Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0545313
Nº Convencional: JTRP00038861
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: DANO QUALIFICADO
COISA DE UTILIDADE PÚBLICA
Nº do Documento: RP200602220545313
Data do Acordão: 02/22/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: Para efeito de qualificação do crime de dano, a porta de entrada do serviço de urgência de um hospital público é coisa destinada ao uso e utilidade pública.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto.

No processo comum singular, nº .../03.1GBOAZ, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que condenou o arguido B....., devidamente identificado, como autor material de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo art 213º, nº 1, al c) do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz a multa global de € 300 euros.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, sendo que na respectiva motivação conclui:
1. O arguido foi condenado pela prática em autoria material, de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo art. 213.º, nº 1, al. c) do C. Penal, na pena concreta de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de € 5,.00 (Cinco euros), o que perfaz a multa global de € 300,00 (trezentos euros);
2. O art. 213.º, nº 1, al. c) do Código Penal prevê «Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tomar não utilizável: (...) c) coisa destinada ao uso e utilidade públicos (...) é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.»;
3. O Meritíssimo Juiz deu como provado «(...) o arguido forçou a abertura da porta em alumínio do serviço de urgência do referido Hospital, empurrando-a com o pé quando o vigilante ali em serviço a tentou fechar e puxou-a para si, fazendo-a sair da calha, amolgando-a e partindo os vidros da mesma(...)»;
4. A porta do serviço de urgência do Hospital não se destina a ser utilizada pelo público em geral, destinando-se ao uso interno do Hospital;
5. Por esse motivo se encontrava um vigilante a impedir que o público em geral, como o arguido, a transpusessem;
6. Concluindo-se que a porta do serviço de urgência do Hospital não pode ser entendida como "coisa destinada ao uso e utilidade públicos';
7. O arguido não praticou o crime p. e p. pelo art. 213.º, nº 1, al. c) do Código Penal;
8. o arguido com a sua conduta, praticou o crime p. e p.. pelo art. 212.º, nº 1 do Código Penal.
9. Esse crime, nos termos do art. 212.º, nº 3 e artº 116.º, ambos do Código Penal, é semi público, admitindo desistência de queixa.;
10. O queixoso, como resulta de fls 74 dos autos, desistiu da queixa apresentada contra o arguido;
11. O arguido não se opõe à desistência de queixa;
12. Os autos deveriam ter sido arquivados com todas as devidas e legais consequências;
13. Decidindo o Meritíssimo juiz recorrido, como decidiu, condenando o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo art. 213.º, nº 1, al. c) do C. Pena1, na pena concreta de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a multa global de € 300,00 (trezentos euros), foi violado o disposto nos artigos 213º, nº 1, al. c), 212º, nº 1 e nº 3 e artigo 116º todos do Código Penal.
TERMOS EM QUE DEVERÁ DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO REVOGANDO-SE, CONSEQUENTEMENTE, A DOUTA DECISÃO RECORRIDA ORDENANDO-SE O ARQUIVAMENTO DOS AUTOS. COM O QUE SE FARA INTEIRA JUSTIÇA,
VOSSAS EXCELÊNCIAS, COMO SEMPRE, MELH0R DECIDIRÃO!

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com feito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta, pela rejeição do recurso, por ser manifesta a sua improcedência.

Colhidos os vistos legais e efectuada a audiência, cumpre agora decidir.

O recurso é restrito à matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento dos vícios constantes do nº 2 do art 410 do Código Processo Penal.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:
a) No dia 23 de Novembro de 2003, pelas 00.30 horas, no Hospital de S. Miguel, sito no Largo Riso Terra, em Oliveira de Azeméis, o arguido forçou a abertura da porta em alumínio do serviço de urgência do referido Hospital, empurrando-a com o pé quando o vigilante ali em serviço a tentou fechar e puxou-a para si, fazendo-a sair da calha, amolgando-a e partindo os vidros da mesma;
b) Com tal conduta causou o arguido danos na porta no valor de € 87,47.
c) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito de causar os referidos danos, bem sabendo que a referida porta pertencia ao Hospital de S. Miguel e se destinava ao uso e utilidade públicos, que agia contra a vontade do dono e que tal conduta lhe não era permitida por lei.
d) O arguido já efectuou o pagamento integral do montante em que foram contabilizados os danos a que se alude na acusação pública
e) O mesmo é casado, tem um filho com 3 anos de idade. É motorista de profissão, auferindo mensalmente o montante equivalente à retribuição mínima mensal. A sua mulher exerce profissionalmente a actividade de empregada de balcão, na qual aufere o rendimento mensal de € 350,00. O arguido tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade;
f) Vive com sua mulher e o seu filho em casa própria;
g) O arguido possui um automóvel de marca e modelo Toyota Star Van, com ano de matrícula de 1993;
h) O arguido confessou mitigadamente os factos por que vinha acusado;
i) Não lhe são conhecidos quaisquer antecedentes criminais.
***
Factos não Provados:
Não há.

Motivação:
- Quanto aos factos provados constantes da acusação pública e aos factos provados relativos às condições sócio-económicas do arguido, este Tribunal apoiou-se no teor das declarações do mesmo, o qual confessou mitigadamente os factos por que vinha acusado e proferiu declarações que se nos afiguraram credíveis e verosímeis a respeito da sua condição sócio-económica, no teor do orçamento junto a fls. 52 cujos valores não foram impugnados e ainda no teor da declaração de fls. 74 e do documento de fls. 75. O Tribunal apoiou-se ainda no teor das declarações das testemunhas C..... e D......, as quais revelaram ter conhecimento directo dos factos e descreveram com calma, ponderação e coerência todo o circunstancialismo factual que deu origem aos presentes autos. O Tribunal apoiou-se também no “print informático” de fls. 56, relativamente aos antecedentes criminais do arguido.

Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questão a decidir:
- Saber se partir a porta de entrada do serviço de urgência de um hospital público se integra ou não no conceito de “Coisa destinada ao uso e utilidade público”.

Dos factos apurados resulta que “no dia 23 de Novembro de 2003, pelas 00.30 horas, no Hospital de S. Miguel, sito no Largo Riso Terra, em Oliveira de Azeméis, o arguido forçou a abertura da porta em alumínio do serviço de urgência do referido Hospital, empurrando-a com o pé quando o vigilante ali em serviço a tentou fechar e puxou-a para si, fazendo-a sair da calha, amolgando-a e partindo os vidros da mesma”.
A questão que se levanta é a de saber se a porta de entrada do serviço de urgência de um hospital público cabe na previsão do art 213 nº 1 al c) como coisa “destinada ao uso e utilidade pública”.

Dispõe o art 213 nº 1 al c), que “quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa destinada ao uso e utilidade públicos é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”.
Como já vem referido no Ac do STJ de 27/1/1994 (CJ Ano II, Tomo I, Pg 208), “Coisas de utilidade pública devem considerar-se as coisas de que o público se pode utilizar ou tira um imediato proveito”. Ora, se “o proveito tirado das coisas pelo público não é imediato, mas mediato, parece que já não são protegidos por esta incriminação”, pois, “de contrário, seriam protegidas todas as coisas públicas e não somente as de utilidade pública”.
Neste sentido pode-se ver o Ac Rel. Porto de 19/11/86 no BMJ nº 361/604, da mesma Relação Ac de 23/11/88, CJ Ano XIII. T 5, pg 218.
Aliás, conforme escreveu Manzini em “Trattato Di Diritto Penale”- 4ª.Ed.V.IX-294, “as coisas de utilidade pública não são sempre coisas destinadas a utilidade pública, isto é, coisas de que qualquer se possa aproveitar.
A “ratio” da agravante não está na tutela dos interesses da Administração pública, mas no especial destino da coisa, na sua afectação ao uso e utilidade de uma colectividade, sendo irrelevante que pertença a uma entidade pública. No caso, as portas onde o arguido provocou os danos, tinha o destino concreto de utilização por todos os indivíduos que necessitem de se dirigir àquele hospital, ou seja, aquela porta pode ser usada por uma generalidade de público indiferenciado.
Perante o exposto, temos de concluir que as referidas portas estão ao dispor do público em geral e, este, tira um proveito imediato da mesma.
Assim, não merece qualquer censura a decisão recorrida.

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Taxa de justiça que se fixa e 7 ucs e custas a cargo do recorrente.

Porto, 22 de Fevereiro de 2006
Alice Fernanda Nascimento Santos
Luís Eduardo Branco de Almeida Gominho
Jacinto Remígio Meca
Arlindo Manuel Teixeira Pinto