdades que tem sido ditas sobre o requerente denigrem a imagem e bom nome do mesmo requerente.

A requerida deduziu oposição sustentando em suma que o requerente tem e mantém o seu vínculo com o Ministério da Educação. O exercício de funções em comissão de serviço não altera a sua qualidade de funcionário público, não se enquadrando no regime do direito laboral privado, sendo que o caracteriza a requisição é a natureza funcional do agente requisitado, a transitoriedade da sua função e a reversibilidade do respectivo título profissional. O requerente não deixou de ser professor e desse modo funcionário público, sendo que todo o tempo de requisição conta para efeito de aposentação, reforma, sobrevivência e progressão na carreira. Não é aplicável ao caso o regime jurídico do contrato individual de trabalho. Conclui pela improcedência da providência cautelar.

Foi proferida decisão julgando o tribunal incompetente em razão da matéria para conhecimento da acção, sendo-o os tribunais administrativos, absolvendo-se a ré da instância.

Dessa decisão recorre o requerente, concluindo em síntese que a competência do tribunal afere-se pela forma como o autor demonstra a causa de pedir e alicerça o seu pedido; para a presente lide torna-se irrelevante discutir o facto de o requerente ser funcionário público; o mecanismo da requisição ao abrigo do qual o requerente vinha sendo sucessivamente contratado é apenas um mecanismo de mobilidade dos funcionários públicos previsto no DL 427/89, 07.12, que in casu permite ao requerente prestar a sua relação de trabalho subordinado ante uma entidade patronal de índole privada. O tribunal de Trabalho de Lamego é o competente para conhecer do pedido formulado nos presentes autos de procedimento cautelar comum.

Não foi apresentada contra-alegação.

O MP teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

Admitido o recurso foram colhidos os vistos legais.
II. Com base no preceituado nos artigos 684, n.º 3 e art.º 690, n.º s 1 e 3, do Código de Processo Civil[1], aplicáveis ex vi do art.º 1, n.º 2, alínea a) e art.º 87 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Face ao teor das alegações de recurso importa, assim, apreciar se o Tribunal de Trabalho de Lamego é o competente para conhecer da presente providência cautelar.
Como não se ignora, e constitui posição maioritária na doutrina e jurisprudência, traduzindo-se a dever ser aferida face ao pedido e causa de pedir formulado pelo autor.
No presente caso estamos perante um procedimento cautelar, solicitando o requerente que o tribunal ordene à requerida que num prazo não superior a cinco dias:
- Proceda à requisição do requerente para exercer funções como D………. em São João da Pesqueira no ano lectivo de 2006 e 2007;
- Permita ao requerente o exercício regular das suas funções com efectividade não lhe criando obstáculos ou outras formas de acção ou coacção que se traduzam num boicote ao exercício das funções para as quais foi contratado; e
- Pague ao requerente a título de sanção pecuniária compulsória a quantia diária de euros 200,00 desde a data da notificação à requerida da decisão judicial que imponha as providências e até ao seu efectivo acatamento.
Para fundamentar esta pretensão alegou no essencial o requerente que desde 1995 que tem vindo a ocupar o cargo de D………. de que é titular a requerida, tendo vindo desde então a ser requisitado aos quadros do Ministério da Educação, por parte, numa fase inicial da entidade promotora da Escola e, posteriormente, pela sua Direcção, cumprindo assim o mecanismo da mobilidade dos funcionários públicos legalmente previstos.
Desde 1995 o requerente tem desenvolvido actividades, por conta, sob as ordens direcção e fiscalização e no exclusivo interesse da requerida foi acordado ente as partes o montante da retribuição (euros 1.621,09) acrescido do subsidio de alimentação, sendo aquela acrescida de subsídio de férias e de Natal, tendo o autor direito a 22 dias de férias.
A fim de regularizar a situação vivida até 1997 foi outorgado contrato de trabalho, junto em cópia a fls. 48 a 51, onde além do mais se clausulou que “o segundo outorgante (o ora requerente) será anualmente requisitado ao Ministério da Educação e desempenhará as suas funções com isenção de horário, tendo sempre por princípio o benefício da primeira outorgante.
O presente contrato tem o seu início em 1 de Setembro de 1997, devendo a primeira outorgante comunicar ao segundo outorgante, por escrito, 30 dias antes do início do período destinado a requisição do pessoal docente a vontade de não pretender renovar o contrato celebrado.”
A requerida não “activou” o mecanismo contratual da denúncia todavia, e apesar do pedido feito pelo requerente da sua requisição o Presidente da requerida não aceitou o respectivo documento, o que originou que o requerente não tenha sido requisitado. Ao arrepio do contratualmente estabelecido a requerida não cumpriu a injunção de denúncia, mas pretendeu pôr termo à relação contratual ao não requisitar o requerente e nomeando um novo Director. A atitude da requerida tem, para além disso, causado vários tipos de danos ao requerente.
Do breve quadro circunstancial descrito, pode, assim, constatar-se que o requerente (professor) de acordo com o mecanismo de mobilidade dos funcionários públicos, vem desenvolvendo funções desde 1995 a coberto de uma relação jurídica enquadrável num contrato de trabalho, sendo essa relação que o requerente pretende acautelar e fazer cumprir por parte da requerida, como o mesmo expressamente refere nos artigos 74, 76 e 77, do seu requerimento inicial.
Nesta fase não importa aquilatar consonância desse contrato com a lei – matéria a ponderar nestes autos e a apreciar com maior detença na acção respectiva – mas tão só verificar, de acordo com a perspectiva supra referida, se o tribunal de trabalho é o competente para conhecer deste procedimento cautelar.
Deste modo, muito embora o requerente, em termos imediatos, solicite a sua requisição (o que se insere em tramitação de foro administrativo), os factos integrantes da causa de pedir – onde se conta a existência do contrato de trabalho, o seu alegado incumprimento e danos sofridos – permitem iluminar aquele pedido, no sentido de se poder concluir com clareza que a efectivação daquele acto é meramente instrumental em face da finalidade essencial do peticionado, que consiste em obter o cumprimento do aludido contrato de trabalho e, como tal, puder o requerente continuar a exercer as funções que a coberto daquele vínculo vem desenvolvendo desde 1995.
Aliás, nesse sentido se compreende também o demais solicitado pelo requerente nas alíneas a) e mb) do seu requerimento.
Estando, pois, em causa uma providência cautelar relativa a questões emergentes de relação de trabalho subordinado, [2] apenas resta concluir pela competência do tribunal de trabalho de Lamego.
Uma vez que se mostra controvertida a matéria destes autos, tendo as partes arrolado várias testemunhas e requerido a junção de documentação vária, não é possível de acordo com o preceituado no art.º 753, n.º 1, para já conhecer do mérito da causa.
Procedem, assim, nos termos assinalados, as conclusões de recurso.

4. Decisão.
Em face do exposto, concede-se provimento ao presente recurso de agravo, declarando-se competente o tribunal de trabalho de Lamego para conhecer deste procedimento cautelar, devendo os autos prosseguir seus termos com a realização da audiência final e produção da prova requerida.

Sem custas.

Porto, 8 de Janeiro de 2007
Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira
José Carlos Dinis Machado da Silva
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho

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[1] Serão deste diploma todas as referências normativas sem menção específica.
[2] Cfr. art.º 85, alínea b), da LOTJ.