Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5384/18.1T8MTS-H.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUELA MACHADO
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RP202401115384/18.1T8MTS-H.P1
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.
II - O princípio do contraditório não impõe que a prolação de uma decisão seja sempre precedida da audição das partes, nomeadamente, quando a parte visada pela decisão já teve a possibilidade de se pronunciar sobre a questão a decidir, no requerimento que apresentou e através do qual apresentou as razões que considerava justificativas da sua falta, o qual viria a ser depois objeto de apreciação pelo despacho recorrido.
III - De uma declaração médica datada do dia anterior à data designada para comparência numa perícia médica, da qual consta “Declaro a pedido, que a utente (…), neste momento, encontra-se com situação de saúde potencialmente frágil, pelo que deve evitar situações de stress psicológico”, interpretada por um declarante normal, não se pode concluir nem que a apelante estaria impedida de ser submetida ao exame no dia seguinte, nem que esse exame constituiria uma situação de stress psicológico para a mesma, pelo que não constitui justificação para a falta da apelante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 5384/18.1T8MTS-H.P1

Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto

No âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais, encontrando-se a progenitora da menor, AA, convocada para a realização de exame pericial de Psicologia Forense, ao qual faltou, foi considerada injustificada a falta, apesar da junção de atestado médico, tendo a faltosa sido condenada em multa de 3 Ucs.
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Não se conformando com tal decisão, a progenitora interpôs o presente recurso, que foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito suspensivo.
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A apelante apresentou as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto do Despacho que considerou como injustificada a falta a entrevista no INMLCF.
2. Resultou do Despacho a condenação da Requerente em multa processual, alegando ainda falta de colaboração com a justiça.
3. Considera a Recorrente que o Meritíssimo Juiz a quo decidiu mal ao não aceitar a justificação de falta a perícia.
4. Neste sentido, não pode, pois, manter-se o Despacho recorrido.
5. O Douto Tribunal não aguardou que o progenitor exercesse o seu direito ao contraditório (artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).
6. Nos termos do disposto nos artigos 644.º, n.º 2, al. e) e 638.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, e artigo 27.º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais, cabe apelação autónoma, a interpor no prazo de 15 (quinze) dias.
7. A Recorrente apresenta como um dos fundamentos de discordância ao douto despacho, a falta de fundamentação do mesmo (artigo 154.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
8. O despacho recorrido não elenca de forma fundamentada, nem sustenta a verificação de incumprimento por parte da Recorrente, para depois, em consequência, a vir condenar em pena de multa.
9. “No despacho que aplica a multa prevista no nº 3 do DL329-A/95 de 12/12 deve o juiz indicar ou especificar os (em termos de fundamentação de facto) as razões ou circunstâncias que o levam a optar pelo respectivo montante concreto da mesma. Não o tendo feito, tal despacho decisório enferma de nulidade.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 2912/03, datado de 2 de Dezembro de 2003, disponível para consulta na página web www.dgsi.pt).
10. O despacho apenas retira conclusões mencionando que o atestado médico não é válido para o efeito, acrescentando que apresenta data da véspera do exame.
11. O despacho deve ser considerado nulo, perante omissão de fundamentação de direito, o que respeitosamente se requer, com as devidas consequências legais (artigo 154.º do Código de Processo Civil).
12. Mesmo que assim não se considere, o despacho sempre se entenderá como nulo, pois que, estamos perante uma irregularidade (artigo 154.º do Código de Processo Civil).
13. Acrescenta a Recorrente como um dos fundamentos de oposição ao despacho, a violação do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).
14. O Douto Tribunal proferiu decisão sem vir antes ouvir ambas as partes sobre o requerimento apresentado pela mãe.
15. A decisão constante do despacho revela-se nula, por violação do exercício do contraditório (artigos 613.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil).
16. Outro fundamento de oposição ao despacho que a Recorrente apresenta e não se conforma é o cerne do próprio processo de promoção e proteção.
17. O presente apenso, teve como origem um alegado episódio de violência doméstica por parte do progenitor à menor BB.
18. Tal acontecimento teve como resultado o Inquérito n.º 1970/22.3T9MAI que, corre termos no Ministério Público, Procuradoria da República da Comarca do Porto Este.
19. Foi atribuído à menor BB o estatuto de vítima especialmente vulnerável (artigo 2.º, alínea b) da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro).
20. Nesse sentido, é de referir que se encontra previsto na Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro que, uma das medidas de coação urgentes é a de afastamento, o que ainda não sucedeu até à presente data.
21. Já antes havia sido o progenitor condenado por violência doméstica contra a aqui Recorrente e a menor BB, através do processo n.º 1238/19.2T9MAI, encontrando-se este ainda cumprir pena suspensa.
22. A Recorrente encontrava-se expectante de que, por forma a acautelar a criança, fosse alterado o regime de visitas, tendo como cerne o explícito no artigo 9.º, n.º 1 da Convenção dos Direitos das Crianças.
23. A mãe demonstrou o seu não agrado com a realização de exames, no entanto, não negou em efetuar a sua realização e com isso colaborar com a justiça.
24. Entende a Recorrente que ocorreu um errado indeferimento do atestado médico.
25. A mãe apresentou atestado médico como justificação à não comparência ao exame datado de 11 de Outubro de 2023, onde contava que, a mesma se encontrava em “situação de saúde potencialmente frágil pelo que, deve evitar situações de stress psicológico”.
26. Inclusive, avisou anteriormente via email o INMLCF que não iria comparecer, juntando o atestado médico.
27. Após, enviou requerimento e documentos comprovativos ao Douto Tribunal.
28. Ora, a intenção da mãe foi a de fundamentar e justificar o motivo de não comparência, para que não fosse considerada injustificada a sua ausência.
29. Em momento algum foi sua intenção em obstar a sua colaboração com a justiça.
30. Em despacho que ora se recorre, o Tribunal a quo julgou a justificação não plausível.
31. Em consequência, o Douto Tribunal condenou a Recorrente em multa, e apreciou a conduta da mesma como faltosa, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Civil.
32. Considerou o Douto Tribunal, invocando que o atestado junto: “para além de vago, se reporta a um momento diferente daquele para que estava designado o exame.”
33. A Recorrente entende que, o atestado junto aos autos não é vago, apenas não indica a situação de saúde em concreto.
34. A Recorrente tem direito a ver preservada a sua reserva da vida privada (direito à reserva da vida privada regulado no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa).
35. A Recorrente não quis expor aos autos, nem às demais partes, a situação de saúde em concreto.
36. “O direito à reserva da vida privada constitui um direito fundamental (art. 26.º da CRP) e simultaneamente um direito de personalidade ligado de forma estreita, direta e incindível à pessoa. Considera-se que são direitos indisponíveis, embora o seu titular possa consentir numa certa limitação. São direitos gerais e absolutos aos quais se contrapõe uma obrigação geral de respeito. A tutela da privacidade ou «vida privada», deverá ser definida por oposição ao conceito de «vida pública». A tutela da intimidade da vida privada vai excluir de proteção a liberdade da vida privada, os factos que o próprio interessado não resguarda dos outros.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 82/18.9YFLSB, datado de 24 de Outubro de 2019, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
37. O atestado médico não tem de especificar a situação de saúde em concreto sob pena de violação do direito à reserva da vida privada e dos dados de saúde do utente, inclusive, os deveres deontológicos e sigilo profissional a que os profissionais de saúde se encontram sujeitos.
38. “A justificação da falta por motivo de doença com atestado médico não exige a indicação do motivo da impossibilidade ou da grave inconveniência (…).” (cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto processo n.º 8307/09.5TAVNG-A.P1, datado de 12 de Dezembro de 2012, disponível para consulta em www.dgi.pt).
39. “O atestado não tem de indicar a doença concreta da pessoa em menção, até porque se o fizesse sem autorização expressa do doente, o médico estaria a violar deveres deontológicos de reserva e sigilo profissional que se lhe impõem.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 1734/13.5TBTVD.L1-7, com data de 6 de Dezembro de 2017, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
40. O Douto Despacho peca por erro, por não ter sido alvo de fundamentação, nem daí se retira quais as consequências de o atestado estar datado de data anterior à agendada para realização do exame.
41. Não deve ser ignorada a omissão de fundamentação legal pelo Tribunal a quo.
42. Sem excluir tudo o exposto, entende-se que o tribunal a quo não teve em consideração a situação económica da Recorrente e, em consequência, da menor BB.
43. Nem considerou se com a aplicação de pena de multa iria resolver quanto à alegada falta de colaboração com a justiça da Recorrente.
44. A condenação em multa da Recorrente irá implicar um empobrecimento da mesma e do seu agregado familiar, que a menor BB faz parte.
45. Mesmo que, entretanto, a Recorrente tenha constituído Advogadas, a mesma continua a beneficiar de apoio jurídico na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, que demonstra a sua insuficiência económica.
46. O despacho recorrido peca por erro de julgamento.
47. Devendo, em consequência, ser revogado.
48. Mesmo que se entenda que a Recorrente não tenha colaborado com a justiça, o que desde já se requer que não seja considerado, não deve esta ser condenada em qualquer multa.
49. Requer a Recorrente mui respeitosamente que, não seja prejudicada atenta a diligência por esta encetada para avisar os serviços competentes.
50. Se não se entender, o douto despacho deve ser, pois, anulado para ampliação da matéria de facto, nos termos do exposto no artigo 662.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil.
51. Assim, deve ser dada como justificada a falta da Recorrente ao exame no INMLCF.
52. Por conseguinte, anulada a pena de multa a que a Recorrente foi condenada.
V. DO PEDIDO:
Termos em que e nos mais de Direito Doutamente aplicáveis por V.ª Ex.ª, deve o Despacho ora censurado ser:
a) Anulado por violação do dever de fundamentação (artigo 154.º do CPC);
b) Anulado por violação do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3 do CPC);
Caso assim não se entenda,
c) Revogado, julgando-se como justificada a sua ausência ao exame agendado para o dia 11 de Outubro, e em consequência, não ser imputável à Recorrente qualquer falta de colaboração com a justiça, não lhe aplicando qualquer multa;
d) Anulado para ampliação da matéria de facto (artigo 662.º, n.º 2, al. c do CPC), sendo substituído por outro;
Ordenando o seu prosseguimento, seguindo-se os demais termos.”.
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O recorrido CC, notificado do recurso interposto, veio apresentar a sua resposta, concluindo pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.
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Também o Ministério Público respondeu ao recurso interposto, concluindo, por sua vez, nos seguintes termos:
“I - A decisão recorrida está assim, salvo melhor entendimento, perfeitamente fundamentada, desde logo no que concerne aos seus pressupostos fáticos, quando se refere, por um lado, à falta da requerida a exame pericial para que havia sido convocada, e à circunstância de o teor da declaração médica apresentada ser insuficiente para justificar aquela falta, por ser vaga, e se reportar a um momento diferente daquele para que estava designado o exame, bem como quando se refere ao caráter reiterado da falta de colaboração da requerida ao longo dos autos.
II – Está, por outro lado, igualmente fundamentada do ponto de vista jurídico na medida em que são indicados na decisão recorrida as normas legais em que assenta. O artº 417º do Cód. Proc. Civil, onde se impõe às partes o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias – nº 1 – sancionando com condenação em multa a recusa dessa colaboração, e por outro lado o artº 27º nº 1 do Reg, Custas Processuais, onde se dispõe sobre o montante da multa prevista e norma processual que não indique o respetivo montante.
III – Não tem por isso fundamento a alegação da recorrente de que o despacho recorrido seria nulo porquanto o tribunal a quo não teria fundamentado a sua decisão.
IV - Em qualquer caso acrescentar-se-á que a nulidade por falta de fundamentação cominada para as sentenças no artº 615º nº 1al. b) do Cód. Proc. Civil, e aplicável aos despachos por força do disposto no artº 613º nº 3 do Cód. Proc. Civil, apenas será de considerar quando for de todo omitida essa fundamentação, pelo que também por aí teria de soçobrar a invocada nulidade.
V – A progenitora, aqui recorrente, apresentou, em requerimento de 11-10-2023 (Refª 36910221), as razões que considerava justificativas da sua falta, sendo que foram essas razões que foram depois objeto de apreciação pelo despacho recorrido. O princípio do contraditório ficou dessa forma assegurado, sem necessidade de ouvir novamente as partes, sobre o sentido da decisão a proferir sobre as razões assim apresentadas.
VI - Na declaração médica apresentada pela progenitora, ora recorrente, para além de não se referir expressamente a impossibilidade da progenitora se poder apresentar a um exame pericial para o qual havia sido antecipadamente convocada, é atestada uma alegada situação clínica que se verificaria na data em que a mesma é subscrita - 10/10/2023 – nada permitindo concluir que tal situação se mantinha no dia marcado para o exame a que a mesma faltou - 11/10/2023.
Como tal nunca poderia ser considerada como justificação válida para a falta àquele exame pericial.
Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exªs como sempre suprirão, negando provimento ao recurso, e mantendo o despacho recorrido farão JUSTIÇA.”.
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Decidindo:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, apesar da extensão das alegações, a sua pretensão consiste apenas em ser considerada justificada a sua falta ao exame para o qual se mostrava convocada, sendo, consequentemente, revogado o despacho que a condenou em multa.
Para o efeito cabe apreciar, tendo em conta o pedido formulado pela apelante, se ocorre a nulidade do despacho recorrido por violação do dever de fundamentação (artigo 154.º do CPC); ou a nulidade do mesmo despacho por violação do princípio do contraditório; ou, caso assim não se entenda, se o despacho recorrido deve ser revogado, julgando-se como justificada a sua ausência ao exame agendado para o dia 11 de outubro, e em consequência, não ser imputável à Recorrente qualquer falta de colaboração com a justiça, não lhe aplicando qualquer multa; ou, ainda, se o despacho deve ser anulado para ampliação da matéria de facto (artigo 662.º, n.º 2, al. c) do CPC).
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O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“A justificação apresentada pela requerente, salvo o devido respeito, está em linha com a falta de colaboração que sempre demonstrou para com o Tribunal ao longo deste processo e dos apensos.
Acresce que do atestado junto, com data de 10.10.2023, resulta apenas que “neste momento, encontra-se em situação de saúde potencialmente frágil, pelo que deve evitar situações de stress psicológico”, o que para além de vago, se reporta a um momento diferente daquele para que estava designado o exame – 11.10.2023.
Acresce que não vislumbramos que a realização do exame fosse fonte de “stress psicológico” para a requerente, nem do atestado resulta a impossibilidade de que fosse submetida a exame.
Neste contexto, considero injustificada a falta da requerente ao exame designado para dia 11 de outubro, razão por que nos termos do disposto no art.º 417º do CPC e 27º n.º 1 do RCP, pela reiterada falta de colaboração demonstrada para com o Tribunal, vai condenada em multa que fixo em três UC”.
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Vejamos:
Refere a Recorrente que apresenta como fundamento de discordância do despacho recorrido, a falta de fundamentação do mesmo, nos termos do artigo 154.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, bem como a violação do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), o que entende constituir nulidade, conforme artigos 613.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil.
Alega, para o efeito, que o despacho recorrido não elenca de forma fundamentada, nem sustenta a verificação de incumprimento por parte da Recorrente, para depois, em consequência, a vir condenar em pena de multa, pelo que deve ser considerado nulo, perante a omissão de fundamentação de direito.
A isso acresce a violação do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), já que o Tribunal proferiu decisão sem vir antes ouvir ambas as partes sobre o requerimento apresentado pela mãe.
Ora, no que diz respeito à nulidade do despacho por falta de fundamentação (de facto e de direito), é certo que o dever de fundamentação das decisões judiciais resulta da previsão desse art. 154.º, nº 1 do CPC.
Certo é também que o artigo 615.º do CPC prevê as causas de nulidade da sentença, dispondo, no que para o caso interessa, que “É nula a sentença quando: (…) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Posto isto, é unânime considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide Ac. do TRG de 04.10.2018, disponível em dgsi.pt).
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o disposto no art. 607.º, nº 3 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Contudo, conforme foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 3157/17.8T8VFX.L1.S1, de 03-03-2021 (disponível em gdsi.pt):
“I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil. (…)”.
Ou seja, para que se verifique a nulidade invocada pela recorrente, por falta de fundamentação, teria que existir uma absoluta falta de fundamentação da decisão proferida, o que não é, manifestamente, o caso, já que o despacho recorrido, ao contrário do que a recorrente pretende, se mostra suficientemente fundamentado.
Efetivamente, como refere o Ministério Público na resposta às alegações da recorrente, no caso, perante a informação remetida aos autos pela Unidade Funcional de Clínica Forense da Delegação do Norte do INMLCF, I.P., de que a requerida havia faltado ao exame marcado para o dia 11-10-2023, o Tribunal não considerou válida a justificação apresentada pela progenitora, através de requerimento de 11-10-2023 (Refª 36910221), e consequentemente condenou a mesma em multa que fixou em três UC, fundamentando a decisão, quando refere “… pela reiterada falta de colaboração demonstrada para com o Tribunal …” e com fundamento no disposto no art.º 417º do Cód. Proc. Civil e 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.
Acresce que, o mesmo despacho fundamenta, ainda, a decisão de considerar injustificada a falta, quando refere a falta da requerida a exame pericial para que havia sido convocada, a circunstância de o teor da declaração médica apresentada ser insuficiente para justificar aquela falta, por ser vago, e se reportar a um momento diferente daquele para que estava designado o exame – 11.10.2023.
Por sua vez, o despacho sob recurso também fundamenta a decisão em termos jurídicos, já que indica as normas legais em que assenta tal decisão, nomeadamente o art. 417.º do CPC, que impõe às partes o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias – nº 1 – sancionando com condenação em multa a recusa dessa colaboração, e o art. 27.º, nº 1 do Reg. Custas Processuais, que preceitua sobre o montante da multa prevista em norma processual, que não indique o respetivo montante.
De notar que também quanto a este último aspeto - o valor fixado para a multa – a decisão recorrida se encontra devidamente fundamentada quando se refere ao caráter reiterado da falta de colaboração da requerida ao longo dos autos.
Concordando-se inteiramente com esta posição do Ministério Público, conclui-se que o despacho recorrido se mostra adequada e suficientemente fundamentado, pelo que não ocorre a invocada nulidade.

Invoca a recorrente também, ter havido violação do princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, por ter sido proferido o despacho em causa, sem que antes tenham sido ouvidas as partes, sobre o requerimento apresentado pela requerente-mãe, ora apelante.
Também quanto a esta questão, se nos afigura desnecessário tecer outras considerações para além do que foi referido pelo Ministério Público na sua resposta ao recurso da apelante, pelo acerto das considerações, que aqui damos por reproduzidas, ou seja, “A alegação da recorrente é nesta parte, a nosso ver, incompreensível. O princípio do contraditório constitui pedra angular do processo civil, visando permitir que nenhuma decisão seja tomada sem que a parte/entidade por ela afetada, possa pronunciar-se sobre a mesma. O princípio do contraditório assume-se como garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, que não impõe que a todo o tempo a prolação de uma decisão seja precedida da audição das partes quanto ao sentido da mesma, se a parte visada pela decisão teve antes a possibilidade de se pronunciar sobre a questão abordada na decisão - entre outros o Ac. Trib. Rel. Lisboa de 10-09-2020, Proc.12841/19.0T8LSB.L2-6.
Ora, no caso presente, a requerida, aqui recorrente, teve oportunidade de se defender, apresentando, através do supra, referido requerimento de 11-10-2023 (Refª 36910221), as razões que considerava justificativas da sua falta, o qual viria a ser depois objeto de apreciação pelo despacho recorrido.
O princípio do contraditório ficou dessa forma assegurado, sem necessidade de ouvir novamente as partes sobre o sentido da decisão proferida sobre tal requerimento.”.
Por assim ser, não merece provimento o recurso, também nesta parte, já que não ocorre qualquer nulidade por falta de exercício do contraditório.

Para o caso de não se considerar verificar-se alguma das invocadas nulidades do despacho recorrido, pede a apelante que seja tal despacho revogado, julgando-se como justificada a sua ausência ao exame agendado para o dia 11 de outubro, e em consequência, que não seja imputável à Recorrente qualquer falta de colaboração com a justiça, não lhe aplicando qualquer multa. Ou, ainda, que seja anulado o despacho recorrido para ampliação da matéria de facto (artigo 662.º, n.º 2, al. c) do CPC).
Como resulta do despacho recorrido, já transcrito supra, e se retira dos elementos constantes dos autos, a apelante, progenitora da criança em relação à qual corre o processo de regulação das responsabilidades parentais, limitou-se a apresentar uma declaração médica, da qual consta “Declaro a pedido que a utente AA, neste momento, encontra-se com situação de saúde potencialmente frágil, pelo que deve evitar situações de stress psicológico”, declaração datada de 10-10-2023, quando o exame pericial de psicologia forense para o qual a apelante se encontrava convocada, estava agendado para o dia seguinte.
Da declaração junta, interpretada por um declarante normal, não se pode concluir nem que a apelante estaria impedida de ser submetida ao exame no dia seguinte, nem que esse exame constituiria uma situação de stress psicológico para a mesma, pelo que não constitui justificação para a falta da apelante.
Acresce que a progenitora, aqui recorrente, já havia sido convocada em data anterior, no dia 13-09-2023, para ser submetida ao mesmo exame, o qual não pôde realizar-se devido à atitude da progenitora, que, para além de se ter apresentado hora e meia depois da hora que estava agendada, adotou uma postura que, segundo o próprio perito, colocaria sérios constrangimentos à conclusão da perícia, determinando que o mesmo decidisse agendar nova data, o que resulta da informação da Senhora perita de Psicologia Forense que se mostra junta aos autos (certidão que instrui os autos de recurso).
Assim, a falta da progenitora à nova data agendada para realização da perícia, não é um ato isolado, como refere o despacho recorrido, “antes se insere numa obstinada e reiterada recusa de colaboração com o tribunal”, o que resulta da informação referida.
Posto isto, não só é de considerar injustificada a falta da apelante ao exame para o qual se encontrava convocada, como se afigura adequada a medida da multa aplicada, face ao disposto no art. 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.

No que diz respeito à ampliação da matéria de facto, a apelante invoca o art. 662.º, nº 2, al. c) do CPC.
Ora, o art. 662.º do CPC, dispõe, quanto à modificabilidade da decisão de facto, que:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
(…)
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; (…)”.
Não se vê qual a matéria de facto que possa ser ampliada, até porque a factualidade alegada pela apelante, em nada pode contribuir para que seja considerada justificada a falta ao exame, que é a pretensão deste recurso.
A verdade é que da factualidade que a recorrente alega resulta que a mesma tem como objetivo que seja alterado o regime de visitas, como a própria refere, o que parece ser o motivo para a mesma faltar ao exame pericial determinado. Sucede que, nada do que a mesma alega tem relação com o despacho em causa, e em nada altera o facto de a apelante ter sido convocada para o exame e ter faltado ao mesmo, sem conseguir apresentar uma justificação válida.
Assim, não se vê qual a matéria de facto a ampliar, sendo certo que a apelante também não refere os factos respetivos, nem obedece aos requisitos para a alteração da matéria de facto previstos legalmente – art. 640º do CPC.
Deste modo, terá que improceder totalmente o recurso e manter-se a decisão recorrida.
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Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente a apelação interposta, mantendo a decisão recorrida que condenou na multa de 3 UCs, a apelante, pela falta ao exame pericial para o qual se encontrava convocada.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.

Porto, 2024-01-11
Manuela Machado
António Paulo Vasconcelos
Francisca Mota Vieira