Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0856741
Nº Convencional: JTRP00042998
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
ANULABILIDADE
DECLARAÇÃO INEXACTA
Nº do Documento: RP200910120856741
Data do Acordão: 10/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: LIVRO 391 - FLS 46.
Área Temática: .
Sumário: I - O art. 429º do C. Comercial não exige a existência de nexo de causalidade entre os factos omitidos e o sinistro como requisito para a declaração de anulabilidade do contrato.
II - O que releva é que os factos omitidos ou inexactos existam à data da subscrição da proposta de seguro, que sejam conhecidos do proponente-declarante e sejam essenciais para a apreciação do risco por parte da seguradora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 6741/08-5

5ª SECÇÃO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I
B………. e mulher C………., residentes em ………, ………., Vinhais, movem a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra D………. – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, com sede na Rua ………., … – .º, Lisboa, pedindo a condenação da Ré a:
a) Pagar ao A. a quantia de 20.228,52 € correspondente ao capital em dívida em 5/4/03 acrescida dos respectivos juros moratórios à taxa de 4% no montante de 2.923,99 € e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento.
b) Indemnizar o A. pelos danos não patrimoniais que sofreu, no montante de 7.500,00 €.
c) Devolver aos AA as quantias referentes aos prémios de seguro indevidamente pagos em virtude da suspensão do contrato, no montante de 152,00 €.
d) Pagar as quantias mencionadas acrescidas dos juros à taxa legal a contar da citação.
Alegam, no essencial:
- terem contraído, em 1998, com a E………., um empréstimo para habitação;
- em finais de Dezembro de 2002, a sugestão da Ré, o A. celebrou com esta um contrato de seguro de vida e invalidez permanente, referente ao empréstimo para habitação, titulado pela apólice nº …../…….;
- o A. informou a Ré do seu estado de saúde, designadamente, que tinha sofrido um acidente de viação, havia 19 anos, do qual resultou perda de 50% da visão e fractura da bacia, e ainda que já tinha sofrido de uma pneumonia da qual ficou curado, e que sempre trabalhou, continuando sempre a desempenhar as suas funções (condutor de camião e exploração de uma serração de madeiras);
- o contrato de seguro incluía, para além do risco morte, também o de invalidez total e definitiva, sendo o valor do capital seguro de 25.000 €;
- no dia 8/3/03, o A. sofreu um enfarte e foi internado, tendo-lhe sido diagnosticada um angina vasoespástica;
- teve alta, mas ficou incapaz de trabalhar ou de executar tarefas que exijam esforços físicos;
- foi-lhe atribuída em sede de junta médica uma IPP de 76%;
- participou tal facto à Ré, a qual, contudo, se negou a pagar, escudando-se numa pretensa nulidade do contrato de seguro, por o A. ter prestado, aquando da celebração o seguro, declarações inexactas, falsas, o que alterou a apreciação e aceitação do risco pela Ré;
- não obstante, a Ré continuou a receber os prémios até 1/6/04;
- em 5/4/03, mês seguinte ao da ocorrência, o capital em dívida era de 20.228,52 €;
- o A. sofreu e sofre de forte nervosismo e angústia, por causa da conduta da Ré, pois não sabe se vai conseguir pagar o empréstimo, o que constitui um dano não patrimonial.
A Ré contestou, excepcionando a ilegitimidade dos AA., com fundamento em que quem tem legitimidade activa são os herdeiros do autor e, excepcionando a nulidade do contrato de seguro, por o A., ao celebrar o contrato, ter omitido dados relevantes sobre a sua saúde (perda da visão de um olho esquerdo e fractura da bacia) que, se deles a Ré tivesse tido conhecimento, teriam levado a que o seguro fosse celebrado com condições diferentes, designadamente, quanto a exclusões, mesmo que se entenda que não se está perante uma verdadeira nulidade, mas sim anulabilidade, ainda assim, a consequência seria a mesma, pois a Ré comunicou em Fevereiro de 2004 ao A. que considerava o contrato de nenhum efeito.
Conclui pela procedência das excepções ou, se assim não se entender, pela improcedência total da acção.

Os AA replicaram pugnando pela improcedência da excepção dilatória de ilegitimidade mas, à cautela, suscitaram em separado o incidente de intervenção principal provocada da E………., e pugnaram ainda pela improcedência da excepção peremptória alegando terem informado a Ré do seu estado de saúde, designadamente, das lesões em causa.
Concluem como na p.i.
Foi proferido despacho saneador, no qual, após rejeição do incidente de intervenção de terceiro, se julgou o A parte legítima, mas a Autora parte ilegítima, tendo, quanto a ela, sido a Ré absolvida da instância.
Realizou-se a audiência de julgamento tendo sido proferida sentença que julgou a acção apenas parcialmente procedente e, consequentemente, declarou anulado o contrato de seguro em causa nos autos, condenando a Ré D………. – Companhia de Seguros SA a restituir ao A. B………. a quantia de 64 € (sessenta e quatro euros) a título de prémios indevidamente recebidos, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação até integral e efectivo pagamento e, absolveu a Ré do demais peticionado.

Inconformado com tal decisão dela veio recorrer o Autor, arguindo nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
a) A prova produzida nos presentes autos não sustenta a posição doutamente assumida pelo Meritíssimo tribunal “a quo” quanto à matéria constante do artigo 1º.
b) Daí que o recorrente recorda ter ouvido na audiência de julgamento e da parte que se mostra audível nos registos magnéticos, pela testemunha C………. – esposa do A. foi referido que “estava com o marido aquando da conversa que este teve com o funcionário F………., que o marido contou que tinha perdido a visão em virtude do acidente ocorrido há 19 anos atrás e que o funcionário disse que não havia problemas, mais contou que o marido informou o mesmo funcionário de que havia tido uma pneumonia”.
c) O seu depoimento foi isento, verdadeiro e coerente, não tendo revelado qualquer hesitação ao responder que indicie estar a faltar à verdade. Não houve outras testemunhas dos factos além do próprio funcionário da Ré.
d) O questionário foi preenchido por um representante da Ré, limitando-se o tomador de seguro a assinar, depois de responder com verdade e rigor às perguntas, pelo que as suas inexactidões são da responsabilidade da Ré.
e) Do exposto, se infere que a prova produzida nos autos contraria o julgamento da factualidade ínsita no quesito 1º, impondo-se respostas aos mesmos em sentido diverso das produzidas.
f) Pelo que deverão ser as mesmas corrigidas, nos termos do disposto na alª a) do artigo 712º do Código de Processo Civil, dando-se o quesito 1º como provado.
DO ÓNUS DA PROVA
g) Tendo o A. ficado com uma invalidez total e definitiva e tendo logrado alegar e provar a situação de invalidez o que fez (factos J, L, M, N, O dados como assentes), caberá à R. pagar o capital seguro).
h) Contudo, a R. defendeu-se invocando uma excepção peremptória - a nulidade do contrato de seguro.
i) A questão a apreciar é pois a de saber se decidiu bem o Tribunal a quo ao julgar procedente tal excepção e absolver a Ré.
j) É usual o preenchimento de um questionário através do a qual a Companhia de Seguros procede à análise do risco.
k) Contudo apenas se provou que este questionário foi assinado pelo A. e preenchido pelo funcionário da Ré, não tendo a R. logrado provar que foi o A. quem respondeu ao questionário - como lhe competia.
l) Foi ainda dado como provado o facto referido em T — o acidente e a perda de visão e que se a R. soubesse aquando da contratação dos factos referidos em T) teria excluído da cobertura do seguro uma eventual futura incapacidade para o trabalho deles decorrente, com os esclarecimentos de que não excluiria o risco morte e que a cardiopatia isquémica com angina vasoespástica referida em L) não foi causada pelos factos referidos em T).
m) Ora, apenas ficou demonstrado que o A. respondeu verbalmente ao questionário, mas daí não pode concluir-se (por não ser suficiente) que o A. tenha prestado declarações inexactas — como de facto não prestou.
n) Pelo que, não poderia ser dada como procedente a excepção de anulabilidade do contrato de seguro, precisamente por não ter resultado provado que tenha sido o A. a prestar declarações inexactas.
o) Note-se ainda que o próprio funcionário admite não ter explicado o conteúdo do questionário ao A. e que não o esclareceu das consequências de eventuais falsidades que fossem prestadas
p) Face ao exposto, a decisão que se impunha era de não considerar procedente a excepção de nulidade invocada pela R. ao fazê-lo errou a douta sentença por errada aplicação do disposto no Art. 429° do C. Comercial e como tal deverá ser revogada
DA NULIDADE PARCIAL
q) A admitir por mera hipótese de patrocínio, que o A. tenha prestado declarações inexactas, tal não poderá acarretar a nulidade total do contrato.
r) De facto,
s) São os funcionários da R. seus técnicos de análise de risco, que afirmam que o conhecimento das circunstâncias referidas em T) redundariam, apenas em exclusão da cobertura de uma eventual incapacidade para o trabalho dela decorrente, esclarecendo que não excluiriam o risco morte.
t) É pela própria R. referido que se soubesse que o A. tinha perdido 50% da visão teria a excluído essa cobertura, pelo que no caso em apreço, a inexistência do nexo causal é relevante,
u) Dispõe o Art. 292° do C.C. “A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”
v) Resulta provado que sem a parte viciada a R. teria mantido o contrato.
w) Pelo que, deveria a douta sentença ter decidido verificar-se apenas a nulidade parcial do negócio jurídico e manter válido o contrato de seguro devida no que diz respeito à cobertura de invalidez.
x) Não o tendo feito, salvo o devido respeito errou na interpretação e aplicação do disposto no Art. 291° do CC. pelo que deve ser revogada e substituída por outra.
- DA CONFIRMAÇÃO DO NEGÓCIO
y) Ora, a anulabilidade é sanável mediante confirmação (Cfr. art.° 288° do Cód. Civil).
z) No caso dos autos, ocorreu a confirmação tácita do contrato de seguro celebrado, pois
aa) Em 13-10-2003 o A. participou à R. a situação de invalidez e esta teve conhecimento das sequelas provocadas pelo acidente de tractor.
bb) Em 07-01-2004, face ao silêncio da R. o A. reiterou aquela participação.
cc) Em 28 de Dez. de 2004, a R. envia a carta informativa acerca do ajustamento do capital seguro da adesão esclarecendo que continuará a garantir as responsabilidades que assumiu com a D………. — v. doc. nº 1 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Mais,
dd) em I8 de Janeiro de 2005, a R. procede a uma reapreciação do processo, informando que foram solicitados elementos de análise ao médico de família dr. G………. . Porque razão o faria?
ee) Pelo que, salvo douto entendimento em sentido contrário, tal actuação foi no sentido de considerar válido o negócio e criou no A. essa mesma convicção. Tanto assim foi que só em Maio de 2005 veio a R. definitivamente invocar a nulidade do contrato.
ff) E tendo continuado a cobrar os prémios de seguro, sem qualquer reparo, pelo menos até Junho de 2004 (Facto Q)
gg) Donde pode ver-se que a R. não tomou uma posição expressa e inequívoca quanto à validade do contrato. Pelo contrário. Foi cobrando os prémios do seguro, e em 28-12-2004 - depois de em 26-02-2004 o ter informado que considerava o contrato nulo- informa o A. que “continua a garantir as responsabilidades que assumiu com a E………. e procede ao ajustamento do capital seguro e, por outro lado, só declara inequivocamente a sua vontade de não validar o negócio quando havia decorrido mais de um ano depois de ter conhecimento da situação de invalidez.
hh) Assim, a Ré, sanou a alegada anulabilidade por ter sempre pautado a sua conduta de forma a incutir no Autor confiança quanto à validade do contrato de seguro, recebendo o prémio de seguro não fazendo qualquer reparo.
ii) Pelo que a sentença recorrida não pode subsistir por ser improcedente a excepção peremptória de anulabilidade do contrato de seguro arguida pela Ré, ex vi do cit. art. 429° do Código Comercial.
Termos em que deve ser a douta sentença revogada e substituída por outra que condene a R. no pagamento do capital seguro.

Contra-alegou a Ré D………. – Companhia de Seguros, S.A., de acordo com as seguintes conclusões:
I. Ao contrário do que pretende sustentar o recorrente, não há nenhuma nulidade processual que justifique a repetição do julgamento, nem qualquer motivo para reapreciar a matéria de facto.
II. Se o recorrente não diz qual foi a disposição legal violada que gera uma nulidade, não deverá, salvo melhor opinião, sequer, esse Venerando Tribunal, dela conhecer [art.º 685.º-A, n.º 2 al. a) do CPC].
III. Porque o recorrente não requereu a cópia do registo magnético dos depoimentos das testemunhas até ao final da audiência de julgamento em que foram prestados, ou seja 01.04.2008, conforme exige o n.º 2 do art.º 7.º do DL. 39/95, de 15 de Fevereiro, na interpretação dada pelo STJ no seu Acórdão de 27.11.2007 proferido no proc. 07S1805, (disponível em texto integral em www.dgsi.pt), não pode o recorrente vir agora arguir a nulidade dos mesmos por omissão ou imperceptibilidade do respectivo registo.
IV. Não tendo o recorrente feito qualquer menção à importância dos depoimentos cuja repetição pretende, para a descoberta da verdade, conforme exige o art.º 9.º in fine do DL. 39/95, de 15 de Fevereiro, também por esse motivo, não deverá haver lugar à sua repetição.
V. Porque o recorrente não faz qualquer referência aos concretos meios probatórios dos autos que pretende sejam reapreciados, designadamente a localização dos depoimentos que cita, por referência aos respectivos registos (in casu as cassetes e respectivas rotações), deverá o recurso, por força dos n.ºs 1 e 2 do art.º 685.º-B do CPC, no que se refere à decisão relativa à matéria de facto, ser liminarmente rejeitado.
VI. Não é verdade que a prova produzida nos autos não sustente a posição assumida pelo Tribunal a quo quanto ao quesito primeiro, conforme resulta da detalhadíssima justificação dada à resposta ao referido quesito onde, de forma criteriosa, analítica, imparcial e completa, foram escalpelizados os meios de prova que para ela contribuíram.
VII. Verificar se determinadas declarações prestadas são verdadeiras ou falsas consubstancia uma conclusão, a qual, por natureza, nunca poderia estar concretizada na matéria de facto, aí apenas podendo constar os factos concretos que permitem conclui-lo,
VIII. Pelo que, tendo ficado provado que o recorrente declarou em questionário clínico (em 23.12.2002) que não «foi submetido (...) a alguma intervenção cirúrgica», e que «não «tem ou teve (...) doenças ou distúrbios (...) relacionados com os olhos», (factos provados números 2 e 6), mas também que «teve um acidente de viação há 19 anos atrás, tendo perdido 50% da visão e fracturado a bacia.” (facto provado n.º 19), são, pois, indesmentíveis as falsas declarações do recorrente, e encontram-se plenamente provadas,
IX. E, ainda que, se, como alegou (sem que tivesse ficado provado), o preenchimento do referido questionário não correspondia às declarações prestadas verbalmente – sem conceder -, então o ónus da prova, quanto a esse facto, pertencer-lhe-ia, já que seria a si, e ao seu direito, que tal facto visava sustentar.
X. O artigo 292.º do C. Civil reporta-se a casos em que tenha havido manifestação de ambas as parte no sentido da redução do contrato e não a situações em que tal redução é imposta independentemente da vontade das partes (como seriam os casos, por exemplo, dos artigos 271.º, n.º 2 ou 1146.º, n.º3 do C. Civil),
XI. Pelo que, tendo a recorrida enviado duas cartas ao recorrente, a 26.02.2004 e a 06.05.2005 (cfr. facto provado n.º 15), considerando o contrato integralmente “nulo” e negando o pagamento de qualquer indemnização, ficou manifestada expressamente a sua vontade em não proceder à redução do contrato, pelo que não tem aplicação o referido artigo.
XII. Resulta do art.º 217.º do C. CIVIL que uma declaração negocial é tácita “quando se deduz de actos que, com toda a probabilidade a revelam.”, ou seja, como se refere na douta Sentença recorrida, “...a confirmação do negócio (art. 288º C. Civil), se é certo que pode ser tácita e não depende de forma especial (n.º 3 da citada norma), deve ser inequívoca.”
XIII. Pelo que tendo a recorrida enviado duas cartas ao recorrente, a 26.02.2004 e a 06.05.2005 (cfr. facto provado n.º 15), onde – repita-se – expressamente, se invoca a nulidade do contrato, não é aceitável – salvo melhor opinião – dizer que o recebimento de prémios (que, como se sabe, numa companhia de seguros corresponde um mecanismo automático e informatizado) “com toda a probabilidade” revela o contrário.
Termos em que deve julgar-se improcedente o presente recurso, mantendo-se, na totalidade, a douta sentença recorrida, com as demais consequência legais.
II
É a seguinte a factualidade dada por assente pela 1ª instância:
1. O A., B………., e C………. contraíram, em 1998, junto da E………., CRL, empréstimo para construção de um imóvel para habitação própria (A).
2. Em 23 de Dezembro de 2002, o A. B………. assinou, na qualidade de pessoa segura e segurado, a declaração individual de adesão n.° 455 junta a fls. 80 a 83, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, nos termos da qual a Ré “pagará o capital contratado em caso de morte ou de invalidez total e definitiva, salvo se excluída, da Pessoa Segura durante o prazo de adesão ao contrato. Para o efeito, considera-se que a pessoa segura se encontra na situação de invalidez total e definitiva quando esta for irreversível, de grau superior a 75% e impossibilite o exercício de uma actividade remunerada” (B).
3. Nessa proposta diz-se que o seguro tem inicio no dia 23/12/2002, pelo período de 9 anos, sendo o capital seguro no valor de € 25.000,00 e o prémio mensal de € 8,00, designando-se como beneficiários “em caso de morte e invalidez” a E……….., CRL “credor privilegiado, pelo capital em dívida à data da ocorrência, tendo como limite o capital contratado” e para o capital remanescente os herdeiros (C).
4. Nessa proposta ainda, é declarado que a pessoa segura, B………., com a profissão de Ajudante de Serrador, não “exerce a profissão que desempenha no seu dia-a-dia com alguma restrição provocada por motivos de saúde” e não “tem alguma incapacidade de ordem motora ou doença de natureza definitiva” (D).
5. Nessa proposta está ainda escrito que “declara-se ter respondido com veracidade às perguntas constantes desta Declaração Individual de Adesão, tendo conhecimento que qualquer omissão, resposta incompleta ou falsas declarações, que induzam em erro na apreciação do risco, terá como consequência a anulação da adesão ao contrato, autorizando-se a D………. a obter junto de qualquer Médico ou Instituição de Saúde as informações ou elementos necessários para a análise e apreciação do risco (...) Declara-se ainda ter tomado conhecimento de todas as condições aplicáveis ao contrato, com elas concordando inteiramente” (E).
6. No mesmo dia, o A. assinou um questionário predefinido pela Ré, no qual se respondeu que já esteve internado em hospital e clínica por “inicio de pneumonia”, não “foi submetido ou está previsto submeter-se a alguma intervenção cirúrgica”, não “tem ou teve alguma das seguintes doenças ou distúrbios” relacionados com olhos, ORL, Aparelho Respiratório, Aparelho Circulatório, Aparelho, etc, ou outras doenças não especificadas” (F).
7. Nesse questionário é declarado que “preenchi com o meu punho ou foi preenchido a meu pedido o presente formulário que faz parte integrante da Declaração Individual de Adesão ao Seguro, tendo respondido com toda a veracidade e completamente a todas as perguntas nele contidas com perfeito conhecimento de quaisquer omissões, declarações incompletas ou inexactas ou que possam induzir a D………. em erro na apreciação do risco proposto poderão ter como consequência a nulidade da adesão, ficando nulas e sem efeito as garantias contratuais subscritas, qualquer que seja a data em que a D………. delas tome conhecimento” (G).
8. O A. respondeu verbalmente ao referido questionário, que foi preenchido por um funcionário que promoveu a comercialização da referida proposta de adesão ao seguro (H).
9. A Ré, por carta dirigida ao A. junta a fls. 26, datada de 09 de Janeiro de 2003, enviou-lhe o Certificado Individual de Adesão, junto a fls. 31, com a mesma data, no qual declarou: “Seguro: Protecção Crédito Habitação; Apólice n.° …../……., Tomador de Seguro: E……….; Adesão n.° …; Balcão: ……….; Pessoa Segura 1/Segurado: E……….; (...) Coberturas: Morte ou Invalidez total e definitiva. (...) Prémio mensal inicial: 8.00 EUR; Capital Seguro inicial: 25,000.00 EUR; Data de início: 08/01/2003; Data de termo 23/12/2011; Beneficiários E………., pelo montante em dívida à data da ocorrência do risco coberto pela apólice, tendo como limite o capital contratado e restantes Beneficiários designados para o capital remanescente” (I).
10. Entre os dias 17/03/2003 e 08/04/2003, o autor esteve internado no Hospital ………., no Porto, onde lhe foi diagnosticada Angina Vasoespástica (cfr. doc. de fls. 32) (J).
11. Em 10 de Outubro de 2003, foi emitido o atestado médico junto a fis. 84, que foi entregue à Ré e no qual se diz que o autor “apresenta como problemas de saúde mais relevantes os seguintes: 1 - Cardiopatia isquémica com angina vasoespástica fortemente incapacitante; 2 - Sequelas de acidente de viação que ocorreu há cerca de 19 anos, com traumatismo da bacia e da face, tendo ficado com anacrose esquerda; 3 - ombro doloroso à esquerda; 4 - lombalgias decorrentes de esforço. Trata-se de um doente fortemente incapacitado para o exercício profissional” (L).
12. Em, pelo menos, 14/10/2003, o A. solicitou à Ré o pagamento da indemnização devida pela passagem para a situação de incapacidade total permanente, comprovada pelo relatório referido em L) (M).
13. Em 13/04/2004, o A. foi submetido a exame por uma Junta Médica, tendo sido por esta atestado que o autor apresenta as deficiências constantes da Tabela Nacional de Incapacidades - Capítulo VI, n.° 1.3, ai. d), com um coeficiente de 0,65 e Capítulo V, n.° 2.1, ai. h), com um coeficiente de 0,30 — que “lhe conferem uma incapacidade permanente de 76 (setenta e seis por cento)”, o qual foi remetido à ré em 30/04/2004. — cfr. doc. de fls. 33 (N).
14. Em 14/04/2004, foi emitido pelo médico de família o atestado junto a fls. 32-A, no qual se diz que o autor “padece de doença do foro cardíaco que o impede de efectuar esforços físicos, sendo incompatível com o exercício profissional” (O).
15. A Ré não procedeu ao pagamento de qualquer indemnização, tendo informado o autor, por carta de 26/02/2004 (cuja cópia se encontra junto a fls. 85) e de novo em 06/05/2005, que considera o contrato referido em 1) nulo, com fundamento em ter o autor “omitido as doenças e sequelas que tinha à data da subscrição do seguro» (cfr. doc. junto a fls. 34 a 35) (P).
16. A Ré continuou a cobrar os prémios do seguro até, pelo menos, o mês de Junho de 2004 (Q).
17. Em 05 de Abril de 2003, o capital em dívida relativo ao empréstimo referido em A) era de € 20.228,52, sendo que o autor continuou a proceder ao pagamento da prestação mensal (R).
18. As condições gerais do contrato referido em 1) expressam, no art. 15°, n.° 1, que “as omissões e as declarações inexactas ou incompletas que, sendo da responsabilidade do Tomador do Seguro, do Segurado ou da Pessoa Segura, alterem a apreciação do risco tornam o contrato nulo, sem que o Tomador do Seguro ou o Segurado, em caso de má-fé, tenham direito a qualquer restituição de prémios», acrescentando-se no n.° 2 do mesmo artigo que “para efeitos do número anterior, entende-se por má-fé o conhecimento por parte do Tomador do Seguro, do Segurado ou da Pessoa Segura de que as declarações são inexactas ou incompletas.” (S).
19. O A. teve um acidente de viação há 19 anos atrás, tendo perdido 50% da visão e fracturado a bacia (T).
20. Se a Ré soubesse, aquando a contratação, dos factos referidos em T), teria excluído da cobertura do seguro uma eventual futura incapacidade para o trabalho deles decorrente, com os esclarecimentos de que não excluiria o risco morte e que a cardiopatia isquémica com angina vasoespástica referida em L) não foi causada pelos factos referidos em T) (3).
III
O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer das matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 3 do CPC).

São as seguintes as questões a conhecer:
- Da impugnação da matéria de facto
- Da existência ou não dos pressupostos de anulação do contrato

Da impugnação da matéria de facto
Impugna o A. a resposta negativa dada ao ponto 1º da base instrutória («quando da resposta ao questionário referido em F) o autor informou o funcionário que preencheu o mesmo de que tinha sofrido um acidente de viação há 19 anos atrás, tendo perdido 50% da visão e fracturado a bacia»)?
A impugnação da matéria de facto pressupõe a reapreciação dos depoimentos em que se funda a matéria impugnada (artº 690º - A do CPC).
No caso, a impugnação assenta em dois depoimentos: o de C………., relevado pelo Autor/Apelante, e o de F………. relevado pela Ré/Apelada.
Constituíram eles, aliás, a única prova produzida sobre os pontos 1º e 2º da base instrutória e constituíram objecto de ponderação criteriosa e fundamentada no despacho proferido pelo Mmº Julgador de 1ª instância sobre o julgamento de facto.
Foi já reconhecido em anterior Acórdão proferido nestes autos por esta Relação que, parte dos depoimentos das testemunhas se mostra inaudível por deficiente gravação.

O Supremo Tribunal de Justiça, contrariando a nossa decisão de anulação parcial do julgamento, pronunciou-se pela arguição intempestiva da deficiente gravação dos depoimentos em audiência, pelo que, a impugnação da matéria de facto ficará prejudicada na medida em que os depoimentos a reapreciar se mostrem ou não afectados por tal irregularidade.
No caso, mostra-se intacto o depoimento da testemunha C………. e parcialmente afectado o depoimento de F………. .
Não obstante essa afectação parcial, ouvimos os depoimentos em causa.
Ora, resulta dos mesmos que a testemunha C………. refere que o marido comunicou ao funcionário que preencheu o questionário, a perda de uma vista e a fractura da bacia e que o funcionário disse que não havia problemas.
Já F………. refere ter sido informado apenas da ocorrência de uma pneumonia.
Na verdade o Apelante sofria de uma perda de 50% da visão.
Dificilmente a perda parcial da visão não seria perceptível pelo funcionário que preenchia o questionário, ou porque o Autor usasse óculos ou porque, não os usando, assumisse uma expressão própria de quem vê mal.
Contudo, o facto em discussão é mais abrangente – exige a prova de que foi dada a informação da perda de 50% da visão e da fractura da bacia.
E, quanto a tal factualidade, a nossa convicção é que nenhum dos dois depoimentos se revelou mais idóneo que o outro, sendo a negação um do outro.
Concordamos, por isso com a resposta de “não provado” dada pelo Tribunal de 1ª instância ao apontado ponto 1º da base instrutória, a qual se fundamenta na insuficiência da prova produzida e na seguinte apreciação crítica, que subscrevemos:
“Basicamente, a prova resumiu-se a duas testemunhas: C………. e F………. .
A primeira é esposa do A; o segundo era gerente do balcão de ………. e simultaneamente, mediador/angariador por conta da Ré.
Portanto ambos com indiscutível comprometimento com a sorte da acção, o que naturalmente levou o Tribunal a ter redobradas cautelas na valoração dos respectivos depoimentos.
E quiçá, como seria de esperar, tais testemunhas produziram depoimentos que variaram consoante o interesse da parte que as indicou.
Assim, C………. referiu ter acompanhado o marido, aquando da proposta do seguro, afiançando que este nada escondeu, antes relatou ao gerente ter sofrido um acidente de tractor, com perda de visão de uma vista e com fractura da bacia, e que assinou em branco, ficando o gerente encarregue de preencher o formulário.
Já F………. relatou ter recebido o A.,, terem juntos, preenchido o formulário, que depois foi assinado pelo A. e que este nunca referiu a ocorrência do acidente de tractor e sequelas, apenas se referindo a uma pneumonia.
Portanto, depoimentos em sentido oposto.
Face a tais contradições entre os depoimentos e à ausência de outros elementos de prova, não foi possível ao Tribunal ultrapassar o non liquet.
Tanto mais que, face à parcialidade de ambas as testemunhas, nenhuma mereceu especial credibilidade e que mesmo analisando a postura e atitude corporal de cada uma das testemunhas não foi possível chegar a juízo seguro acerca da veracidade dos relatos.
Nem a análise do teor intrínseco dos relatos permitiu atribuir maior crédito a uma do que a outra, pois ambos os relatos são possíveis.
É claro que se ponderou que alguma indicação o A. há-de ter dado ao gerente, pois no formulário de fls. 28 refere-se a uma “pneumonia”; todavia, daí podem resultar duas ilações: 1º pode pensar-se que se o A. falou de uma “pneumonia” não deixaria também de mencionar os outros problemas; mas por outro lado pode pensar-se que, se o A. falou de uma “pneumonia” não deixaria também de mencionar os outros problemas; mas por outro lado pode pensar-se que, tendo o gerente mencionado um início de pneumonia, não teria deixado de mencionar as outras sequelas.
Portanto, nem por aqui foi possível ultrapassar o non liquet o que, aliado ao facto de as regras da experiência não terem qualquer utilidade para o caso, justificou as respostas negativas aos dois artigos”.
Nenhuma razão acolhe, assim, no sentido de alterar a resposta dada.

Da validade do contrato de seguro
O contrato de seguro em geral é o acordo vinculativo assente sobre duas declarações de vontade (proposta e aceitação), contrapostas mas harmonizáveis entre si, através do qual a seguradora assume a obrigação, mediante a retribuição a pagar pelo segurado, de satisfazer uma indemnização pelo prejuízo por este sofrido ou um montante previamente determinado.
É um contrato formal, já que deve ser reduzido a escrito num instrumento, que constitui a apólice de seguro (art. 426º C.Comercial).
Reger-se-á pelas estipulações particulares e gerais constantes da respectiva apólice e, nas partes omissas ou insuficientes, pelo disposto no Código Comercial e, na falta de previsão deste, pelo disposto no Código Civil (arts. 3º e 427º C.Comercial).
É também um contrato de adesão na medida em que as cláusulas contratuais gerais são elaboradas sem prévia negociação individual e que os proponentes se limitam a subscrever.
Pretende o apelante que o contrato de seguro é válido por três ordens de razões: não ter a Ré logrado provar que foi o A. quem respondeu ao questionário, como lhe competia; porque o acidente e a perda de visão apenas excluiriam da cobertura do seguro uma eventual futura incapacidade para o trabalho deles decorrente, não excluindo o risco morte e que o sinistro (cardiopatia isquémica com angina vasoespástica) não teve causa em tais doenças.
Vejamos:
O Apelante contratou com a Apelada um seguro de vida, em 09 de Janeiro de 2003, para protecção do seu crédito à habitação, com cobertura respeitante a morte ou invalidez total e definitiva.
Por força deste contrato ficou vinculado ao pagamento do prémio mensal inicial de € 8.00, garantido a Apelada um capital seguro inicial de € 25,000.00, a pagar à beneficiária E………., pelo montante em dívida à data da ocorrência do risco coberto pela apólice, tendo como limite o capital contratado e restantes Beneficiários designados para o capital remanescente.
Nesta medida, este contrato de seguro configura-se como um contrato a favor de terceiro –art. 443º, nº 1 C.Civil.
Da proposta de adesão do contrato de seguro vida fazia parte um questionário clínico, ao qual o A. respondeu verbalmente e que foi preenchido por um funcionário que promoveu a comercialização da referida proposta de adesão ao seguro.
Ao celebrar um contrato, é obrigação do segurado não prestar declarações inexactas, assim como não omitir qualquer facto ou circunstância que possam influir na existência ou condições do contrato.
De acordo com o art. 429º C.Comercial, toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.
Este preceito abrange na sua previsão não só as declarações inexactas, mas também a própria omissão de factos ou circunstâncias. Mas apenas relevam aquela inexactidão ou omissão que influam na existência ou condições do contrato, ou seja, que levariam a seguradora a não fazer o seguro ou a fazê-lo em condições manifestamente diferentes.
Não obstante o preceito falar em nulidade, vem entendendo a doutrina e a jurisprudência que se está perante uma anulabilidade do contrato atendendo a que estão em causa interesses de natureza particular e, por outro lado, porque não é violada qualquer norma de cariz imperativo. Qualificação com a qual concordamos inteiramente.
Ainda que se não exija que o declarante tenha agido com dolo, como se depreende do § único do art. 429º citado, é necessário que tenha conhecimento dos factos ou circunstâncias inexactas declaradas ou omitidas. No corpo do artigo determina-se que a declaração inexacta ou a reticência sejam conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, só assim o seguro sendo então anulável.
Vejamos o que ressalta de relevante da factualidade provada:
Em 23 de Dezembro de 2002, o Apelante era portador de sequelas dum acidente de viação ocorrido há cerca de 19 anos, com traumatismo da bacia e da face, tendo ficado com anacrose esquerda, tendo perdido 50% da visão.
Nessa data assinou, na qualidade de pessoa segura e segurado, uma declaração individual de adesão com vista à celebração de um contrato de seguro de vida, com a vertente complementar da invalidez permanente.
Nessa proposta é declarado que a pessoa segura, o Apelante, não “exerce a profissão que desempenha no seu dia-a-dia com alguma restrição provocada por motivos de saúde” e não “tem alguma incapacidade de ordem motora ou doença de natureza definitiva”.
Na mesma proposta está ainda escrito que “declara-se ter respondido com veracidade às perguntas constantes desta Declaração Individual de Adesão, tendo conhecimento que qualquer omissão, resposta incompleta ou falsas declarações, que induzam em erro na apreciação do risco, terá como consequência a anulação da adesão ao contrato, autorizando-se a D………. a obter junto de qualquer Médico ou Instituição de Saúde as informações ou elementos necessários para a análise e apreciação do risco (...). Declara-se ainda ter tomado conhecimento de todas as condições aplicáveis ao contrato, com elas concordando inteiramente”.
No mesmo dia, o Apelante assinou um questionário predefinido pela apelada, no qual se respondeu que já esteve internado em hospital e clínica por “início de pneumonia”, não “foi submetido ou está previsto submeter-se a alguma intervenção cirúrgica”, não “tem ou teve alguma das seguintes doenças ou distúrbios” relacionados com olhos, ORL, Aparelho Respiratório, Aparelho Circulatório, Aparelho, etc, ou outras doenças não especificadas”.
É ainda declarado que “preenchi com o meu punho ou foi preenchido a meu pedido o presente formulário que faz parte integrante da Declaração Individual de Adesão ao Seguro, tendo respondido com toda a veracidade e completamente a todas as perguntas nele contidas com perfeito conhecimento de quaisquer omissões, declarações incompletas ou inexactas ou que possam induzir a D………. em erro na apreciação do risco proposto poderão ter como consequência a nulidade da adesão, ficando nulas e sem efeito as garantias contratuais subscritas, qualquer que seja a data em que a D………. delas tome conhecimento” .
As sequelas resultantes do acidente de viação eram do conhecimento do Apelante e, por isso, não as podia omitir e, muito menos, declarar que não tinha ou teve qualquer doença ou distúrbios relacionados com os olhos, ou outras doenças não especificadas, ou que “não exerce a profissão que desempenha no seu dia-a-dia com alguma restrição provocada por motivos de saúde” e não “tem alguma incapacidade de ordem motora ou doença de natureza definitiva”, como fizera de acordo com as declarações verbais por si prestadas.
E o fornecimento destes elementos era essencial para a seguradora fazer uma avaliação do risco que iria assumir com a celebração do contrato.
Tanto assim que, resultou provado, se a Apelada soubesse, aquando a contratação, que o Apelante tinha perdido 50% da visão e fracturado a bacia, teria excluído da cobertura do seguro uma eventual futura incapacidade para o trabalho deles decorrente.
Não excluiria, contudo, o risco morte.
Houve, portanto, declarações inexactas e omissão de elementos essenciais para apreciação do risco com a abrangência que a seguradora assumiu, o que acarreta a anulabilidade do contrato, pelo menos na parte em que cobre a futura incapacidade para o trabalho.
Irrelevante é que tais declarações tenham sido prestadas verbalmente uma vez que o Apelante se vinculou às mesmas pela sua assinatura.
Sucede que o Apelante, entre os dias 17/03/2003 e 08/04/2003 esteve internado tendo-lhe sido diagnosticada Angina Vasoespástica.
Em 10 de Outubro de 2003, foi emitido atestado médico no qual se diz que o Apelante “apresenta como problemas de saúde mais relevantes os seguintes: 1 - Cardiopatia isquémica com angina vasoespástica fortemente incapacitante; 2 - Sequelas de acidente de viação que ocorreu há cerca de 19 anos, com traumatismo da bacia e da face, tendo ficado com anacrose esquerda; 3 - ombro doloroso à esquerda; 4 - lombalgias decorrentes de esforço. Trata-se de um doente fortemente incapacitado para o exercício profissional”.
Em 13/04/2004, foi o Apelante submetido a exame por uma Junta Médica, tendo sido por esta atestado que o Apelante apresenta as deficiências constantes da Tabela Nacional de Incapacidades - Capítulo VI, n.° 1.3, ai. d), com um coeficiente de 0,65 e Capítulo V, n.° 2.1, ai. h), com um coeficiente de 0,30 — que “lhe conferem uma incapacidade permanente de 76 (setenta e seis por cento)”.
Em 14/04/2004, foi emitido pelo médico de família o atestado no qual se diz que o Apelante “padece de doença do foro cardíaco que o impede de efectuar esforços físicos, sendo incompatível com o exercício profissional”.
Está ainda provado que a cardiopatia isquémica com angina vasoespástica não foi causada pelas sequelas de que o Apelante era portador em consequência do acidente de viação.
Ou seja, tais sequelas não têm qualquer conexão com o evento danoso.
O que, a nosso ver, é irrelevante.
Tal questão prende-se com a discussão sobre a necessidade de exigência ou não da existência de nexo de causalidade entre os factos omitidos e o sinistro como requisito para a declaração de anulabilidade do contrato.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/01/2009, Relator: Conselheiro Alberto Sobrinho, in www.dgsi.jstj/pt afirma a necessidade dessa exigência.
Lê-se no mesmo:
«Ainda que não seja pacífica a questão de saber se é imprescindível à invalidade do contrato a existência de nexo de causalidade entre a inexactidão e/ou omissão de elementos essenciais e o sinistro, afigura-se-nos mais defensável a resposta positiva, já que seria de todo desproporcionado sancionar com o vício da anulabilidade o seguro em que o evento que despoletou o pagamento do risco assumido seja completamente alheio aos elementos inexactos ou omitidos».
Essa não corresponde, contudo, à posição maioritária que assenta na letra da lei.
Efectivamente, o artigo 429.º do Código Comercial não exige a existência de nexo de causalidade entre os factos omitidos e o sinistro como requisito para a declaração de anulabilidade do contrato (cfr. Acs. do STJ de 17-10-2006, 24-04-2007 e 30-10-2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj).
O que releva é que os factos omitidos ou inexactos existam à data da subscrição da proposta de seguro, que sejam conhecidos do proponente-declarante (a pessoa segura ou o tomador do seguro) e sejam essenciais para a apreciação do risco por parte da seguradora.
O que bem se entende porque, a anulação do contrato, depende tão somente da constatação dos factos omitidos ou declarações inexactas, o que pode ocorrer sem que se tenha verificado qualquer sinistro.
Com efeito, o art. 429.º do Código Comercial dispõe que: “Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”.
O Tribunal Constitucional, pronunciando-se sobre a ratio e o alcance desta norma, no seu acórdão n.º 524/99, de 29-09-99 (publicado no D.R., II série, de 17-03-2000), diz o seguinte:
«A exacta determinação do risco constitui um aspecto fundamental da disciplina do contrato de seguro, uma vez que o montante do prémio a pagar pelo segurado é fixado em relação ao risco e que uma exacta determinação do risco por parte do segurador é susceptível de se repercutir na gestão da empresa e na possibilidade de proporcionar à generalidade dos segurados a garantia e a segurança pretendidos.
Daí que, em diversas ordens jurídicas, a lei estabeleça para o segurado o ónus de, no momento da formação do contrato, comunicar ao segurador todas as circunstâncias conhecidas que possam ter influência na determinação do risco e determine as consequências, quanto à validade ou eficácia do contrato, da inobservância de tal ónus pelo segurado (como sucede com o art. 429.º do Código Comercial português, o art. 1892 do Código Civil italiano e o art. 10 da Lei espanhola n.º 50/1980 de 8 de Outubro, sobre o contrato de seguro).
Alguma doutrina refere-se a uma especial relevância do princípio da boa fé no âmbito do contrato de seguro (...). O reforço da exigência de boa fé, neste domínio, deve relacionar-se, por um lado, com a natureza duradoura da relação contratual que se estabelece entre as partes e, por outro lado, com o carácter aleatório deste tipo de contrato. Tendo em conta principalmente esta característica do contrato de seguro, há que reconhecer que a avaliação do risco coberto pelo seguro, a individualização do sinistro e, consequentemente, a definição das obrigações do segurador dependem das informações prestadas pelo segurado no momento da formação do contrato.
A norma do art. 429.º do Código Comercial tem portanto como objectivo dar concretização a esta necessidade de determinar com exactidão o risco do contrato de seguro.
Consequência do incumprimento do dever de declaração exacta é, segundo a norma em análise, a anulabilidade do contrato (segundo a doutrina portuguesa e segundo a doutrina italiana, perante norma idêntica)»
Ora, a lei (cfr. referido artigo 429º) não exige, como pressuposto da anulabilidade do contrato de seguro, que a doença omitida da declaração tenha sido a causa directa e necessária do sinistro.
Apenas exige que o segurado soubesse, quando prestou as declarações, que sofria de doença susceptível de influenciar a decisão da seguradora em contratar e que a omissão ou falsa declaração ocorridas sejam susceptíveis de influenciar a seguradora na decisão de contratar.
Tinha, pois, o Apelante, nos termos do indicado normativo legal, o dever de informar, com verdade, a seguradora das sequelas de que vinha padecendo.
Não o tendo feito, e sabendo-se que o questionário apresentado foi decisivo para a celebração do contrato no respeitante à cobertura da invalidez total e definitiva, resultam verificados os pressupostos previstos no indicado artigo 429º do Código Comercial, sendo anulável o contrato de seguro.

Objectou o Apelante que a admitir-se a anulação do negócio a mesma só pode ser parcial, pois que, ficou demonstrado que o conhecimento das sequelas omitidas redundaria, apenas em exclusão da cobertura de uma eventual incapacidade para o trabalho dela decorrente, não excluindo o risco morte.
E, desse modo, deveria a sentença ter decidido verificar-se apenas a nulidade parcial do negócio jurídico e manter válido o contrato de seguro de vida no que diz respeito à cobertura de invalidez.
Ou, dito de outro modo, pretende o Apelante que o Tribunal proceda a uma redução do negócio.
Dispõe o art. 292º do CCiv que a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.
A solução da redução é, de resto, preconizada na jurisprudência em relação ao contrato de seguro (nesse sentido Ac. Tribunal da Relação do Porto de 30/04/2009, Relator: Pinto de Almeida, in www.trp.pt/jurisprudenciacivel ).
Contudo, tal questão foi apenas suscitada por via do recurso, não constitui objecto da acção.
Não podem as partes suscitar por via de recurso questões que não tenham sido suscitadas no tribunal " a quo ", salvo aquelas que respeitando a direitos indisponíveis sejam do conhecimento oficioso do tribunal.
O objecto do recurso há-de corresponder exactamente ao objecto da decisão recorrida, visto que o tribunal para onde se recorre é chamado apenas para reapreciar a questão posta no tribunal recorrido, confirmando-a ou reformando-a, e não para julgar questões novas.
Ora, a redução do negócio não só não foi suscitada em sede de articulados como não é questão de conhecimento oficioso, estando, por isso, esta Instância, impedida de dela conhecer.

Pretende ainda o Apelante que ocorreu a confirmação tácita do contrato de seguro celebrado, pois que, em 13-10-2003 participou à Apelada a situação de invalidez e esta teve conhecimento das sequelas provocadas pelo acidente de tractor, reiterou tal participação em 07/01/2004, em 28 de Dez. de 2004, a Apelada enviou a carta informativa acerca do ajustamento do capital seguro da adesão esclarecendo que continuará a garantir as responsabilidades que assumiu com a D………. (facto que não se prova, pois que embora referia a junção de um documento com as alegações, tal junção não ocorreu), em 18 de Janeiro de 2005, a Apelada procedeu a uma reapreciação do processo, informando que foram solicitados elementos de análise ao médico de família, o que tudo terá criado no Apelante a convicção da confirmação do negócio.
Tanto assim foi que só em Maio de 2005 veio a Apelada definitivamente invocar a nulidade do contrato, tendo continuado a cobrar os prémios de seguro, sem qualquer reparo, pelo menos até Junho de 2004.
Cremos contudo que não tem razão porquanto, a Apelada não só não pagou qualquer indemnização, como informou o Apelante, por cartas de 26/02/2004 e de 06/05/2005, que considerava o contrato referido nulo, com fundamento em ter o Apelante “omitido as doenças e sequelas que tinha à data da subscrição do seguro».
Como bem refere o Mmº Juiz a quo na sua Sentença “… a confirmação do negócio (artº288º C.Civil), se é certo que pode ser tácita e não depende de forma especial (nº 3 da citada norma), deve ser inequívoca”.
A declaração negocial é tácita (artº 217º C.Civ) “quando se deduz de actos que, com toda a probabilidade a revelam”.
Ora, face às duas cartas onde expressamente se invoca a nulidade do contrato, não é aceitável dizer que o recebimento de prémios, que, como é sabido, numa companhia de seguros corresponde a um mecanismo automático e informatizado. “como toda a probabilidade” revela a validade do contrato.
Improcede, por isso, a alegação feita.
III
Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.

Porto, 12 de Outubro de 2009
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
Maria de Deus Simão da Cruz Silva Damasceno Correia
Maria Adelaide de Jesus Domingos