Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5918/21.4T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: CONCORRÊNCIA DESLEAL
CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES DE EMPRESA CONCORRENTE
Nº do Documento: RP202405205918/21.4T8PRT.P1
Data do Acordão: 05/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Ainda que não constitua um ato desleal tipificado no n.º 1 do artigo 311 do CPI, o aliciamento de trabalhadores de uma empresa concorrente pode constituir um caso de concorrência desleal.
II - Mas só será desleal se a contratação desses trabalhadores não constituir um ato normal de renovação dos quadros da contratante (concorrente), mas tiver como propósito – este sim, desleal – o prejuízo sério da outra empresa, ou seja, se tiver a intenção de a desagregar ou desorganizar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 5918/21.4T8PRT.P1

Recorrente – A..., Lda.
Recorrida – B..., SA

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntas: Teresa Fonseca e Ana Paula Amorim.

Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório
A..., Lda. instaurou a presente acção de processo comum contra B..., SA, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 358.185,00€, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento e a abster-se de aliciar os seus trabalhadores, sob pena de condenação em multa e em indemnização a si, autora.

Para o efeito, alegou, em suma, que no decurso da execução de um contrato de subempreitada celebrado entre si, enquanto subempreiteira, e a ré, enquanto empreiteira, relativo à instalação de fibra ótica, esta última aliciou trabalhadores seus, designadamente o chefe das equipas, assim a privando da sua mão de obra e consequentemente de desenvolver a sua atividade e de, nos anos de 2019 a 2021, auferir rendimentos no valor do pedido que formulou.

Citada, a ré contestou. Em síntese, negou a generalidade dos factos que lhes são imputados, e deduzindo pedido reconvencional que, no entanto, não veio a ser admitido.

Foi fixado o valor da causa [434.185,00], identificado o objeto do litígio [A autora veio instaurar a presente ação pedindo a condenação da ré no pagamento de determinada quantia e a abster-se de continuar a aliciar os trabalhadores da autora, alegando que a ré vem praticando atos de concorrência desleal, o que lhe causou e causa prejuízos. A ré contestou, impugnando de forma motivada a factualidade alegada na petição inicial e pugnando pela falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil invocada] e enunciados os temas da prova [a. a atividade a que se dedica a autora; b. o desvio intencional de trabalhares da autora para e pela ré; c. os prejuízos provocados pela conduta da ré na atividade da autora], sem reclamações.

Foi produzida prova pericial e teve lugar a audiência de julgamento, no âmbito da qual a autora reduziu o pedido para a quantia de 245.401,60€. Após, veio a ser proferida sentença que assim decidiu: “Pelo exposto: Admitindo a redução do pedido para a quantia de 245.401,60€, julgo improcedente a presente ação, e, em consequência, absolvo a R. dos pedidos”.

II – Do Recurso
Discordando do decidido, a autora veio apelar. Sustentando que a “A sentença apreciou erradamente a prova e violou o disposto nos artigos 412, 607 n.º 4 do CPC e 342, 344 n.º 1 e 483 do CC, 311 e 314 do CPI”, a mesma “deve ser revogada e substituída por outra em que seja dada como provada a factualidade vertida nos pontos supra destacados, e supra transcritos, dos Factos Não Provados, com a redação supra referida, e que julgue a ação procedente, condenando a ré a indemnizar a autora pelos prejuízos sofridos decorrentes da sua conduta, nos termos peticionados e apurados no Relatório Pericial constante dos autos”. Para tanto, apresentou as seguintes Conclusões:
1 - O tribunal julgou a ação improcedente e em consequência absolveu a ré dos pedidos. Entendeu que a ré não praticou atos de concorrência desleal para com a autora. Com o devido respeito, a recorrente não aceita este entendimento, considerando que do conjunto da prova produzida, pericial, documental e testemunhal será de retirar diferente conclusão.
2 – O tribunal entendeu que não se fez prova quanto à categoria de chefe de equipa de AA e que não se fez prova quanto ao propósito e atuação da ré no sentido de aliciar ou angariar os trabalhadores da autora por forma a dispensar a necessidade de recorrer a esta para o desenvolvimento da sua atividade e por forma a privá-la de condições para a sua manutenção no mercado.
3 - Quanto à categoria de chefe de equipa de AA consideramos que foi produzida prova bastante quanto à especificidade das funções exercidas por ele como coordenador dos demais trabalhadores da autora, tanto na Irlanda como em Portugal, com assunção de responsabilidades orientadoras destes, com assunção da função de elo de ligação entre a autora e a ré no que dizia respeito aos trabalhos a efetuar tanto na Irlanda como em Portugal, recebendo diretamente da ré instruções relativas aos trabalhos e materiais, com a incumbência de transmitir as mesmas e orientar os demais trabalhadores da autora, com a responsabilidade de utilização do cartão bancário da autora para pagamento, nomeadamente, de refeições no estrangeiro e em Portugal.
4 - O próprio tribunal aceita que resulta “de forma pacífica a superior competência e preparação daquele trabalhador relativamente aos demais funcionários da A.”
5 - Na verdade, apesar das testemunhas indicadas pela ré terem negado a categoria de chefe de equipa ou coordenador daquele AA, mentindo, acabaram por admitir que ele se destacava, como refere o tribunal.
6 - Destaca-se dos depoimentos das testemunhas indicadas pela ré os excertos supra transcritos e que se encontram:
- Depoimento da testemunha BB, diretor operacional da ré, que se encontra gravado, com início às 11:41 h e fim às 13:33 h do dia 31/03/2023. Não querendo admitir a categoria de chefe de equipa de AA, esforçou-se no seu depoimento por equiparar todos os trabalhadores da autora, mas quanto à pontuação que afirmou darem diariamente aos trabalhadores, transmitiu que “AA pondera melhor tudo o que faz, o CC é acelerado e o DD é calmo, lento... o AA se calhar é mais inteligente” – parte final do depoimento da testemunha a instâncias da Ilustre Mandatária da Ré. Mais adiante no seu depoimento, admitiu que quem recebia mais era o AA, mas, não querendo explicar a razão, respondeu “nunca fiz essa pergunta” – depoimento da testemunha a instâncias da Mandatária da Autora.
- Depoimento da testemunha EE, Diretor Comercial da ré e responsável pelo projeto da Irlanda, que se encontra gravado, com início às 14:51 h e fim às 16:40 h do dia 26/06/2023. “Há sempre pessoal que se destaca, não vou mentir, mas o AA é bom, excelente.” – instâncias da Ilustre Mandatária da ré. A Instâncias da Mma Juiz esta testemunha admite que “quando o AA foi cedido foi como chefe de equipa” - parte final do depoimento
- Depoimento da testemunha CC, ex-trabalhador da autora e atualmente a trabalhar para a ré – depoimento que se encontra gravado, com início às 16:08 h e fim às 16:55 h do dia 26/01/23. Quanto à questão do AA ser o chefe deles, o seu coordenador, prestou depoimento de forma hesitante e sem conseguir explicar como lhes chegava o trabalho, mentindo, certamente para agradar à Ré, declarando, “o trabalho chegava-lhes, não sabe como” ...” nunca houve ninguém acima de ninguém” embora admitindo mais adiante que ”com o AA trabalhavam motivados”.
- Depoimento da testemunha FF, ex-trabalhador da autora e atualmente a trabalhar para a ré – depoimento que se encontra gravado, com início às 09:34 h e fim às 09:43 h e ainda com início às 09:45h e fim 10:33h do dia 31/03/2023. Quanto à questão do AA ser o chefe deles, o seu coordenador, também não querendo esclarecer “ coordenador ...no início era o AA”..., “Nunca olhei para ele como chefe” “Éramos uma equipa todos iguais” “ O trabalho chegava por email, o AA era mais próximo do patrão porque era da família”...”o trabalho chegava por email mas não sei para qual”...”O AA só lhes dava orientações no início, primeiras semanas, depois não” ...” quando estavam fora não se lembra mas é natural que fosse o AA a pagar o alojamento e os jantares”.
7 - As testemunhas referidas são diretores da ré ou atuais trabalhadores da ré (CC e FF, ex-trabalhadores da autora), pelo que o seu depoimento estava condicionado e comprometido, daí o especial destaque dado a que embora não querendo dizer a qualidade de chefe de equipa do AA, foram admitindo.
8 - De salientar que, apesar de a ré e de todas as suas testemunhas negarem a qualidade de chefe de equipa e de coordenador ao AA, o certo é que a ré o contratou para exercer funções de supervisor e atualmente já está a exercer para a ré o cargo de gestor operacional, sendo que mais nenhum dos trabalhadores que eram da atora assumiu cargo de responsabilidade na ré, e continuam apenas como juntistas.
9 - Destaca-se da prova produzida por documentos a prova quanto à qualidade de coordenador das equipas da autora – documentos juntos em 06/02/2023 e diversos emails supra analisados.
10 - Destaca-se ainda da prova produzida por documentos a prova quanto à qualidade de coordenador das equipas da autora – Ordem de compra passada pela ré em 03/05/2019, documento n.º 7 junto com a PI, com indicação de valor superior pela cedência de AA relativamente aos outros dois trabalhadores cedidos.
11 - O tribunal não valorou devidamente a documentação supra destacada e referiu apenas o contrato de trabalho de fls. 49 e seguintes, celebrado aquando do início de funções de AA na Autora, por seis meses, em 1 de setembro de 2014, segundo um modelo tipo, que em nada prejudicou as funções que o mesmo veio a assumir nem os vencimentos mensais que o mesmo auferia - cfr. depoimento testemunhal deste trabalhador, no qual explica que para além do salário base tinham objetivos para atingir, recebendo uma percentagem da faturação acima de 2000 euros.
12 - O tribunal referiu-se ainda à proposta de fls. 12, a qual corresponderá à proposta de Prestação Serviços de Formação de 19 de setembro 2017, dirigida pela autora à ré e na qual se prevê a cedência de três juntistas para execução de trabalhos na Irlanda. Nessa proposta o preço/mês por juntista é igual para os três trabalhadores, considerando o tribunal que daí não resulta que AA exercesse a função de chefe de equipa. No entanto o tribunal não atendeu a que pouco tempo após aquela data, esses valores foram alterados, referindo-se ao email de fls. 52, Doc. 1 – referido supra, email de 03/01/2018 da autora para a ré. Acontece que esse não é o único documento que informa acerca do valor a receber pelo AA, desde logo a Ordem de compra mencionada supra, passada pela ré em 03/05/2019, esclarecedora acerca do valor superior pago pela ré quanto à cedência de AA relativamente aos outros dois trabalhadores cedidos.
13 - Aliás, o tribunal deu como provada esta matéria, aceitando que a cedência de trabalhadores se manteve com este valor mais elevado quanto à cedência de AA a partir de 01/01/2018, como consta dos pontos 15 a 17 da matéria dada como provada, o que certamente por lapso não foi tido em conta na motivação.
14 - Apesar de ter dado como provado que a cedência de trabalhadores se manteve com este valor mais elevado quanto à cedência de AA, considerou não provados factos que entram em contradição com essa circunstância, existindo também contradição com a Motivação quanto a este aspeto.
15 - Contradição com factos não provados: que “O trabalhador AA fosse o coordenador das obras na Irlanda” – se é pago um valor superior pela cedência deste trabalhador, por alguma razão tem de ser, sendo que se o Tribunal entender que não é por ser coordenador que recebe mais, deveria ter apontado o motivo. As regras da experiência e do normal acontecer levam a concluir que se pagam mais por ele é porque tem uma prestação diferenciada.
16 - O tribunal também não valorou o facto de a ré tratar diferentemente o AA, como salientado nos documentos e prova testemunhal analisados supra, dirigindo-lhe as instruções e comunicações que diziam respeito aos trabalhos a levar a efeito por todos os trabalhadores da autora.
17 - Assim, com base na prova testemunhal e documental que se destacou, parece-nos que esse Tribunal terá elementos suficientes para alterar a resposta à matéria de facto, nomeadamente quanto aos seguintes pontos que devem ser dados como provados:
- O trabalhador AA fosse o coordenador das obras na Irlanda;
- O trabalhador AA tivesse a coordenação da equipa que continuava a
trabalhar em Portugal;
- Com a saída de AA da autora, as equipas desta tenham ficado sem liderança;
- Os trabalhadores estivessem habituados a receber dele linhas de orientação e de execução;
- Faltasse aos trabalhadores da autora a assunção de responsabilidades;
- A responsabilidade dos trabalhadores da autora fosse assumida por AA.
- Através da contratação de AA a ré se tenha munido da pedra basilar do funcionamento das equipas pertencentes à autora.
- AA tenha sido selecionado para liderar os outros trabalhadores;
- A ré soubesse que sem AA a autora ficasse decapitada e esvaziada de eficácia;
- A ré se tenha apropriado de parte significativa da organização da autora;
- Se tenha apropriado das competências que a autora tinha desenvolvido à custa do seu investimento.
18 - Para além da prova salientada supra, poderia ainda atender-se aos depoimentos das testemunhas indicadas pela autora, os quais foram muito esclarecedores, tendo deposto com seriedade, credibilidade e isenção, sendo que a consideração plasmada na sentença “cuja ligação a uma das partes prejudica a respetiva isenção e credibilidade” vale tanto para a autora como para a ré, pois umas testemunhas são ou foram trabalhadores da autora ou trabalhadores da ré.
- Depoimento da testemunha GG – encontra-se gravado, com início às 10:29 h e fim às 12:26 h do dia 26/01/2023. Esta testemunha que também lhes deu formação em inglês, descreveu como o AA recebeu formação em liderança, o início do contrato para receber formação, em março de 2014, como exercia as funções de coordenador das equipas, explicando que geria as equipas como bem entendia, que tinha excelente relacionamento com os outros trabalhadores, motivando-os para atingir objetivos. “Com o AA conseguiam obter prémios”... “eram bons executantes, mas tinham dificuldade em pegar no trabalho, ter autonomia” ...”depois da saída do AA os trabalhadores falavam torto”, demonstrando a desmotivação e revolta pela sua saída – a instâncias da Mandatária da autora. E mais adiante” “O trabalho nunca mais correu bem”, as equipas de Portugal é que ficaram desorientadas – A Instâncias da Ilustre Mandatária da ré.
- Depoimento da testemunha HH – fundador da empresa, que se encontra gravado, com início às 13:51h e fim às 14:50 h do dia 26/06/2023. Esta testemunha descreveu todo o processo de contratação do AA, da formação que recebeu para liderar o projeto da fibra ótica, da reunião inicial com a Ré em Lisboa onde apenas este trabalhador esteve presente, da seleção que ele fazia dos trabalhadores para formarem equipas e na sua expressiva expressão, “O AA era a peça chave das equipas” e “Quando o AA faltava a produção não era a mesma”.
- Depoimento do legal representante da Autora, II - que se encontra gravado, com início às 16:40h e fim às 17:10h do dia 26/06/2023 e início das 14:15h e fim às 16:21h do dia 08/09/2023 – que é engenheiro eletrotécnico e explicou que dava formação aos trabalhadores da Ré e que preparou juntamente com outros formadores uma equipa para que a autora viesse a prestar serviços à ré na área da fibra ótica, dando- lhes a formação inicial e ao AA também em liderança. Explicou todo o percurso desde a reunião inicial em 2014, passando pela assinatura do contrato de subempreitada, contrato de cedência de mão de obra, e do desenrolar dessa colaboração ao longo dos anos, até ao comprometimento da atividade, levado a cabo pela Ré. Utilizou a expressão referindo-se aos juntistas que tal mão de obra “valia ouro”. Explicou particularmente a reunião em ... no dia 6/09/2019 e de como a ré se propôs a resolver a situação, sugerindo o aumento da tabela de preços que a autora teria de estudar para apresentar.
19 - Relativamente ao 2.º aspeto apontado na sentença como não tendo sido feita prova de tal factualidade, “o propósito e atuação da R. no sentido de aliciar ou angariar os trabalhadores da A. por forma a dispensar a necessidade de recorrer a esta para o desenvolvimento da sua atividade e por forma a privá-la de condições para a sua manutenção no mercado”, convém ter presente que no decurso da execução do contrato de subempreitada para instalação de fibra ótica em Portugal entre a autora e a ré, surgiu em 2017 o contrato de cedência de trabalhadores da autora à ré para trabalhar na Irlanda na mesma atividade.
20 - Todos os trabalhadores da autora especializados na fibra ótica que foram cedidos para a Irlanda são atualmente trabalhadores da ré, prestando serviço na Irlanda. Para além desses três, está lá, como trabalhador da ré, um antigo trabalhador da autora, FF, que também tinha feito parte das equipas da autora em Portugal, no cumprimento do contrato de subempreitada, pelo a ré os conhecia muito bem.
21 - Dos depoimentos prestados pelos diretores da ré, EE e BB, resultou inequivocamente que os trabalhadores da autora se destacavam dos demais pela responsabilidade e desempenho. Mas independentemente da análise de tais depoimentos, resulta evidente que apreciavam o trabalho deles, caso contrário a ré não tinha tratado de os contratar diretamente.
22 - A ré valorizava-os a todos e sabia perfeitamente o valor de cada um. Pelo que não foi inocente o facto de ter contratado em primeiro lugar o AA, que assumia perante ela ré e perante os outros trabalhadores as funções e responsabilidades destacadas supra.
23 - O tribunal entendeu que, “sem mais, não é possível extrair qualquer plano da R. para aliciar tais trabalhadores”. Concede-se que poderá não ser linear a prova da existência de um plano da ré quanto ao aliciamento dos trabalhadores que eram da autora e agora são seus. No entanto o tribunal poderia ter-se socorrido de indícios existentes, que lhe permitiriam chegar a diferente conclusão.
24 - Consideramos que há vários indícios, nomeadamente:
1 - Ter-se dado como provado que eram trabalhadores com formação específica – cfr. ponto 6 dos factos provados. Tal resulta nomeadamente do depoimento da testemunha EE, Diretor Comercial da ré, que referiu que ”A A... no trabalho que produzia não falhava, eram competentes, têm certificação.” Este depoimento encontra-se gravado em suporte digital conforme referido supra.
2 - Haver muita falta de juntistas, e o contrato de cedência de trabalhadores reflete essa escassez de mão de obra. Tal resulta nomeadamente do depoimento da testemunha AA – gravado, com início às 14:36h e fim às 16:08h do dia 26/01/2023 – que, referindo-se a esta categoria de trabalhadores, utiliza a expressão “sempre foi uma escassez de mão de obra”. Mais adiante no seu depoimento afirma “estou à procura de técnicos”, referindo-se aos juntistas.
3 – Tratar-se da contratação precisamente de trabalhadores que eram da autora e estavam cedidos à ré, que os meteu “dentro de portas”;
4 - A ré ter contratado em primeiro lugar o AA, pela sua especial qualificação e pelo papel predominante que desempenhava, sabendo que através dele levaria os demais trabalhadores da autora, como levou.
5 – Ter sucedido de forma imediata o final do contrato de trabalho que vinculava o AA à Autora, 06/06/2019, ao início do contrato de trabalho do mesmo com a ré, em 11/06/2019, na Irlanda – cfr. pontos 25 e 29 dos factos provados. Resulta evidente que este contrato de trabalho foi assinado enquanto o AA era trabalhador da autora.
6 – A ré não ter contactado previamente a autora antes de celebrar aquele contrato de trabalho, nem lhe ter dado conhecimento após a assinatura do mesmo, isto em plena vigência das relações contratuais entre ambas. Ocultou que tinha feito seu aquele trabalhador que era da autora e que esta tinha tido a confiança de lhe ceder para os seus trabalhos na Irlanda. O tribunal desvalorizou completamente tal traição. A autora só veio a descobrir em agosto – cfr. ponto 29 dos factos provados, sendo que a referência a agosto vem do alegado no artigo 43 da PI, altura em que o gerente da autora teve confirmação da contratação daquele pela ré.
7 – Ter de seguida à saída do AA a autora sido confrontada com a comunicação de resolução do contrato de trabalho de um outro dos seus trabalhadores cedidos, CC, com efeitos a partir de 19/07/2019 - cfr. ponto 26 dos factos provados, ou seja, apenas um mês após a saída do AA. Este indício foi tão flagrante logo na altura que “O representante da Autora disse a este trabalhador que não poderia ir trabalhar para a B... e fê-lo assinar uma declaração na data da cessação do contrato, em que este se comprometeu “a não exercer a atividade de telecomunicações para empresas parceiras e concorrentes da A..., designadamente B..., S.A., pelo período de três anos.” - cfr. ponto 27 dos factos provados. Tanto que o gerente da autora determinou que “No final de Junho de 2019, a A. mandou regressar a Portugal o terceiro trabalhador que ali se encontrava, DD.”- cfr. ponto 28 dos factos provados.
8 - Após a reunião de 6 de setembro de 2019 a ré ter deixado de efetuar as autorizações mensais de faturação, impossibilitando a autora de receber os pagamentos correspondentes, tendo-se visto a autora obrigada a interpelar a ré, a qual só veio a efetuar o pagamento em Junho de 2020 - cfr. pontos 39 a 44 dos factos provados. Ou seja, resulta da matéria de facto dada como provada, inequivocamente, que a Ré executou um plano de asfixia financeira da autora após a reunião em que o gerente da autora comunicou que teria de ser paga uma indemnização como compensação pela perda do seu trabalhador AA - cfr. pontos 35 a 37 dos factos provados.
9 – Para além de a ré não ter entregue à autora mais nenhuma obra até terminar a que estava em curso em Portugal naquela altura, a qual foi concluída no início de novembro de 2019 - cfr. ponto 38 dos factos provados. Ora, ao deixar a autora sem o seu principal trabalhador e sem dinheiro, sabendo que era a sua única cliente na área das telecomunicações, permitiria concluir que a ré agiu com intenção de privar a autora de condições para a sua manutenção no mercado. Porque outro motivo deixaria a ré de pagar à autora logo na altura em que a privou do seu principal trabalhador? Note-se que na fundamentação, na antepenúltima página da sentença, in fine, faz-se referência a que a ré era a única cliente da autora. Além de que a saída do trabalhador CC está certamente relacionada com o objetivo da ré de integrar os trabalhadores que a Autora lhe tinha cedido, como concretizou mais tarde. Para tal usou o AA.
25 - A análise destes indícios levará a concluir que a ré atuou por forma a dispensar a necessidade de recorrer à autora para o desenvolvimento da sua atividade, como efetivamente dispensou, o que é uma realidade incontornável - cfr. ponto 38 dos factos provados.
26 - Não é possível prova direta sobre o plano e desvio de trabalhadores. Pelo que o tribunal tinha de recorrer a prova por factos indiciários, como os que foram salientados.
27 - Com o devido respeito entendemos que não foi cumprido o disposto no n.º 4 do artigo 607 do CPC – O tribunal devia ter fundamentado com base em não ser possível presunção por factos indiciários.
28 - Neste sentido Acórdão do Tribunal Relação Coimbra de 21-03-2012, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-02-2020, Proc. 37/08.1TBSCD.C1, e Ac. Tribunal Relação Guimarães 2016, sobre prova diabólica, conforme sumários transcritos supra.
29 - Também a doutrina se tem pronunciado sobre a prova difícil e os meios de a superar. Neste sentido o artigo de JJ e KK do qual se transcreveu supra o resumo, do qual se destaca: “No presente artigo, apresentamos uma distinção entre a prova subjetivamente difícil e a prova objetivamente difícil, sugerindo que a primeira possa ser superada através de um ajustamento do grau de convicção exigido ao juiz para a apreciar a veracidade de uma proposição, enquanto a segunda seja apta a justificar uma redistribuição dos encargos probatórios. A prova objetivamente difícil tem dado origem a soluções tecnicamente diversas, como as provas indiciárias, a diminuição do grau de convicção exigido ao juiz (prova levior)...”.
30 - Havia assim meios de prova suficientes para dar como provados os seguintes pontos:
- Através da contratação de AA a ré se tenha munido da pedra basilar do funcionamento das equipas pertencentes à autora.
- A ré tivesse delineado um plano para dispensar a autora e contratar diretamente os trabalhadores cedidos por esta.
- A resolução do contrato do CC tivesse surgido na execução de um plano da ré por intermédio de AA.
- AA tenha sido manobrado pela ré.
- A ré tenha desviado CC da autora para si.
- A ré não tenha entregue mais obras à autora por esta não ter prescindido de ser ressarcida dos prejuízos sofridos com a conduta da ré.
- Sem o AA e outros trabalhadores a autora tenha ficado sem meios de poder desenvolver a atividade a que se dedica.
- Após a saída de AA todos os trabalhadores tenham sentido vacilar a estabilidade que decorria do seu contrato de trabalho e tenham posto pela primeira vez em causa a sua permanência na autora.
- A ré tenha aliciado trabalhadores que lhe tinham sido cedidos pela autora.
- A ré tenha aliciado AA e o tenha usado para desencaminhar os demais.
- A ré soubesse que sem AA a autora ficasse decapitada e esvaziada de eficácia.
- A contração pela ré de AA, CC e FF tenha obedecido a um plano concertado e previamente delineado.
- Com a contratação destes trabalhadores a autora (a Ré) tenha eliminado a posição da autora e se tenha substituído à mesma.
- A ré tenha desprovido a autora da sua mão de obra.
- A ré tenha impossibilitado a autora de desenvolver a sua atividade.
- A ré se tenha apropriado de parte significativa da organização da autora.
- Se tenha apropriado das competências que a autora tinha desenvolvido à custa do seu investimento.
- A autora tenha sofrido prejuízos em consequência direta e necessária do comportamento da A[1].
31 - Da prova produzida o tribunal concluiu que existe uma relação de concorrência entre autora e ré. Não considerou, no entanto, que, no âmbito dessa atividade concorrencial, instalação de fibras óticas, a ré tenha praticado factos contrários às normas e usos honestos do respetivo ramo de atividade económica.
32 - No caso dos autos entendeu que “nem a A. perdeu um número significativo de trabalhadores para a R. nem a perda dos mesmos se verificou num curto período de tempo”. Com o devido respeito, não se pode concordar com tal entendimento.
33 - Na verdade, é preciso ter em conta o universo do número de trabalhadores da autora nesta área de telecomunicações. Lembra-se que a autora é uma pequena empresa que tinha seis trabalhadores a quem deu formação para desempenhar as funções de juntista. A própria ré, uma grande empresa, tinha muita dificuldade em contratar juntistas. Tanto que celebrou com a autora o contrato de cedência de três juntistas para a Irlanda. E a Autora não esteve em condições de ceder mais juntistas porque os restantes não conseguiram aprender inglês. No início de 2019, a autora, para além dos três que estavam cedidos à ré na Irlanda, tinha mais dois juntistas que prestavam serviço em Portugal no âmbito do contrato de subempreitada celebrado com a ré.
34 - Note-se que aquando da incorporação de AA nos quadros da ré esta só tinha três juntistas seus a trabalhar na Irlanda – cfr. depoimento das testemunhas indicadas pela ré BB e EE.
35 - O tribunal entendeu que no período entre 2019 e 2021 transitou apenas um único trabalhador para a ré. No entanto, não se tratou de um qualquer trabalhador com formação de juntista. É muito importante salientar que o trabalhador juntista que transitou em 2019, AA, desempenhou desde o início funções de destaque, organizando os trabalhos, orientando os trabalhos e os colegas, assumindo responsabilidades no relacionamento entre a autora e a ré e tudo o mais que se salientou supra. O AA era o trabalhador melhor preparado, que tinha a seu cargo a orientação das equipas, motivava os colegas, incentivava-os a desenvolver o trabalho de modo a atingirem objetivos de produção, o que levava a que recebessem prémios, o que era do agrado de todos. De modo que a autora ficou sem o seu homem de confiança e sem o líder das suas equipas.
36 - Por isso é que a ré o levou, ciente da sua especial preparação e capacidade de liderança. A ré não levou um trabalhador qualquer. Tanto assim é que a ré fê-lo logo subir à categoria de supervisor e atualmente já o fez ascender à categoria de gestor operacional – cfr. identificação do mesmo aquando da inquirição em audiência de julgamento. Não foi inocente a ré ter levado em primeiro lugar o AA, levou-o devido à sua preparação e porque sabia que através dele conseguiria atrair os demais juntistas que eram trabalhadores da autora, porque este tinha domínio sobre eles.
37 - Daí que o juntista CC tenha saído da autora no mês a seguir ao AA. E só não foi logo para a ré certamente porque o gerente da ré o fez assinar um pacto de não concorrência. Além de que, quando em agosto a autora teve a confirmação de que o AA estava a trabalhar para a ré, falou-se logo na empresa em pedir responsabilidades aos trabalhadores e à ré, sendo que o AA mantinha contacto frequente com todos - cfr. pontos 26, 27 e 29 dos factos provados.
38 - Acresce que na reunião de 06/09/2019 entre autora e ré, depois das advertências do gerente da autora de que haveria um pedido de indemnização e eventual processo judicial contra a ré, por ter levado o AA, aquela não se sentiu certamente muito à vontade para integrar de imediato o CC. Provavelmente o previsto era que não ficasse tanto tempo sem ingressar nos quadros da ré, mas em março de 2020 veio a pandemia e o mundo parou - facto notório art. 412 do CPC. Daí que só no início de 2021 tenha ingressado na ré, o que se efetivou antes de terminar o período previsto na declaração de não concorrência que também terá contribuído para que o trabalhador atrasasse essa entrada.
39 - A ré, enquanto esperava pelo CC, foi buscar o FF que estava com o seu regresso preparado para a autora, e que entrou poucos meses após o AA. - cfr. ponto 31 dos factos provados.
40 - Não satisfeita com três trabalhadores juntistas formados pela autora, a ré foi buscar em 2022, e já no decurso da presente ação, o trabalhador DD, um dos trabalhadores que a autora lhe tinha cedido para a Irlanda, pelo que no momento atual a ré tem a trabalhar na Irlanda, nos seus quadros, os três trabalhadores que a autora lhe tinha cedido, e ainda mais um.
41 - A ré em poucos meses de 2019 descartou a autora, em primeiro lugar levando- lhe o homem de confiança, depois, a partir de setembro deixando de lhe pagar, devido à tomada de posição do gerente da autora de que essa atitude representava um atentado às relações contratuais existentes entre as duas empresas, exigindo uma indemnização como compensação por essa perda, e a partir de novembro, quando terminou a obra então em curso em Portugal, não lhe entregou mais obras – cfr- pontos 39 a 44 dos factos provados e penúltima página da sentença.
42 - Isto sem dar uma palavra à autora quando lhe ficou com o trabalhador cedido, ainda por cima o homem de confiança, sem dar uma palavra quando deixou de efetuar as autorizações mensais de faturação, impossibilitando a autora de receber os pagamentos correspondentes, a qual ainda aguardou até dezembro, vendo-se obrigada a interpelar a ré para esse efeito, e só veio a receber pelos serviços prestados à ré em junho de 2020.
43 - A autora ainda tentou reagir, após se ver sem o AA, e porque tinha dado formação como juntista ao FF, negociou com este o seu regresso. Mas mais uma vez a ré, sem dúvida por intermédio do AA, ficou-lhe com ele, levando-o também para a Irlanda. O tribunal tratou diferentemente a situação deste trabalhador por o mesmo ter saído da autora em 2017, mas deveria ter dado como provado que após a saída do AA a Autora estava a tratar do seu regresso – cfr. ponto 31 e depoimento das testemunhas indicadas pela Autora GG, HH e declarações de parte do gerente.
44 - Todos estes comportamentos da ré constituem um atentado à organização da autora que num curto espaço de tempo se viu a passar de um quadro de plena atividade e bons resultados financeiros, na plena vigência do contrato de subempreitada e plena vigência do contrato de cedência, ambos celebrados com a ré, para uma situação de aniquilação total, até porque a autora tinha a ré como único cliente, tendo a sua perda um impacto muito significativo.
45 - Parece-nos que se pode considerar que a ré praticou factos contrários às normas e usos honestos do ramo de atividade económica a que ambas pertencem, pois os factos supra descritos permitem concluir que as atitudes adotadas pela ré constituem uma prática desonesta, massiva para o universo dos trabalhadores da autora, e que ocorreu no que se poderá considerar um curto espaço de tempo, conforme exposto supra, obedecendo a um plano gizado.
46 - Esse Tribunal terá certamente elementos para concluir que a ré atuou com a consciência de que o respetivo comportamento era suscetível de causar graves prejuízos à recorrente, como causou.
47 - Tendo em conta todo o exposto e analisada a prova carreada aos autos, encontram-se verificados todos os pressupostos do conceito de concorrência desleal.
48 - É indubitável, considerando todo o modus operandi da ré, que esta agiu contra os direitos e interesses da recorrente, atuando de forma ilícita e com culpa, havendo nexo de causalidade, pelo que deve a ré ser condenada no pagamento de uma indemnização pelos danos que a sua atuação provocou.
49 - Cumpre ainda notar que há contradição entre o último ponto da matéria dos Factos não Provados e a matéria dos pontos 33 e 34 dos Factos Provados, pois no último ponto da matéria dos Factos não Provados considera-se não provado que “A R. tivesse manifestado que pelo menos até meados de 2021 se manteria a cedência de trabalhadores na Irlanda.” Mas no ponto 33 foi dado como provado que o gerente da autora questionou a ré por quanto tempo havia previsão de cedência de trabalhadores na Irlanda e no ponto 34 diz-se que a ré respondeu “Para a Irlanda o nosso plano vai até meados de 2021.” Trata-se da mesma matéria, sendo que a matéria do facto não provado é um resumo da matéria dos pontos 33 e 34 pelo que deverá dar-se como provado.
50 - A sentença apreciou erradamente a prova e violou o disposto nos artigos 412, 607 n.º 4 do CPC e 342, 344 n.º 1 e 483 do CC, 311 e 314 do CPI, pelo que deve ser revogada e substituída por outra em que seja dada como provada a factualidade vertida nos pontos supra destacados, e supra transcritos, dos Factos Não Provados, com a redação supra referida, e que julgue a ação procedente, condenando a ré a indemnizar a autora pelos prejuízos sofridos decorrentes da sua conduta, nos termos peticionados e apurados no Relatório Pericial constante dos autos.

A ré respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência.

O recurso foi recebido nos termos legais, nada se tendo alterado, neste Tribunal da Relação, ao sentido do despacho que o recebeu. Os autos correram Vistos e nada se observa que obste ao conhecimento do mérito da apelação, cujo objeto, atentas as conclusões da apelante, consiste em saber se a) há lugar à reapreciação da prova e à alteração da decisão relativa à matéria de facto e b) se, em consequência (ou independentemente dessa eventual alteração) a decisão deve ser revogada e a ré condenada a indemnizar a autora pelos prejuízos sofridos.

III – Fundamentação
III.I – Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Como decorre do disposto no artigo 662, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

A modificabilidade da decisão de facto, desde logo se pretendida pelo recorrente, exige a este um determinado ónus. Efetivamente, o artigo 640 do CPC, como decorre das várias alíneas do seu n.º 1, impõe ao recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto que especifique “Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” e “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” e ainda “A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Acrescenta a alínea a) do n.º 2 do mesmo preceito que “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Tendo em conta as considerações anteriores, importa agora saber se a apelante recorre efetivamente da decisão relativa à matéria de facto, de que pontos recorre e, além disso, se a apreciação da sua impugnação se justifica, uma vez que, se tal apreciação for de todo irrelevante para a solução jurídica da causa, ainda a impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no artigo 640 do CPC, não se justifica o seu conhecimento, sob pena de, com a reapreciação da prova , se estar a praticar um ato inútil e, por isso, proibido (artigo 130 do CPC).

No caso presente, entendemos que a apelante cumpre suficientemente o ónus de quem impugna a decisão relativa à matéria de facto e, na plausibilidade das soluções jurídicas da causa, a reapreciação da prova não se revela um ato inútil.

Percorrendo as conclusões apresentadas pela apelante, constatamos que, num primeiro conjunto, a mesma pretende que agora se considerem provados os seguintes factos que o tribunal deu como não provados[2]: - O trabalhador AA fosse o coordenador das obras na Irlanda; - O trabalhador AA tivesse a coordenação da equipa que continuava a trabalhar em Portugal; - Com a saída de AA da autora, as equipas desta tenham ficado sem liderança; - Os trabalhadores estivessem habituados a receber dele linhas de orientação e de execução;
- Faltasse aos trabalhadores da autora a assunção de responsabilidades; - A responsabilidade dos trabalhadores da autora fosse assumida por AA. - Através da contratação de AA a ré se tenha munido da pedra basilar do funcionamento das equipas pertencentes à autora. - AA tenha sido selecionado para liderar os outros trabalhadores; - A ré soubesse que sem AA a autora ficasse decapitada e esvaziada de eficácia; - A ré se tenha apropriado de parte significativa da organização da autora; - Se tenha apropriado das competências que a autora tinha desenvolvido à custa do seu investimento.

Para fundamentar a sua pretensão, a apelante veio referir que “apesar das testemunhas indicadas pela ré terem negado a categoria de chefe de equipa ou coordenador daquele AA, mentindo, acabaram por admitir que ele se destacava”, como resulta do depoimento de BB [transmitiu que “AA pondera melhor tudo o que faz, o CC é acelerado e o DD é calmo, lento... o AA se calhar é mais inteligente”], de EE [“Há sempre pessoal que se destaca, não vou mentir, mas o AA é bom, excelente”], de CC [ admitindo mais adiante que ”com o AA trabalhavam motivados”] e FF [“O trabalho chegava por email, o AA era mais próximo do patrão porque era da família”...”o trabalho chegava por email, mas não sei para qual”... “O AA só lhes dava orientações no início, primeiras semanas, depois não” ...” quando estavam fora não se lembra, mas é natural que fosse o AA a pagar o alojamento e os jantares”]. Acrescenta que o tribunal “deu como provada esta matéria, aceitando que a cedência de trabalhadores se manteve com este valor mais elevado quanto à cedência de AA a partir de 01/01/2018, como consta dos pontos 15 a 17 da matéria dada como provada” e “não valorou o facto de a ré tratar diferentemente o AA, como salientado nos documentos e prova testemunhal analisados supra, dirigindo-lhe as instruções e comunicações que diziam respeito aos trabalhos a levar a efeito por todos os trabalhadores da autora”. Refere ainda a apelante, em acréscimo, os depoimentos  das testemunhas (indicadas por si) GG [“Com o AA conseguiam obter prémios”... “eram bons executantes, mas tinham dificuldade em pegar no trabalho, ter autonomia” ...”depois da saída do AA os trabalhadores falavam torto”, demonstrando a desmotivação e revolta pela sua saída – a instâncias da Mandatária da autora. E mais adiante” “O trabalho nunca mais correu bem”, as equipas de Portugal é que ficaram desorientadas – A Instâncias da Ilustre Mandatária da ré], HH [“O AA era a peça chave das equipas” e “Quando o AA faltava a produção não era a mesma”] e o depoimento do legal representante da apelante [explicou que dava formação aos trabalhadores da Ré e que preparou juntamente com outros formadores uma equipa para que a autora viesse a prestar serviços à ré na área da fibra ótica, dando- lhes a formação inicial e ao AA também em liderança].

Um segundo conjunto de facto pretende a apelante que sejam dados como provados, entendo que havia “meios de prova suficientes para dar como provados os seguintes pontos”: - Através da contratação de AA a ré se tenha munido da pedra basilar do funcionamento das equipas pertencentes à autora. - A ré tivesse delineado um plano para dispensar a autora e contratar diretamente os trabalhadores cedidos por esta. - A resolução do contrato do CC tivesse surgido na execução de um plano da ré por intermédio de AA. - AA tenha sido manobrado pela ré. - A ré tenha desviado CC da autora para si. - A ré não tenha entregue mais obras à autora por esta não ter prescindido de ser ressarcida dos prejuízos sofridos com a conduta da ré. - Sem o AA e outros trabalhadores a autora tenha ficado sem meios de poder desenvolver a atividade a que se dedica. - Após a saída de AA todos os trabalhadores tenham sentido vacilar a estabilidade que decorria do seu contrato de trabalho e tenham posto pela primeira vez em causa a sua permanência na autora. - A ré tenha aliciado trabalhadores que lhe tinham sido cedidos pela autora. - A ré tenha aliciado AA e o tenha usado para desencaminhar os demais. - A ré soubesse que sem AA a autora ficasse decapitada e esvaziada de eficácia. - A contração pela ré de AA, CC e FF tenha obedecido a um plano concertado e previamente delineado. - Com a contratação destes trabalhadores a autora (a ré) tenha eliminado a posição da autora e se tenha substituído à mesma. - A ré tenha desprovido a autora da sua mão de obra. - A ré tenha impossibilitado a autora de desenvolver a sua atividade. - A ré se tenha apropriado de parte significativa da organização da autora. - Se tenha apropriado das competências que a autora tinha desenvolvido à custa do seu investimento. - A autora tenha sofrido prejuízos em consequência direta e necessária do comportamento da ré.

Fundamento esta (segunda) pretensão começa por admitir “que poderá não ser linear a prova da existência de um plano da ré quanto ao aliciamento dos trabalhadores que eram da autora e agora são seus”, mas que o tribunal podia ter-se socorrido de diversos indícios [1 - Ter-se dado como provado que eram trabalhadores com formação específica – cfr. ponto 6 dos factos provados. (...)  2 - Haver muita falta de juntistas, e o contrato de cedência de trabalhadores reflete essa escassez de mão de obra. (...)  3 – Tratar-se da contratação precisamente de trabalhadores que eram da autora e estavam cedidos à ré, que os meteu “dentro de portas”; 4 - A ré ter contratado em primeiro lugar o AA, pela sua especial qualificação e pelo papel predominante que desempenhava, sabendo que através dele levaria os demais trabalhadores da autora, como levou. 5 – Ter sucedido de forma imediata o final do contrato de trabalho que vinculava o AA à autora, 06/06/2019, ao início do contrato de trabalho do mesmo com a ré, em 11/06/2019, na Irlanda – cfr. pontos 25 e 29 dos factos provados. 6 – A ré não ter contactado previamente a autora antes de celebrar aquele contrato de trabalho (...) O tribunal desvalorizou completamente tal traição. A autora só veio a descobrir em agosto – cfr. ponto 29 dos factos provados, sendo que a referência a agosto vem do alegado no artigo 43 da PI, altura em que o gerente da autora teve confirmação da contratação daquele pela ré. 7 – Ter de seguida à saída do AA a autora sido confrontada com a comunicação de resolução do contrato de trabalho de um outro dos seus trabalhadores cedidos, CC, com efeitos a partir de 19/07/2019 - cfr. ponto 26 dos factos provados (...) Este indício foi tão flagrante logo na altura que “O representante da Autora disse a este trabalhador que não poderia ir trabalhar para a B... e fê-lo assinar uma declaração na data da cessação do contrato, em que este se comprometeu “a não exercer a atividade de telecomunicações para empresas parceiras e concorrentes da A..., designadamente B..., S.A., pelo período de três anos.” - cfr. ponto 27 dos factos provados. (...) 8 - Após a reunião de 6 de setembro de 2019 a ré ter deixado de efetuar as autorizações mensais de faturação (...) - cfr. pontos 39 a 44 dos factos provados. (...)  a ré executou um plano de asfixia financeira da autora após a reunião em que o gerente da autora comunicou que teria de ser paga uma indemnização como compensação pela perda do seu trabalhador AA - cfr. pontos 35 a 37 dos factos provados. 9 – Para além de a ré não ter entregue à autora mais nenhuma obra até terminar a que estava em curso em Portugal naquela altura, a qual foi concluída no início de novembro de 2019 - cfr. ponto 38 dos factos provados]. E, em acrescento, entende não ter sido cumprido “o disposto no n.º 4 do artigo 607 do CPC – O tribunal devia ter fundamentado com base em não ser possível presunção por factos indiciários” e, citando, refere: “A prova objetivamente difícil tem dado origem a soluções tecnicamente diversas, como as provas indiciárias, a diminuição do grau de convicção exigido ao juiz (prova levior)...”.

Prosseguindo.

Na fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, o tribunal recorrido, com relevo aos ponto de facto impugnados deixou expresso o que se transcreve e sublinha: “O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência, mais concretamente do Anexo Documental na certidão permanente de fls. 2 e ss.; no contrato de fls. 4 v. e ss.; na proposta de prestação de serviços de fls. 12; na ordem de faturação de fls. 13; nas faturas de fls. 13 v. e ss.; na ordem de compra de fls. 14 v.; na fatura de fls. 15; na Declaração de fls. 15 v.; nos emails. de fls. 16; na correspondência de fls. 17 e ss.; na ordem de faturação de fls. 19; na fatura de fls. 19 v.; na listagem de fls. 20 e ss.; na certidão permanente de fls. 27 v. e ss.; nas faturas de fls. 30 v. e ss.; nos emails de fls. 38 v. e ss.; na proposta de fls. 42; nos relatórios de fls. 43 v. e ss.; no contrato de trabalho de fls. 49 e ss.; no certificado e alvará de fls. 51; nos emails de fls. 52 e ss., e, dos autos principais, no relatório pericial de fls. 95 e ss. Em concatenação com os referidos elementos foi ponderada a generalidade dos depoimentos, nesta parte corroborados pelas declarações do gerente da A., II: por um lado, das testemunhas indicadas pela A., GG, LL, funcionários da A. com as funções de administrativos, HH, fundador da A., irmão do seu atual gerente, AA, CC, e FF, técnicos de telecomunicações ex-funcionário da A. e atualmente a trabalhar para a R., e, por outro, das testemunhas indicadas pela R., MM, diretora dos recursos humanos, BB, ex-funcionário da R., e EE, diretor comercial da R, que no essencial descreveram de forma coincidente a sequência dos factos que veio a dar-se como assente, mormente no que respeita às relações comerciais entre as partes iniciadas com o contrato de fls. 4 v. e ss, a sua evolução, de que se destaca a ulterior e concomitante cedência de trabalhadores nos termos da proposta de fls. 12 e ss., e vicissitudes várias desde logo as relacionadas com a contratação pela A. de trabalhadores a quem deu formação com vista a satisfazer o seu compromisso contratual para com a R., para quem alguns desses trabalhadores, AA, CC, e FF, atualmente trabalham reconhecidamente desde as indicadas datas.
Quanto à categoria de chefe de equipa de AA e o propósito e a atuação da R. no sentido de aliciar ou angariar os trabalhadores da A. por forma a dispensar a necessidade de recorrer a esta para o desenvolvimento da sua atividade e por forma a privá-la de condições para a sua manutenção no mercado, afigura-se-nos que não foi feita prova de tal factualidade. Na verdade, da documentação junta, como seja o contrato de trabalho de fls. 49 e ss. e a proposta de fls. 12, não resulta que AA exercesse a função de chefe de equipa, denominação a que apenas se refere o email de fls. 52, proveniente da A., assim como as supra ids. testemunhas indicadas por esta, cuja ligação a uma das partes prejudica a respetiva isenção e credibilidade, pese embora, em face dos respetivos depoimentos, assim como dos depoimentos das testemunhas indicadas pela R., resulte de forma pacífica a superior competência e preparação daquele trabalhador relativamente aos demais funcionários da A. Outrossim, apesar dos apontados trabalhadores, AA, CC e FF, como os próprios reconheceram, assim como DD, terem sido contratados em 2014 pela A. que lhes deu formação para as funções na área da fibra ótica a desenvolver no âmbito das relações estabelecidas com a R., e de atualmente estarem a trabalhar diretamente para esta com o mesmo tipo de funções, afigura-se-nos que, sem mais, não é possível extrair qualquer plano da R. para aliciar tais trabalhadores e de assim a A. ter ficado privada da sua capacidade de organização e ação, desde logo pela sequência espaçada da saída de cada um desses trabalhadores da A., em Junho 2019 AA, em Julho de 2019 CC, em 2017 FF e em 2022 DD, e o seu respetivo ingresso na R., no Verão de 2019 AA, no início de 2021 CC, no final de 2019 FF e mais recentemente DD. Ademais, FF, reconhecidamente, não chegou a ser cedido pela A à R. para trabalhar na Irlanda, porquanto, quando tal começou a suceder em 2017, saiu, por razões exclusivamente pessoais e sem qualquer relação com as saídas subsequentes dos colegas, para uma pastelaria onde esteve até ingressar na R. em finais de 2019, já sem qualquer ligação à A. Por sua vez, entre a sua saída da A. em Julho de 2019 e o ingresso na R. em início de 2021, cerca de um ano e meio, CC esteve a trabalhar numa outra empresa, e DD só em 2022 terá saído da A. e subsequentemente ingressado na R. Os demais factos não provados ficaram igualmente a dever-se à ausência ou insuficiência de prova”.

Na reapreciação da prova tivemos em conta os documentos que se mostram anexados aos autos: O contrato de subempreitada entre recorrente e recorrida, com início a 25 de agosto de 2014 (fls. 4/10); a proposta de cedência de três juntistas, feita à recorrida pela recorrente e datada de 19.09.17 [a proponente apelida a proposta de “prestação serviços de formação”, indicando, com a mesma “os termos e condições para a cedência de colaboradores solicitados por V. Exas.] – fls. 12; A ordem de faturação de três juntistas, emitida pela ré a 13.11.27, pelo preço unitário de 3.600,00€ - fls. 13; a alteração (manuscrita) do custo de juntista, agora diferenciado, em 31.07.2018 – fls. 14; a “declaração” assinada por CC (e só por este), datada de 19.07.19 onde refere que, na sequência da cessação do contrato, por sua iniciativa, com a A..., “compromete-se a não exercer a atividade de telecomunicações para empresas parceiras e concorrentes da A..., designadamente B... (...) pelo período de três anos – fls. 15 v.; a troca de correspondência e emails de fls. 16/18; os emails de fls. 38/39; o contrato de trabalho a termo de AA, de 1.09.14, com a categoria de técnico de comunicações – fls. 49/50; a correspondência (emails) de fls. 52/60 e de fls. 62.

Relativamente aos depoimentos prestados, todos foram ouvidos na reapreciação da prova. Diga-se, a tal propósito que, sem desconsiderar as citações que a recorrente faz dos mesmos, estas revelam-se muito parcelares e, legitimamente, apontando os pontos que poderiam suportar a alteração fáctica pretendida.

A testemunha AA [Ficheiro n.º 20230126143652] explicou como e quando ingressou na recorrente, negando que tenha tido formação, antes de ser contratado e, mesmo depois, que tenha tido formação em liderança ou em inglês,  salvo, quanto a este, a identificação de ferramentas nessa língua, durante uma ou duas tardes. Entende que não havia um chefe de equipa, embora fosse a testemunha que ligava para o HH ou para o II; também não havia cartão de crédito para despesas pessoais, e tinham subsídio de alimentação e, quando estavam fora, tinham casa alugada, “faziam o comer e cada qual pagava o seu”. Deu conta da sua cedência em 2017, quando foram para a Irlanda, a testemunha e os demais na qualidade de juntistas: estavam sem trabalho cá e, para a Irlanda, foi a testemunha, o DD e o CC. Se era o responsável, era apenas por ser o mais antigo, pois “era tudo igual e todos recebiam o mesmo”; recebia o trabalho no seu email, mas não dava ordens e, no terreno, “ninguém mandava”. Se houvesse um problema, era resolvido por quem fizesse esse trabalho. Na Irlanda, quem dava ordens era o supervisor da B... e a testemunha vinha a Portugal as mesmas vezes que os outros, normalmente até vinham juntos. Esclareceu a da carta de despedimento, de abril de 2019, pois tinha de dar 60 dias e ainda tinha férias a gozar, e logo a seguir iniciou trabalho na B..., onde foi admitido por  concurso e entrevista. Esclareceu que, gostando de trabalhar na recorrente, a sua saída teve como intenção subir funcionalmente e na carreira, sem que, inicialmente, o pensasse fazer na recorrida. Nada tinha contra a recorrente e, tanto quanto os seus anteriores colegas lhe diziam, “eles continuaram a trabalhar e a ter sucesso”. Nunca fez convites a outros para irem para a B... e se os colegas não ficaram contestes com a sua saída, como espera, é porque eram amigos. Nunca fez parte de qualquer plano da B..., pois nem tinha contacto com alguém dessa empresa e a ida para ela nem foi o seu plano inicial, pois pretendia ir para uma empresa irlandesa; de todo o modo, agora está num “plano superior” ao que estava antes. O FF é técnico na Irlanda, tal como a testemunha, mas saiu da recorrente antes de “se iniciar isto da Irlanda” e foi trabalhar para uma padaria. O CC foi trabalhar para as eólicas e só depois voltou para a Irlanda: tinha mandado currículo, mas não por sugestão da testemunha.   

A testemunha GG, administrativo da autora [Ficheiro n.º 20230126102953], diferentemente do que referiu a testemunha no seu depoimento, considerou que o AA era coordenador, geria as equipas e distribuía o trabalho, e também tinha cartão bancário que lhe permitia fazer pagamentos. Acrescentou que a coordenação pelo AA também ocorri na Irlanda (após a cedência) e cá em Portugal, quando o trabalhador aqui se deslocava. Disse que foi dada formação em inglês, aquando da cedência para a Irlanda. Relativamente ao AA, referiu que o mesmo, em fevereiro (de 2019), “quando veio cá”, disse que estava a pensar sair e que, em abril, enviou a carta de rescisão e então, “as equipas ficaram perdidas”, sem conseguirem resolver os problemas e coordenar o trabalho. Soube dizer que o contrato do AA acabou a uma quinta e na segunda ou terça seguinte já o mesmo estava a trabalhar na Irlanda (para a recorrida). Quanto ao CC, assumiu que ia sair “e foi-lhe dito que não podia ir trabalhar para a B...”, mas ele esteve, “nem um ano” noutra empresa – a Vestas que, no entanto, telefonou a perguntar se o podia contratar - e acabou por ir, precisamente, para a B... (recorrida). Já o FF, esse não esteve na Irlanda: saiu e foi para uma padaria e, de um momento para o outro, disse que não regressava à autora e foi para a Irlanda, “a pedido do AA”. Quando souberam (dos ingressos dos trabalhadores na apelada) pretenderam ser indemnizados pela B..., pois “isso não se faz”; a B..., entretanto, não lhes permitiu faturar o trabalho executado, acabou por não dar mais trabalhos à autora e não quis falar em qualquer indemnização. A autora, com o comportamento da recorrida, sofreu prejuízos avultados, “se calhar na ordem da centena de milhares de euros”. Na Irlanda, a recorrente pagava, por trabalhador, à volta de 2.000 euros e a B... 3.600 euros, à autora. Depois de algum tempo, a B... passou a pagar mais pela cedência do AA, mas reconhece que, nas faturas, nunca viu a referência a coordenador. 

A testemunha LL, administrativa na autora [Ficheiro n.º 20230126140542] referiu – em síntese e com relevo para a matéria impugnada – ter passado a exercer as funções da Dra. NN e ter sido informada que os trabalhadores, constrangidos, haviam passado para a empresa com quem tinham uma subempreitada; eram trabalhadores que “estavam como cedência de pessoal, trabalhando como juntistas”. Depois do sucedido, as equipas deixaram de andar motivadas e o volume de faturação nunca foi igual ao anterior; os trabalhadores gostavam do tempo em que ganhavam mais. Sessenta a setenta por cento da faturação da autora, em média, era nas telecomunicações.

A testemunha CC [Ficheiro n.º 20230126160859] reconheceu ter feito parte da mão de obra cedida à B..., para a Irlanda, no ano de 2017 e para onde foi juntamente com o AA e o DD, mas deixou de trabalhar para a autora em meados de 2019, saindo depois do AA, mas sem saber precisar quanto tempo depois. Despediu-se por um desentendimento entre si e o II e não teve nada a ver com a saída do AA. As equipas trabalhavam para várias empresas e era o supervisor das empresas quem distribuía o trabalho. Se houvesse algum problema a comunicar à autora, comunicavam à Dra. NN. Não sabe se o AA ganhava mais, pois cada um faz o seu contrato. Quando foi para a Vestas, que saiba, não colocaram qualquer problema e só veio a ir para a B... passado um ano e cinco meses. Assinou, no dia em que saiu, uma declaração como não podia ir trabalhar para empresas concorrentes, é verdade, mas essa regra não existia e essa declaração nem foi presente a todos os trabalhadores da autora, que também saíram. Quando quis sair da Vestas, pretendia ir trabalhar para Inglaterra, onde está a sua mãe, mas mandou o currículo e acabou por ir para a B..., ainda que, para tanto, sem contactar com o AA.

A testemunha FF [Ficheiro n.º 20230331094511] referiu ter saído da autora porque não queria ir para a Irlanda e foi-lhe dito que, não indo, também não havia cá trabalho para si. Foi para uma padaria; o gerente da autora chegou a ir à padaria para que voltasse, mas a testemunha disse que não voltava. Em finais de 2019 saiu da padaria e foi para a Irlanda, para a B.... Em 2017 não queria ir para a Irlanda, pois tinha um filho a entrar para a escola, mas como a vida não melhorou, decidiu, em 2019, arriscar. Disse ao AA, seu amigo de infância e padrinho dos filhos, que ia arriscar a ida para a Irlanda, onde sabia estar a B...; o AA só lhe disse, Tenta. Entrou para a A... em 2014 e recebeu formação: subir a postes e higiene e segurança. O AA até podia ser quem sabia mais, mas não era chefe, nem nunca alguém lhe disse que o era: discutiam o trabalho entre todos e ele tinha “o mesmo trabalho que eu”. Ele, o AA, apenas tinha uma relação mais próxima com o patrão, por ser de família. Só agora, na Irlanda, é que o AA é supervisor ou gestor operacional. Depois de si na Irlanda, foram mais dois: o CC e, ultimamente, o DD. Não sabe como se processavam os pagamentos entre eles; admite que se a empresa desse cartão de pagamento a alguém fosse ao AA, pois era a pessoa com quem tinham mais confiança. O AA nunca o convidou a ir para a Irlanda, foi a testemunha que, como amigo, tomou a iniciativa de o contactar. Na Irlanda há aí umas vinte pessoas com as mesmas funções a trabalhar para a B... e só quatro, já contando o DD, estiveram na autora. Enquanto esteve na padaria nunca ninguém da B... o contactou e teve que fazer uma entrevista. Os clientes em Portugal não era apenas a B... e os coordenadores eram das empresas para quem trabalharam.

A testemunha MM trabalha nos recursos humanos da sociedade ré [Ficheiro n.º 20230331103420]. Conhece os trabalhadores aqui referidos em razão do processo de recrutamento. A empresa ré tem cerca de 200 trabalhadores e a testemunha, desde que entrou na empresa, sempre fez recrutamento. Recrutamento que é feito através de anúncios, de parceiros de recrutamento e de emails de candidatura, estes a cargo, desde 2009, de OO. Por razões técnicas os gestores de projeto estão presentes no recrutamento. Os trabalhadores aqui em questão entraram na ré pelo processo normal, com envio do currículo, não tendo a testemunha recebido qualquer indicação para recrutar trabalhadores da A.... O trabalhador AA é, agora, coordenador de projeto, foi progredindo, mas não é gestor.

A testemunha BB foi diretor operacional na recorrida, onde exerceu funções de setembro de 2011 a dezembro de 2022 [Ficheiro n.º 20230331114130]. Referiu que, para a Irlanda, inicialmente, não foi o FF, mas sim o AA, o CC e o DD, aquando da cedência, acordo de cedência no qual a testemunha não participou. O valor pago por trabalhador era, mais ou menos, o mesmo e a testemunha elaborava os autos de medição, “em colaboração com a NN”, para posterior pagamento. As funções dos trabalhadores cedidos, enquanto juntistas, eram as mesmas, sem prejuízo de, entre eles e entre os que exerciam idênticas funções, haver sempre uns melhores que outros. No caso, a falta do AA seria igual à falta de outro e, por isso, a testemunha pede executantes sem especificar as suas caraterísticas. Não sabe quanto foram ganhar os trabalhadores cedidos, sabendo apenas o valor contratado entre as empresas. O CC nunca mais veio e disseram que foi trabalhar para uma empresa de eólicas, sem que tenha havido qualquer informação da parte da recorrente; veio mais tarde, mas passado um ano ou ano e meio. Os três não trabalhavam sempre juntos, ainda que estivessem no mesmo projeto. O gestor do projeto tinha abaixo os supervisores e, diretamente, a testemunha não contactava com os trabalhadores mas com as outras empresas clientes. A NN era a sua interlocutora na autora e não mandava qualquer informação diretamente para o AA, salvo se respeitasse a assunto pessoal dele, como marcação de férias, em que o email seguia para seu conhecimento. Não havia diferenças de retribuição dentro da mesma categoria, e se havia era por política da A.... Não telefonou ao AA para regressar, não lhe pediu para ir trabalhar para a recorrida e nunca o pressionou; quem articulava com os outros trabalhadores era o supervisor, não o AA. Entraram juntistas quer antes quer depois do contrato de cedência e três ou quatro idos de Portugal, e a regra é entrarem por concurso.

A testemunha HH foi fundador da sociedade autora e seu sócio e gerente até 2017 [Ficheiro n.º 20230626135152]. Pensaram abrir a vertente da fibra na empresa, pois o seu irmão podia dar formação nessa área. O AA aceitou o seu convite e despediu-se da empresa onde trabalhava, pretendendo a autora iniciar a parceria com a B.... O II dava formação em liderança, tendo dado ao AA, que recebeu também outras formações. Se o AA faltasse a produção não era igual. Quando a testemunha saiu da empresa já estava preparada  cedência para a Irlanda. Sabe que foram três para lá, pois um não passou no teste de inglês. Foi o AA, mas não se lembra dos demais. Os restantes funcionários ligavam ao AA quando tinham problemas. O AA garantiu-lhe que não iria para clientes da empresa, mas, na Páscoa de 2019, “já não era a mesma pessoa, e depois soube que tinha ido precisamente para a B... e até já estava, de novo, na Irlanda. Telefonou-lhe, por não ter achado a atitude correta, e ele disse que tinha de mudar de vida e “eles queriam esta equipa”. O FF teve problemas com penhoras e foi trabalhar para uma padaria; chegaram a ir ter uma conversa: ficavam com a padaria e ele voltava a trabalhar na autora, mas o AA também soube, e o FF acabou por não aceitar o acordo que tinham combinado e foi para a Irlanda. Eles prometeram ao AA um lugar de chefia e um melhor ordenado. A autora não trabalhava só com a B..., mesmo no âmbito da fusão em telecomunicações. Não sabe se, na Irlanda, o AA era coordenador de equipas, nem nunca lá se deslocou. Continua a dar-se bem com o AA, não obstante o sucedido e tem boa relação com ele.

EE, diretor comercial da recorrida [Ficheiro n.º 20230626145112]. Referiu que a recorrida tem mais de cem fornecedores, sendo mais de sessenta na área da fibra ótica. A autora chegou ao contacto com a recorrida, esta atestou a sua competência e aceitaram a contratação. A A... não é concorrente da ré: esta tem duzentos trabalhadores e aquela sete ou oito juntistas, os que fazem ligação de fibra ótica. Precisam de formação, mas nem toda a formação de cá é reconhecida na Irlanda. O trabalho é entregue às equipas pela supervisão, semanalmente. A equipa são, normalmente, dois e os cedidos podiam estar juntos ou separados. Mas não estão ao nível da gestão: a equipa não parava se o AA não estava. Houve uma ocasião em que alteram os preços da cedência, mas já anteriormente os juntistas tinham sido pagos todos pelo mesmo valor. Os juntistas, que não os ajudantes, sabem fazer o trabalho sozinhos. Reconhece que o AA é um excelente trabalhador e tem experiência: há sempre trabalhadores que se destacam, como sucede com os outros fornecedores. Se já conhece o trabalhador é natural que a B... dê prioridade na sua contratação, mas ninguém fica à espera dois ou três anos para ir trabalhar para determinada empresa. Houve uma reunião com a autora em que esta comunicou que se sentia lesada e queria ser indemnizada ou ia para a via judicial; propuseram uma atualização de preços em alternativa, mas a B... não aceitou, por serem valores incomportáveis. Não conhece a estrutura da autora e nada foi preparado pela B...: para esta, o AA deixou de trabalhar em março de 2019 e deixaram de ter contacto com ele até ele mesmo os ter contactado.

Em declarações, o gerente da recorrente, II [Ficheiros n.ºs 20230626164040 e 2023098141517] deu conta da reunião inicial com a B..., na qual estiveram o AA e o HH (irmão do depoente). Deram formação ao AA e, em 2017 foi contratualizada a cedência, tendo ido três trabalhadores para a Irlanda. Sucede que o AA se despediu, em 2019 e, nesse ano, logo em Julho, despediu-se o CC. Mandaram regressar o DD. Só em agosto de 2019 é que soube que o AA estava na Irlanda a trabalhar para a B... e, por isso pediu, uma reunião a esta, que veio a ter lugar em setembro, em razão de terem vindo “roubar um colaborador”. Eles propuseram mais trabalho como compensação e que iriam melhorar a tabela de preços, para nos “indemnizar do sucedido”. O CC veio a ir também para lá; na altura em que se despediu assinou uma carta a declarar que não podia ir trabalhar para os clientes, pois isso era um acordo interno com todos. Só que assinou por assinar, na altura foi a Vestas e só mais tarde – como tinha a tal declaração, houve outra estratégia – foi para a B.... O AA é um bom líder e tem perfil de líder, mas os outros, sem ele, “não eram capazes de tomar pulso”. Houve um retardamento por parte da ré que impediu a faturação e o pagamento em novembro e só vieram a receber em junho seguinte, “para nos asfixiar”. Quando falou com o AA percebeu “a jogada”; ele queria ir para a Irlanda e veio a confirmar-se que para a B....

Cumpre expor a nossa análise crítica da prova e concluir se desta podem ser alterados – dando-se como provados – os factos invocados pela apelante na sua impugnação.

Quanto ao primeiro núcleo desses factos, a apelante parte de uma qualidade profissional e de um exercício de categoria profissional que, salvo o devido respeito, ficou por demonstrar. Resulta da prova, há que reconhecê-lo, que o trabalhador AA era reconhecido, na autora, e é-o na ré, como um profissional de excelência, capaz de desenvolver a sua atividade com proficiência e, nessas qualidades capaz também de apoiar os demais trabalhadores, perante alguma dificuldade de execução. Sucede que, o AA não foi contratado como coordenador ou como chefe de equipa e se é certo que a categoria há de definir-se essencialmente pelo exercício efetivo e não pela denominação contratada, o certo é que os colegas nunca o tomaram como chefe ou coordenador, nem o próprio reconheceu sê-lo. Também não consta que tivesse vencimento diferenciado. Mais, no denominado acordo de cedência [que as partes chamam prestação de serviço, parceria, cedência de mão de obra, não se percebendo exatamente a sua configuração jurídica] a autora cedeu três juntistas e não dois juntistas e um coordenador ou coordenador/juntista. A circunstância de este trabalhador recebeu planos de trabalho não se confunde com a coordenação da sua execução e, aliás, como da prova resulta, compreende-se pelas relações próximas que tinha com o fundador da empresa e com o atual gerente, irmão daquele. Assim, não pode dar-se como provado que tal trabalhador fosse coordenador, desde logo na Irlanda e que também coordenasse as equipas em Portugal. Sem prejuízo das suas qualidades profissionais, concluindo que o AA não era líder de equipa, não pode dizer-se que as equipas tenham ficado sem liderança e também não resulta da prova e de um juízo de normalidade que se impõe que todos (todos, repete-se) os demais trabalhadores, com a sua saída, tenham ficado sem orientação e sem assunção de responsabilidades. Fica prejudicada a prova da alegação da autora de a ré ter retirado àquela a sua “pedra basilar” e, muito menos – se assim se pode dizer – que a ré sabia que a simples saída do AA decapitava e esvaziava a autora, porque, com tal saída se apropriou de parte significativa da organização da autora, organização essa que, da prova produzida, se desconhece até se a ré conhecia concretamente. Por última, a ré contratou um trabalhador, mas não pode concluir-se que se tenha especificamente aproveitado das competências que esta desenvolveu e nas quais investiu: Importa ter presente que o autor foi contratado em 2014 e rescindiu o contrato (com aviso prévio) em 2019.

Em suma, e relativamente ao primeiro núcleo de factos não provados, nada vemos a alterar ao decidido em primeira instância, mantendo-se os mesmos como não provados.

Em relação ao segundo conjunto de factos, pretende a apelante que os mesmos, além da prova que reapreciámos, resultam indiciados de outros factos dados como provados, chamando ao caso a dificuldade da prova em causa, concretamente a dificuldade de demonstrar um plano da ré quanto ao aliciamento dos trabalhadores da autora. Ora, ainda que o aliciamento, por si só, não seja bastante à verificação de uma situação de concorrência desleal (como melhor se verá na apreciação jurídica do recurso), os factos dados como provados são isso mesmo e não meros indícios e deles, factos provados (os já provados e os que a apelante pretende que passem a sê-lo) é que se concluirá, ou não, a verificação dos pressupostos de facto da pretensão da demandante. Note-se que a dificuldade da prova está sempre intimamente ligada à efetiva pretensão probatória e, no caso presente, a autora pretende demonstrar um comportamento ilícito da recorrida por aliciamento de trabalhadores com o propósito de afetar a capacidade concorrencial daquela, mas quando estamos perante três trabalhadores: um que rescindiu o contrato antes de ir trabalhar para a ré e dois que já não trabalhavam na autora. Compreende-se a dificuldade, mas estes factos são objetivos.

Sem embargo, repensando toda a prova, já antes referimos não poder dar-se como provado que a ré se tenha munido de uma pedra basilar do funcionamento das equipas da autora. Quanto ao plano delineado pela ré para contratar os trabalhadores cedidos, é para nós evidente que não resulta demonstrado: um dos trabalhadores nem tinha sido cedido e um outro nem trabalhava já na autora. Não pode, igualmente, considerar-se provado que a resolução do contrato pelo trabalhador CC tenha sido a execução de um plano da ré, pois sequer faz qualquer sentido de gestão empresarial que a ré aguardasse ano e meio pela execução de um tal plano. Prejudicado fica que a ré tenha desviado o CC ou, por outro lado, tenha manobrado o AA. A não entrega de mais obras à autora tem explicações distintas na prova ouvida e a conduta (não provada) da ré não tem relação causal com os prejuízos invocados pela autora. “Sem o AA e outros trabalhadores a autora tenha ficado sem meios de poder desenvolver a atividade a que se dedica”, não pode dar-se como provado: só o AA era trabalhador da autora e, mesmo este, rescindiu o seu contrato, ao fim de cerca de cinco anos de trabalho. Não está demonstrado o efeito da saída deste trabalhador da autora nos outros trabalhadores nem que a ré o tenha usado para desviar outros: os outros aqui em causa já não trabalhavam na autora. Da prova produzida não podemos concluir qualquer plano concertado e previamente delineado pela ré, ficando prejudicado que tal plano tinha como finalidade substituir-se á autora, por eliminação desta. Também não pode dizer-se que a ré tenha desprovido a autora da sua mão de obra, impossibilitando-a de exercer a atividade ou apropriando-se de parte significativa da sua organização. Prejudicada está a alegada causalidade entre o “comportamento da ré” e os alegados prejuízos da recorrente.

Finalmente, a ré entende que o último dos factos dados como não provados [A ré tivesse manifestado que, pelo menos até meados de 2021, se manteria a cedência de trabalhadores na Irlanda] está em contradição com o ponto de facto provado n.º 34 [A ré sugeriu como data de agendamento da reunião a sexta-feira seguinte, dia 6 de setembro, e respondeu à pergunta formulada que: “Para a Irlanda o nosso plano vai até meados de 2021”]. Ora, salvo o devido respeito por melhor saber, não há contradição entre um facto provado e um que se não prova, salvo se forem exatamente reveladores da mesma realidade objetiva. Sucede que o facto provado se refere a um plano (previsibilidade) da ré e o não provado daria por certa a manutenção da cedência, não até meados de 2021, mas, pelo menos até essa ocasião. Não são realidade objetivas exatamente iguais.

Por tudo, mantemos integralmente a factualidade provada e não provada que foi decidida em primeira instância.

III.II – Fundamentação de Facto

Factos provados
1 - A autora dedica-se à atividade de engenharia e técnicas afins, designadamente à atividade de telecomunicações.
2 -  A ré dedica-se à atividade de projetos e engenharia em telecomunicações.
3 - No âmbito das suas atividades, autora e ré celebraram um contrato de subempreitada em 25.08.2014, no qual a ré, na qualidade de empreiteira, contratou a autora, na qualidade de subempreiteira, para a prestação de serviços de instalação de cabos de fibra ótica, de caixas de fusão, de derivação e terminação, preparação de cabos de fibras e ligação de fibras óticas.
4 - O contrato teve início nessa mesma data, 25.08.2014.
5 - O pagamento dos serviços prestados era contabilizado à tarefa, mediante autos de medição que a ré efetuava mensalmente para autorização de faturação.
6 - Com vista a dar cumprimento ao contrato, a autora ministrou formação específica, inicialmente a dois trabalhadores e depois a mais três, concedendo aos mesmos uma formação na área da atividade desenvolvida, nomeadamente em fibra ótica, juntistas de fibra ótica, realização de trabalhos em altura, sinalização de vias rodoviárias, prevenção de risco elétrico e segurança no trabalho.
7 - Com aqueles trabalhadores, a autora constituiu equipas de trabalho qualificadas que foi colocando em cada uma das obras decorrentes do contrato celebrado entre a autora e a ré, supra referido, trabalhando as equipas em simultâneo desde o início até à conclusão de cada obra.
8 - Na execução do referido contrato, a autora prestou à ré diversos serviços de construção de redes de fibra ótica em várias localidades de Portugal, nomeadamente em Aveiro, Coimbra, Guarda, Alcanena, Figueira da Foz, Leiria, Lisboa e Algarve.
9 - No decurso da colaboração decorrente deste contrato surgiu, no ano de 2017, uma solicitação da ré à autora para lhe prestar os mesmos serviços na Irlanda durante algum tempo, através de cedência de mão de obra, tendo a autora apresentado as suas condições, que foram aceites.
10 - A autora aceitou bem a proposta, porque a ré era a sua única cliente nesta área de atividade, e a proposta era compensadora.
11 - Essa cedência de mão de obra veio a concretizar-se a partir de 9.10.2017, tendo a autora cedido uma equipa de três trabalhadores para trabalhar na Irlanda, mantendo-se outra equipa ao serviço da ré em Portugal, nos termos do contrato de subempreitada em vigor.
12 - Antes de os três trabalhadores irem para a Irlanda, a autora forneceu-lhes informação básica em inglês.
13 - Quanto ao trabalho na Irlanda foi acordado entre a autora e a ré que o pagamento mensal seria de 3.600,00€ por cada um dos três trabalhadores cedidos.
14 - Desde 9.10.2017, três trabalhadores da autora passaram a trabalhar em obras da ré na Irlanda, sendo pago mensalmente 3.600,00€ por cada um, totalizando mensalmente a quantia de 10.800,00€, acrescida de IVA.
15 - Após a formação, autora e ré acordaram que a partir de 1.01.2018 o preço mensal pela cedência dos trabalhadores na Irlanda seria alterado e passava a ser de: - pela cedência de AA – 4.000,00€; - pela cedência de CC – 3.800,00€; - pela cedência de DD – 3.800,00€;
16 - Totalizando mensalmente a quantia de 11.600,00€, acrescida de IVA.
17 - A cedência de trabalhadores manteve-se com este valor a partir de então.
18 - Os três trabalhadores cedidos para trabalhar na Irlanda passaram desde aquela data, 9.10.2017, a receber diariamente ordens e instruções diretamente da ré, através dos seus responsáveis, PP, diretor geral, pelo menos desde 30/09/2018, EE, diretor operacional na Irlanda, e BB, chefe operacional na Irlanda, a quem cabia a direção e organização da prestação do trabalho.
19 - O alojamento dos trabalhadores cedidos, assim como as viagens (partida e regresso ao Porto) e deslocações diárias para o local de trabalho, estavam a cargo da ré, mantendo a autora a responsabilidade pelo pagamento dos salários mensais e demais direitos desses seus trabalhadores.
20 - Desde o início do contrato celebrado entre autora e ré a prestação de serviços foi contínua, sucedendo-se as várias obras a realizar, com pagamentos mensais, o que se manteve em simultâneo com o contratado para a Irlanda.
21 - A cedência de mão de obra para a Irlanda também teve continuidade ao longo dos meses.
22 - Sucede que em fevereiro de 2019, AA conversou com o gerente da autora, informando que pretendia despedir-se, invocando que queria dar uma volta à sua vida, ao que aquele gerente lhe fez saber que se fosse uma questão de dinheiro poderiam falar.
23 - Naquela conversa, o gerente da autora disse a AA que ele não poderia ir trabalhar para a B..., a aqui ré.
24 - AA negou que fosse essa a sua intenção e pôs totalmente de lado a hipótese de renegociar o seu salário.
25 - No início de abril, AA enviou por carta a resolução do seu contrato de trabalho com efeitos a partir de 6.06.2019.
26 - De seguida a autora foi confrontada com a comunicação de resolução do contrato de trabalho de um outro dos seus trabalhadores cedidos, CC, com efeitos a partir de 19.07.2019.
27 - O representante da autora disse a este trabalhador que não poderia ir trabalhar para a B... e fê-lo assinar uma declaração na data da cessação do contrato, em que este se comprometeu “a não exercer a atividade de telecomunicações para empresas parceiras e concorrentes da A..., designadamente B..., S.A., pelo período de três anos.”
28 - No final de junho de 2019, a autora mandou regressar a Portugal o terceiro trabalhador que ali se encontrava, DD.
29 - Em agosto de 2019, AA encontrava-se a trabalhar para a ré na Irlanda, tendo celebrado contrato de trabalho que teve início em 11.06.2019.
30 - CC passou a ser trabalhador da ré na Irlanda a partir de 4.01.2021.
31 - A ré contratou e levou para a Irlanda a partir de 6.01.2020 como seu trabalhador FF, que até 2017 tinha feito parte das equipas da autora em Portugal.
32 - A 2.09.2019 a ré enviou à autora um email com o seguinte teor: “Está previsto o DD poder regressar à Irlanda? Se sim, pode ser já no dia 9/9?”
33 - Na sequência daquele email, o gerente da autora pediu reunião à ré para analisar o ponto de situação da parceria e questionou por quanto tempo havia previsão de cedência de trabalhadores na Irlanda.
34 - A ré sugeriu como data de agendamento da reunião a sexta-feira seguinte, dia 6 de setembro, e respondeu à pergunta formulada que: “Para a Irlanda o nosso plano vai até meados de 2021”
35 - Na reunião de 6 de setembro de 2019, o gerente da autora fez saber à ré que o facto de terem contratado o AA representava um atentado às relações contratuais existentes entre as duas empresas.
36 - O gerente da autora alertou os representantes da ré para que a ré se abstivesse de contratar mais algum dos seus trabalhadores, comunicando-lhes que não cederia mais nenhum trabalhador à ré, pelo que a colaboração futura só passaria pelo contrato de subempreitada existente em Portugal.
37 - O gerente da autora comunicou naquela reunião que teria de ser paga uma indemnização à autora como compensação pela perda do seu trabalhador AA.
38 - A autora continuou a trabalhar na obra da ré então em curso em Portugal no âmbito do contrato de subempreitada, a qual terminou no início de novembro de 2019, não lhe tendo a ré entregue mais nenhuma obra.
39 - Após a reunião de 6 de setembro de 2019, a ré deixou de efetuar as autorizações mensais de faturação, impossibilitando a autora de receber os pagamentos correspondentes.
40 - A autora interpelou a ré quanto à emissão da autorização de faturação dos trabalhos executados nos meses de setembro, outubro e início de novembro de 2019, por meio de carta registada datada de 16 de dezembro de 2019, pois a falta das faturações conduzia à falta de pagamento.
41 - A ré respondeu em 20 de dezembro de 2019, informando que emitiria autorização de faturação dos trabalhos no mês de janeiro seguinte.
42 - Os pagamentos à autora sempre tinham sido mensais.
43 - A ré só efetuou o pagamento a 120 dias como era habitual, não tendo reduzido esse prazo.
44 - A autora só veio a receber pelos serviços prestados à ré em Junho de 2020.
45 - Naquela carta de 20 de dezembro 2019 a ré, “aproveitando o ensejo”, solicitou informação quanto a saber se a A..., aqui autora, tinha interesse em continuar a trabalhar com a B....
46 - Naquela carta a ré perguntou ainda: “A A... tem intenção de acionar judicialmente a B... acerca do V. ex-trabalhador, ou não?”, querendo-se referir a AA.
47 - Nos meses de novembro e dezembro de 2019 e Janeiro de 2020, a autora ficou sem trabalho em telecomunicações, só tendo conseguido angariar um novo cliente em fevereiro de 2020.
48 - Nesses meses de novembro e dezembro de 2019 e janeiro de 2020, a autora ficou sem produzir qualquer rendimento daquela atividade.
49 - A faturação do novo cliente da autora é inferior ao que esta costumava receber através das relações contratuais que tinha com a ré.
50 - Os valores médios mensais faturados pela autora à ré em 2018, 2019 e 2020 atingiram os valores seguintes: 18.542,84€ durante os meses de 2018; 20.678,35€ durante 10 meses em 2019, e 15.913,89€ durante 2 meses em 2020
51 - A partir de março de 2020 a conta corrente da cliente ré não registou mais valores faturados.
52 - Nos meses de relações contratuais ocorridas no período de 2018 a 2020, a autora faturou à ré o valor médio mensal de 19.213,56€, considerando apenas os meses com faturação ou 17.735,59€, considerando a continuidade comercial de janeiro de 2018 a fevereiro de 2020, inclusive.
53 - Com o novo cliente C..., desde março de 2020 até março de 2021, o valor total faturado pela autora foi de 88.908,27€.
54 - Com o novo cliente D..., desde maio de 2021, o valor total faturado pela autora foi de 18.562,45€.
55 - Com outros clientes (E..., F..., G... e H...) com os mesmos CAEs em outubro de 2020 e em maio de 2021, o valor total faturado foi de 3.625,00€.
56 - A todos estes novos clientes da área de serviço de telecomunicações, a autora faturou no período de novembro e dezembro de 2019, todo o ano de 2020 e janeiro e junho de 2021 o valor de 111.095,72€.
57 - O valor médio faturado a estes novos clientes de telecomunicações varia entre 6.943,48€, considerando o período em que a autora se relacionou comercialmente (faturou) com os novos clientes da área de telecomunicações e 5.554,79 €, considerando os 20 meses do período correspondente novembro, dezembro de 2019, todo o ano de 2020 e janeiro a junho de 2021.

Factos não provados
- A formação ministrada pela autora aos seus trabalhadores tenha tido a duração de vários meses.
- A autora tenha dado a AA formação específica em liderança.
- Nos 3.600,00€ inicialmente acordados como pagamento mensal por cada um dos trabalhadores cedidos tenham sido tidas em conta as despesas de formação a ministrar pela ré aos trabalhadores cedidos para obtenção de um cartão de segurança exigidos na Irlanda.
- O trabalhador AA fosse o coordenador das obras na Irlanda.
- O trabalhador AA tivesse a coordenação da equipa que continuava a trabalhar em Portugal.
- Os períodos em que o AA estava em Portugal em trabalho ou férias fossem proporcionalmente tidos em conta no montante mensal a pagar na Irlanda.
- O mesmo sucedesse relativamente aos outros dois trabalhadores cedidos.
- Estes várias vezes tenham sido chamados a integrar a equipa que estava em Portugal por necessidades pontuais.
- O gerente da autora tenha dito a AA que ele não poderia ir trabalhar para empresas concorrentes.
- Com a saída de AA da autora, as equipas desta tenham ficado sem liderança.
- A saída de AA tenha impedido as equipas da autora de cumprir os objetivos tanto na Irlanda como em Portugal.
- Aquando da saída de AA as equipas tenham ficado desestabilizadas e desmotivadas pela falta do seu líder ou por estarem a ele muito ligados e manterem com ele relacionamento de grande proximidade.
- Os trabalhadores estivessem habituados a receber dele linhas de orientação e de execução.
- Faltasse aos trabalhadores da autora a assunção de responsabilidades.
- A responsabilidade dos trabalhadores da autora fosse assumida por AA.
- A saída de AA tenha causado insegurança aos trabalhadores da autora.
- Através da contratação de AA a ré se tenha munido da pedra basilar do funcionamento das equipas pertencentes à autora.
- A ré tivesse delineado um plano para dispensar a autora e contratar diretamente os trabalhadores cedidos por esta.
- A resolução do contrato do CC tivesse surgido na execução de um plano da ré, por intermédio de AA.
 - AA tenha sido manobrado pela ré.
- A ré tenha feito transitar CC por uma empresa em Portugal durante cerca de um ano e meio.
- A ré tenha desviado CC da autora para si.
- O período em que CC esteve a trabalhar numa outra empresa desde que saiu da autora até 4.01.2021 se tenha destinado a ocultar um desvio pela ré desse trabalhador da autora para esta.
-  A ré tenha desenvolvido esforços para contratar dois trabalhadores da autora, DD e QQ.
- A ré não tenha conseguido contratar diretamente estes trabalhadores por eles recearem a sua responsabilização por irem trabalhar para a ré.
- Tenha havido negociações durante cerca de dois meses entre a autora e a ré quanto ao valor e à forma de pagamento de uma compensação desta àquela pela perda de AA.
- A ré não tenha entregue mais obras à autora por esta não ter prescindido de ser ressarcida dos prejuízos sofridos com a conduta da ré.
- A autora tenha sido obrigada a baixar os preços para conseguir novos contratos.
- A autora tenha baixado o preço por o AA ter deixado de ser trabalhador.
- Se o AA e o CC continuassem a ser seus trabalhadores, a autora
concorresse a novas empreitadas e/ou tivesse mais capacidade negocial para o efeito.
- Sem o AA e outros trabalhadores a autora tenha ficado sem meios de
poder desenvolver a atividade a que se dedica.
- Após a saída de AA todos os trabalhadores tenham sentido vacilar a estabilidade que decorria do seu contrato de trabalho e tenham posto pela primeira vez em causa a sua permanência na autora.
- AA tenha sido selecionado para liderar os outros trabalhadores.
- Depois ter ficado sem AA e outros trabalhadores a autora nunca mais tenha encontrado trabalhadores que lhe permitissem reiniciar todo o processo.
- Com AA a ré se tenha munido da capacidade para preparar mais trabalhadores para executar aqueles serviços.
- A ré tenha aliciado trabalhadores que lhe tinham sido cedidos pela autora.
- A ré tenha aliciado AA e o tenha usado para desencaminhar os demais.
- A ré soubesse que sem AA a autora ficasse decapitada e esvaziada de
eficácia.
- A competência dos trabalhadores da autora, nomeadamente em desempenho e assiduidade, bem como no relacionamento interpessoal, fosse muito superior à de outros trabalhadores.
- A contração pela ré de AA, CC e FF tenha obedecido a um plano concertado e previamente delineado.
-  Com a contratação destes trabalhadores a ré tenha eliminado a posição da autora e se tenha substituído à mesma.
- A ré tenha convencido os trabalhadores a abandonarem a autora e a integrarem os seus quadros.
- Lhes tenha assegurado que assumiria todas as responsabilidades e riscos decorrentes do facto de irem trabalhar para a ré.
- A ré tenha desprovido a autora da sua mão de obra.
- A ré tenha impossibilitado a autora de desenvolver a sua atividade.
- A ré se tenha apropriado de parte significativa da organização da autora.
- Se  tenha apropriado das competências que a autora tinha desenvolvido à custa do seu investimento.
- A autora tenha sofrido prejuízos em consequência direta e necessária do comportamento da ré.
- Fosse de supor que o valor médio mensal resultante das relações contratuais entre autora e ré se mantivesse e que até aumentasse.
 - A ré tivesse manifestado que, pelo menos até meados de 2021, se manteria a cedência de trabalhadores na Irlanda.

III.II – Fundamentação de Direito
Sem embargo do já referido e decidido em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, vejamos, com síntese e sublinhados nossos, a fundamentação da sentença para decidir como decidiu, concretamente, a improcedência da pretensão da recorrente. Assim: “(...) há que enquadrar juridicamente o pedido formulado com fundamento na concorrência desleal que o art. 311.º do Código da Propriedade Industrial (CPI) define (...) a par de uma relação de concorrência estabelecida, as partes estabeleceram uma relação contratual, no âmbito da qual numa primeira fase a R. entregou à A. a execução em Portugal de obras de instalação de cabos de fibra ótica, e a partir de 2017, esta passou também a ceder-lhe trabalhadores especializados nesta área a fim de serem alocados a obras daquela na Irlanda. (...) da sucessão de acontecimentos não se nos afigura que a R. no âmbito da atividade concorrencial que mantém em relação à A., instalação de fibras óticas, tenha praticado factos contrários às normas e usos honestos do respetivo ramo de atividade económica. Verdade que o desvio de trabalhadores de uma empresa por uma outra pode constituir uma prática desonesta que, todavia, para assim ser caracterizada, carece de revestir determinadas características como seja ser massiva e ocorrer num curto período de tempo e de obedecer a plano gizado com o propósito de assim privar a empresa concorrente da sua capacidade organizativa e de ação ou reação (...). Na situação dos autos nem a A. perdeu um número significativo de trabalhadores para a R. nem a perda dos mesmos se verificou num curto período de tempo. Na realidade, no período em causa, entre 2019 e 2021, diretamente da A. para a R. transitou um único trabalhador, AA, posto que CC, depois de sair da A. em meados de 2019 foi trabalhar para uma outra empresa ingressando na R. apenas em 2021 e FF, que foi trabalhar para a R. em finais de 2019, já havia saído da R. em 2017. Para mais, inexiste qualquer elemento que permita atribuir ao comportamento da R. a perda daqueles trabalhadores da A., revelando-se a sua ulterior contratação por aquela insuficiente para o efeito. Note-se que a A. tinha a R. como único cliente, cuja perda teve impacto significativo na sua performance, o que, situando-se no âmbito da relação contratual mantida entre ambas, não pode ser encarado em sede de ilícito extracontratual que, no caso, se nos afigura não ter ocorrido”.

Apreciemos. Ainda que da manutenção da factualidade provada e não provada se pudesse concluir pela imediata improcedência da apelação, entendemos que se impõe um acréscimo de fundamentação.

Dispõe o n.º 1 do artigo 311 do Código da Propriedade Industrial (CPI)[3], sob a epígrafe Concorrência desleal: “1 - Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente: a) Os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue; b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma atividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes; c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios; d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas atividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela; e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adotado; f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento”.

O preceito em causa corresponde ao artigo 317 do CPI anterior (Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de março, alterado, neste preceito, pela Lei n.º 16/2008, de 1 de abril[4]), com idêntica redação: “1 - Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente: a) Os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue; b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma atividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes; c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios; d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas atividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela; e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adotado; f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento”[5].

Por sua vez, o atual artigo 314 do mesmo Código – preceito que a apelante considera ter sido desatendido na sentença -, sob a epígrafe Atos ilícitos, dispõe: “1 - Constitui ato ilícito a obtenção de um segredo comercial, sem o consentimento do respetivo titular, sempre que esse ato resulte: a) Do acesso, da apropriação ou da cópia não autorizada de documentos, objetos, materiais, substâncias ou ficheiros eletrónicos, que estejam legalmente sob o controlo do titular do segredo comercial e que contenham este segredo ou a partir dos quais o mesmo seja dedutível; b) De outra conduta que, nas circunstâncias específicas em que ocorre, seja considerada contrária às práticas comerciais honestas.
2 - Constitui ainda ato ilícito a utilização ou divulgação de um segredo comercial, sem o consentimento do respetivo titular, por pessoa que preencha uma das seguintes condições: a) Tenha obtido o segredo comercial ilegalmente; b) Viole um acordo de confidencialidade ou qualquer outro dever de não divulgar o segredo comercial; c) Viole um dever contratual ou qualquer outro dever de limitar a utilização do segredo comercial.
3 - Constitui ainda ato ilícito a obtenção, utilização ou divulgação de um segredo comercial sempre que uma pessoa, no momento da obtenção, utilização ou divulgação, tivesse ou devesse ter tido conhecimento, nas circunstâncias específicas em que se encontrava, que o segredo comercial tinha sido obtido direta ou indiretamente de outra pessoa que o estava a utilizar ou divulgar ilegalmente nos termos do número anterior.
4 - É também considerada utilização ilícita de um segredo comercial a produção, oferta ou colocação no mercado de mercadorias em infração, ou a importação, exportação ou armazenamento de mercadorias em infração para aqueles fins, sempre que a pessoa que realize estas atividades tivesse ou devesse ter tido conhecimento, nas circunstâncias específicas em que se encontrava, que o segredo comercial tinha sido utilizado nas condições previstas no n.º 2”.

No diploma precedente previa-se, a tal respeito, no seu artigo 318: “Nos termos do artigo anterior, constitui ato ilícito, nomeadamente, a divulgação, a aquisição ou a utilização de segredos de negócios de um concorrente, sem o consentimento do mesmo, desde que essas informações: a) Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão; b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas; c) Tenham sido objeto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas”.

Transcrevemos os (pertinentes) preceitos plasmados em ambos os códigos, porquanto, do alegado pela autora como consistente em atos consubstanciadores da invocada concorrência desleal não decorre precisamente a ocasião temporal da sua génese ou da sua consumação. Sem embargo, e como é visível imediatamente, as formulações consagradas em ambos os diplomas não apresentam qualquer diferença relevante.

A desvinculação de um trabalhador da sua empresa de origem, à qual tenha um vínculo laboral, e a subsequente vinculação a outra empresa é uma realidade frequente, e acontece habitualmente dentro do mesmo setor de atividade, em razão da experiência ou competência do trabalhador que se desvincula e, posteriormente, se vincula. Tal ocorrência não envolve, em si mesma, qualquer ilicitude, desde logo da parte do trabalhador[6], salvo se e quando o mesmo esteja obrigado por pacto de não concorrência, nos limites e com as formalidades que o Código do Trabalho (CT) o admita[7]. Por outro lado, também a liberdade de concorrência[8] empresarial justifica, e sem que daí decorra qualquer ilicitude, que os agentes económicos procurem no mercado os melhores trabalhadores, com vista à prossecução da sua atividade.

Há que ter presente, por outro lado, que a proteção da liberdade de escolha profissional e da inerente liberdade de contratar e ser contratado enquanto trabalhador subordinado não decorre apenas dos princípios constitucionais e dos parâmetros gerais da legislação laboral, mas realça-se em alguns dos institutos que esta legislação, e concretamente o CT, prevê. Por exemplo – exemplo que se mostra pertinente à análise do caso presente – na cedência de trabalhadores ou na restrições aos pactos de não concorrência[9].

A cedência de trabalhadores é sempre, por definição, ocasional e temporária; só é admissível “entre sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou entre empregadores que tenham estruturas organizativas comuns”, depende do acordo do trabalhador e não pode exceder a duração de um ano, renovável, e com o máximo de cinco anos (artigo 289, n.º 1, alíneas b), c) e d) do CT). Por outro lado, a cedência depende de acordo escrito (com indicação, além do mais, do início e do termo da cedência e da declaração de concordância do trabalhador) – artigo 290, n.º1, alíneas d) e e) do CT. Por fim, havendo cedência fora das condições em que a mesma é admissível ou na falta de acordo escrito, o trabalhador pode, até ao termo da cedência, “optar pela permanência ao serviço do cessionário em regime de contrato de trabalho sem termo” (artigo 292, n.ºs 1 e 2 do CT).
  
Do que se diz decorre o apertado circunstancialismo que possa traduzir – quando em causa está a transferência de trabalhadores – uma efetiva situação de concorrência desleal entre agentes económicos. Mais ainda – e se bem vemos – quando na origem da transferência esteve um contrato de cedência que, atenta a factualidade apurada, nunca podia ter-se por lícito ou formalmente válido. E se é certo que a existência da cedência de trabalhadores não se traduz em qualquer divergência entre as partes e, em abstrato, poderia, mesmo assim, fundar a pretensão da recorrente, não pode ignorar-se os seus efeitos na esfera jurídica do trabalhador desvinculado, quando a mesma, atenta, desde logo, a sua informalidade e a completa independência orgânica e societária entre cedente e cessionária, permite a desvinculação subsequente do cedido à cessionária.

No entanto, independentemente da cedência que entre recorrente e recorrida foi acordada, sempre seria de dizer – repetindo-nos – que a verificação da concorrência desleal comporta requisitos apertados e a verificação, naturalmente, dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual[10].

Como se sumaria no acórdão da Relação de Lisboa de 12.09.2019 [Relator, Desembargador António Santos, Processo n.º 1886/10.6TVLSB.L1-6, dgsi] “1. -  O recrutamento por empresa de trabalhadores de empresas concorrentes, consubstanciando um ato de concorrência, é  em princípio um comportamento lícito, ainda que venha o mesmo a desencadear prejuízos nos concorrentes, decorrentes vg.  de perda de clientela e/ou de produtividade; 2. - Porém, caso o recrutamento identificado em 1 venha a processar-se através do DESVIO (vg. por insistente aliciamento, incitamento ou assédio ) de trabalhadores de concorrente, sendo portanto concretizado por meios ou expedientes de todo contrários (logo ilícitos) aos  usos honestos, então é o ato de concorrência suscetível de se caracterizado como sendo DESLEAL; 3 - Só na situação identificada em 2., e verificados todos os demais elementos/pressupostos na responsabilidade civil extracontratual, pode a empresa concorrente lesada demandar a lesante/concorrente desleal, com vista ao ressarcimento dos prejuízos sofridos”.

Como se sumaria no ponto 3. do acórdão acabado de citar, a verificação da concorrência desleal pressupõe um comportamento do concorrente que preencha os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. Desde logo, e como é evidente, o comportamento, propriamente dito, mas igualmente a ilicitude deste e a causalidade entre aquele e o dano verificado na outra concorrente.

No caso presente, importa dizer, desde logo, que dos três trabalhadores alegadamente desviados pela recorrida, dois já não eram trabalhadores da autora e o outro desvinculou-se antes de celebrar contrato com a recorrida. Importa dizer, também, que não estamos perante uma desvinculação ilícita deste trabalhador, uma vez que rescindiu validamente o seu contrato de trabalho. Pouco releva as funções que exercia, se não estava obrigado, ele mesmo, a não concorrência e se, naturalmente, foi a sua vontade e não a ilícita atuação da recorrida que determinou a desvinculação.

Mas o que os autos não revelam é que a ré tenha desviado trabalhadores e, menos ainda, que o tenha feito na sequência de um plano destinado a afetar a capacidade concorrencial da recorrente. Não provado esse plano (comportamento) falece imediatamente a alegada ou pressuposta ilicitude do mesmo e, igualmente a causalidade, ou seja, a efetiva danosidade resultante da execução desse plano. Em suma, não há responsabilidade da recorrida no facto de trabalhadores que exerceram funções na autora terem passado a ser trabalhadores da ré.

Assim, com o enquadramento laboral aqui acrescentado, e nas considerações antes feitas, não podemos deixar de concordar integralmente com a sentença em recurso, quando afasta a responsabilidade da recorrida – e, consequentemente a viabilidade da pretensão da recorrente – por não ser imputável àquela a prática de qualquer ação ilícita antecessora e causal da contratação dos trabalhadores e, por consequência também, de qualquer dano que tal contratação possa ter causado à autora.

O recurso revela-se improcedente, sendo a recorrente responsável pelas respetivas custas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário, caso lhe haja sido deferido.

IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e, em conformidade, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Porto, 20.05.2024

José Eusébio Almeida
Teresa Fonseca
Ana Paula Amorim.
__________________
[1] Pretendendo dizer-se ré, como resulta do contexto.
[2] A apelante transcreve diversos factos que foram dados como não provados na sentença. Não nos numera ou identifica de outro modo, porquanto, na sentença, também não foram numerados ou identificados doutro modo. Mantemos a transcrição nos termos constantes das conclusões, uma vez constado que têm a redação constante da sentença.
[3] Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 9/2021, de 9 de janeiro.
[4] Alteração, no entanto, apenas com incidência no n.º 2 do preceito: “Artigo 5.º. Alteração ao Código da Propriedade Industrial. É alterado o artigo 317.º do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 318/2007, de 26 de Setembro, e 360/2007, de 2 de Novembro, que passa a ter a seguinte redação: «Artigo 317.º [...] 1 - (Anterior corpo do artigo e respetivas alíneas.) 2 - São aplicáveis, com as necessárias adaptações, as medidas previstas no artigo 338.º-I.»
[5] Em comentário ao preceito acabado de transcrever e com relevo ao caso presente, refere-se em André Robalo, et. al., Código da Propriedade Industrial Anotado, António Campinos (Coord. Geral)/Luís Couto Gonçalves (Coord. Científica), 2.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, 2015, a págs. 499/500 que “não é a concorrência entre agentes económicos que se visa proibir através desta norma 8ª concorrência per se é lícita e desejável num sistema de economia de mercado), mas sim, comportamentos desonestos e censuráveis entre concorrentes”. Mais adiante: “Não se confunda concorrência desleal com concorrência ilícita. Quando estamos perante atos de concorrência desleal deparamo-nos com circunstâncias em que a concorrência é legalmente admitida e até desejada. Diversamente, quando a legislação proíbe em absoluto a concorrência, a violação dessas normas resume-se a atos de concorrência ilícita e não desleal”.
[6] Além de outras normas da Constituição Laboral, a Constituição da República Portuguesa (CRP) é clara ao consagrar no seu artigo 58, n.º 2, alínea c) a incumbência do estado em promover “A igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categoria profissional”.
[7] O artigo 136 do CT estabelece os requisitos dos pactos de não concorrência, não deixando o seu n.º 1 de evidenciar o princípio da liberdade de trabalho, após a cessação do vínculo [“1 – É nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato”]. Tenha-se presente, por outro lado que a obrigação de não concorrência, após cessação do vínculo laboral, pode constituir uma prática anticoncorrencial, proibida pelo artigo 9.º do Regime Jurídico da Concorrência (RJC), a Lei n.º 19/2012, de 8 de maio.
[8] Efetivamente, CRP determina que o Estado assegure “o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral” (artigo 81, alínea f)) e, por outro lado, o artigo 99, também da lei Fundamental, não deixa de preconizar a “concorrência salutar dos agentes económicos” (al. a)) e o combate “às práticas comerciais restritivas” (alínea c), parte final).
[9] A validade do pacto de não concorrência implica, além da sua consagração formal (a redução a escrito será uma formalidade ad substantiam, mesmo que se admita, depois do CT de 2009, que tal escrito não esteja inserto no contrato), um prazo, ou seja, uma duração limitada que, em princípio, não pode exceder os dois anos (salvo se respeitante a trabalhador detentor de uma especial relação de confiança ou com acesso a informação particularmente sensível) e uma compensação.
[10] Como refere Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 11.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, 2024, pág. 425, dando exemplo de “Atos Desleais Atípicos”, ou seja, atos desleais não previstos nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 311 do CPI, um exemplo “poderá ser o aliciamento de trabalhadores, desde que essa subtração seja feita com intenção de desorganizar ou desagregar a empresa concorrente (animus nocendi). É óbvio que não será concorrência desleal contratar trabalhadores de terceiros. O que será desleal é contratar não com o fim normal de renovação e melhoria de quadros da empresa contratante, mas com o fim desleal de prejudicar seriamente a empresa concorrente”