Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4143/21.9T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO/MERA DIVERGÊNCIA SOBRE A VALORAÇÃO DAS MESMAS PROVAS
CONSIDERAÇÃO PELA RELAÇÃO DE FACTOS ESSENCIAIS/APLICAÇÃO DO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 72º DO CPT
RESPONSABILIDADE AGRAVADA DA EMPREGADORA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202401154143/21.9T8MTS.P1
Data do Acordão: 01/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO. MANTIDA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Invocando a apelante ter um entendimento distinto do que foi levado a cabo pelo Tribunal “a quo”, fundamentado nas mesmas provas apreciadas para proferir a decisão recorrida, isso configura apenas, uma diferente convicção, que não é susceptível de determinar a modificabilidade da decisão de facto pela Relação, nos termos do art. 662º, nº 1, do CPC, se nesta instância não se verificar ter ocorrido erro de julgamento na apreciação daquelas e, consequentemente, não se formar convicção diversa daquela que vem impugnada.
II - A consideração de factos, essenciais, não alegados na decisão da matéria de facto, só é possível por via do disposto no art. 72º, nº 1 do CPT, nesse caso, pressupondo que se dê cumprimento ao disposto no nº 2, nomeadamente, possibilitando-se às partes indicarem as respectivas provas, requerendo-as imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
III - Por isso, a segunda instância não pode fazer uso do disposto no art. 72º do CPT, quando estejam em causa factos essenciais, por não poder ser dado cumprimento ao nº2 do mesmo.
IV - Há agravamento da responsabilidade acidentária quando o acidente se deve à culpa do empregador ou, quando seja consequência da inobservância de regras de segurança, higiene e saúde que lhe seja imputável, radicando a diferença entre as duas situações na prova da culpa, que é necessária fazer no primeiro caso e é desnecessária no segundo.
V – Compete à seguradora o ónus da alegação e da prova dos factos que constituem a violação das regras de segurança, quando pretenda ver desonerada a sua responsabilidade, por serem factos modificativos/extintivos da sua responsabilidade.
VI – O Decreto-lei n.º 50/2005, de 28 de Fevereiro, dita as prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, enunciando um conjunto de regras gerais dirigidas ao empregador, visando assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização daqueles, dispondo no art. 16º, quanto aos “Riscos de contacto mecânico”, que os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.
VII - A Empregadora que tinha, à data do acidente, uma máquina de pregar molas em vestuário, onde a sinistrada trabalhava, sem qualquer dispositivo de protecção ou sensor, de modo a impedir que a ferramenta superior que desce, em direcção à inferior, atinja os dedos das mãos daquela, violou as regras de segurança inerentes à sua utilização e é responsável pela reparação dos danos derivados do acidente ocorrido com aquela, ainda que, inadvertidamente, a sinistrada accionasse o pedal que faz descer a ferramenta, êmbolo da máquina, que a vai atingir quando, ainda, estava com as mãos a esticar/ajeitar o tecido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 4143/21.9T8MTS.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 2

Recorrente: A..., Ldª.
Recorridas: AA e B... – Companhia de Seguros, S.A.


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I – RELATÓRIO
AA, com o patrocínio do Ministério Público, instaurou, acção emergente de acidente de trabalho, contra “B... – Companhia de Seguros, S.A.”, pedindo “que deverá ser julgada procedente, por provada, a presente ação e, consequentemente, a ré condenada a pagar à autora:
a) €243,43 de pensão anual e vitalícia, com início em 16-09-2021, obrigatoriamente remível, correspondendo, por isso, à indemnização em capital de remição de €3.659,24;
b) €45,00 de despesas em transportes com deslocações obrigatórias;
c) juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4% ao ano, devidos desde o dia de vencimento de cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento.”.
Fundamenta o seu pedido alegando, ter sofrido ao serviço da sua entidade empregadora, a sociedade A..., Ldª, sitas em ..., Póvoa de Varzim acidente de trabalho, quando se encontrava a exercer as funções correspondentes à categoria profissional de costureira, numa máquina de pregar molas metálicas, a determinada altura, quando se preparava para pregar uma mola numa peça de vestuário carregou inadvertidamente no pedal para pregar uma mola e ao fazê-lo foi atingida no dedo indicador esquerdo pelo êmbolo da máquina no dedo indicador direito, o qual se encontrava a segurar uma peça de vestuário, em consequência do qual sofreu lesões que foram causa de incapacidade temporária para o trabalho, das quais lhe resultaram sequelas que são causa de
incapacidade permanente parcial para o trabalho.
Mais, alega que, a tentativa de conciliação gorou-se porque a ré, não obstante ter aceitado a descrição do acidente, as lesões e sequelas descritas na perícia médica, cujo teor deu por reproduzido para todos os efeitos legais, o nexo de causalidade entre tais lesões e o acidente, os períodos de incapacidades temporárias, a data da alta, a transferência da responsabilidade infortunística laboral pela retribuição anual ilíquida de €10.036,00 e o pagamento das despesas com transportes em deslocações obrigatórias no montante de €45,00, não aceitou a IPP de 3,4651% nem a responsabilidade pelo pagamento das prestações devidas à sinistrada em virtude de o acidente ter ocorrido por violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora da sinistrada
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Citada a Ré e a Segurança Social para, deduzir, querendo, naquele prazo, pedido de reembolso, nos termos do art. 1º do DL 59/89 de 22/02, contestou a primeira alegando, em síntese, que aceita o acidente, a sua caracterização como acidente de trabalho, as suas consequências e a transferência da responsabilidade pela totalidade da retribuição da autora, invocou, contudo que o acidente se ficou a dever à violação de regras de segurança pela entidade empregadora, requerendo a sua intervenção e não aceitou o coeficiente de incapacidade.
Conclui pedindo que a “acção deverá ser julgada de acordo com a prova que se vier a produzir, sem prejuízo do direito de regresso da ré sobre a EP, com as demais consequências legais.
E, “REQUER a intervenção principal acessória da EP da autora, A..., LDA, com sede na Rua ..., nif ...90, ... Póvoa do Varzim.”.
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Oportunamente citada, ao abrigo do disposto pelo art.129º, nº 1, al. b) do Código de Processo do Trabalho, a entidade empregadora contestou, em síntese, aceitando o acidente, a sua caracterização como acidente de trabalho, as suas consequências e a transferência da responsabilidade pela totalidade da retribuição da autora, impugnou, contudo, o alegado pela seguradora quanto à violação de regras de segurança.
Conclui que deve a “presente ação ser julgada improcedente por não provada a alegação de que a entidade empregadora violou regras de segurança, e em consequência, ser a mesma totalmente absolvida do pedido.”.
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Notificada, da contestação da Ré/empregadora, a Ré/seguradora apresentou resposta, onde impugna, por desconhecimento, nomeadamente, o ali referido quanto ao modo de funcionamento do equipamento que estava a ser utilizado pela sinistrada.
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Oportunamente, foi proferido despacho saneador tabelar, enunciado o objecto do litígio, fixados os factos assentes, enunciados os temas de prova e ordenado o desdobramento do processo para apuramento do grau de incapacidade da sinistrada.
Daqueles temas de prova reclamou a ré empregadora, o que foi indeferido “uma vez que a matéria do art. 8º da petição inicial foi expressamente aceite pelas rés na contestação, integrando as ressalvas invocadas pela entidade empregadora os temas de prova e que a matéria do art. 29º da contestação da seguradora é conclusiva.”.
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No apenso (A) de fixação de incapacidade para o trabalho, realizou-se a junta médica, tendo sido decidido que a Autora se encontra afetada de uma I.P.P. com o coeficiente de 3,96%.
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Realizada a audiência de julgamento, nos termos documentados na acta de 25.05.2023, foi ordenada a conclusão dos autos e proferida sentença, que terminou com a seguinte decisão:
Por todo o exposto julgo a ação procedente e em consequência decido:
I – condenar as rés A..., Lda e B... - Companhia de Seguros a pagar à autora:
a) com efeitos desde 16/09/2021, o capital de remição no montante de € 5.974,17 (cinco mil novecentos e setenta e quatro euros e dezassete cêntimos), calculado com base numa pensão anual no valor de €397,43 (trezentos e noventa e sete euros e quarenta e três cêntimos), acrescido de juros à taxa legal desde aquela data até integral pagamento, sendo a responsabilidade da seguradora, pelo capital de remição no valor de €4.181,90 (quatro mil cento e oitenta e um euros e noventa cêntimos), correspondente à pensão anual no montante de €278,20 (duzentos e setenta e oito euros e vinte cêntimos), acrescido de juros à taxa legal desde a supra referida até integral pagamento, tudo sem prejuízo do direito de regresso da seguradora sobre a entidade empregadora.
b) a quantia de €1.347,50 (mil trezentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos) a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, sendo a responsabilidade da seguradora pelo valor de €943,30 (novecentos e quarenta e três euros e trinta cêntimos), dos quais já pagou €943,10, restando por saldar da responsabilidade desta a quantia de €0,20 (vinte cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal desde o vencimento até integral pagamento, sem prejuízo do direito de regresso da seguradora sobre a entidade empregadora.
II – condenar a ré seguradora a pagar à autora a quantia de €45,00 (quarenta e cinco euros) a título de despesas com transportes nas deslocações ao INML e tribunal, acrescida de juros à taxa legal desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento.
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Valor da causa: €7.366,67 (sete mil trezentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos).
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Registe e notifique.”.
*
Na sequência do pedido de reforma da sentença, efectuado pela Ré/seguradora, foi proferido o seguinte: “Verificando-se que a sentença é omissa quanto a custas, nos termos do disposto pelo art. 614º, nº 1 do Código de Processo Civil, procede-se à rectificação, condenando as rés nas custas na proporção das respectivas responsabilidades – art. 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.”.
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Inconformada a entidade empregadora, A..., LDA, interpôs recurso nos termos das alegações juntas, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
A. Vem a Recorrente apelar da sentença proferida pelo Tribunal a quo, porquanto não concorda com a condenação aí vertida.
B. Condenação esta assente em factos que foram dados como provados, mas que, contrariamente, deveriam constar do elenco de factos não provados.
C. Nomeadamente, a Apelante considera terem sido incorretamente julgados os pontos 16), 17) e 18) da matéria dada como assente.
D. E apresenta essa convicção, suportando-se nos meios de prova que a seguir se indica e que se mostram devidamente especificados ao longo da motivação do presente recurso.
E. Pelo que a decisão proferida pelo Tribunal a quo deveria ter sido outra: improcedência da ação, por não se ter provada a violação das mais elementares regras de segurança por parte da entidade patronal.
F. Decidindo desta forma, teria o tribunal decidido corretamente, em respeito pelos princípios da verdade material e de justiça.
G. Como tal não aconteceu, na ótica da aqui Apelante, e não se conformando esta com a sentença de condenação, vem pelo presente recorrer da mesma, com fundamento na impugnação da matéria de facto.
Ora,
H. Cumpre-nos, antes de mais, referir que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que a Recorrente pretende ver alterada, não foi a possível de alcançar perante toda prova produzida.
I. Mais, da leitura da motivação da sentença, percebe-se que o Tribunal fundou a sua convicção com base na análise crítica e global dos depoimentos das testemunhas ouvidas, na parte em que tinham conhecimento direto dos factos, em conjugação com as declarações de parte prestadas pela e com os documentos juntos aos autos, tudo ponderado à luz das regras atinentes à repartição do ónus da prova e das regras da experiência e do senso comum.
J. Sucede que, de facto, ocorreram erros, incorreções ou incongruências na decisão, relativamente à forma como o Tribunal a quo apreciou a prova, que importam remediar.
K. É evidente que a reapreciação da matéria de facto, no que ao Tribunal da Relação diz respeito, está igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova.
L. Porém, caberá também à Relação analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova carreados, se as respostas dadas apresentam erro evidente e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns, não bastando, para eventual alteração, diferente convicção ou avaliação do Recorrente quanto à prova testemunhal produzida.
M. E, conforme adiante se demonstrará sem qualquer margem para dúvidas, a decisão factual do Tribunal a quo baseia-se numa livre convicção, mas não objetivada numa fundamentação compreensível, dado que, as provas indicadas impõem uma outra convicção.
N. A convicção obtida pelo Tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções, ou seja, estamos perante não só uma incorreção da decisão como também perante a imperatividade de uma diferente convicção.
O. A matéria de facto impugnada está completamente desapoiada da prova recolhida, pelo que ocorre claro erro de julgamento quanto à factualidade fixada nos concretos pontos que adiante se explicitarão.
P. Pelo exposto e por aplicação do disposto no número 1 do artigo 662.º do CPC, a apelante pede a este Venerando Tribunal da Relação a alteração da decisão de facto decretada em 1.ª instância e incidente sobre os pontos que se passarão de seguida a expor.
Do ponto 17) da matéria de facto dada como provada:
Q. Menciona o ponto 17 da matéria dada como provada que “Os elementos mecânicos da máquina encontram-se desprotegidos.
R. Ora, não poderia o Tribunal ter dado como assente tal facto, tal qual o fez.
S. Resulta da prova produzida que, aquando do desempenho da respetiva atividade de pregar molas com recurso à máquina em questão, se, por algum motivo, a Recorrida, involuntariamente, juntasse as suas mãos, as mesmas não ficariam colocadas entre a prensa de baixo e a prensa de cima, de modo a serem atingidas.
T. Ao invés, verificando-se tal situação, as mãos da Recorrida sempre iriam derrubar-se contra a base redonda inferior, de maior diâmetro.
U. O mesmo é possível aferir através da fotografia junta aos autos com a contestação da Ré Seguradora, sendo visível que, quando a funcionária estica o tecido para, em seguida, pregar devidamente a mola, a força que a mesma emprega faz com que as suas mãos involuntariamente vão para baixo, ainda que suspensas no ar.
V. Note-se que, foi dado como assente que a sinistrada sabia como devia utilizar a máquina por forma a evitar qualquer acidente, portanto, que existe uma distância mínima e considerável para a trabalhadora manusear a máquina, a qual, in casu, não foi respeitado
Mais,
W. Através do depoimento da testemunha, colega de trabalho da Autora, é possível aferir que as regras de cuidado e segurança no manuseamento da máquina não terá sido respeitadas em virtude da utilização da máquina de modo “automático”,
X. Entendemos, assim que um eventual perigo poderia e deveria ter sido antecipado e neutralizado com a adoção de um comportamento diligente, isto é, mediante a tomada de atitudes preventivas, adequadas e necessárias a acautelar eventuais perigos.
Sucede que,
Y. Foi dado como assente pelo Tribunal a quo que, para que a ferramenta da máquina desça e o pedal seja acionado, o mesmo necessita de ser pressionado duas vezes, sendo a primeira pressão de forma muito leve, fazendo pedal descer até metade do percurso e só com a segunda pressão é o pedal desce até ao fim.
Z. Portanto, a dupla posição do pedal consiste no elemento de segurança da máquina, que despoleta o respetivo acionamento.
AA. Sendo o próprio pedal revestido por uma cobertura protetora contra a atuação acidental de queda de objetos ou pulsações acidentais, conforme decorre da fotografia junto aos autos (página 9 do documento n.º 1 junto com a Contestação).
BB. Ora, o modo correto de utilizar o pedal consiste em somente colocar o pé no seu interior, revestido pela caixa de proteção, quando o tecido se encontra devidamente esticado e a mola está em condições de ser pregada.
CC. Tal significa que o pé deve ser retirado e, portanto, pousado no chão, a cada vez que seja concluída a tarefa, individual, de pregar uma mola, o que, in casu, não se verificou
DD. Aliás, é assente que, conforme mencionado pelo Tribunal a quo na fundamentação da decisão da matéria de facto, a Autora/ Sinistrada “carregou no pedal num momento em que não o devia ter feito”.
Do ponto 16) da matéria de facto dada como provada:
EE. Do ponto 16 dos factos provados resulta o seguinte: “No dia e hora referidos supra, a sinistrada procedia conforme descrito em 12), 13) e 15) sendo que, após posicionar os componentes da mola e o tecido na máquina, ter-se-á descoordenado, pressionado o pedal quando ainda estava com as mãos a esticar/ ajeitar o tecido.”
FF. Ora, segundo as declarações da Autora, trabalhadora experiente na utilização deste tipo de máquina, não é equacionável outro meio de proteção para além do pedal, pois que, segundo a mesma, as molas têm que ser colocadas.
GG. Com efeito, parece-nos que, salvo melhor opinião, é possível aferir das declarações da Autora que, afinal, terá pressionado o pedal no momento em que estaria a colocar as molas, portanto, durante o posicionamento dos componentes da mola.
HH. É esse o único cenário capaz de justificar, em concreto, o motivo pelo qual o dedo da Autora estaria posicionado no meio das duas prensas em condições de ser atingido, como veio a ser.
Do ponto 18) da matéria de facto dada como provada:
II. Resulta do ponto 18 dos factos provados: “E não foram colocados grampos no equipamento, nem comandos bimanuais, ou sensores, capazes de impedir o acidente no caso de a máquina ser acionada por distração.
JJ. O Tribunal a quo elenca vários mecanismos que, segundo parece indicar, poderiam ou deveriam eventualmente ser colocados na máquina. No entanto, salvo melhor opinião, ao longo da sessão de Audiência de Discussão e Julgamento, nem a própria Autora nem as restantes testemunhas fizeram alusão a qualquer modalidade de grampos ou comandos bimanuais, bem como, onde e como poderiam tais elementos ser introduzidos na máquina.
KK. Acresce que, não explica a douta decisão de que modo é que tais equipamentos seriam capazes de impedir o acidente no caso de a máquina ser acionada por distração, tratando-se de matéria claramente conclusiva, pois não se apurou factualmente que tipo grampos, comandos bimanuais ou sensores a entidade patronal seria obrigada a colocar na máquina.
LL. Acresce que, resulta da prova testemunhal que a máquina em apreço, devido à sua antiguidade e mecanismo, não é, sequer, passível de qualquer tipo de adaptação.
MM. Ora, conjugando a prova testemunhal e de parte produzida, mormente, bem como a prova documental, verifica-se que não é a Entidade Empregadora responsável pelo acidente de trabalho sofrido pela Autora.
NN. Desde logo, de tudo o exposto é possível aferir que o acidente em causa nos autos ocorre devido a uma mera distração por parte da Autora, a qual não adotou uma atitude devidamente prudente e cautelosa, bem sabendo a Autora quais os possíveis riscos decorrentes da má utilização/ utilização descuidada da máquina.
OO. Destarte, nenhuma responsabilidade será de acatar à Entidade Empregadora, porquanto a mesma sempre informou devidamente os seus funcionários, nomeadamente a Autora, acerca do funcionamento da máquina e dos riscos inerentes à mesma.
PP. E, desde logo se diga que, a Autora, sendo funcionária experiente com a utilização deste tipo de máquinas, terá total consciência do nível de atenção que o desempenho deste tipo de tarefa de pregar molas exige.
QQ. Acresce que, conforme mencionado, o mecanismo de segurança desta máquina consiste no pedal que, por sua vez, é também o que faz acionar a máquina. Como tal, é necessária a máxima prudência no que concerne ao contacto do pé com o pedal, devendo respeitar-se, nomeadamente, o procedimento da retirara do pé no intervalo de tempo entre a prega de molas.
RR. Por outro lado, não se vislumbra de que modo poderia a máquina ser dotada de qualquer “grampo no esquipamento” ou “comandos bimanuais”, porquanto tal explicação não resulta da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento.
SS. Pelo que, deveria ter sido dado como provado que a máquina, em virtude da sua antiguidade e mecanismo, não poderia ter objeto de qualquer eventual adaptação.
TT. Bem como, deveria ter sido provado que o pedal é o único mecanismo de segurança da máquina, sendo o mesmo suficientemente seguro para evitar qualquer acidente.
UU. Assim, a decisão aqui em crise não se poderá estabilizar na ordem jurídica, sob pena de grave afronta aos princípios de justiça e verdade material, bem como o princípio do dispositivo.
VV. Pelo que, nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve este recurso merecer provimento, com as legais consequências, como é de
INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”.
*
A A. contra-alegou, nos termos que constam das alegações juntas, finalizando em Conclusão:
1) A Ré impugna a matéria de facto dada por assente na douta sentença recorrida, por considerar que a prova produzida e gravada, concretamente a testemunhal, impunha a alteração, supressão ou complemento de vários pontos da matéria de facto, concretamente dos pontos 16), 17) e 18).
2) Afigura-se-nos, porém, que a recorrente não tem razão, porquanto, no que concerne aos factos que pretende ver incluídos, não resulta, de forma inequívoca, da prova produzida em julgamento, haver indícios da sua verificação.
3) Quanto ao ponto 16), por um lado, do depoimento da Autora não é possível, em nossa opinião, concluir de forma diversa da ali plasmada e, por outro, não se vislumbra como relevante saber em que momento concreto da operação a realizar ocorreu o acidente.
4) Relativamente ao ponto 17) resulta evidente, em particular do depoimento da testemunha BB, que os elementos mecânicos da máquina onde operava a Autora se encontravam desprotegidos.
5) No que concerne ao ponto 18) também se afigura como inequívoco ter sido produzida prova da não colocação por parte da entidade empregadora de mecanismos de protecção, por exemplo, sensores, com a virtualidade de impedir o acidente se a máquina fosse accionada por distracção, bastando, para tanto, atentar no depoimento da já referida testemunha BB.
6) Por fim, afigura-se-nos evidente a existência de nexo causal entre a ausência de tais mecanismos de protecção e a verificação do acidente.
7) Em face do que ficou dito, deve, pois, ser julgado improcedente o recurso, mantendo-se, na íntegra, a sentença ora recorrida.
V. Exas. decidindo, farão, como sempre, a habitual JUSTIÇA”.
*
A Ré/seguradora, também, respondeu ao recurso, nos termos das contra-alegações juntas e, sem formular conclusões, termina defendendo que o “recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, com o que se fará JUSTIÇA!.
*
Nos termos que constam do despacho de 21.09.2023, a Mª Juíza “a quo” admitiu a apelação, com efeito meramente devolutivo e ordenou a subida dos autos.
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O Ex.mo Procurador Geral Adjunto teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, não tendo emitido parecer, por a sinistrada ter o patrocínio do Ministério Público.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em saber se o Tribunal “a quo” errou quanto:
- ao julgamento dos pontos da matéria de facto impugnada;
- a ter considerado responsável, a entidade empregadora, por violação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho que foi causal do acidente de trabalho.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A 1ª instância, discutida a causa, considerou o seguinte:
Factos Provados
1) A autora nasceu no dia .../.../1979.
2) No dia 19 de julho de 2021, pelas 10:30 horas, nas instalações da sociedade A..., Ldª, sitas em ..., Póvoa de Varzim, a autora encontrava-se a exercer as funções correspondentes à categoria profissional de costureira sob as ordens, direção e fiscalização de tal sociedade no horário das 7:50 às 12:10 e das 13:10 às 17:10 horas, de segunda-feira a sexta-feira, mediante o pagamento da remuneração mensal ilíquida de € 665,00, acrescida de € 3,00 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho, num total anual ilíquida de €10.036,00 (€665,00 x 14 meses + 3,00 x 22 dias x 11 meses).
3) No referido dia, hora e local, a autora encontrava-se a exercer aquelas suas funções numa máquina de pregar molas metálicas.
4) A determinada altura, quando se preparava para pregar uma mola numa peça de vestuário, a autora carregou inadvertidamente no pedal para pregar uma mola.
5) Porém, ao fazê-lo foi atingida pelo êmbolo da máquina no dedo indicador direito, o qual se encontrava a segurar uma peça de vestuário.
6) Como consequência direta e necessária, a autora sofreu esfacelo distal da falange distal, lesão que lhe determinou os seguintes períodos de incapacidades temporárias para o trabalho:
- quarenta e oito (48) dias de incapacidade temporária absoluta (ITA), contados desde o dia 20 de julho de 2021 até ao dia 5 de setembro do mesmo ano;
e
- dez (10) dias de incapacidade temporária parcial (ITP) de dez por cento (10%), contados desde o dia 6 até ao dia 15 de Setembro de 2021.
7) A referida lesão consolidou-se clinicamente no dia 15 de Setembro de 2021, com as seguintes sequelas:
a) perda parcial da polpa do dedo indicador direito;
b) rigidez moderada das interfalângicas;
c) reação dolorosa tempestiva à pressão local.
8) As quais lhe determinaram incapacidade permanente parcial (IPP) para o trabalho, com o coeficiente de 3,96%
9) Na data do referido sinistro, a aludida sociedade tinha transferida a sua responsabilidade infortunística laboral para a ré seguradora através do contrato de seguro titulado pela apólice com o n.º ...92, na modalidade de folha de férias, pela retribuição anual ilíquida de €10.036,00.
10) A ré seguradora pagou à autora € 943,10 de indemnização por incapacidades temporárias
11) A autora despendeu € 45,00 (quarenta e cinco euros em transportes nas deslocações ao INML e ao tribunal.
12) As molas em causa são compostas por dois componentes, designados de macho e fêmea, estando a sinistrada a colocar o macho da mola nas peças de vestuário.
13) Para o efeito, e de acordo com instruções da respectiva entidade patronal, a mesma colocava, com as mãos, os dois componentes da peça em cada uma das matrizes (superior e inferior) da máquina e posteriormente posicionava a malha entre elas.
14) A sinistrada, tendo sido admitida em 02/10/2017, trabalhava habitualmente com a máquina em que ocorreu o acidente.
15) Uma vez efectuado o procedimento descrito em 12) e 13), o equipamento era accionado através de um pedal que faz descer a ferramenta superior em direcção à inferior, comprimindo e unindo as duas peças enquanto a autora segurava o tecido com as mãos no meio das duas ferramentas.
16) No dia e hora referidos supra, a sinistrada procedia conforme descrito em 12), 13) e 15) sendo que, após posicionar os componentes da mola e o tecido na máquina, ter-se-á descoordenado, pressionado o pedal quando ainda estava com as mãos a esticar/ajeitar o tecido.
17) Os elementos mecânicos da máquina encontram-se desprotegidos.
18) E não foram colocados grampos no equipamento, nem comandos bimanuais, ou sensores, capazes de impedir o acidente no caso de a máquina ser accionada por distração.
19) O dito equipamento não possui qualquer referência a marca, fabricante, número de serie, ano de fabrico, marcação CE ou certificado de conformidade, desconhecendo-se o paradeiro do respectivo manual técnico.
20) Para que a ferramenta da máquina desça e o pedal fosse accionado teria de ser pressionado duas vezes, sendo a primeira pressão de forma muito leve, fazendo o pedal descer até metade do percurso e só com a segunda pressão é o pedal desce até ao fim.
21) Este mecanismo de dupla pressão serve para evitar que uma mera distracção ou movimento involuntário da trabalhadora pudesse acionar e fazer descer de imediato a ferramenta em causa.
22) No caso a autora teve de pressionar duas vezes o pedal para que a ferramenta descesse.
23) No dia do acidente a autora tinha entrado ao serviço cerca das 8h e, por volta das 9h50 até às 10h, fez a sua pausa para descanso que visa potenciar a concentração dos trabalhadores nas tarefas a realizar.
24) Para além da formação inicial dada em contexto de trabalho pelo “afinador” que presta serviços à ré, que a alertou para a necessidade de ter cuidado com os dedos no manuseamento da máquina, em 14 de Abril de 2021, a empregadora ministrou uma acção de formação de duas horas, a que a sinistrada assistiu, tendo por conteúdo normas GOTS, OCS, GRS e RCS, sensibilização para a gestão de resíduos e utilização de energia, manuseamento, armazenamento e eliminação de produtos químicos, importância da ergonomia e utilização de EPI´s na minimização dos riscos associados à actividade.
25) A sinistrada sabia como devia utilizar a máquina por forma a evitar qualquer acidente.
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Não se provou:
a) Na acção de formação referida em 24), para além do mais, foi relembrada a forma de utilização e manuseamento, também da máquina em questão, nomeadamente a importância de afastamento das mãos da matriz das molas no momento em que se acciona o pedal.”.
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B) O DIREITO
Saber se o Tribunal “a quo” errou quanto à decisão de facto
A primeira questão colocada tem a ver com a discordância manifestada pela recorrente quanto à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal “a quo”, em concreto, os pontos 16º, 17º e 18º dos factos provados, que considera não poderiam resultar provados, tendo em conta a prova produzida e considerar que deveriam ser incluídos naquele elenco de provados os referidos nas conclusões SS e TT.
O nº 1 do art. 662º do CPC (Código de Processo Civil, diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem) dispõe que, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”, aqui se incluindo se a mesma é impugnada pela recorrente.
Vejamos, então.
Sob a afirmação de que, “a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que a Recorrente pretende ver alterada, não foi a possível de alcançar perante toda prova produzida”, e de que, “ocorreram, de facto, erros, incorreções ou incongruências na decisão, relativamente à forma como o Tribunal a quo apreciou a prova, que importam remediar”, a recorrente, alegadamente, para o demonstrar, continua afirmando que, “sem qualquer margem para dúvidas, a decisão factual do Tribunal a quo baseia-se numa livre convicção, mas não objetivada numa fundamentação compreensível, dado que, as provas indicadas impõem uma outra convicção” e, ainda, que “a matéria de facto impugnada está completamente desapoiada da prova recolhida, pelo que ocorre claro erro de julgamento quanto à factualidade fixada nos concretos pontos que adiante se explicitarão”. Mais, após a alegação de que, “A convicção obtida pelo Tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções, ou seja, estamos perante não só uma incorreção da decisão como também perante a imperatividade de uma diferente convicção”, passando ao que alega ser, a “análise concreta dos pontos aos quais a Recorrente pretende que seja dado outro alcance, de forma a ser alterada a decisão proferida, assim se assegurando a justiça do caso material”, prossegue, em concreto quanto ao ponto 17 da matéria dada como provada, onde se lê, que “Os elementos mecânicos da máquina encontram-se desprotegidos.”, dizendo que, “não poderia o Tribunal ter dado como assente tal facto, tal qual o fez”.
Para demonstrar a sua, alegada, razão, começa, fazendo a transcrição de minutos da gravação, das declarações de parte da Autora/Sinistrada, prestadas na Audiência de Discussão e Julgamento, tecendo considerações sobre as mesmas, atento o que resulta dos pontos 25, 20 e 21 dos factos provados, da transcrição dos minutos, que efectua, do depoimento da testemunha CC e sob o entendimento de que, “a proteção existente nos elementos mecânicos resulta do mecanismo de segurança inerente ao funcionamento do pedal, sendo este que despoleta o acionamento da máquina.”, alega que, “Conforme decorre da fotografia junta aos autos (página 9 do documento n.º 1 junto com a Contestação), o pedal encontra-se devidamente envolvido por uma caixa amarela, a qual consiste numa cobertura protetora contra a atuação acidental de queda de objetos ou pulsações acidentais. Com efeito, sendo o pedal o mecanismo de segurança da máquina que, conforme provado, somente é acionado se for pressionado duas vezes, o mesmo deve ser utilizado com a devida prudência.” e finaliza dizendo que, “afirmando a própria Autora que a tarefa que estaria a executar aquando do acidente não é “uma coisa que se faça muito rápido”, tal significativa que a mesma poderia e deveria ter sido desempenhada com a devida atenção, cautela e concentração, fatores esses que se revelam essenciais para levar a cabo toda e qualquer atividade e, em especial, atividades meticulosas, como é o caso da prega de molas.”.
Prossegue, referindo-se ao ponto 16 dos factos provados de onde consta que: “No dia e hora referidos supra, a sinistrada procedia conforme descrito em 12), 13) e 15) sendo que, após posicionar os componentes da mola e o tecido na máquina, ter-se-á descoordenado, pressionado o pedal quando ainda estava com as mãos a esticar/ ajeitar o tecido.”. No que toca a este, fazendo apelo ao que é dito pela A. ao minuto 13.45 do seu depoimento, é de opinião que “a mesma acaba, indiretamente, por admitir que, afinal, terá pressionado o pedal no momento em que estaria a colocar as molas, portanto, durante o posicionamento dos componentes da mola. É esse o único cenário capaz de justificar, em concreto, o motivo pelo qual o dedo da Autora estaria posicionado no meio das duas prensas em condições de ser atingido, como veio a ser.”.
Quanto ao ponto 18 dos factos provados: “E não foram colocados grampos no equipamento, nem comandos bimanuais, ou sensores, capazes de impedir o acidente no caso de a máquina ser acionada por distração.”, a recorrente alega que “O Tribunal a quo elenca vários mecanismos que, segundo parece indicar, poderiam ou deveriam eventualmente ser colocados na máquina. No entanto, salvo melhor opinião, ao longo da sessão de Audiência de Discussão e Julgamento, nem a própria Autora nem as restantes testemunhas fizeram alusão a qualquer modalidade de grampos ou comandos bimanuais, bem como, onde e como poderiam tais elementos ser introduzidos na máquina. Acresce que, não explica a douta decisão de que modo é que tais equipamentos seriam capazes de impedir o acidente no caso de a máquina ser acionada por distração. Trata-se de matéria claramente conclusiva, afigurando-se necessário apurar factualmente que tipo grampos, comandos bimanuais ou sensores a entidade patronal seria obrigada a colocar na máquina, para depois aferir, em função desse mesmo material, se o mesmo era ou não adequado a impedir que o dedo da Autora fosse atingido.”.
E, atentando no depoimento prestado pela testemunha DD prestado na Audiência de Discussão e Julgamento, cujos minutos transcreve e invocando a sintonia entre eles, chama à colação, os minutos que, também, transcreve das declarações prestadas pela testemunha BB, “No que concerne ao funcionamento da máquina e utilização do pedal de segurança,” e “no que respeita à eventual hipótese de adaptação da máquina,”, termina formulando a afirmação de que, “A prova produzida nos autos é claramente insuficiente para considerar o ponto 18) como provado, com a redação que aí consta, pois que, para além de abstrato e subjetivo, encerra um juízo eminentemente conclusivo, pois não resulta alegado e provado qualquer facto que permita apurar que tipo grampos no equipamento ou comandos bimanuais se impunha implementar e, bem assim, se tal hipotético sistema evitaria, efetivamente, o acidente. Por outro lado, da análise do depoimento das testemunhas é possível constatar que, uma das testemunhas – DD - afinador das máquinas e responsável pela respetiva manutenção, afirma firmemente que uma eventual adaptação da máquina nunca seria possível e justifica essa impossibilidade. Ainda, a testemunha BB, perito, afirma, pura e simplesmente, que tem conhecimento da adaptação de outras máquinas, sem, no entanto, saber se, em concreto, seria possível adaptar a máquina em questão.”. Entende, então, que deve este e aqueles, 16 e 17, serem dados como não provados, “conjugando a prova testemunhal e de parte produzida, mormente, os excertos acima transcritos, bem como a prova documental,” e sob a alegação de que, “devia o douto Tribunal ter dado como provado que a máquina em questão não era passível de qualquer alteração/ modificação, devendo ser utilizada com especial prudência e concentração”, “tendo como base toda a prova acima exaustivamente explicitada,”, considera que ficou “por dar como provado um facto essencial: A máquina de pregar molas em questão não era passível de qualquer adaptação no que concerne à introdução de outros mecanismos de segurança” e nessa medida conclui em SS. e TT. que, deveria ter sido dado como provado que, respectivamente, “a máquina, em virtude da sua antiguidade e mecanismo, não poderia ter objeto de qualquer eventual adaptação” e que, “o pedal é o único mecanismo de segurança da máquina, sendo o mesmo suficientemente seguro para evitar qualquer acidente.”.
Que dizer?
A apreciação desta questão, da impugnação da decisão proferida, pelo Tribunal “a quo” relativa à matéria de facto, por este Tribunal “ad quem” pressupõe que a recorrente cumpra determinados ónus, conforme dispõe o art. 640º do CPC “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho.
Sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto dispõe o art. 640º o seguinte: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. (…)”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretizou a forma como se processa a impugnação da decisão, sobre a matéria de facto, tendo reforçado, neste novo regime, os ónus de alegação a cargo do recorrente, impondo-lhe que deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação após a reapreciação dos concretos meios de prova que, considera, impõem decisão diversa da recorrida.
Nas palavras de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço dos ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objecto do recurso -, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Sendo o objeto do recurso, como é delimitado pelas conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda. E tal indicação deve ter lugar nas conclusões do recurso, por estas consubstanciarem a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto; ou seja, delimitando as conclusões o que se pretende com o recurso, deverá o Recorrente nelas indicar o ou os concretos factos de cuja decisão discorda. Diga-se que tal indicação deve ser feita por referência aos concretos factos que constam da decisão da matéria de facto e/ou dos articulados e não por referência a meros “temas” das questões de facto sobre as quais o Recorrente discorde. Neste sentido, veja-se o (Acórdão do STJ de 07.07.2016, Proc. nº 220/13.8TTBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt, -sítio da internet onde se encontrarão os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação-) em cujo sumário se lê que, “I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados (…)”. Sendo que, nos termos do citado art. 640º, nº 1, al. c), o Recorrente deverá também indicar o sentido das respostas que pretende. A respeito deste requisito, veja-se o recente (Acórdão do STJ, de uniformização de jurisprudência, nº 12/2023, publicado no DR, 1ª série, de 14.11.2023) segundo o qual, “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Por outro lado, quanto à indicação dos meios probatórios, sejam eles pessoais ou documentais que, alegadamente, sustentarão diferente decisão, art. 640º, nº 1, al. b), deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada ou, a um conjunto de factos que estejam interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos, de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, nomeadamente, nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Só assim, será possível ao Tribunal “ad quem” perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada.
A este propósito, vejam-se os (Acórdãos do STJ de 20.12.2017, Proc. nº 299/13.2TTVRL.G1.S2, e de 19.12.2018, Proc. nº 271/14.5TTMTS.P1.S1), em concreto o sumário do último, onde consta o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.
Mais recente, também, os (Acórdãos do STJ de 21.09.2022, Proc. nº1996/18.1T8LRA.C1.S1), em cujos sumários consta, respectivamente, no primeiro que:I- A impugnação da matéria de facto “em bloco” viola o disposto no artigo 640.º do CPC, mormente quando não está em causa um pequeno número de factos ligados entre si e um número reduzido de meios de prova (por exemplo, o mesmo depoimento), mas um amplíssimo conjunto de factos (ou, melhor, dois amplos blocos de factos) e numerosos meios de prova” e no segundo de (12.10.2022. Proc. nº 14565/18.7T8PRT.P1.S1), o seguinte: I – Para poder validamente impugnar a matéria de facto, o Recorrente tem de cumprir os ónus imposto pelo art.º 640º do CPC. II – Em princípio, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto. III - E não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto.”.
No que toca à fundamentação dessa impugnação, especificamente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, tal como vem sendo entendido, entendemos que poderá ela ter lugar em sede de alegações.
E, tendo a impugnação fundamento em depoimentos gravados deverá também o recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, sendo que, podendo embora proceder à transcrição dos depoimentos ou de excertos dos mesmos, tal não o dispensa contudo daquela indicação como expressamente decorre da letra da norma.
Por último, o referido art. 640º é claro e expresso na consequência da omissão do cumprimento dos requisitos nele previstos, qual seja, a imediata rejeição da impugnação, sem possibilidade de aperfeiçoamento.
Por concordarmos, em termos de síntese, veja-se, (António Abrantes Geraldes, in obra citada, pág.s 132, 133 e 135), o qual, em comentário ao art. 640º refere que: “(…). a) …, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)” e acrescentando ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.
Transpondo o exposto para o caso, verifica-se que houve gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto provados, 16, 17 e 18 que considera incorrectamente julgados, prova a reapreciar e decisão que pretende seja dada àqueles, além da indicação dos factos que pretende sejam incluídos na factualidade provada.
Ou seja, em nosso entender, resulta das alegações e das respectivas conclusões que, a R., recorrente, de modo satisfatório, impugna a decisão da matéria de facto dando cumprimento aos ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 al.s. a), b) e c), não havendo motivo para a sua rejeição, nem total nem parcial. Faz referência aos concretos pontos, da matéria de facto provada, que considera incorrectamente julgados, a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida, indicando os elementos probatórios que, considera, devem conduzir à alteração dos pontos impugnados e ainda as passagens da gravação, que transcreve, em que se funda o recurso, cfr. nº 2 al. a) daquele art. 640º, não se vislumbrando, por isso, motivos que determinem a rejeição da apreciação desta questão.
Passemos então, a ver como a Mª Juíza “a quo” fundamentou a sua convicção, quanto a toda a factualidade e, em concreto, as respostas dadas de provados aos factos, (onde obviamente, se integram aqueles, agora, impugnados, nos seguintes termos que transcrevemos, já que subscrevemos integralmente a apreciação e as considerações, aqui expostas:
“Os factos elencados como provados sob os números 1) a 14) são os que se havia já considerados como assentes no despacho saneador.
Quanto aos pontos 15), 17, 18) 20), 23) e 24) relevaram além do mais as declarações da própria autora, que os confirmou, sendo quanto ao ponto 20), a autora afirmou que pressionar o pedal duas vezes era o procedimento habitual, mas que também podia ser accionado pressionando mais do que uma vez, e quanto ao 24) confirmando só a formação inicial dada pelo “afinador” das máquinas da empregadora.
Relativamente à matéria dos pontos 17) e 18) foram ainda relevantes o depoimento da testemunha BB, que fez a averiguação do sinistro e o depoimento da testemunha CC colega de trabalho da autora que operava com uma máquina idêntica àquela em que ocorreu o acidente e já havia trabalhado nesta máquina.
(…)
Quanto à matéria do ponto 25) considerou-se relevante que a autora como afirmou, já 2 anos antes de ser admitida pela ré trabalhava com máquinas de pregar molas, que na ré também trabalhava com as mesmas máquinas, ainda que não diariamente, desde que foi admitida em 01/10/2017, pelo que tinha cerca de 6/7 anos de experiência no manuseamento daquelas máquinas e que, ainda que não tenha tido qualquer tipo de formação certificada especificamente quanto ao modo de operar com a máquina em segurança, tinha conhecimento do que devia fazer, como foi ainda confirmado pela testemunha CC e pela testemunha DD.
Por fim, quanto à matéria do ponto 16), ainda que ninguém tenha assistido ao modo concrecto como aconteceu o acidente e que a autora tenha dito que não se recordava de como o mesmo aconteceu, considerou-se provada já que a própria autora alegou na petição inicial e foi aceite pelas rés que o acidente ocorreu quando a autora carregou inadvertidamente no pedal para pregar a mola, ou seja, carregou no pedal, num momento em que não o devia ter feito, que não há dúvida de a autora foi atingida no dedo indicador direito, o qual se encontrava a segurar uma peça de vestuário, bem como o local do dedo em que a autora foi atingida, sofrendo um esfacelo distal da falange distal, sendo do ponto de vista do tribunal impossível que o acidente se tivesse produzido sem que a autora tivesse o dedo no local onde a parte de cima da máquina, encaixa na parte de baixo para juntar as duas partes da mola, não se vislumbrando que o acidente pudesse ter ocorrido de outro modo. Diga-se que nem sequer foi aventada a possibilidade de um qualquer mau funcionamento da máquina, a qual, segundo a testemunha DD continuou a trabalhar sem que lhe tenha sequer sido efectuada nenhuma intervenção.”. (sublinhado e negrito nossos).
Como já referimos supra e decorre das suas alegações, a recorrente discorda desta fundamentação, no essencial, por considerar que das provas produzidas, com particular destaque para as que indica e transcreve, “impõem uma outra convicção” e, por isso, não deveriam os pontos 17, 16 e 18 fazer parte do elenco dos factos provados e deveriam ser dados como provados, nos termos que propõe nas alíneas SS e TT das suas conclusões, os factos que ali refere.
Pugnando assim, pela alteração da factualidade, dada como provada e da decisão recorrida.
Assistir-lhe-á razão?
Sempre com o devido respeito, adiantamos desde já que, não.
Desde logo e, sem necessidade de qualquer referência, ao que foi a nossa convicção, após a análise conjunta que fizemos de todos os meios de prova, (todos sujeitos ao princípio da livre apreciação), testemunhais, documentais e as declarações da A., os considerados pela Mª Juíza “a quo” e os indicados pela recorrente, importa que se diga o seguinte.
Como se constata, da alegação da recorrente o que, a mesma, está a pôr em causa é a convicção do Tribunal “a quo”, mas, fazendo apelo, apenas, à parte, que considera relevante, dos mesmos meios de prova que são referidos na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto quanto àqueles pontos. No entanto, descura que o Tribunal “a quo”, além de referir os elementos de prova que foram relevantes para cada um dos grupos de facto que efectua ou para prova de cada facto, isoladamente, refere essa prova, na totalidade, além dos trechos que a apelante refere, mas, ainda assim, deixando claro que da conjugação daquelas declarações e depoimentos e do referido documento que indica, impunha-se que os factos que impugna, 16, 17 e 18 fossem dados como não provados, querendo significar, com isso, que a prova foi insuficiente para se darem àqueles como provados e, por sua vez, já terá sido suficiente para se incluírem na matéria assente aqueles factos a que alude nas referidas conclusões.
Nas palavras de, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 436), para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica.
Já, (Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pág. 191), dava como definição de “Meio de Prova (instrumento ou fonte de prova”. É todo o elemento (quid) sensível, através do qual, mediante actividade perceptiva ou simplesmente indutiva, o juiz pode, segundo a lei, formar a sua convicção acerca dos factos (afirmações de facto) da causa.”.
Ora, como resulta claramente da fundamentação, o Tribunal “a quo” entendeu que a prova produzida, em concreto, aquelas que refere, permitiu dar como provados aqueles pontos, ou seja, aquela foi suficiente para criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto, não se verificando que tenha ocorrido qualquer erro de julgamento, em concreto, no que toca aos factos impugnados.
Logo, sendo desse modo e atento o que se deixou dito, só nos resta dizer que não é, pois, a invocação dos mesmos meios de prova, nomeadamente, os trechos considerados pela recorrente, que constituem fundamento bastante para sustentar a pretendida alteração. Ou seja, darem-se como não provados os pontos 16, 17 e 18 e, por outro lado, a inclusão de outros pontos, com a redacção que propõe.
Acrescendo que, ainda, que não fosse desse modo, como já dissemos, não ocorre, nem aponta a Ré qualquer erro na apreciação das provas que foram produzidas nos autos (todas elas, provas sujeitas à livre apreciação do julgador), limita-se, genericamente, a dizer que, “ocorre claro erro de julgamento”, “ocorreram, de facto, erros, incorrecções ou incongruências na decisão, relativamente à forma como o Tribunal a quo apreciou a prova que importam remediar”, tudo encabeçado pela sua afirmada convicção de que, a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterada, “não foi a possível de alcançar perante toda a prova produzida”, o que revela, apenas, discordância com a convicção que a Mª Juíza “a quo” firmou, com base na globalidade e apreciação conjunta de todas as provas produzidas nos autos e que a recorrente considera não é a correcta, indicando como fundamento da sua alegada convicção, apenas, partes das mesmas provas que fundamentaram a convicção expressa na decisão recorrida e, especificamente, alguns trechos das declarações e dos depoimentos que identifica, transcreve e faz a interpretação do que delas decorre, no sentido que em seu entender é o correcto.
No entanto, da análise que fizemos de todas as provas produzidas nos autos, consideradas pela Mª Juíza “a quo” quanto aos factos impugnados que, conjugadamente analisámos, só podemos dizer que a prova produzida não sustenta a alegada convicção da Ré, o que é, claramente, evidente da simples leitura dos trechos dos depoimentos que transcreve.
Ao contrário do que defende, é nossa convicção que o Tribunal “a quo” fundamentou e bem a decisão de facto, não se verificando qualquer contradição, quanto aos factos que se mostram impugnados, no sentido em que foram decididos e nenhuma prova em contrário foi produzida nos autos, susceptível de impor a sua alteração nos termos sugeridos, ou seja, dados como não provados e, por outro lado, que devessem ser incluídos outros, naquela factualidade provada, com a redacção sugerida, nem o demonstra a transcrita pela apelante. Não bastando para convencer e infirmar o que se mostra provado, tudo o que foi dito pela autora, nem os concretos depoimentos que a apelante refere, nem a prova documental são susceptíveis, atento o seu teor, de convencerem, quanto àqueles concretos factos do modo que a recorrente considera.
Sem dúvida, face ao que decorre do seu teor e das declarações da A., conjugados com os demais factos que se apuraram e não foram objecto de impugnação, a nossa convicção não é diversa da expressa na decisão recorrida. Com o devido respeito, apenas, na convicção da recorrente, poderão ser considerados daquele modo.
Daí, como já dissemos, entendermos que a mesma não tem razão.
Senão, vejamos.
Analisando cada um dos factos, na mesma sequência que o faz a recorrente, quanto ao ponto 17, quer das declarações da Autora, quer de todos os depoimentos ouvidos em julgamento, em concreto, do depoimento da testemunha, sua colega de trabalho e especialmente, do depoimento da testemunha BB, perito averiguador, quer das fotografias juntas aos autos, na contestação pela ré seguradora, que visualizámos e verificámos foram visualizadas por todas as testemunhas em sede de audiência, confirmando-as, resulta que no elemento móvel do equipamento usado pela sinistrada, para pregar as molas no tecido, não havia, à sua volta, qualquer mecanismo que impedisse o contacto das suas mãos com aquela, ou seja, entre os elementos mecânicos da máquina onde, não se discute, a Autora se acidentou, não havia qualquer mecanismo de protecção.
Não só isso é evidente da visualização das fotografias, como do que foi dito. Nas palavras da testemunha, BB, que fez a averiguação do sinistro quando, perguntado e se refere à matriz superior da máquina, diz, “… não tinha qualquer protecção…” e, à questão de ser ou não possível a colocação de algum tipo de protecção, diz, “…sim, as máquinas actuais têm uma protecção, têm à volta dessa matriz superior, a gente chama-lhe, um copo em acrílico, esse copo tem um sensor e se eu estiver com um dedo ali, esse copo baixa e pára…”.
Razão porque, consideramos, aquele ponto 17 só pode manter-se no elenco dos factos provados.
Aliás, só se compreende a impugnação da recorrente quanto a ele, se concordarmos com o que diz a ré/ recorrida, quando alega que, “nas suas alegações parece a recorrente confundir o mecanismo de protecção dos elementos mecânicos referido no ponto 17 com qualquer outro sistema de funcionamento do equipamento em questão – nomeadamente o modo de accionamento dos pedais.”.
Os quais, obviamente, como bem o considerou a Mª Juíza “a quo” e consideramos nós, não consubstanciam qualquer mecanismo de protecção dos elementos móveis do equipamento em causa, nem desse modo pode considerar-se a protecção amarela existente sobre aqueles.
Sendo deste modo e passando já para o ponto 16, o mesmo tem de ser dito quanto a ele, uma vez que considera a recorrente, devia o mesmo ser dado por não provado, com base nas declarações da A., continuando a reiterar que segundo as declarações desta, “não é equacionável outro meio de protecção para além do pedal”. É óbvio que nada do que disse a A. sobre o modo, “descoordenado” que alega e as rés aceitam, como terá pressionado o pedal, quando procedia conforme descrito em 12), 13) e 15), é relevante, face a tudo o que foi dito e se viu, quanto a estarem os elementos móveis do equipamento desprotegidos. Cremos, assim, que as provas produzidas demonstram o referido no ponto 16) e não se vislumbra qualquer erro na sua apreciação. Além de que, o declarado pela a Autora não infirma o que consta daquele.
O mesmo acontece quanto ao ponto 18, que corresponde ao alegado pela ré/seguradora nos art.s 23 e 24 da sua contestação, o qual também resultou provado, e pese embora, em parte ser ele a concretização do que consta daquele ponto 17, já que enumera o que aquela, alegou e demonstrou, poderia ter sido, eventualmente, colocado para proteger os elementos mecânicos do equipamento e que se demonstrou não o foram, resultou provado, sem que a recorrente tenha logrado provar, nem alegou, que a sua colocação não seria possível. Razão porque, é nossa convicção, o ponto 18 só pode manter-se, também, no elenco dos factos provados. Não se concordando com a alegada convicção da recorrente baseada, essencialmente, na alegação de ter resultado da prova testemunhal que a máquina em questão não era passível de adaptação, quando a testemunha BB, disse no seu depoimento, ter conhecimento de máquinas antigas onde foram colocados mecanismos de protecção como os indicados no ponto 18.
Cremos, assim, que não tem a recorrente qualquer razão quando defende que, os factos indicados como provados nos pontos 16), 17) e 18), não resultaram provados.
Pois, a nós, as provas produzidas, em concreto, as que invoca a recorrente, não permitem, muito menos com a necessária segurança, infirmar a resposta que consta daqueles pontos impugnados, de provados, nos termos em que o foram dados pelo Tribunal recorrido.
Ou seja, em nossa convicção, ao contrário do que a Ré sustenta, da interpretação integrada e conjugada das provas produzidas, quanto àqueles pontos, não resulta que esteja incorrecta a decisão proferida. As provas, não têm a virtualidade, por si só, de convencer do modo que a Ré pretende. Assim, não se convenceu a Mª Juíza “a quo” e, também, não nos convencemos nós.
Sem dúvida, o que este Tribunal ouviu e leu, em particular, nos trechos dos depoimentos transcritos, não tem a virtualidade de firmar em nós a alegada convicção da recorrente ou infirmar convicção diversa. Coincidindo a nossa com o que a Mª Juíza “a quo” transcreveu na motivação da decisão de facto e não com a apreciação que consta do recurso, razão porque não ocorrem motivos para que se alterem aqueles factos impugnados, mantendo-se a decisão recorrida quanto aos mesmos.
Em suma, por esta via, a pretensão da recorrente não pode ser acolhida, já que é nossa convicção que não tem ela outro fundamento que não seja a sua própria convicção, evidentemente, diversa da que foi a livre convicção da Mª Juíza julgadora.
Improcede, assim, este aspecto da apelação.
*
Por último, vejamos a pretensão da recorrente deduzida nas conclusões SS e TT da sua alegação.
Nestas, pugna a recorrente que devem ser incluídos no elenco da factualidade provada, os factos que ali refere, mas sem dizer quem e onde foi alegada aquela matéria nos articulados.
E compulsados os articulados não se alcança que nalgum (p.i., contestações, em concreto, a sua) esteja alegada a matéria cujo aditamento é, agora, pretendido. A recorrente fundamenta a sua pretensão, apenas, na alegação, de que resultou da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, já que nem alega que tenha a sentença recorrida violado o art. 72º, nº 1 do CPT, por não ter considerado factos sobre os quais incidiu discussão na audiência de julgamento.
E, sendo desse modo, verificando-se que a impugnação em causa respeita a factos essenciais, (destinados a afastar a sua alegada e decidida, na sentença recorrida, responsabilidade no acidente) afastada está a possibilidade de se pronunciar quanto a ele este Tribunal.
Explicando.
Dispõe o nº 1 daquele art. 72º que, “sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.”.
Por sua vez, o nº 2 do art. 5º do CPC, dispõe que:
2- Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”.
Verifica-se, assim, que o nº 1 do art. 72º do CPT é aplicável aos factos essenciais (stricto senso ou principais) mas já não aos factos complementares e instrumentais, aos quais se refere o citado art. 5º, nº 2 que, aquela norma expressamente ressalva.
Os factos essenciais são os factos integradores da causa de pedir, constitutivos do direito alegado à luz do quadro legal (substantivo) invocado, ou integradores das excepções peremptórias, enquanto os factos instrumentais não integram a causa de pedir; já os factos complementares concretizam os integradores da causa de pedir sem alterar o objecto do processo, conforme se refere no (Acórdão desta Secção e Relação de 31.03.2020, Proc. nº 1372/19.9T8VFR-A.P1.) e vem sendo o entendimento desta secção.
Ora, articulando os nºs 1 e 2 do art. 72º (referindo o primeiro que … deve o juiz … ampliar os temas da prova enunciados…, e o segundo que... se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respectivas provas…) temos que esse regime, dos factos essenciais (stricto senso), apenas é aplicável em 1ª instância, onde os temas de prova podem ser ampliados.
Já quanto aos factos (essenciais) complementares e aos factos instrumentais, atento o disposto no art. 5º, nº 2, concluímos que o Tribunal da Relação pode pronunciar-se sobre eles, com a seguinte diferença de regime:
− quanto aos primeiros é exigido que as partes tenham tido a possibilidade de sobre eles se pronunciar (al. b), o que ocorre se eles tiverem sido discutidos em sede de audiência de discussão e julgamento, caso em que o recorrente os pode invocar em recurso, com vista a aditá-los, pois nesse caso existiu a possibilidade de o recorrido se pronunciar sobre eles, a propósito veja-se o (Acórdão desta Relação (Secção Cível) de 08.10.2020, Proc. nº 818/13.4TBMTS.P1) onde se lê no ponto II do seu sumário, que “a Relação não pode, em violação do disposto no art.º 5º, nº 2, al. b) do Código de Processo Civil, levar em consideração um facto complementar novo, mas não alegado e não discutido pelo tribunal recorrido”.
− já quanto aos segundos bastará que os mesmos tenham resultado da instrução da causa (al. a).
Mas, sendo deste modo, caso estejam em causa factos essenciais (stricto senso/principais) não alegados nos articulados, não tendo aplicação o regime do nº 1 do referido art. 72º no Tribunal “ad quem”, como se disse, não se nos afigura possível sindicar a decisão recorrida, por omissão dos mesmos, em sede de impugnação da matéria de facto, assim como não será de enviar o processo à 1ª instância para o efeito, sendo o caminho a seguir pela parte o de arguir essa omissão (de ampliação dos temas de prova) aquando da audiência de discussão e julgamento (de modo a abranger factos não alegados nos articulados), veja-se o (Acórdão do STJ de 18.04.2018, Proc. nº 205/12.1TTGRD.C3.S1 «sendo de ter presente que quando o mesmo foi proferido estava em vigor a redacção do art. 72º do CPT anterior à Lei nº 107/2019, de 09 de Setembro, não contendo desde logo a expressão “sem prejuízo do disposto no artigo 5º do Código de Processo Civil”»).
Razão porque, dissemos, estar afastada a possibilidade de nos pronunciarmos quanto à impugnação deduzida relativa ao pretendido aditamento de novos factos.
Mas, apesar disso, sempre com o devido respeito, podermos dizer que da audição que fizemos e apreciação dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, não lograram, eles, convencer sobre a tese que sustenta a recorrente, pelo contrário, o que disseram, eventualmente, apenas, seria susceptível de convencer do seu contrário.
Improcede, assim, totalmente a questão da impugnação da decisão de facto.
*
Fixada que está, definitivamente, a matéria de facto provada, precisamente nos termos considerados na decisão recorrida e supra transcritos passemos, então, à análise das questões colocadas pela recorrente, no que toca à decisão de direito.
Questões que decorrem da discordância da mesma, no essencial, com o segmento da sentença recorrida em que se considerou e decidiu, em síntese, que, «(…).
Importa, pois, perceber se, como alegado pela ré seguradora, houve inobservância pela ré empregadora de determinadas regras de segurança e, em caso afirmativo se a mesma poderia ser condição da eclosão do acidente existindo entre os dois factos uma ligação, que segundo as regras comuns da vida, permita afirmar que, existindo o primeiro, provavelmente se daria o segundo, ou que se a entidade empregadora tivesse cumprido as regras de segurança o acidente não poderia ocorrer.
É hoje inquestionável a obrigação de o empregador assegurar aos trabalhadores condições de segurança em todos os aspectos relacionados com o trabalho, devendo para o efeito aplicar as medidas necessárias, nomeadamente combatendo na origem os riscos previsíveis, anulando-os ou limitando os seus efeitos, dando prioridade à protecção coletiva em relação às medidas de protecção individual (Lei nº 102/2009 de 10/09, da qual se realça o disposto pelos arts. 15º e 17º quanto às obrigações gerais do empregador e do trabalhador, respectivamente).
No que respeita à utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho importa ter presente o regime aprovado pelo DL nº 50/2005 de 25/02, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, alterada pela Directiva nº 95/63/CE, do Conselho, de 5 de Dezembro, e pela Directiva nº 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Julho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.
Equipamentos de trabalho são, de acordo com o disposto pelo art. 2º, al. a) do citado DL nº 50/2005 quaisquer máquinas, aparelhos, ferramentas ou instalações utilizadas no trabalho, os quais devem de acordo com o art. 4º do mesmo diploma satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10º a 29º.
No que respeita à utilização de equipamentos de trabalho dispõe o art. 30º do citado DL nº 50/2005 que as regras de utilização dos equipamentos de trabalho previstas no capítulo em que o mesmo se insere são aplicáveis na medida em que o correspondente risco exista no equipamento de trabalho considerado.
Ora, compete à entidade empregadora proporcionar aos seus trabalhadores a utilização de equipamento em conformidade com as regras de segurança estabelecidas nestas normas, estando, por sua vez o trabalhador obrigado a cumprir as prescrições de saúde e segurança no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador (cfr. art. art. 17º, nº 1 al. a) da Lei 102/2009, de 10/09 e o art. 128º, nº 1, als. e) e j) do Código do Trabalho).
Nos termos do art. 15º da Lei 102/2009 de 10/09:
“1- O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho.
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos; (…)
c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos; (…)
l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador. (…)
4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da atividade em condições de segurança e de saúde.”
Acresce que nos termos do art. 5º do DL 50/2005 de 25/02 “Sempre que a utilização de um equipamento de trabalho possa apresentar risco específico para a segurança ou a saúde dos trabalhadores, o empregador deve tomar as medidas necessárias para que a sua utilização seja reservada a operador especificamente habilitado para o efeito, considerando a correspondente actividade.”
Resulta do art. 8º do mesmo diploma legal que:
“1 - O empregador deve prestar aos trabalhadores e seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho a informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados.
2 - A informação deve ser facilmente compreensível, escrita, se necessário, e conter, pelo menos, indicações sobre:
a) Condições de utilização dos equipamentos;
b) Situações anormais previsíveis;
c) Conclusões a retirar da experiência eventualmente adquirida com a utilização dos equipamentos;
d) Riscos para os trabalhadores decorrentes de equipamentos de trabalho existentes no ambiente de trabalho ou de alterações dos mesmos que possam afectar os trabalhadores, ainda que não os utilizem directamente.”
Dispõe o art. 12º do mesmo diploma legal que:
“1— Os equipamentos de trabalho devem estar providos de um sistema de comando de modo que seja necessária uma acção voluntária sobre um comando com essa finalidade para que possam:
a) Ser postos em funcionamento;
b) Arrancar após uma paragem, qualquer que seja a origem desta;
c) Sofrer uma modificação importante das condições de funcionamento, nomeadamente velocidade ou pressão.
2 — O disposto no número anterior não é aplicável se esse arranque ou essa modificação não representar qualquer risco para os trabalhadores expostos ou se resultar da sequência normal de um ciclo automático.”
E nos termos do art. 16º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Riscos de contacto mecânico”, prevê-se que:
“1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.
2 - Os protectores e os dispositivos de protecção:
Devem ser de construção robusta;
Não devem ocasionar riscos suplementares;
c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes;
d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa;
e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário.
3 - Os protectores e os dispositivos de protecção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao setor em que esta deve ser realizada”.
No caso dos autos, a matéria de facto provada permite afirmar que a ré não cumpriu a obrigação de informação e formação relativamente à autora, limitando-se a dar-lhe alguns alertas, através do “afinador” das máquinas quanto ao facto de dever ter cuidado com o posicionamento dos dedos, mas nem por isso, a autora desconhecia o modo como devia operar em segurança com a máquina, como também se considerou provado, pelo que, não se pode concluir que a falta de formação específica e certificada teve qualquer relação com a ocorrência do acidente.
Por outro lado, a máquina estava dotada de um sistema de comando de tal modo que era necessária uma acção voluntária sobre o comando com essa finalidade para que a máquina fizesse o movimento descendente.
De facto, ficou provado que, para que a ferramenta da máquina descesse, era necessário pressionar duas vezes um pedal, sendo uma primeira pressão de forma muito leve, fazendo o pedal descer até metade do percurso e só com a segunda pressão é que o pedal descia até ao fim.
Este mecanismo de dupla pressão que exige um movimento voluntário do operador da máquina, serve precisamente, para evitar que uma mera distracção ou movimento involuntário da trabalhadora pudesse acionar e fazer descer de imediato a ferramenta em causa, pelo que, a ré empregadora não violou o disposto pelo art. 12º do citado DL 50/2005.
A ré empregadora violou, contudo, o disposto pelo art. 16º do DL 50/2005, já que a máquina em que ocorreu o acidente, atento o seu modo de funcionamento comportava o risco efectivo de contacto entre as mãos do trabalhador e as partes móveis da máquina, designadamente o risco de esmagamento pelo movimento descendente da prensa, se tivermos em atenção que a autora, de acordo com instruções da respectiva entidade patronal, colocava, com as mãos, os dois componentes da peça em cada uma das matrizes (superior e inferior) da máquina e posteriormente posicionava a malha entre elas, após o que o equipamento era accionado através de um pedal que faz descer a ferramenta superior em direcção à inferior, comprimindo e unindo as duas peças enquanto a autora segurava o tecido com as mãos no meio das duas ferramentas. Ora, apesar da existência de tal risco, a ré empregadora não dotou a máquina de quaisquer mecanismos que prevenissem o dito risco de contacto das mãos da autora com os elementos móveis da máquina, os quais não tinham qualquer tipo de protecção. De resto a máquina não tinha marcação CE, nem sequer dispunha de Manual de instruções ou de certificado de conformidade e apesar disso a ré empregadora manteve-a em funcionamento.
E terá sido tal violação causal do acidente?
A propósito da relação de causalidade entre a violação das regras de segurança e o acidente importa considerar que o artigo 563.º do Código Civil, ao estatuir que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», alicerça a solução legislativa na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, acolhendo a teoria da causalidade adequada, na sua formulação mais generalizada.
Conforme refere Inocêncio Galvão Teles, «a orientação hoje dominante (…), consiste em só considerar como causa jurídica do prejuízo a condição que, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso, se mostre apropriada para o gerar. A ideia de causalidade fica assim restringida às condições que (…) apresentam aptidão ou idoneidade para a produção do dano. Causa será só a condição adequada a essa produção Direito das Obrigações, 7.ª Edição, Coimbra Editora, 1997, p. 404.
Importa, pois, perceber se a inobservância pela empregadora daquela concreta regra de segurança poderia ser, condição da eclosão do acidente, existindo entre os dois factos uma ligação, que segundo as regras comuns da vida, permita afirmar que, existindo o primeiro, provavelmente se daria o segundo, ou que se a ré tivesse cumprido as regras de segurança o acidente não poderia ocorrer.
No caso concreto, não podemos deixar de considerar que, mesmo que a autora para o exercício da concreta tarefa que estava a desempenhar tivesse que colocar as mãos por baixo da parte descendente da máquina, para colocar as molas não foi durante essa operação que foi atingida pela máquina. A autora foi atingida pela máquina no momento imediatamente subsequente em que, depois das molas colocadas nas matrizes (superior e inferior), tinha que segurar o tecido e accionar o pedal e o movimento descendente da prensa, tendo acidente acontecido porque após posicionar os componentes da mola e o tecido na máquina, a autora ter-se-á descoordenado, pressionado o pedal quando ainda estava com as mãos a esticar/ajeitar o tecido, sendo atingida pela mão no dedo indicador.
Ora, tal situação poderia e seria evitada se a ré tivesse cumprido a obrigação de segurança supra referida, dotando o equipamento de um mecanismo que interrompesse o movimento da prensa (um sensor por exemplo), seja dotando a prensa de um qualquer dispositivo que limitasse o acesso à zona operativa durante o movimento descendente da prensa, o que não fez, nem alegou ou demonstrou que não poderia ter feito.
Conclui-se, pois, que o acidente dos autos ocorreu devido à violação de regras de segurança imputável à ré entidade empregadora.
(…).».
*
A recorrente discorda desta decisão, argumentando e concluindo, em síntese que: “(…), in casu, conforme resulta do supra exposta, o acidente de trabalho sofrido pela Autora/Recorrida não se ficou a dever a um incumprimento das normas de seguranças por parte da Recorrente, porquanto as mesmas se encontravam devidamente acauteladas.
Como tal, verifica-se a inexistência de nexo de causalidade entre o dano sofrido pela Autora e o facto que terá dado origem ao mesmo, porquanto o acidente sofrido pela Recorrida resultou, em exclusivo, de um comportamento omissivo, desatento e pouco diligente por parte da mesma.”.
Reitera que, em sua opinião a sentença recorrida, “não foi elaborada de forma criteriosa, não valorando corretamente a prova produzida nem fazendo uma correta aplicação do direito ao caso concreto e, portanto, à matéria de facto apurada em audiência de discussão e julgamento. A sentença em crise deu por provados factos que não deveriam ter sido dados como provados, efetuando a posteriori, de forma incongruente, uma subsunção ao direito insuficiente, influindo significativamente no desfecho da ação.”.
Apreciando.
Não se discute que a sinistrada foi vítima de um acidente de trabalho, no dia 19 de Julho de 2021, quando operava numa máquina de pregar molas metálicas ao serviço da entidade empregadora. A questão é saber se o acidente sofrido pela sinistrada não poder ser imputado a comportamento daquela, violador de qualquer regra de segurança, porque estas se encontravam devidamente acauteladas, acrescendo, ainda, a inexistência de nexo causal entre tal alegada violação e o acidente, devido a comportamento omissivo, desatento e pouco diligente por parte da Autora, como aquela defende.
E, consequentemente, se deve ser revogada a decisão recorrida e o pedido da recorrente ser julgado procedente, por ela não poder ser responsabilizada, nos termos do art. 18º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2010 e aplicável, apenas, aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor, cfr. art.s 187º, nº 1 e 188º).
Ora, adiantando, tal como é entendimento das recorridas, também, a nós nos parece que a recorrente não tem razão.
A sentença recorrida não nos merece qualquer censura ou reparo quanto a esta questão.
Justifiquemos.
Sob a epígrafe “Actuação culposa do empregador” o nº 1, daquele art. 18º dispõe que: “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”.
E o seu nº 4 preceitua que: “No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.”.
Por sua vez, dispõe o art. 79º, nº 3, daquela Lei que “verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.
Ao actual nº1, do art. 18º, na Lei nº 100/97 correspondia-lhe, precisamente, o nº1 do art.18º, cujo teor é o seguinte:
1 - Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:
a) (...).”.
Comparando com aquele, verifica-se que as inovações introduzidas no nº1 do actual art. 18º, limitam-se à inclusão da “entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra”, o que confere inteira validade à jurisprudência, uniforme e pacífica, produzida a propósito da norma em causa, no âmbito daquela Lei 100/97.
Decorre do nº 1, do referido art. 18º, que a responsabilidade agravada da entidade empregadora tem dois fundamentos. O primeiro previsto na sua parte inicial, quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante e pressupõe um comportamento culposo da parte da entidade empregadora ou seu representante.
O segundo nos termos plasmados na segunda parte, quando o acidente resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora.
A única diferença entre estes dois fundamentos reside na prova da culpa, que é necessária no primeiro caso e dispensável no segundo, vejam-se neste sentido, entre outros, os (Ac.s do STJ de 12.02.2009, de 07.07.2009, de 15.09.2010 e de 21.11.2010, todos disponíveis in www.dgsi.pt, (sítio da internet onde poderão ser encontrados os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação de origem)).
Em apreciação de situação em que estava também em causa, apenas, o segundo dos fundamentos, no douto (Acórdão desta Relação de 23 de Março de 2015, relator, Desembargador António José Ramos) pode ler-se o seguinte: “- a alegada inobservância das regras sobre segurança no trabalho -, necessário, para a sua verificação, é a existência cumulativa dos seguintes pressupostos:
i) - Que sobre a entidade empregadora impenda o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança;
ii) - Que a entidade empregadora não haja, efectivamente, observado as normas ou regras de segurança, sendo-lhe imputável tal omissão e,
por fim,
iii) – Que se verifique uma demonstrada relação (nexo) de causalidade adequada entre a omissão e o acidente.
Quanto ao nexo de causalidade, ele comporta duas vertentes:
Uma, naturalística, que consiste em saber se esse facto concreto (violador da norma de segurança), em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano, havendo, pois, que se provar que o facto integrou o processo causal que conduziu ao dano.
A outra, jurídica, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstrato, como causa idónea do dano ocorrido. E, como é jurisprudência pacífica, no âmbito e para efeitos do artigo 18º quer da Lei 100/97, quer da NLAT, e de harmonia com a regra acolhida no artigo 563º do Cód. Civil, haverá que se atender à teoria do nexo de causalidade adequada na sua formulação negativa.
Seguindo de perto o Acórdão do STJ de 23.09.2009 (processo nº 107/05.8TTLRA.C1), e no qual se apela aos ensinamentos dos Professores Antunes Varela e Pessoa Jorge, de acordo com a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa o estabelecimento do nexo de causalidade juridicamente relevante para efeito de imputação da responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito, praticado pelo agente, tenha atuado como condição da verificação de certo dano, apenas se exigindo que o facto não tenha sido, de todo em todo, indiferente para a produção do dano, dentro dos juízos de previsibilidade que decorrem das regras da experiência comum. O dano haverá que se apresentar como consequência normal, típica ou provável do facto, mas havendo, para o efeito, que se ter em conta, não o facto e o dano isoladamente considerados, mas sim o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, sendo este, processual factual, que caberá na aptidão geral e abstrata do facto para produzir o dano. E, não sendo embora indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas (Acórdão do STJ de 23.09.2009, que temos vindo a citar), é todavia necessário que seja feita a prova do nexo de causalidade, no seu sentido naturalístico, o que compreende a prova de todas as circunstâncias que, numa cadeia relacional de causalidade adequada, integram o processo que conduz ao evento danoso (Acórdão do STJ de 09.09.2009, já citado). Para tanto, e como se tem entendido, é necessária a prova das causas concretas que desencadearam o acidente ou, dito de outro modo, é necessário o conhecimento do concreto circunstancialismo relativo à dinâmica e às razões que levaram à ocorrência do acidente.
Acrescentaremos ainda que, para efeitos de aplicação do artigo 18º da NLAT, cabe ao beneficiário do direito à reparação por acidente de trabalho, quando a solicite (bem como à seguradora que pretenda ver desonerada a sua responsabilidade infortunística), o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa da entidade empregadora ou que o mesmo resultou da inobservância por parte desta de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, bem como os factos que revelem ter ocorrido, no concreto, a violação causal destas regras, nos termos do artigo 342º, nº 2 do Código Civil.
Na verdade, é jurisprudência pacífica, que o ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade da entidade empregadora compete a quem dela tirar proveito, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.”.
Regressando ao caso, não há dúvidas que a co-ré/recorrida provou que a co-ré/empregadora infringiu normas de segurança no trabalho, cujo cumprimento lhe era exigível, em concreto, ao permitir a utilização da máquina de pregar molas, onde se deu o acidente, sem qualquer dispositivo de protecção que, limitasse o acesso à zona operativa durante o movimento descendente do êmbolo superior ou que interrompesse este, de modo a acautelar uma, eventual, situação de esmagamento e que aquela falta foi causal de a sinistrada ser atingida por aquele.
Senão, vejamos.
Inserido no Capítulo IV, relativo à “Prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais”, o art. 281º do CT, sob a epígrafe “Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho” estabelece, especificamente, que:
1 - O trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde.
2 – O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção.
3 – Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa.”.
A Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro, Lei-Quadro de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, que nos termos do seu art. 1º, “(…) regulamenta o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho, de acordo com o previsto no artigo 284.º do Código do Trabalho, no que respeita à prevenção”, a qual procede à transposição “para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 89/391/CEE, do Conselho, de 12 de Junho, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho, alterada pela Directiva n.º 2007/30/CE, do Conselho, de 20 de Junho.” – art. 2º nº 1, e nos termos do disposto no art. 3º nº1, aplica-se: “a) A todos os ramos de actividade, nos sectores privado ou cooperativo e social;
b) Ao trabalhador por conta de outrem e respectivo empregador, incluindo as pessoas colectivas de direito privado sem fins lucrativos.”.
Na “SECÇÃO II” sobre os “Princípios gerais e sistema de prevenção de riscos profissionais”, no art. 5º, estabelece os seguintes “Princípios gerais”:
1 - O trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou colectiva, que detenha a gestão das instalações em que a actividade é desenvolvida.
2 - Deve assegurar-se que o desenvolvimento económico promove a humanização do trabalho em condições de segurança e de saúde.
3 - A prevenção dos riscos profissionais deve assentar numa correcta e permanente avaliação de riscos e ser desenvolvida segundo princípios, políticas, normas e programas que visem, nomeadamente:
a) A concepção e a implementação da estratégia nacional para a segurança e saúde no trabalho;
b) A definição das condições técnicas a que devem obedecer a concepção, a fabricação, a importação, a venda, a cedência, a instalação, a organização, a utilização e a transformação das componentes materiais do trabalho em função da natureza e do grau dos riscos, assim como as obrigações das pessoas por tal responsáveis;
(…);
d) A promoção e a vigilância da saúde do trabalhador;
(…);
4 - O desenvolvimento de políticas e programas e a aplicação de medidas a que se refere o número anterior devem ser apoiados por uma coordenação dos meios disponíveis, pela avaliação dos resultados quanto à diminuição dos riscos profissionais e dos danos para a saúde do trabalhador e pela mobilização dos agentes de que depende a sua execução, particularmente o empregador, o trabalhador e os seus representantes.”.
E, prossegue, no que concerne às obrigações gerais do empregador, em matéria de segurança e saúde no trabalho, estabelecendo no art. 15º, o seguinte:
1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho.
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Identificação dos riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na selecção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;
b) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adoptar as medidas adequadas de protecção;
c) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de protecção;
(...)
g) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
h) Priorização das medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual;
i) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à actividade desenvolvida pelo trabalhador.
(...)
3 - Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as actividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de protecção da segurança e saúde do trabalhador.
4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da actividade em condições de segurança e de saúde.
(…).
10 - Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve organizar os serviços adequados, internos ou externos à empresa, estabelecimento ou serviço, mobilizando os meios necessários, nomeadamente nos domínios das actividades técnicas de prevenção, da formação e da informação, bem como o equipamento de protecção que se torne necessário utilizar.
(...)
14 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto nos nºs 1 a 12.
15 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o empregador cuja conduta tiver contribuído para originar uma situação de perigo incorre em responsabilidade civil.”.
Além destes princípios gerais, tendo em conta a especificidade do caso, encontramos outros diplomas que regulam as matérias relativas à segurança e saúde no trabalho, conforme referido na sentença recorrida, o Decreto-lei n.º 50/2005, de 28 de Fevereiro, o qual dita as prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.
Nele encontram-se um conjunto de regras gerais dirigidas ao empregador, visando assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho.
Assim, no que aqui releva, importa atender ao art. 3º que dispõe:
Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve:
a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;
b) Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização;
c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos;
d) Quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes;
e) Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores.”.
O art 4º dispõe sobre os “Requisitos mínimos de segurança e regras de utilização dos equipamentos de trabalho”, o seguinte:
“1 - Os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º
(…)”.
Ainda o art. 8º sob a epígrafe “Informação dos Trabalhadores” dispõe que: “1 - O empregador deve prestar aos trabalhadores e seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho a informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados.”.
No capítulo II, Secção II, prescreve sobre os “Requisitos mínimos gerais aplicáveis a equipamentos de trabalho”, estabelecendo no art. 10º que: “Os requisitos mínimos previstos no presente capítulo são aplicáveis na medida em que o correspondente risco exista no equipamento de trabalho considerado”.
De entre os vários riscos que a seguir enumera, com especial relevância, no caso, o art. 16º, sob a epígrafe “Riscos de contacto mecânico”, dispõe:
1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.”.
De notar, também, a Portaria nº 53/71, de 03.02 - alterada pela Portaria nº 702/80 in DR nº 219/1980, Série I de 22.03.1980 -, que aprovou o Regulamento Geral de Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais. No seu art. 3º, sob a epígrafe “(Deveres das entidades patronais)” dispõe que: “1. As entidades patronais são responsáveis pelas condições de instalação e laboração dos locais de trabalho, devendo assegurar ao pessoal protecção contra os acidentes e outras causas de dano para a saúde.
2. Aos trabalhadores devem ser dadas instruções apropriadas relativamente aos riscos que comportem as respectivas ocupações e às precauções a tomar.”.
E no art. 40º, dispõe que: “1 - Os elementos móveis de motores e órgãos de transmissão, bem como todas as partes perigosas das máquinas que acionem, devem estar convenientemente protegidos por dispositivos de segurança, a menos que a sua construção e localização sejam de molde a impedir o seu contacto com pessoas ou objectos;
2 - As máquinas antigas, construídas e instaladas sem dispositivos de segurança eficientes, devem ser modificadas ou protegidas sempre que o risco existente o justifique.”.
Por último veja-se, ainda, Decreto-Lei n° 331/93, de 25 de Setembro que, como prescreve o seu art. 1º “transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.° 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro de 1989, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.”, estatui no seu art. 4º que, “Constitui obrigação das entidades empregadoras:
a) Tomar as disposições necessárias para que os equipamentos de trabalho sejam adequados ao trabalho a efectuar e permitam garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;”, definindo no art. 3º que entende-se por: “a) «Equipamento de trabalho», qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizados no trabalho;”.
E, no art. 5°, prescreve sobre as “Características gerais dos equipamentos de trabalho”, referindo que os mesmos, “devem estar conformes às exigências a seguir enunciadas:
a) Os equipamentos de trabalho, colocados pela primeira vez à disposição dos trabalhadores depois da entrada em vigor do presente diploma, têm de cumprir a legislação aplicável relativa à protecção da sua segurança e saúde que garanta os níveis de segurança constantes do anexo ao presente diploma, que dele faz parte integrante;
No “ANEXO”, sob a epígrafe “Prescrições mínimas referidas no artigo 5º”, após a “1 - Observação prévia” de que, “As obrigações previstas são aplicáveis quando existir o correspondente risco no equipamento de trabalho considerado”, estipula o ponto “2.8 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam ocasionar acidentes por contacto mecânico devem ser munidos de protectores ou dispositivos que impeçam o acesso às zonas perigosas ou que interrompam o movimento dos elementos perigosos antes do acesso às mesmas.”.
Revertendo ao caso, atentemos nos factos relevantes que resultam da matéria provada.
2) No dia 19 de julho de 2021, pelas 10:30 horas, nas instalações da sociedade A..., Ldª, sitas em ..., Póvoa de Varzim, a autora encontrava-se a exercer as funções correspondentes à categoria profissional de costureira sob as ordens, direção e fiscalização de tal sociedade …
3) No referido dia, hora e local, a autora encontrava-se a exercer aquelas suas funções numa máquina de pregar molas metálicas.
4) A determinada altura, quando se preparava para pregar uma mola numa peça de vestuário, a autora carregou inadvertidamente no pedal para pregar uma mola.
5) Porém, ao fazê-lo foi atingida pelo êmbolo da máquina no dedo indicador direito, o qual se encontrava a segurar uma peça de vestuário.
6) Como consequência direta e necessária, a autora sofreu esfacelo distal da falange distal, lesão que lhe determinou os seguintes períodos de incapacidades temporárias para o trabalho: …
12) As molas em causa são compostas por dois componentes, designados de macho e fêmea, estando a sinistrada a colocar o macho da mola nas peças de vestuário.
13) Para o efeito, e de acordo com instruções da respectiva entidade patronal, a mesma colocava, com as mãos, os dois componentes da peça em cada uma das matrizes (superior e inferior) da máquina e posteriormente posicionava a malha entre elas.
14) A sinistrada, tendo sido admitida em 02/10/2017, trabalhava habitualmente com a máquina em que ocorreu o acidente.
15) Uma vez efectuado o procedimento descrito em 12) e 13), o equipamento era accionado através de um pedal que faz descer a ferramenta superior em direcção à inferior, comprimindo e unindo as duas peças enquanto a autora segurava o tecido com as mãos no meio das duas ferramentas.
16) No dia e hora referidos supra, a sinistrada procedia conforme descrito em 12), 13) e 15) sendo que, após posicionar os componentes da mola e o tecido na máquina, ter-se-á descoordenado, pressionado o pedal quando ainda estava com as mãos a esticar/ajeitar o tecido.
17) Os elementos mecânicos da máquina encontram-se desprotegidos.
18) E não foram colocados grampos no equipamento, nem comandos bimanuais, ou sensores, capazes de impedir o acidente no caso de a máquina ser accionada por distração.
19) O dito equipamento não possui qualquer referência a marca, fabricante, número de serie, ano de fabrico, marcação CE ou certificado de conformidade, desconhecendo-se o paradeiro do respectivo manual técnico.
24) Para além da formação inicial dada em contexto de trabalho pelo “afinador” que presta serviços à ré, que a alertou para a necessidade de ter cuidado com os dedos no manuseamento da máquina, em 14 de Abril de 2021, a empregadora ministrou uma acção de formação de duas horas, a que a sinistrada assistiu, tendo por conteúdo normas GOTS, OCS, GRS e RCS, sensibilização para a gestão de resíduos e utilização de energia, manuseamento, armazenamento e eliminação de produtos químicos, importância da ergonomia e utilização de EPI´s na minimização dos riscos associados à actividade.
25) A sinistrada sabia como devia utilizar a máquina por forma a evitar qualquer acidente.”.
A enumeração factual que antecede, nomeadamente, os pontos 4, 5, 13, 15, 16, 17, 18 e 19 são bem demonstrativos das infracções cometidas pela co-ré/empregadora e da violação dos princípios sobre segurança no trabalho, designadamente os que decorrem das normas supra referidas, que foram implementados e são de observância obrigatória.
Note-se que, a autora acidentou-se na referida máquina e quando se preparava para pregar uma mola numa peça de vestuário, o seu dedo indicador da sua mão direita foi atingido pelo êmbolo da máquina, o que lhe originou as lesões descritas nos autos naquele dedo da mão.
Ora, veja-se que o Decreto-lei n.º 50/2005, de 28 de Fevereiro, supra citado, impõe ao empregador o dever (art. 3º, al.s a) e b) de assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização, atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização. E, no que respeita aos requisitos mínimos de segurança e regras de utilização dos equipamentos de trabalho, impõe (art. 4º, nº1) que os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10º a 29º, concretamente, tratando-se de elementos móveis que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas, (art. 16º, nº 1).
No caso, a máquina em que a autora laborava não dispunha de qualquer protecção impedindo o acesso à zona de esmagamento, nem de qualquer sensor que impedisse o movimento de descida da ferramenta superior, pese embora, se ter provado que, para que a ferramenta da máquina desça e o pedal fosse accionado teria de ser pressionado duas vezes, sendo a primeira pressão de forma muito leve, fazendo o pedal descer até metade do percurso e só com a segunda pressão é o pedal desce até ao fim e que, este mecanismo de dupla pressão serve para evitar que uma mera distracção ou movimento involuntário da trabalhadora pudesse acionar e fazer descer de imediato a ferramenta em causa. Pois, o que se verifica é que tal, não foi o suficiente para evitar o acidente que aconteceu.
Verifica-se, assim, que a empregadora não acautelou o risco decorrente da falta dessa protecção e porque não existia, a mesma, não protegeu a trabalhadora do acesso aos elementos móveis da referida máquina que é uma zona susceptível de causar acidentes, como efectivamente, causou.
Ou seja, a máquina não dispunha dos sistemas de segurança necessários para evitar a ocorrência de acidentes como o ocorrido, cabendo à empregadora garantir e zelar pela sua existência, garantindo à trabalhadora o exercício do trabalho em segurança, o que resulta dos factos provados, manifestamente, não fez.
Deveres que para ela decorrem das normas supra referidas, em concreto, do Decreto-Lei nº 50/2005 e são claramente reafirmados e impostos pelo art. 281º do CT 2009, e pela Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro, nomeadamente no art. 15º acima transcrito.
A lei é clara ao impor ao empregador o dever de “assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho”, devendo “zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador”, de modo a identificar os “riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, (...) assim como na selecção de equipamentos” e a “combater os riscos na origem (...)”. Impondo-lhe, ainda, o dever de “substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso”.
E foi precisamente esta omissão da obrigação de protecção que causou o acidente, porque a máquina tem uma ferramenta superior que ao descer em direcção à inferior é susceptível de causar acidentes, devendo, por isso, dispor de mecanismos, protectores ou sensores, que protegessem a autora, evitando o acesso àquela zona perigosa quando, como aconteceu no caso, inadvertidamente, ela carregasse no pedal que faz descer aquela, em direcção à ferramenta inferior, atingindo-a nos dedos da mão, como foi o caso.
Na verdade, se a máquina fosse dotada do exigível protector de acesso àquela zona ou sensor que impedisse o movimento de descida, mesmo em caso de inadvertidamente, se carregasse no pedal que tem de se pressionar para a ferramenta descer, esta não atingiria os dedos da mão da A., e, desse modo, não teria ocorrido o acidente.
É óbvio que, analisando o tipo de trabalho que a A. executava e o equipamento em causa, uma máquina com uma ferramenta superior que desce em direcção à inferior, de modo a pregar uma mola numa peça de vestuário, sem protecção ou sensor que parasse o movimento, seria muito elevada a probabilidade de acontecer um acidente de trabalho, como o que acabou por acontecer e, a empregadora por não ter acautelado a protecção daquela zona como podia e devia é, como bem o decidiu a Mª Juíza “a quo” responsável pela reparação dos danos derivados do acidente sofrido por aquela.
Não o impedindo o facto de se ter provado, que a sinistrada sabia como devia utilizar a máquina por forma a evitar qualquer acidente, já que a empregadora não pode transferir o risco de acidente, que decorre da utilização da máquina naquelas condições para a trabalhadora, confiando em que nada acontece, devido à experiência da mesma e porque sabe como utilizar a máquina.
Pois, como bem o demonstra a situação isso não é, nem foi o bastante.
Resulta assim, a nosso ver, óbvio que a ré/empregadora violou regras de segurança, maxime, as que lhe impunham a colocação de mecanismos de protecção e, obviamente, face à ausência de tais mecanismos de protecção, que a recorrente não provou, nem alegou, que não poderia ter feito tem-se, também, por demonstrada a existência de nexo causal entre esse facto e a ocorrência do acidente. Além de que, está aqui em causa não apenas a não protecção dos elementos móveis da máquina, mas também a ausência de conformidade CE do equipamento e o respectivo manual técnico.
Acrescendo que, ainda que, não houvesse possibilidade de efetuar as alterações necessárias e adequadas naquele equipamento, ou se o mesmo não as comportasse, não podia a empregadora utilizá-lo, mesmo estando em condições de operar, pois a segurança dos trabalhadores incumbidos de o usar continuava em risco, desprotegida e não salvaguardada. Razão, porque se a empregadora concluísse que não podia dotar a máquina em questão de equipamentos adicionais de protecção, devia substituir a máquina em causa por outra que fosse possuidora das devidas protecções.
Efectivamente, o DL nº 50/2005 é claro ao fazer incidir sobre a entidade empregadora o dever de protecção dos seus trabalhadores dos riscos que os equipamentos de trabalho comportam, cabendo-lhe a obrigação da implementação das medidas de segurança naqueles ou na impossibilidade destas a sua substituição. dúvidas não restam de que se verificou o necessário nexo causal entre as diversas violações de segurança cometidas pela entidade patronal – está aqui em causa não apenas a não protecção dos elementos móveis da máquina, mas também a ausência de conformidade CE do equipamento e o respectivo manual de instruções
Neste sentido, vejam-se os doutos (Acórdão desta Relação de 11.09.2017, relator – Desembargador Jerónimo Freitas), em que se decidiu:
IV - Sabendo-se que a máquina dá “golpes” quer quando se liga o motor quer após a paragem, a entidade empregadora deveria tê-la retirado da linha de produção para resolver esse problema – eliminado os “golpes” - ou para proteger o trabalhador que com ela operasse desses golpes, com sistema de protecção que impedisse o acesso à zona perigosa enquanto a máquina não concluísse integralmente o ciclo de rotação da engrenagem; e, se nenhuma dessas soluções fosse viável, então para a substituir por uma nova máquina. Não podia era manter a máquina a operar, transferindo o risco para o trabalhador, confiando na sua perícia, constante capacidade de atenção, pese embora tratar-se de uma tarefa repetitiva - porventura, crendo na sorte de que nada aconteceria-, não obstante o deficiente funcionamento do mecanismo (linguete), a falta de protecção contra esse risco e o potencial risco de acidente que essa realidade manifestamente impunha a quem com ela operasse.”.
E do Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 01.03.2018, relator – Conselheiro Ferreira Pinto (ainda não publicado)), de cujo sumário consta: “6. A Empregadora que tinha, à data do acidente, em funcionamento uma prensa antiga sem a ter modificado ou transformado, apesar de haver alta probabilidade de originar acidentes, por não ter qualquer dispositivo de segurança, nomeadamente uma proteção em grade ou de outro tipo, de forma a envolver completamente toda a ferramenta e torná-la inacessível às mãos do trabalhador quando a punção desce, é responsável pela reparação dos danos derivados do acidente ocorrido com o trabalhador que com ela operava, quando se encontrava a retirar uma peça proveniente da fundição, que estava a ser limpa dos excessos/películas, o linguete não parou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, o que lhe provocou o entalamento/esmagamento dos dedos da mão direita que se encontravam entre os seus elementos móveis.”.
Face ao que se deixou exposto, interpretada globalmente a decisão de facto é de concluir que o acidente resultou de falta de observação, por parte da entidade patronal das regras sobre segurança no trabalho e não sendo necessário, para a verificação da previsão legal contida na segunda parte, do nº 1, do art. 18º, da LAT, que a falta de observância de regras de segurança seja causa exclusiva na produção ou verificação do acidente, é de concluir pela responsabilidade daquela na reparação dos danos emergentes do presente acidente de trabalho, nos termos decididos na sentença recorrida.
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III – DECISÃO
Atento o exposto, acordam as Juízas desta secção em julgar improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
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Custas pela recorrente/entidade empregadora.
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Porto, 15 de Janeiro de 2024
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelas respectivas,
Rita Romeira
Germana Lopes
Eugénia Pedro