Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ERRO JUDICIÁRIO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL | ||
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Nº do Documento: | RP202112158819/18.0T8PRT.P2 | ||
Data do Acordão: | 12/15/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5.ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | A responsabilidade civil do Estado pelo (ressarcimento) dos danos decorrentes (causados) pelo chamado erro judiciário, apenas ocorre perante decisões jurisdicionais que sejam manifestamente inconstitucionais, manifestamente ilegais ou ainda injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto, ou seja, decisões que consubstanciam um erro de direito, que se não basta com a mera ilegalidade ou inconstitucionalidade da solução jurídica, ou um erro de facto, necessariamente grosseiro. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 8819/18.0T8PRT.P2 Recorrente – B… Recorrido - Estado Português Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho. I - Relatório B…, intentou a presente ação e, alegando, em síntese, que tendo sido condenado ao cumprimento de duas penas de prisão sucessivas, em processos diferentes, não lhe foi concedida a liberdade condicional que requereu e à qual teria direito, o que levou a que cumprisse integralmente as duas penas, quando deveria ter sido libertado 12 meses antes, pelo que esteve esse tempo indevidamente recluso, com a angústia e sofrimento inerentes, veio pedir a condenação do Estado Português no pagamento da quantia global de 360.000,00€ acrescida de juros de mora. Em representação do réu, o Ministério Público contestou. Sustentou o indeferimento da pretensão, por falta de uma condição legal de procedibilidade: a decisão judicial que indeferiu o pedido do autor em lhe ser concedida a liberdade condicional ter sido revogada, por decisão judicial posterior, definitiva e transitada em julgado. Acrescentou, ainda assim, que o ato jurisdicional em causa não é inconstitucional ou ilegal, não se verifica existir qualquer erro judiciário e que a indemnização pedida é exorbitante. Por sentença de 2.11.2018, tendo-se considerado que “não se encontrando demonstrado - e nem sequer foi alegado... - que a decisão judicial de Dezembro de 2016 (que recusou a pretensão do aqui demandante na concessão da liberdade condicional) haja sido revogada na sequência de impugnação, por qualquer das formas processualmente admissíveis, não pode a presente ação proceder” e a ação foi julgada improcedente, tendo o réu sido absolvido do pedido, o que este tribunal da Relação veio a confirmar por acórdão de 10.07.2019. Inconformado, o autor interpôs recurso de Revista excecional, que foi admitido e, por acórdão de 4.02.2020, o Supremo Tribunal de Justiça revogou o acórdão da Relação, determinando a baixa dos autos para “apurar a eventual responsabilidade do réu”, uma vez que considerou que (e citamos) “A “prévia revogação” a que alude a norma do n.º 2 do art. 13 da Lei 67/2007 de 31/12 não pode constituir condição (de procedência) da ação para efetivação da responsabilidade por erro judiciário quando a decisão a que é assacado erro grosseiro ou manifesta ilegalidade tiver sido proferida em última instância, ou seja, quando de acordo com os meios processuais de reapreciação de decisões judiciais á disposição do lesado, não for admissível recurso ordinário”. Depois de acórdão desta Relação (de 24.03.2020) nesse sentido, os autos baixaram à primeira instância, onde foi fixado o valor da causa (360.000,00€) dispensada a audiência prévia e definido o objeto do litígio [Determinar se o Estado Português deve ser condenado ao pagamento ao Autor da quantia global de € 360.000,00 acrescida de juros de mora (a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais), com fundamento na responsabilidade civil do Estado, por o demandante ter sido em condenado ao cumprimento de duas penas de prisão sucessivas, em processos criminais diferentes, sem que lhe tenha sido concedida a liberdade provisória que oportunamente havia requerido e à qual teria legalmente direito e por isso cumpriu integralmente, até Novembro de 2017 as duas penas, quando deveria ter sido libertado em finais de Novembro de 2016, razão pela qual esteve indevidamente na situação de reclusão durante 12 meses] e os temas de prova [1. Apurar se em Dezembro de 2016 se mostravam verificados os pressupostos para a concessão de liberdade condicional ao Autor. 2. Apurar e quantificar os danos sofridos pelo Autor (caso se conclua que existiu uma situação de reclusão indevida durante doze meses)], vindo, depois de realizada a audiência de julgamento, a ser proferida sentença, a 5.07.2021, que julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido. II – Do Recurso Inconformado, o autor apelou. Pretendendo que a sentença seja revogada e substituída pela condenação do recorrido na quantia peticionada, formula as seguintes Conclusões: I - A pretensão do recorrente, conforme referido na sentença em crise, assenta na seguinte premissa: uma vez que estávamos perante uma situação de execução sucessiva de penas (as que lhe foram aplicadas nos referidos processos 48/08.7P6PRT e 534/12.4SJPRT) o TEP do Porto devia ter efetuado o cômputo dessas mesmas penas. II - Assim - e seguindo o raciocínio - procedendo-se à adição da primeira pena (54 meses, que cumpriu na sua integralidade) com a segunda pena (14 meses de reclusão), e aplicando a tal situação a norma legal que lhe permitiria obter a tão almejada liberdade condicional aos 2/3 a tal somatório, deveria, na ótica do autor, ter sido apreciada (e concedida) a respetiva liberdade condicional quando cumprisse os 56 meses de prisão (ou seja, em 26 de novembro de 2016). III - Contrariamente à tese plasmada na sentença, o despacho de 19.DEZ.16 do juiz titular do processo 657/11.7TXPRT, do 1.º Juízo do TEP do Porto, considerou que não estava em causa o cumprimento sucessivo de penas de prisão, razão pela qual foi indeferido o requerimento do recorrente, solicitando a liberdade condicional. IV - Dessa decisão foi interposto recurso, o qual não foi admitido, tendo tal decisão sido confirmada, mais tarde, pela Relação do Porto, deitando por terra a reclamação apresentada. V - Pois que, na ótica do recorrente [Tal entendimento foi corroborado na decisão da reclamação apresentada no âmbito do Processo 727/13.7TXPRT-G1.P1, do TEP do Porto, já referido na petição inicial apresentada no âmbito dos presentes autos], os referidos despachos judiciais de 19.DEZ.16, de 24.MAR.17 e de 18-ABR.17 - por traduzirem uma recusa ilícita da concessão da liberdade condicional e terem assim determinado a permanência da sua situação de reclusão entre novembro de 2016 e novembro de 2017 - consubstanciam atos ilícitos geradores de responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, nos termos do art. 12 e ss. da Lei 67/07, de 31.DEZ. VI - Assim, dúvidas não restarão, ao contrário do plasmado na sentença, que tal recusa consubstancia uma denegação da apreciação dos pressupostos para concessão da liberdade condicional, o que determinou que o recorrente se visse, injustificadamente, privado da sua liberdade por 12 meses consecutivos. VII - Com efeito, a decisão de 19 de dezembro de 2016 que veio indeferir o pedido de convocação do Conselho Técnico e Audição do Recluso, para efeitos de ser concedida ou não a tão almejada liberdade condicional, e a decisão com data de 19 de março de 2017, que veio negar provimento à reclamação apresentada, consubstanciam factos ilícitos. VIII - A decisão de 19.12.2016, a indeferir o pedido de análise dos pressupostos para concessão de liberdade condicional, a decisão de não admissão do recurso de 24.03.2017 por parte do Ex.mo. Juiz a quo e a não admissão do recurso em causa com data de 19.04.2017, negando a reclamação apresentada, consubstanciam factos ilícitos que no caso, determinaram a negação da concessão de liberdade condicional. IX - O recurso é admissível porque houve efetivamente uma recusa da concessão da liberdade pelo que tal decisão será sempre recorrível, nos termos e para os efeitos do art. 235 n.º 1 do CEPMPL. X - O recurso apresentado deveria ter sido admitido e sido observado o procedimento instrutório do pedido de liberdade condicional, XI - Sendo que a inobservância dos formalismos em causa, determinou que ao arguido fosse vedada a liberdade condicional porque os pressupostos para a sua aplicação não foram sequer alvo de análise. XII - A proceder a argumentação do Exmo. Juiz do TEP e da Exmo. Presidente do Tribunal da Relação do Porto sufragada na resposta à reclamação, estaria encontrada a solução para que o juiz das penas convocasse, ou não, o conselho técnico, por seu livre arbítrio, sem possibilidade de defesa. XIII - Como tal, as decisões em crise fundamentaram-se, em síntese, no seguinte: não se tratar de um caso previsto no artigo 235, n.º 1 e 179, n.º 1 do CEPMPL; XIV - Numa primeira aproximação diremos que o despacho ora em crise é formalmente irrepreensível, por não se tratar de um caso expressamente previsto na Lei (cfr. artigos 235, n.º 1 e 179, 1 do CEPMPL). XVI[1] - Dando prevalência à substância em detrimento da forma, ponderando materialmente a questão em concreto, chegamos a conclusão diversa. XVII - Da conjugação dos artigos 61 do Código Penal e 173 a 177 do CEPMPL resulta que o recluso tinha direito a ver decida a sua liberdade condicional, de acordo com o procedimento instrutório prescrito por Lei. XVIII - Ao negar a apreciação da liberdade condicional – esta falta de decisão – reconduz-se a indeferimento de facto da liberdade condicional. XIX - A ser assim, prevalecendo o entendimento do despacho que foi alvo de recurso e, mais tarde, de reclamação, a não decisão de mérito do processo, equivalia a uma decisão de facto, e sendo irrecorrível, escaparia ao escrutínio do tribunal superior. XX - A não apreciação/decisão no tempo oportuno da concessão, ou não, da liberdade condicional, quer pela não instrução do procedimento previsto no artigo 173 e ss. do CEPMPL, quer pela sua suspensão fora dos casos previstos no artigo 178, reconduz-se à constelação normativa de recusa da liberdade condicional, artigo 179 do CEPMPL, pois representa de facto e materialmente a negação da sua concessão. XXI - Assim sendo, na linha do entendimento supra explanado, tal recurso deveria ter sido admitido, devendo ter-se iniciado o procedimento previsto nos artigos 173 e ss. do CEPMPL. XXII - Desta feita, o Ilustre Magistrado Judicial do TEP, ao não permitir que se realizasse a reunião do conselho técnico e a audição do recluso, sem o que jamais, nos termos supra explanados, poderia decidir sobre a concessão ou não da liberdade condicional ao recluso, cometeu o ilícito que está na base da presente demanda. XXIII - Não tendo proferido uma decisão devidamente instruída e fundamentada, onde explicitasse de facto e de direito os reais motivos pelos quais sempre recusou conceder ao autor a liberdade condicional. XXIV - Atento o teor dos factos provados sob os n.ºs 6, 7, 13, 14, 16, 18, 19, 20, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 35 e 36, dúvidas não temos que estávamos perante um caso de execução sucessiva de penas de prisão, tendo sido este o motivo para o que TEP não tivesse procedido à convocação do conselho técnico e audição do recorrente para que lhe fosse concedida, ou não, a liberdade condicional. XXV - Não pode, por um lado o tribunal escudar-se de proceder à apreciação dos pressupostos para a concessão da liberdade condicional e mais tarde, em total oposição ao entendimento plasmado nos despachos referidos, alterar diametralmente a sua posição, dizendo, desta feita que, pelo contrário, não estamos perante um caso de execução sucessiva de penas de prisão. XXVI - Invocar a não estabilização processual do arguido como argumento para que não seja concedida, ou não, a liberdade condicional ao recorrente configura, como não poderia deixar de ser, uma recusa ilegítima e, portanto, violadora do artigo 61 do CP, bem como os artigos 235, n.º 1 e 173 a 179 do CEPMPL. XXVII - Há, em conclusão, uma contradição insanável entre a fundamentação dos diversos despachos em referência e que, no entender do recorrente, configuram o ilícito no qual subjaz o fundamento primordial do pedido formulado pelo recorrente. XXVIII - A prisão é consabidamente uma punição que o réu se reserva aplicar e que ninguém deseja, punição tanto maior, quanto mais longa for no tempo. XXIX - A recusa em ver apreciado o seu pedido de liberdade condicional foi altamente traumatizante para o aqui autor. XXX - Assim, o Ilustre magistrado do TEP manteve o autor preso ininterruptamente até ao fim do cumprimento das duas penas de que veio condenado, nunca tendo procedido ao respetivo cômputo das penas, nem, tão pouco, tendo concedido a almejada liberdade condicional ao autor, cometendo, desta forma um erro grosseiro e manifestamente indesculpável. XXXI - Se assim não tivesse sido, o recorrente teria visto o seu pedido apreciado e, com razoável probabilidade, teria sido restituído à liberdade por volta de 26 de novembro do ano de 2016, aquando do cumprimento dos dois terços do somatório das penas de que foi condenado. XXXII - Contas feitas, ao não ver o seu pedido de liberdade condicional apreciado, o autor esteve preso 12 meses a mais do que devia, tempo que este teria aproveitado para voltar a dar um novo sentido à sua vida. XXXIII - Esteve preso ilicitamente desde novembro de 2016 a novembro de 2017. XXXIV - De forma indireta, acabou o TEP por “punir” o autor com mais 12 meses de prisão, visto que durante esse tempo, o mesmo deveria ter gozado do instituto da liberdade condicional. XXXV - Tempo mais do que precioso para que o mesmo restabelecesse os laços entretanto perdidos com a comunidade e que o tempo de clausura, naturalmente, colocou em causa. XXXVI - A não apreciação do pedido formulado pelo recluso, aqui autor, consubstancia uma recusa da liberdade condicional, traduzindo-se num facto ilícito que lhe causou graves danos e de difícil, senão impossível, reparação. XXXVII - Atento o teor dos factos provados sob os n.ºs 6, 7, 13, 14, 16, 18, 19, 20, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 35 e 36, dúvidas não temos que estávamos perante um caso de execução sucessiva de penas de prisão, tendo sido este o motivo para o que TEP não tivesse procedido à convocação do conselho técnico e audição do recorrente para que lhe fosse concedida, ou não, a liberdade condicional. XXXVIII - Não pode, por um lado o tribunal escudar-se de proceder à apreciação dos pressupostos para a concessão da liberdade condicional e mais tarde, em total oposição ao entendimento plasmado nos despachos referidos, alterar diametralmente a sua posição, dizendo, desta feita que, pelo contrário, não estamos perante um caso de execução sucessiva de penas de prisão. XXXIX - Invocar a não estabilização processual do arguido como argumento para que não seja concedida, ou não, a liberdade condicional ao recorrente configura, como não poderia deixar de ser, uma recusa ilegítima e, portanto, violadora do artigo 61 do CP, bem como os artigos 235, n.º 1 e 173 a 179 do CEPMPL. XL - Destarte, ao decidir conforme o fez, em total oposição com o que se acaba de referir, a sentença ora em crise é violadora do estatuído nos artigos 61 do CP, bem como os artigos 235, n.º 1 e 173 a 179 do CEPMPL. XLI - Há, em conclusão, uma contradição insanável entre a fundamentação dos diversos despachos em referência e que, no entender do recorrente, configuram o ilícito no qual subjaz o fundamento primordial do pedido formulado. XLII - A prisão é consabidamente uma punição que o réu se reserva aplicar e que ninguém deseja, punição tanto maior, quanto mais longa for no tempo. XLIII - A recusa em ver apreciado o seu pedido de liberdade condicional foi altamente traumatizante para o aqui autor. XLIV - Veja-se, a este título, o elenco dos factos provados n.ºs 38. 39, 40. XLV - Entende a Ex.ma Senhora Juíza que o despacho não padece de erro grosseiro, manifesto e indesculpável e que o mesmo não corresponde a uma decisão que tenha efetivamente recusado a liberdade condicional, mas sim a um despacho de mero expediente que pela sua natureza é insuscetível de recurso. XLVI - Em função do atrás exposto e já devidamente fundamentado entende o autor que houve responsabilidade do réu e que o mesmo dever ser responsabilizados pelos prejuízos causados. XLVII - Ao decidir conforme o fez, em total oposição com o que se acaba de referir, a sentença é violadora do estatuído nos artigos 61 do CP, bem como os artigos 235, n.º 1 e 173 a 179 do CEPMPL. XLVIII - Concluindo-se conforme pugnado em sede de PI, tendo em conta a gravidade dos danos sofridos pelo recorrente, dando-se por verificados os pressupostos da responsabilidade civil do estado, assente no erro judiciário, deverá a decisão ora colocada em crise ser revogada, por outra que, conforme peticionado, ressarça o recorrente dos danos por si sofridos, e que se computam na quantia global de 360.000,00€ (trezentos e sessenta mil euros). O réu respondeu ao recurso e, sustentando a sua improcedência, concluiu: 1 - Tendo em conta que o recorrente não impugnou a matéria de facto dada como provada, deverá a mesma considerar-se definitivamente assente. 2 - As decisões judiciais proferidas, no âmbito do processo n.º 657/11.7TXPRT, em 19/12/2016 (pelo Mmo. Juiz do TEP), em 24/03/2017 (pelo Mmo. Juiz do TEP) e em 19/04/2017 (pela Senhora Juíza Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto) não são violadoras do disposto nos artigos 61, do Código Penal e 173, a 177, do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade. 3 - Com efeito, consubstanciam interpretações jurídicas (núcleo da função jurisdicional) devidamente fundamentadas e suportadas em vasta jurisprudência dos Tribunais superiores ali citada, não sendo, por isso, ilegais. 4 - Ainda que assim não fosse, a ilegalidade, a existir, nunca seria manifesta, patente ou óbvia; nem padeceriam tais decisões de erro grosseiro ou escandaloso na apreciação dos respetivos pressupostos, como exigido pelo artigo 13, n.º 1, da Lei n.º 67/2007. 5 - A factualidade dada como provada não permite concluir pela ilicitude do facto, pelo dano e pelo nexo de causalidade, pressupostos tradicionais da responsabilidade civil extracontratual do Estado no exercício da função jurisdicional. 6 - Assim, pese embora a bondade dos argumentos aduzidos pelo recorrente, cremos que a sentença não violou qualquer das normas invocadas, devendo ser integralmente mantida. O recurso foi recebido nos termos legais e, nesta Relação, nada se alterou ao respetivo despacho. Foram dispensados os Vistos e nada observamos que obste ao conhecimento do mérito do recurso, cujo objeto, atentas as conclusões do apelante, consiste em saber se a sentença deve ser revogada, uma vez que 1) Estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por erro judiciário (artigo 13, n.º 1 da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro), uma vez que 2) As decisões judiciais proferidas em 19.12.2016 (TEP), em 24.03.2017 (TEP) e em 19.04.2017 (tribunal da Relação do Porto) são (manifestamente) ilegais, pois violadoras do disposto nos artigos 61 do Código Penal (CP) e dos artigos 173 a 177 do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL) ou injustificadas por erro (grosseiro) na apreciação dos respetivos pressupostos de facto. III – Fundamentação III.I – Fundamentação de facto A primeira instância deu como provados e não provados os factos que ora se transcrevem e que não foram objeto de impugnação: Factos provados 1 - Por acórdão proferido no âmbito do processo n.º 48/08.7P6PRT, que correu termos na então 3.º Vara Criminal do Porto, o autor B… foi condenado a uma pena de prisão efetiva de quatro anos e seis meses. 2 - Esse acórdão transitou em julgado em 6 de setembro do ano de 2011. 3 - A 12 de janeiro do ano de 2010 o autor foi detido, tendo sido sujeito à medida de coação de prisão preventiva, após submissão a interrogatório judicial. 4 - Feita a liquidação da pena, estipulou-se o seguinte: a) Meio da pena: 12 de abril do ano 2012; b) Dois terços: 12 de janeiro de 2013; c) Termo: 12 de julho de 2014. 5 - O cumprimento da pena foi acompanhado pelo processo 657/11.7TXPRT do 1.º Juízo do Tribunal de Execução de Penas. 6 - No âmbito desse processo foi decidido expressamente não colocar o autor em liberdade condicional a meio da pena, por decisão datada de 28 de março de 2012, na sequência da orientação do MP, por, no entender do Mmo. Juiz, não estarem verificados os pressupostos previstos no artigo 61, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal. 7 - Na altura em que o autor se preparava para completar os dois terços da pena, o TEP, por decisão datada de 21 de fevereiro de 2013, entendeu não ser oportuno convocar o conselho técnico, tendo por base o fundamento de que a situação jurídico-penal do autor não estaria estabilizada. 8 - À data, na sequência de uma queixa-contra queixa, corria termos o inquérito referente ao processo n.º 534/12.4SJPRT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Instância Local, Secção Criminal, J3., contra o autor. 9 - Na sequência do defendido pelo MP, por despacho datado de 21 de fevereiro de 2013, o TEP considerou que essa realidade “impedia a prolação de uma decisão conscienciosa quanto à liberdade condicional, afigurando-se necessário aguardar por mais tempo pelo desfecho do mencionado processo”. 10 - Por tal motivo foi indeferido o requerimento do autor, de 15 de janeiro de 2013, a solicitar a marcação do conselho técnico para apreciação da liberdade condicional, com a presença do seu mandatário. 11 - O autor, cumpriu, na totalidade, a pena a que foi condenado no âmbito do processo 48/08.7P6PRT, da 3.ª Vara Criminal do Tribunal Judicial do Porto, pena essa de 4 anos e 6 meses, sem que, em nenhum momento, lhe tenha sido concedida a liberdade condicional. 12 - Tendo sido restituído à liberdade a 12 de julho de 2014, no final do cumprimento da primeira pena em que vinha condenado. 13 - À data, o Mmo. Juiz do TEP titular do processo, na esteira defendida pelo MP, sempre se opôs a que o autor beneficiasse do regime previsto para a liberdade condicional, não tendo procedido à convocação do conselho técnico e audição do então arguido, uma vez que, no seu entendimento, a não estabilização processual do arguido a tal impedia, alegando ainda que, mais tarde, o autor viria a beneficiar do regime previsto para a execução sucessiva de penas quando o segundo processo transitasse em julgado. 14 - O que nunca veio a ocorrer. 15 - A 26 de setembro de 2016, o autor entregou-se voluntariamente no Estabelecimento Prisional do Porto, para cumprir a pena de 14 meses de prisão efetiva em que vinha condenado, no âmbito do processo n.º 534/12.4SJPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Instância Local, Secção Criminal, J3. 16 - Por se tratar de uma execução sucessiva de penas, a execução da pena de prisão foi acompanhada pelo processo 657/11.7TXPRT, 1.º Juízo do TEP do Porto, tal como havia acontecido com o anterior processo n.º 48/08.7P6PRT, que correu termos na então 3.ª Vara Criminal do Porto. 17 - Feita a liquidação da segunda pena, estabeleceu-se, o seguinte: a) Meio da pena: 26 de abril do ano 2017; b) Dois terços: 06 de julho de 2017; c) Termo: 26 de novembro de 2017. 18 - O autor foi libertado a 12 de julho do ano 2014 sem que tivesse beneficiado da liberdade condicional e sem que tivesse sido submetido a conselho técnico aos dois terços de cumprimento da pena para apreciação da concessão ou não da liberdade condicional ao então arguido. 19 - Tal sucedeu em virtude de o Mmo. Juiz titular do processo 657/11.7TXPRT, 1.º Juízo do TEP do Porto ter sempre considerado que o processo o 534/12.4SJPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Instância Local, Secção Criminal, J3, seria um caso de execução sucessiva de várias penas, pelo que aguardava pelo trânsito desta última para convocar o conselho técnico com vista a prolação de uma decisão conscienciosa acerca da liberdade condicional do recluso. 20 - O Procurador, no âmbito do processo n.º 657/11.7TXPRT, 1.º Juízo do TEP do Porto, fundamentou sempre a sua oposição à convocação do conselho técnico alegando que estaríamos perante uma execução sucessiva de várias penas de prisão e que, à data, não estavam reunidas as condições necessárias para que se efetuasse o respetivo e necessário cômputo das penas a executar sucessivamente. 21 - Se o respetivo cômputo tivesse sido efetuado, teríamos que: o arguido, no âmbito do primeiro processo pelo qual veio condenado, cumpriu a pena de prisão de 54 meses (4 anos e 6 meses de prisão). 22 - Mais tarde, em finais de setembro do ano de 2016, o autor iniciou o cumprimento da outra pena de prisão a que foi condenado, no total de 14 meses. 23 - Juntando ambas as penas, temos um cômputo de 68 meses, equivalente a 5 anos e 8 meses de prisão efetiva. 24 - Com base neste entendimento, sufragado pelo Juiz titular do Processo 657/11.7TXPRT, 1.º Juízo do TEP do Porto, o então Procurador do MP, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 141, alínea i), do CEPMPL, deveria ter procedido ao respetivo cômputo, para efeitos de concessão, ou não, da liberdade condicional. 25 – O que não se verificou. 26 - Nos finais do ano de 2016, o então recluso, elabora um requerimento no qual solicita que seja apreciados os pressupostos para a liberdade condicional, pedindo ao Juiz titular do processo que notificasse o MP para dar cumprimento ao estatuído no artigo 141, alínea i) do CEPMPL, de forma a apreciar se estavam verificados os pressupostos para a concessão, ou não, da liberdade condicional ao arguido, aqui autor, convocando-se o conselho técnico, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 173 e ss. do CEPMPL. 27 - Por despacho com data de 19 de dezembro do ano de 2016, o titular do processo 657/11.7TXPRT, 1.º Juízo do TEP do Porto, e em consonância com a vista do MP, decide que não estaríamos perante um caso de execução sucessiva de penas e, como tal, indefere a pretensão do autor. 28 - Recusando-se a convocar o conselho técnico e a proceder à audição do recluso com vista à concessão, ou não, da liberdade condicional. 29 - Em 12 de julho do ano de 2014, já o tribunal tinha conhecimento da condenação de que autor havia sido alvo. 30 - O autor nunca beneficiou do regime da liberdade condicional, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 63 do Código Penal. 31 - Do despacho referido no ponto 27 veio o autor recorrer, no dia 9 de janeiro de 2017. 32 - Não tendo incidido nenhum despacho a admitir ou a rejeitar o recurso então interposto, o autor faz novo requerimento ao processo solicitando que se profira o competente despacho. 33 - Por decisão datada de 24 de março de 2017, o Mmo. Juiz profere despacho negando a pretensão do recluso, aqui autor, dizendo que o despacho então em crise não seria, em sua opinião, suscetível de recurso, por não se tratar de um despacho que apreciara se o então recorrente reunia, ou não, os pressupostos para que lhe fosse concedida a liberdade condicional. 34 - Da decisão a rejeitar o recurso interposto, veio o autor reclamar para Tribunal da Relação do Porto. 35 - Que veio a sufragar o entendimento da 1.ª Instância, pois que, em seu entender, tal despacho não seria recorrível, visto “o indeferimento da apreciação da liberdade condicional pode retardar a respetiva apreciação, mas não nega nem recusa a concessão da liberdade condicional. O recurso a que alude o n.º 1 do artigo 179 (...). É limitado à questão da concessão ou recusa da liberdade condicional. Ou seja, só é admissível recurso da decisão final, aquela que afinal do processo ou incidente, após instrução, reunião do conselho técnico, audição do recluso e parecer do MP, decide de mérito, isto é, decide conceder ou recusar a liberdade condicional.” 36 - Por decisão proferida em 14 de julho de 2017 no processo n.º 675/11.7TXPRT do 1.º Juízo do Tribunal de Execução das Penas (TEP) do Porto foi decidido não colocar o condenado B…, por não resultar preenchido o condicionalismo previsto no artigo 61, n.º 2, alínea a), do Código Penal, em liberdade condicional. 37 - Decisão esta confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de setembro de 2017. 38 - Toda a situação relatada constituiu para o autor um sofrimento e angústia. 39 - O autor perdeu uma oportunidade de emprego e consequente valorização do seu curriculum profissional. 40 - Perdeu também a oportunidade de privar com a sua companheira e dois filhos. Factos não provados 1 - Ao ver os seus corréus sair em liberdade condicional, apoderou-se do autor um enorme sentimento de injustiça e estigma, que o fez adoecer; 2 - Passando a viver angustiado, com dificuldades em dormir; 3 - Tendo, inclusive, por variadíssimas vezes, pensado em por termo à sua vida, pois que no seu entender estaria a ser alvo de uma “perseguição” do sistema judicial português. Ainda em sede de fundamentação da matéria de facto, tendo em conta que o autor ancora a sua pretensão em três despachos que se mostram identificados na factualidade provada, mas cujo conteúdo consta documentalmente dos autos, importa a este conteúdo fazer referência, ainda que sumária: - No despacho de 19.12.2016, que indeferiu o requerimento do autor, ficou dito: “O regime previsto no artigo 63.º, do CP, e no artigo 141.º, alínea j), do CEP, está previsto para casos de execução sucessiva de penas de prisão a ocorrerem de forma ininterrupta. A anterior pena de prisão teve o seu termo de execução em 12.07.2014, data em que o condenado foi restituído à liberdade (...). A execução da pena ora em presença iniciou-se em 26.09.2016, vigorando o cômputo efetuado no quadro da previsão do artigo 477.º, n.º 2 do CPP, não havendo lugar a qualquer outro”. - No despacho de 24.03.2017, que não admitiu o recurso do despacho anterior, ficou dito: (...) veio recorrer do despacho de fls. 88, proferido em 19.12.2016 (...) Das disposições conjugadas dos artigos 235.º, n.º 1 e 179.º, n.º 1, ambos do CEP, resulta que o despacho proferido não admite recurso, uma vez que este somente vem expressamente previsto quanto ás decisões de concessão ou recusa da liberdade condicional, sendo limitado a estas questões. A este propósito, o TRC, em acórdão proferido em 28.11.2012, entendeu que, no CEP, o legislador evidenciou uma “preocupação de completude (...) quanto à previsão das decisões recorríveis”, possuindo este diploma legal uma “estrutura recursória própria” [Sobre esta matéria também se pronunciaram: - o TRL, em acórdão proferido em 29.02.2012, publicado em dgsi (...) “não traduz decisão final recorrível o despacho judicial proferido relativamente a caso em que foi requerida pelo ora recorrente ao senhor Juiz de Execução de Penas a apreciação e concessão de liberdade condicional, e em que o tribunal a quo se limitou a denegar essa apreciação (...); e o TRP, em decisão sumária proferida em 08.02.2016 (...) entendeu que “a decisão recorrida que indeferiu o pedido de tramitação com vista à convocação do conselho técnico não se insere em nenhuma daquelas decisões, expressamente previstas na lei, designadamente não consubstanciando a decisão de revogação ou não revogação da liberdade condicional, sendo pois apenas uma rejeição de um requerimento inicial (...)”]. No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, em decisão proferida em 30.03.2016 (...) tendo-se aí considerado (...) Trata-se de um despacho que não aprecia se o ora reclamante reúne as condições materiais ou substanciais para que lhe seja concedida a liberdade condicional, nos termos do art. 61.º do Cod. Penal e que, pela sua natureza, é insuscetível de recurso”. (...) Pelo exposto, por se tratar de despacho irrecorrível, não admito o recurso apresentado”. - No despacho de 18.04.2016, que aprecia a reclamação ao despacho anterior (que não admitiu o recurso), refere-se que “das decisões do TEP cabe apenas recurso para a relação “nos casos expressamente previstos na lei” – art. 235.º n.º 1 do CEPMPL. Ora, a lei não prevê expressamente a suscetibilidade de recurso da decisão que entende não ser um caso de cumprimento sucessivo de penas e que, implicitamente, recusa a apreciação da liberdade condicional. Aliás, em matéria de recursos, os elementos literais e sistemáticos evidenciam a vontade do legislador do CEPMPL de prever esgotantemente quais as decisões que entendem admitirem recurso. O legislador fez depender a recorribilidade de disposição legal expressa (...) Ou seja, só é admissível o recurso da decisão final, aquela que (...) decide de mérito, isto é, decide conceder ou recusar a liberdade condicional (...) Como tem sido afirmado de modo uniforme pelo Tribunal Constitucional “O conteúdo significante dos princípios constitucionais enumerados no artigo 32.º da CRP reportam-se ao processo penal e não ao processo penitenciário (...)”(...) Face ao direito constituído, não vislumbramos razões que nos levem a discordar da interpretação seguida na decisão reclamada que, em nossa opinião, não merece censura. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação”. Importa, ainda, relativamente aos pontos 36 e 37 da matéria de facto provada, concretizar sumariamente o conteúdo das decisões judiciais aí referidas. Assim: - Na decisão de 14.07.2017 concluiu-se “não resultar preenchido o condicionalismo previsto no artigo 61.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, razão pela qual decido não colocar o condenado B1…, com os demais sinais dos autos, em liberdade condicional” e essa conclusão é precedida, além do mais: “Corre o presente processo de liberdade condicional (...) foram elaborados os pertinentes relatórios. Reuniu o Conselho Técnico que emitiu parecer favorável (...) e procedeu-se à audição do arguido, que consentiu na aplicação de tal regime. O Ministério Público pronunciou-se pela não concessão da liberdade condicional. (...) Cumpre a pena de 14 meses de prisão, à ordem do processo n.º 534/12.4SJPRT, no âmbito do qual foi condenado pela autoria de um crime de ofensa à integridade física simples, cometido em 25.07.2012 (... destacando-se que, na referida data, o condenado se encontrava em gozo de uma licença de saída jurisdicional, concedida durante a sua anterior reclusão, tendo sido vítima do crime a então sua companheira, a quem desferiu socos e pontapés em várias partes do corpo, inclusive na cabeça). Atingiu a metade da pena em 26.04.2017, os dois terços da mesma em 6.07.2017 (...). III. Apreciando. (...) Em primeira linha, cumpre considerar que o crime em presença foi cometido no decurso do cumprimento da anterior pena de prisão, mais concretamente, quando gozava uma medida flexibilizadora de natureza jurisdicional, a qual se destinava a permitir, de forma gradual, a reintegração social do condenado. (...) o condenado não assumiu a prática do crime ora em presença (...). Acresce dizer que o recluso não beneficiou ainda de qualquer medida flexibilizadora da pena, pelo que o seu comportamento em meio livre, após a sua presente reclusão, não se mostra testado. Como fatores de valoração positiva, sem, contudo, se sobreporem ao conjunto dos demais acima enunciados, não podendo, por isso, sustentar a conclusão de poder ser comunitariamente suportado o risco da sua libertação, verificam-se existirem condições objetivas (familiares, habitacionais e laborais) favoráveis em meio livre, consciência da obrigação indemnizatória existente (ainda não paga) e ausência de medidas disciplinares no decurso da presente reclusão, à qual o condenado se apresentou voluntariamente.” - No acórdão 27 de setembro de 2017, do Tribunal da Relação do Porto, que confirma a decisão antes referida dá-se conta da conclusão n.º 2 [cumpriu uma pena de 4 anos e 6 meses, sem ter direito a conselho técnico, por opção do Tribunal “a quo”, que não aceitou as penas sucessivas, quando isso foi condicionante, e agora nega-lhe a liberdade condicional, sem ponderar os critérios benéficos de tal situação] e acrescenta-se: “As vicissitudes ocorridas na execução da pena aplicada no processo 534/12.4SJPRT não poderão ser, naturalmente, apreciadas no âmbito deste processo, uma vez que não é suscetível de integral o objeto do mesmo. Tem natureza anódina, com toda a certeza, a inexistência, até ao momento, de qualquer medida de flexibilização da pena (...) Porém, circunstâncias existem que comprometem categoricamente a pretensão do recorrente. (...) não merece rigorosamente reparo algum a decisão recorrida e argumentação nela expressa.” III. II – Fundamentação de Direito Uma vez que o apelante invoca como fundamento da sua pretensão um erro judiciário ocorrido em sede de jurisdição penal e, em razão dele, pretende ser ressarcido pelos danos que para si resultaram de ter estado recluso mais 12 meses do que o tempo que, em seu entender, devia estar nessa situação, importa começar por esclarecer que, ainda assim, não estamos perante uma pretensão subsumível aos regimes previstos nos artigos 225 e 226 ou nos artigos 449, 461 e 462, todos eles do Código de Processo Penal (CPP) e referentes, respetivamente, à prisão preventiva indevida e às condenações penais injustas[2], regimes estes, aliás, excecionados pelo n.º 1 do artigo 13 da Lei n.º 67/2007 de 31 de dezembro (RRCEE). Assim, e concordando com a colocação da questão relevante que a ação e o recurso implicam, a pretensão formulada pelo autor/ recorrente solicita-nos a “análise dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, assente no erro judiciário”, a qual – e voltamos a citar “tem como fundamento constitucional o princípio que decorre diretamente do disposto no artigo 22.º da CRP e que veio a ser plasmado na lei ordinária, através dos arts. 12.º e 13.º da Lei 67/2007 de 31/12”, acrescentando-se, desde já, e atentos os fundamentos da pretensão deduzida, que nem sequer está em causa a previsão do artigo 12 da aludida Lei [Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa], ainda que se entenda esta – a previsão do mau funcionamento, distinta da do erro judiciário -, como “uma forma de imputação residual ou de complementaridade”[3], uma vez que é inequívoca, no caso presente e como já se disse, a imputação do erro judiciário como causa da responsabilidade civil do Estado. O regime jurídico da responsabilidade extracontratual do Estado, a Lei n.º 67/2007, e concretamente o n.º 1[4] do seu artigo 13.º. Na sequência de um processo legislativo “temporalmente dilatado e politicamente bastante atribulado”, a Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, “procurando dar expressa concretização ao disposto no artigo 22.º da Constituição, veio estabelecer o novo regime jurídico da responsabilidade extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas públicas, pelo prejuízo decorrente do exercício das diversas funções públicas, constitucionalmente consagradas (função legislativa, função jurisdicional e função administrativa)”.[5] Efetivamente, a aludida lei (alterada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho), veio revogar o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967, passando a prever no seu Capítulo III a “Responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional”[6] e dispondo no já citado n.º 1 do seu artigo 13 que “Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto.” Como decorre, o normativo citado responsabiliza civilmente o Estado pelo (ressarcimento) dos danos decorrentes (causados) pelo chamado erro judiciário, aqui não propriamente definido, mas que será preenchido quando ocorram decisões jurisdicionais que sejam manifestamente inconstitucionais, manifestamente ilegais ou ainda injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto, ou seja, decisões consubstanciadoras de um erro de direito, “exigindo o legislador uma especial qualificação do erro, não se bastando com a mera ilegalidade ou inconstitucionalidade da solução jurídica”[7] ou de um erro de facto, necessariamente grosseiro. Segundo o recorrente, as decisões proferidas em 19.12.2016 (TEP), 24.03.2017 (TEP) e 19.04.2017 ( Relação do Porto) são (manifestamente) ilegais, pois violadoras do disposto nos artigos 61[8] do Código Penal (CP) e dos artigos 173 a 177[9] do CEPMPL. Como expressamente refere o recorrente, logo na sua primeira conclusão, a sua pretensão “assenta na seguinte premissa: uma vez que estávamos perante uma situação de execução sucessiva de penas (as que lhe foram aplicadas nos referidos processos 48/08.7P6PRT e 534/12.4SJPRT) o TEP do Porto devia ter efetuado o cômputo dessas mesmas penas”. Essa premissa – que os “factos” dão como assente (cfr. ponto 24) mas de modo conclusivo – foi contrariada pelo despacho de 19.12.2016, que o apelante considera manifestamente ilegal e parece partir, a premissa, além de uma interpretação jurídica do autor, do que foi considerado no primeiro processo, onde o mesmo cumpriu integralmente a pena de 4 anos e 6 meses, sem beneficiar de liberdade condicional, desde logo por falta de estabilização da sua situação prisional. Note-se, porém, que o sucedido aquando do cumprimento dessa primeira pena não pode ser objeto de reapreciação nesta sede: por um lado, não deixa de se dar conta na contestação do Estado que, em razão do cumprimento integral daquela pena, o recorrente já demandou o Estado, precisamente invocando, como aqui, o erro judiciário, tendo a ação sido julgada improcedente e assim transitado, por acórdão proferido nesta Relação do Porto em 24.01.2017 [Processo n.º 20692/15.5T8PRT.P1, relator, Desembargador Rui Moreira]; por outro lado – e relevantemente – o recorrente funda expressamente a sua pretensão na ilegalidade dos despachos relativos ao cumprimento da (segunda) pena de 1 ano e 4 meses. Tais despachos, como já resulta dos autos, são aquele que indeferiu a pretensão do autor em ver iniciado o procedimento com vista à eventual concessão de liberdade condicional, o seguinte que não admitiu o recurso dessa decisão e um terceiro, que indeferiu a reclamação do recorrente, mantendo a inadmissibilidade do recurso. Verdadeiramente, no entanto, o que releva – e releva para a própria posição e entendimento do apelante -, não é o despacho que não admitiu o recurso, mas o despacho que não foi admitido pelo recurso. O despacho que não admitiu o recurso mostra-se fundamentado e alicerçado em jurisprudência que cita e foi confirmado por despacho de tribunal superior, também este fundamentado e alicerçado em jurisprudência e, aliás, como decorre implicitamente do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça neste autos só a não recorribilidade (ou a não admissibilidade, de facto, do recurso) permite considerar que a decisão de 19.12.2016 é definitiva, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 13 da Lei n.º 67/2007. A questão relevante é, portanto, a de saber se o despacho de 19.12.2016 se traduz num despacho manifestamente ilegal,sendo certo que a sua (eventual) inconstitucionalidade (manifesta) não está sequer alegada. No fundo, este despacho, sustenta que não existe – naturalmente para o efeito pretendido, a apreciação da liberdade condicional – uma sucessão de penas, ou melhor, uma sucessão de cumprimento de penas, porquanto as mesmas não foram cumpridas seguidamente: entre o fim do cumprimento da primeira e o início da segunda decorreram mais de dois anos. Ora, ressalvando sempre melhor saber, execução (cumprimento) sucessivo significa execução consecutiva, seguida, continuada, e se esse é o sentido que nos parece etimologicamente o mais correto, a razão de ser da eventual soma das penas para efeito da apreciação da liberdade condicional é a da apreciação conjunta, englobante, das condições ou pressupostos que a permitam e que, por isso, não tem cabimento quando entre o fim do cumprimento de uma das penas e o início do cumprimento da seguinte ocorra uma interrupção considerável. Parece-nos evidente que o despacho de 19.12.2016, que indeferiu a pretensão do recorrente não padece de qualquer ilegalidade, mas ainda que outro fosse o entendimento, o que se tem de admitir, é evidente que não estaríamos perante uma manifesta ilegalidade, ou seja, perante uma erro judiciário indemnizável. Não ocorrendo a ilegalidade que o recorrente invoca para o deferimento da sua pretensão, tanto basta para a improcedência da ação e, consequentemente, do presente recurso. Sempre se diga, em acrescento, que não se vê nos autos a demonstração do dano causado pela decisão referida. O recorrente invoca que terá estado mais 12 meses em reclusão do que estaria, se, em razão da soma das penas, fosse apreciada a liberdade condicional. Note-se, porém, que, mesmo a soma das penas é inferior a seis anos: logo, nunca ocorreria a chamada “liberdade condicional obrigatória” aos 5/6 da pena (somada). Por outro lado, a decisão em causa não deferiu nem indeferiu a liberdade condicional: logo, o recorrente poderia ter a “perda de chance” decorrente do não início do procedimento para apreciação da liberdade condicional. Sucede que, cerca de três meses depois, foi-lhe apreciada a possível liberdade condicional, a qual lhe foi indeferida por decisão superiormente confirmada e com o fundamento na inverificação do fundamento constante da alínea a) do n.º 2 do artigo 61 do CP, fundamento este que, obviamente, não poderia verificar-se em tempo anterior. Em suma, seja porque os factos não revelam efetivamente um dano (perda de chance) causado pela decisão reputada ilegal, seja também pela relevância negativa da causa virtual que constitui a decisão posterior de indeferimento da liberdade condicional, além da ilicitude, falecem os demais pressupostos da obrigação de indemnizar. Por tudo, o recurso revela-se improcedente, havendo que confirmar a decisão recorrida e sendo as custas do recurso a cargo do apelante, atento o seu decaimento, mas sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido. IV - Dispositivo Pelas razões ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirma-se a sentença apelada. Custas pelo apelante. Porto, 15.12.2016 José Eusébio Almeida Carlos Gil Mendes Coelho __________________ [1] A conclusão “XV”, por lapso, não tem conteúdo e, por isso, aqui se elimina. [2] Neste sentido, Ricardo Pedro, em comentário ao artigo 13.º da Lei n.º 67/2007, in. O regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas: comentários à luz da jurisprudência, Coordenação Carla Amado Gomes, Ricardo Pedro, Tiago Serrão, AAFDL Editora, Lisboa, 2017, págs. 688/689. Ainda no mesmo sentido, Carlos Castelo Branco e José Eusébio Almeida, Estatuto dos Magistrados Judiciais, Anotado e Comentado, Almedina, 2020, págs. 80/81. [3] As palavras são de Ricardo Pedro (Responsabilidade Civil do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça, Almedina, 2016, pág. 301), que também refere: “Cairá no âmbito do erro judiciário todo o dano que se produza numa resolução jurisdicional e no mau funcionamento os restantes casos de atuações danosas, desde que surjam ainda no âmbito do que definimos por administração da justiça em sentido amplo. Neste relação de mútua diferenciação, o mau funcionamento da administração da justiça surge como regime regra, cobrindo todos os casos de erros praticados na atividade de administração da justiça que não sejam erro judiciário, isto é, que não resultem de uma decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal ou injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto.” [4] Como resulta do relatório do presente acórdão, a questão que podia suscitar-se da leitura do n.º 2 do mesmo preceito mostra-se prejudicada, porquanto decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão a que fizemos oportuna referência. [5] Tiago Serrão, O Direito de Regresso na Responsabilidade Administrativa, AAFDL Editora, Reimpressão, Lisboa, 2020, págs. 92/94. [6] Ainda que numa perspetiva que acentua a previsão contida no artigo 5.º, n.º 4 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (direito de regresso), mas dando conta da “Exposição de Motivos” da respetiva proposta de Lei e de diversa doutrina e jurisprudência à mesma relativa, Carlos Castelo Branco e José Eusébio Almeida, Estatuto dos Magistrados Judiciais... cit., págs. 81/88. [7] Ricardo Pedro, “Breve introdução ao regime da responsabilidade civil extracontratual pública”, in. Estudos sobre Administração da Justiça e Responsabilidade Civil do Estado, AAFDL Editora, 2016, págs. 11/42, a pág. 23. [8] “1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado. 2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social. 3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior. 4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena (...). [9] Artigo 173: “1 - Até 90 dias antes da data admissível para a concessão de liberdade condicional, o juiz solicita, fixando prazo: a) Relatório dos serviços prisionais contendo avaliação da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena, das competências adquiridas nesse período, do seu comportamento prisional e da sua relação com o crime cometido; b) Relatório dos serviços de reinserção social contendo avaliação das necessidades subsistentes de reinserção social, das perspetivas de enquadramento familiar, social e profissional do recluso e das condições a que deve estar sujeita a concessão de liberdade condicional, ponderando ainda, para este efeito, a necessidade de proteção da vítima; c) Oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do condenado, outros elementos que se afigurem relevantes para a decisão. 2 - A instrução deve estar concluída até 60 dias antes da data admissível para a concessão da liberdade condicional”. Artigo 174: “1 - Encerrada a instrução, o juiz, por despacho, convoca o conselho técnico para um dos 20 dias seguintes e designa hora para a audição do recluso, a qual tem lugar em ato seguido à reunião daquele órgão (...)” Artigo 175: “1 - Os membros do conselho técnico prestam os esclarecimentos que lhes forem solicitados, designadamente quanto aos relatórios que os respetivos serviços hajam produzido. 2 - O conselho técnico emite parecer, apurado através da votação de cada um dos seus membros, quanto à concessão da liberdade condicional e às condições a que a mesma deve ser sujeita. 3 - Se o considerar oportuno, tendo em vista a eventual subordinação da liberdade condicional a regime de prova, o juiz solicita aos serviços de reinserção social a elaboração, no prazo de 15 dias, do plano de reinserção social (...)”Artigo 176: “1 - O juiz questiona o recluso sobre todos os aspetos que considerar pertinentes para a decisão em causa, incluindo o seu consentimento para a aplicação da liberdade condicional, após o que dá a palavra ao Ministério Público e ao defensor, caso estejam presentes, os quais podem requerer que o juiz formule as perguntas que entenderem relevantes. 2 - O recluso pode oferecer as provas que julgar convenientes. 3 - O juiz decide, por despacho irrecorrível, sobre a relevância das perguntas e a admissão das provas (...)” Artigo 177: 1 - O Ministério Público, nos cinco dias seguintes à audição do recluso, emite, nos próprios autos, parecer quanto à concessão da liberdade condicional e às condições a que esta deva ser sujeita. 2 - Quando conceder a liberdade condicional, o juiz: a) Determina a data do seu termo; b) Determina a data em que se cumprem os cinco anos, no caso e para os efeitos previstos nos n.ºs 5 do artigo 61.º e 2 do artigo 90.º do Código Penal; c) Fixa as condições a que a mesma fica sujeita; e d) Aprova o plano de reinserção social, se impuser regime de prova (...)”. |