Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
91/20.8T8VFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CRITÉRIOS DE CONEXÃO
CAUSA PREJUDICIAL
BENS SITUADOS NO ESTRANGEIRO
INVENTÁRIO INSTAURADO EM PORTUGAL
APLICAÇÃO DA LEI PORTUGUESA
INCIDENTE DA REMOÇÃO DO CABEÇA DE CASAL
Nº do Documento: RP2022051991/20.8T8VFR-A.P1
Data do Acordão: 05/19/2022
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A aferição da competência internacional dos tribunais portugueses deve ser encontrada por recurso ao direito interno, designadamente aos artigos 62º e 63º do CPC.
II - Os critérios de conexão previstos no referido art.º 62º são de verificação alternativa, bastando por isso o preenchimento de um deles para que os tribunais portugueses sejam competentes em razão da nacionalidade.
III - Um processo que corre termos num tribunal estrangeiro não é causa prejudicial relativamente a uma outra acção a correr em Portugal porque a decisão que venha a ser produzida por aquele tribunal não vincula os tribunais portugueses e não produz efeitos jurídicos em Portugal, até que venha a ser aqui revista e confirmada.
IV - Os bens situados no estrangeiro devem ser descritos e partilhados no inventário instaurado em Portugal e ao qual se aplique a lei portuguesa.
V - No incidente de remoção do cabeça-de-casal, constitui ónus do requerente a alegação e prova de qualquer dos fundamentos previstos na lei (art.º 2086º, nº 1, do Código Civil), não sendo suficiente, quanto à alegação essencial, a referência a factos conclusivos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 91/20.8T8VFR.A.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
Nos presentes autos de Inventário Facultativo instaurado por óbito de AA e no qual é requerente BB e cabeça de casal CC, tramitado que foi o processo foi a dado momento proferido o seguinte despacho cujo conteúdo integral aqui se passa a reproduzir:
a. Valor da causa
O requerente atribuiu à presente acção de inventário o valor de 1.875,00 €, tendo liquidado uma taxa de justiça de 102,00 €, correspondente ao mínimo legal. Contudo, a propósito dos critérios legais para fixação do valor da acção, dispõe o art.º 302.°, n°3 do CPC que, nos processos de inventário, "atende-se à soma do valor dos bens a partilhar"
À data da instauração da acção o requerente não podia ignorar que o valor por si indicado era muito inferior ao do activo a partilhar, o que (se outra razão não houvesse) resultaria do facto de referir, na petição inicial, a existência de bens imóveis no acervo hereditário. Ainda que se admitisse, em tese, que não conhecia a totalidade do valor do activo hereditário, o requerente estava ciente de que, sob hipótese alguma, esse teria um valor sequer próximo do que decidiu atribuir à acção. E diz-se "em tese" porquanto o requerente e o cabeça de casal são representados pelo mesmo Il. Mandatário, pelo que mal se compreende que, à data da instauração da acção, não lhe fosse já possível antever que o património ascendia a vários milhões de euros (só atendendo a valores patrimoniais). Para esta conclusão, concorre igualmente a circunstância de pender um inventário na República Federativa do Brasil, no qual o requerente é parte e cujo acervo é muito superior ao valor por si atribuído à causa.
Atenta a discrepância entre o valor dos bens relacionados pelo cabeça de casal e o que foi atribuído à acção pelo requerente (e que lhe permitiu liquidar uma taxa de justiça dezasseis vezes inferior à que seria devida), notifique-se o requerente para esclarecer as razões que presidiram à atribuição à causa de um valor milhares de vezes inferior ao activo que já sabia existir, sem prejuízo da possibilidade de, desde já, proceder à rectificação do valor em conformidade com o disposto no art.º 302.°, n°3 do CPC e à liquidação do competente complemento da taxa de justiça.
*
b. Excepção de incompetência internacional
A competência, maxime em função da nacionalidade, constitui um pressuposto processual, na medida em que se trata de uma condição de cuja verificação depende a possibilidade de o tribunal conhecer do mérito da causa. Assim, a título prévio, o tribunal conhecerá da excepção de incompetência em razão da nacionalidade invocada pelo interessado DD, se bem que circunscrita à partilha dos bens sitos em território brasileiro.
Alega o referido interessado, depois de citar o art.º 62.° do CPC, que "os tribunais portugueses não são competentes para dirimir esta questão da partilha de bens sitos no estrangeiro" (cf. art.º 70.° do seu articulado). Esgrime argumentos de ordem prática, relacionados com as eventuais dificuldades de efectivação da partilha no Estado da situação dos bens, cujo direito registral interno poderá não reconhecer a decisão dos tribunais portugueses e, em decorrência, não a levar a registo. Conclui, por tudo isto - e com suporte em jurisprudência que cita - que o caso dos autos convoca um desvio ao princípio da universalidade da herança, devendo os bens descritos sob verbas 37 a 42 ser excluídos da partilha sob juízo e ser partilhados sob os auspícios da jurisdição brasileira, onde inclusivamente já pende uma acção de inventário sob o número ....
A respeito da presente excepção já a cabeça de casal se pronunciou, pugnando pela sua improcedência, por força da predominância do princípio da unidade e da universalidade da herança, que impõe que a partilha abranja todo o património hereditário, ainda que situado em território estrangeiro. Acrescenta que, atenta a disparidade do regime sucessório entre os Estados português e brasileiro, enquanto cônjuge supérstite casada no regime da separação de bens veria a composição do seu quinhão irremediavelmente afectada, já que não é herdeira à luz do direito interno brasileiro. Tal situação, na sua óptica, seria susceptível de ofender os princípios fundamentais na ordem pública internacional do Estado Português, o que afastará a aplicação da lei brasileira ao presente inventário.
Conhecendo:
Precipuamente, há que depurar a excepção de competência das questões de direito internacional privado invocadas pela cabeça de casal. Com efeito, não está em causa um eventual conflito de ordenamentos jurídicos, mas sim de jurisdições. A competência intencional não se confunde com a determinação da lei aplicável, sendo perfeitamente possível que um tribunal brasileiro aplique a lei portuguesa e vice-versa (assim o determinem as regras de conflitos estatuídas pelos respectivos direitos internacionais privados, à míngua de instrumentos de direito internacional que dirimam essa matéria). Por isso mesmo, ao contrário do afirmado no art. 19.° da resposta às reclamações, não é o facto de o art. 62.° do C. Civil determinar a aplicação da lei pessoal do autor da sucessão ao fenómeno sucessório (in casu, a portuguesa, cf. arts. 25.° e 31.°, n.° 1 do C. Civil) que os tribunais portugueses passam a ser competentes.
Acresce dizer que, por não estar em causa a aplicação do direito material brasileiro não há que lançar mão do mecanismo excepcional do art. 22.° do C. Civil, uma vez que pressupõe que as regras de conflitos nacionais conduzam à aplicação de direito material estrangeiro e nunca do português. A reserva de ordem pública internacional será invocável, sim, mas numa eventual acção de revisão da sentença que venha a ser proferida no Brasil, que exclua o cônjuge da herança. Isto em termos abstractos, naturalmente,
Por fim, o princípio da unidade e da universalidade, invocado pela cabeça de casal, não tem por escopo a determinação da competência internacional, antes pressupondo a competência da jurisdição portuguesa e a aplicação do direito material luso.
Em síntese, não há que confundir conflitos de jurisdição, ou de competência, com os de lei aplicável. São questões totalmente distintas e, neste momento, só a primeira releva, tratando-se da segunda questão separadamente.
No que à competência internacional se refere, estabelece o art. 59.° do CPC que, sem prejuízo do que se encontre previsto em instrumentos de direito internacional ou em regulamentos europeus (vigentes no direito interno português com força supralegal, nos termos do disposto no art. 8.° n.°s 2 e n.° 4 da Constituição da República Portuguesa), os tribunais portugueses são internacionalmente competentes sempre que se verifique algum dos elementos de conexão previstos nos arts. 62.° e 63.°, ou quando as partes tenham celebrado pacto privativo ou atributivo de jurisdição, de harmonia com o previsto no art 94.° do CPC.
Interessa, num primeiro momento, aferir se existe algum diploma de Direito Internacional em cujo âmbito se inscreva a determinação do foro competente nas acções cíveis em geral, ou de inventário em particular, tendo presente que o caso dos autos apresenta conexão com o Estado Português e o Estado Brasileiro (apenas no que se refere à localização dos bens sitos nesse país). E a resposta é negativa, já que não há instrumentos de Direito Internacional que versem sobre a matéria em sindicância. Tão-pouco o faz a Convenção da Haia sobre a lei aplicável às sucessões em caso de morte de 01/08/1989, referida pela cabeça de casal, uma vez que é um instrumento de lei aplicável e não de determinação do foro (e que tão-pouco está ainda em vigor).
Significa isto que a aferição da competência internacional dos tribunais portugueses deverá ser encontrada por recurso ao direito interno, designadamente aos arts. 62.° e 63.° do CPC.
Prevê o art.62.° do CPC que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando ocorra uma das seguintes circunstâncias: "a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram; c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão pessoal ou real.".
É entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico que os critérios de conexão previstos no art.62.° são de verificação alternativa, o que significa que basta o preenchimento de um deles para que os tribunais portugueses sejam competentes em razão da nacionalidade. Com a autoridade que lhes é reconhecida, embora por referência à primitiva versão do art.65.° do CPC revogado (correspondente ao actual art.62.°), esclarecem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora que «[f]oi precisamente com o intuito de acentuar a ideia da autonomia ou suficiência de cada um dos factores determinativos da competência internacional dos tribunais portugueses que o Código de 1961 modificou a primitiva redacção do artigo 65.°. Onde o Código de 1939 dizia: "As circunstâncias de que depende a competência internacional dos tribunais portugueses são as seguintes", passou intencionalmente a afirmar-se: "A competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias".» - "Manual de Processo civil, Coimbra Editora, 2.ª ed., 1985, pp. 199 e 200, n.º. 2).
Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre deixam claro que "cada um dos factores atributivos de competência tem valor autónomo, pelo que basta a verificação de um deles para que os tribunais portugueses sejam competentes" - ("Código de Processo Civil Anotado", Coimbra Editora, Volume 1.°, 3.ª ed., 2014, p. 131.
Segundo o ensinamento destes últimos autores, o art.62.° do CPC enuncia "três critérios de atribuição da competência internacional com origem legal aos tribunais portugueses, habitualmente designados por critérios da coincidência (alínea a)), da causalidade (alínea b)) e da necessidade (alínea c))". Urge analisar cada um dos critérios em causa, tendo em vista a sua eventual aplicação no caso em presença.
O critério da coincidência, consagrado na al. a) do art.62.°, reconduz-se ao alargamento das regras de competência territorial interna à determinação da competência internacional. Assim, se uma acção devesse ser instaurada num tribunal nacional de acordo com os critérios de conexão consignados nos arts. 70.° e ss. do CPC, esse mesmo tribunal será necessariamente competente em razão da nacionalidade. Summo rigore, trazendo novamente à colação as palavras de Lebre de Freitas e de Isabel Alexandre, por força deste preceito as regras de competência territorial interna assumem uma "dupla funcionalidade" (ob. e loc. cit).
A al. b) da mesma norma consagra o critério da causalidade, deferindo competência aos tribunais sempre que o facto que serve de causa de pedir (ou algum deles, sempre que de causa de pedir complexa se trate) tenha sido praticado em território português.
Já o terceiro critério, plasmado na al. c) do art.62.° do CPC, ao qual preside o princípio da necessidade, prevê a atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de uma acção proposta em tribunal português, ou quando a sua propositura no estrangeiro constitua apreciável dificuldade para o autor, muito embora o legislador exija que entre a acção a propor e o território português exista um qualquer elemento ponderoso de conexão pessoal ou real.
Atenta a matéria em discussão nestes autos, resulta clara a sua subsunção à al. a) do art.62.° do CPC. Com efeito, o critério da coincidência conduz indubitavelmente à competência dos tribunais portugueses, uma vez que, no que concerne a matéria sucessória, o legislador consagrou a regra da competência interna do tribunal do lugar da abertura da sucessão, in casu o Juízo Local de Santa Maria da Feira, já que o óbito do autor da sucessão ocorreu nessa localidade (cf. art. 72.°-A, n.° 1 do CPC e 2031.° do C. Civil). Consequentemente, podendo a acção ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, não se divisam quaisquer obstáculos à afirmação da competência internacional deste tribunal para a tramitação dos presentes autos de inventário.
Numa palavra: o tribunal é competente em razão da nacionalidade.
Face ao exposto, improcede a excepção de incompetência internacional invocada pelo interessado DD.
Notifique.
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c. Excepção de litispendência
No seu articulado de reclamação da relação de bens (arts. 21.° a 32.°), o interessado EE alega, entre o mais, que instaurou um processo de inventário em território Brasileiro, com vista à partilha dos bens que nestes autos se relacionam sob verbas n.°s 37 a 42. Esclarece que essoutro processo de inventário corre termos desde 2011 na 6.a Vara do Tribunal do Rio de Janeiro, sob o número de processo 0302175-03.2011.8.19.0001 e que, nesta data, está suspenso em razão da pendência de acção de anulação do testamento firmado pelo inventariado, que constitui causa prejudicial em relação à partilha.
Conclui o interessado pela verificação da excepção de litispendência entre o processo de inventário pendente no Brasil e o presente, ainda que cingida aos bens discriminados nas verbas 37 a 42, o que (acrescenta-se) terá por efeito necessário a absolvição da instância nessa parte, ex vi art. 278.°, n.° 1 al. e) e art. 577.°, al. i) do CPC.
Cumpre decidir:
É sabido que, a existir alguma relação processual e materialmente relevante entre duas causas pendentes, ela poder-se-á situar num de dois planos: poderá existir uma situação de litispendência, por um lado, ou de prejudicialidade, por outro.
Existindo uma coincidência entre o âmbito subjectivo e o objecto (pedido e causa de pedir) das acções, a pendência da acção anterior traduzir-se-á no processo subsequente como excepção de litispendência, obviando a que o tribunal em que é julgada a causa subsequente repita ou contradiga uma decisão transitada. Por esse motivo, essa relação adjectiva entre as acções foi resolvida pelo legislador através de pressuposto processual "negativo", i.e., numa excepção dilatória (cf. arts. art. 577°, alínea i), 580.° n.° 1, e 581.° do CPC).
Importa não esquecer, no entanto, a particularidade de a causa supostamente repetida nestes autos correr termos em jurisdição estrangeira. E essa circunstância é determinante, na medida em que o legislador é expresso ao considerar irrelevante, para efeitos de apreciação da excepção de litispendência, a pendência de causa no estrangeiro, a não ser que solução diversa seja estabelecido em convenções internacionais (cf. art. 580.°, n.° 3 do CPC). Veja-se, inter alia, o decidido no acórdão da Relação de Lisboa de 21/12/2015, proc. 98/13.1TBPVC-A.L1- 1 (acedido e www.dgsi.pt).
É certo que a pendência paralela do processo de inventário não é absolutamente indiferente, na medida em que, transitando em julgado, poderá vir a ser objecto de reconhecimento na ordem jurídica portuguesa, nos termos do disposto na al. b) do art. 980.° do CPC. Mas, como é evidente, trata-se de um cenário hipotético e sem reflexos processuais, sendo mesmo de notar que, a confirmar-se que o cônjuge casado no regime da separação não é herdeiro à luz do direito interno brasileiro, poderá inclusivamente vir a sindicar-se a conformidade da partilha assim realizada com a ordem pública internacional do Estado Português [cf. art. 980.°, al. b) do CPC] e/ou a justificar-se a invocação do privilégio da nacionalidade, consagrado do n.° 2 do art. 983.° do mesmo diploma.
Em síntese, sendo despiciendas considerações adicionais, resulta claro que não existe uma relação de litispendência entre a presente acção e a que nos tribunais brasileiros corre termos, por expressa previsão legal nesse sentido, pelo que improcede tal excepção.
Notifique.
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d. Da existência de causa prejudicial
Nos arts. 9.° a 16.° do seu articulado de reclamação da relação de bens, vem o interessado EE alegar que deu entrada de uma acção judicial em que peticiona a anulação do testamento junto aos autos, outorgado pelo autor da sucessão no dia 17/12/2009 e nos termos do qual o inventariado legou ao seu cônjuge, ora cabeça de casal, o usufruto vitalício de todos os seus bens. Alega o referido interessado que o de cujus padecia de doença degenerativa que lhe afectava a capacidade cognitiva e que, à data da realização do testamento, o tornava incapaz de gerir e administrar os seus bens. Conclui pela existência de uma relação de prejudicialidade entre essa acção e os presentes autos de inventário, a qual (ainda que expressamente o não diga), poderá determinar a suspensão desta instância, ao abrigo do disposto no art. 272.°, n.° 1 do CPC.
Estribado precisamente nos mesmos factos, em sede de oposição ao inventário o interessado DD impugna o testamento e alega a existência de uma relação de prejudicialidade entre antedita acção anulatória (que esclarece ter sido instaurada nos tribunais brasileiros) e estes autos de inventário, concluindo que os mesmos deverão ser suspensos antes da elaboração do mapa de partilha. Juntou cópia da petição inicial da acção anulatória.
A cabeça de casal respondeu, dando por reproduzido o que já expendera acerca da excepção de incompetência em razão da nacionalidade.
Decidindo:
Diz-se que duas causas estarão numa relação de prejudicialidade quando o julgamento de um objecto processual depende da apreciação de um outro objecto. Esta relação de prejudicialidade pressupõe que não opera a excepção de litispendência entre as acções pendentes se entre eles apenas se verificar uma identidade parcial entre os respectivos objectos - cf. Teixeira de Sousa, "As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa", Lex, 1995, p. 135.
Nas palavras de Alberto dos Reis, "uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir ou modificar o fundamento ou a razão da segunda...", concluindo o Insigne Mestre que "sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta" - "Comentário ao Código de Processo Civil", Vol. 3.°, pág. 268.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, definem o nexo de prejudicialidade nos seguintes termos: "estão pendentes duas acções e dá-se o caso de a decisão de uma, poder afectar o julgamento a proferir noutra; a razão de ser da suspensão, por pendência de causa prejudicial é a economia e a coerência de julgamentos; uma causa é prejudicial à outra quando a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda." (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, pp. 314-315).
A situação de prejudicialidade pressupõe que as partes de ambas as acções (a prejudicial e a dependente) são as mesmas, ou, no mínimo, que a eficácia da decisão proferida seja extensível às partes na causa dependente, independentemente da que primeiro haja sido instaurada (cf. Teixeira de Sousa, op. cit., p 137).
Em termos processuais, a pendência de uma causa prejudicial implica a suspensão da instância na causa que dela é dependente, nos termos consignados no art. 272.°, n.°s 1 e 2 do CPC.
Também a jurisprudência vem, desde há muito, recortando o conceito de causa prejudicial:
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/11/2004, relatado por Araújo Barros, decidiu-se que existe causa prejudicial sempre que numa acção já instaurada se esteja a apreciar uma questão cuja resolução tenha de ser considerada para a decisão da causa em apreço (processo n.° 05B1522, em www.dgsi.pt).
Também no Supremo Tribunal de Justiça, por aresto de 3/5/2001, relatado por Ferreira Girão, afirmou-se que a decisão que vier a ser promanada da causa indicada como prejudicial tem que revestir a virtualidade de uma efectiva e real influência na causa suspensa, por forma a poder concluir-se que a decisão deste depende incontornavelmente daquela (processo n.° 02B014, em www.dgsi.pt).
No acórdão da Relação de Lisboa de 24/102019, afirmou-se que "[e]tende-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia." (proc. n.° 25645/18.9T8LSB.L16).
No que especificamente diz respeito à prejudicialidade no contexto do processo especial de inventário, impõe-se ainda considerar o regime dos arts. 1092.° e 1093.° do CPC, sendo que, para o que estes autos releva, atender-se-á exclusivamente ao primeiro dos preceitos.
Dispõe o art. 1092.° n.° 1, al. a) que, sem prejuízo das regras gerais, o juiz deve determinar a suspensão da instância se estiver pendente uma causa em que se aprecie uma questão com relevo para a admissibilidade do processo ou a definição de direitos dos interessados directos na partilha, o juiz determina a suspensão da instância até que ocorra decisão definitiva, remetendo as partes para os meios comuns, logo que os bens se mostrem relacionados.
A al. b) do mesmo dipositivo versa sobre o dever de suspensão da instância naqueles casos em que, não estando pendente uma causa em que se apreciem as matérias referidas na al. a) (e que são as verdadeiramente axiais no contexto da partilha), tais questões sejam suscitadas na pendência do processo e não devam ser decididas incidentalmente no âmbito do inventario, seja pela complexidade, seja pela especificidade das matérias.
Feito um necessário trajecto sobre os institutos abstractamente convocáveis no caso vertente, cumpre agora tomar posição quanto à eventual influência da decisão que venha a ser proferida na acção de anulação do testamento do inventariado (que corre termos na jurisdição brasileira sob o n.° 0276329-42.2015.8.19.0001) na partilha almejada nestes autos.
É inquestionável que a declaração de nulidade ou a anulação de um testamento, no seu todo ou apenas quanto a determinada disposição, contende com definição de direitos dos interessados directos na partilha, já que a eventual procedência desses pedidos afectará inexoravelmente a posição daqueles que beneficiaram dessa última disposição de vontade do autor da sucessão, designadamente através da sua instituição como herdeiros ou nomeação como legatários. Dir-se-á, mesmo, que a par das acções em que se discutem as relações de filiação, aquelas constituem um caso paradigmático de causa prejudicial relativamente à partilha e, nessa medida, a sua pendência, em regra, não poderá deixar de conduzir à suspensão da instância nos termos do citado art.1092.°, n.°1.
Sem que nos afastemos do que acaba de ser dito, é imperioso atentar na idiossincrasia do presente processo, que radica na circunstância de a acção para anulação do aludido testamento correr termos em jurisdição estrangeira. E aqui releva sobremaneira o art.978.°, n.°1 do CPC que estatui que, ressalvado o que em contrário se disponha em instrumentos internacionais, "nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada".
Dito de outro modo, a decisão que venha a ser proferida no processo que pende nos tribunais brasileiros tendo em vista a anulação - no todo ou em parte - do testamento em sindicância, não é susceptível, per se, de afectar a definição dos quinhões hereditários, excepto se vier a ser objecto de reconhecimento no ordenamento jurídico português e segundo as regras processuais próprias. A prejudicialidade, por isso, é meramente indirecta, ou de 2.° grau, na medida em que, ainda que a acção venha a proceder, a sua existência na ordem jurídica portuguesa depende da instauração e procedência de uma subsequente acção de revisão da sentença estrangeira. Instauração e procedência que não se poderá aqui vaticinar. E, por essa razão, a despeito do relevo da matéria ali debatida, não está presente o nexo de dependência necessário à suspensão da presente instância, nem mesmo quando alcançado o momento processual próprio para definir os quinhões hereditários. A verdadeira prejudicialidade existe (ou existirá) em relação à acção de revisão da sentença estrangeira. Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/05/1994, processo 85.370 (Colectânea de Jurisprudência, Tomo II/1994), o douto aresto do Tribunal da Relação de Évora de 22/03/2018, proc. 2759/10.8TBSTB.E1 (acedido em www.dgsi.pt), ou ainda o recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, que, de forma lapidar, sintetiza o entendimento ora explanado e cujo sumário se transcreve parcialmente: "(...) II - A circunstância de uma acção estar a correr num tribunal estrangeiro e não num tribunal português colide com a invocação da existência de uma causa prejudicial, podendo, no caso, apenas configura-se a possibilidade do juiz determinar a suspensão da instância por existir "outro motivo justificado" - cf. art.° 272.°, n.°1, do CPC; (...) V- Para uma decisão proferida por um tribunal estrangeiro ter eficácia em Portugal tem de ser revista e confirmada por um tribunal português (salvo o que se ache estabelecido nos tratados, convenções e regulamentos da União Europeia). Até à revisão e confirmação de uma sentença estrangeira, esta não produz os efeitos jurídicos que lhe são próprios, dentro do ordenamento jurídico português; VI - Um processo que corre termos num tribunal estrangeiro não é causa prejudicial relativamente a uma outra acção a correr em Portugal; VII - A decisão que seja produzida por aquele tribunal estrangeiro não vincula os tribunais portugueses e não produz efeitos jurídicos em Portugal, até que venha a ser aqui confirmada e revista; VIII - A existir uma causa prejudicial, a mesma só pode reportar à própria acção de confirmação e revisão de sentença estrangeira e não ao processo e à decisão que (ainda) correm no tribunal brasileiro." (acórdão de 24/09/2020, proc. 2755/10.5BELSB, acedido em www.dgsi.pt).
Pelo exposto, não correndo termos em tribunais portugueses uma acção para anulação do testamento - tribunais que, como é manifesto, são internacionalmente competentes para conhecer dessa questão, atenta a residência dos réus e o local em que o acto foi praticado - inexiste relação de prejudicialidade susceptível de impor a suspensão da instância ex vi art.1092.°, n.°1 do CPC, indeferindo-se o requerido pelos interessados DD e EE.
Notifique.
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e. Da exclusão das verbas 37 a 42
Além de invocarem a incompetência internacional deste tribunal para proceder à partilha dos bens imóveis sitos no Brasil (já objecto de decisão de improcedência) os interessados EE e DD pugnam ainda pela exclusão das correspondentes verbas por razões de natureza prática, designadamente pela perspectivável dificuldade em assegurar a eficácia da decisão que aqui venha a ser proferida na ordem jurídica brasileira.
A cabeça de casal pronunciou-se desfavoravelmente quanto à exclusão desses bens, invocando o princípio da unidade e universalidade da herança, que não deverá ser postergado no caso vertente apesar de já pender um inventário em território brasileiro. E alega, adicionalmente, que a partilha parcial segundo o direito material brasileiro a prejudicaria, na medida em que, segundo as regras aplicáveis, não será sequer herdeira.
A questão em apreço assume alguma complexidade e, reflexo disso, é a diversidade do tratamento jurisprudencial que tem merecido e de que as partes deram nota nos respectivos articulados. Neste caso, a complexidade adensa-se pelo facto de, relativamente aos bens sitos no estrangeiro, estar já a correr processo de inventário no Estado em que se localizam. Porém, esta circunstância não colide, como se viu, com a competência internacional dos tribunais portugueses para a presente partilha e, como igualmente se foi adiantando, tão-pouco releva para efeito de determinação da lei aplicável, que será a portuguesa, já que assim o determinam a normas de conflitos nacionais (cf. art. 62.° e 31.° do C. Civil). Portanto, a afirmação da competência internacional deste tribunal para proceder à partilha dos bens situados no Brasil, contém, de algum modo, implícito o entendimento de que tais bens não deverão ser excluídos da relação de bens, nem mesmo pelas questões de ordem prática suscitadas pelos interessados. Mas as questões não são confundíveis, na medida em que a decisão relativa à exclusão de bens sitos no estrangeiro pressupõe a competência do tribunal que a profere, que é questão prévia.
Neste conspecto, entende o tribunal - seguindo o entendimento de Lopes Cardoso, que é hoje largamente maioritário na doutrina e jurisprudência nacionais - que não existem razões de ordem processual que justifiquem a exclusão dos bens localizados no Brasil, ainda que se possam vir a suscitar questões de ordem prática no que tange à efectivação da partilha e, maxime, ao próprio reconhecimento da decisão proferida nos tribunais portugueses. É acutilante o citado Mestre, ao notar que, no desenvolvimento do processo legislativo, o legislador não adoptou o princípio da maior proximidade, não fazendo ceder a lei pessoal face à lex rei sitae, "nem mesmo em caso de ineficácia daquela lei, à sucessão de bens móveis localizados em países que se atribuam competência para a respectiva partilha. Assim, a conclusão firmada (a de que devem relacionar-se e descrever-se no inventário instaurado em Portugal todos os bens que pertenciam ao inventariado, qualquer que seja o país da sua situação) é a única consentânea com as regras dos arts.25.° e 62° do CCiv. e com o princípio da universalidade e é aquela que deve ser defendida." ("Partilhas Judiciais", vol. I, pp. 498 e 499, Almedina, 5.a edição).
Como se disse, muito embora se tivesse tratado de vexata quaestio, é hoje entendimento sedimentado o de que de que os bens situados no estrangeiro devem ser descritos e partilhados no inventário instaurado em Portugal, ao qual se aplique a lei portuguesa - cf., a título meramente exemplificativo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23/10/2008 (proc. 07B4545) e de 16/10/2012 (proc. 991/10.3TBTVD-B.L1.S1), da Relação do Porto de 11/09/2007 (proc. 0722005), da Relação de Évora de 12/03/2009 (proc. 208-A/1999.E1), da Relação de Guimarães de 11/02/2010 (proc. 702/05.5TBCBT-B.G1) e da Relação de Lisboa de 12/01/2012 (proc. 991/10.3TBTVD-B.L1-2). E compreende-se que assim seja, porque o inventário por morte não configura um processo de partilha de activos, já que supõe a definição prévia dos direitos de cada um dos interessados de acordo com o complexo de regras de direito sucessório aplicáveis, desde logo as que definem a qualidade de herdeiro e a proporção da legítima. A exclusão de bens pelo simples facto de se encontrarem fora do território nacional poderá introduzir distorções àquelas regras e conduzir a resultados materialmente muito diversos, o que introduz um factor de aleatoriedade na partilha que é insustentável à luz dos princípios da certeza e segurança jurídica.
No caso dos autos, como já se percebeu, a pura e simples exclusão dos bens do inventariado que se encontram em território brasileiro levaria ainda a um problema de maior monta: segundo o direito brasileiro, a cabeça de casal não será sequer herdeira do próprio cônjuge. Por outro lado, a quota disponível é distinta da definida pelo direito pátrio. Logo, se se admitisse que as verbas 37 a 42 fossem simplesmente excluídas, tudo se passaria como se existissem dois fenómenos sucessórios, sujeitos a regras distintas e susceptíveis de conduzir a uma composição de quinhões muito diferente daquela a que se chegaria em estrita observância do princípio da unidade e da universalidade da herança.
A derrogação das normas de direito sucessório português quanto à parte do acervo hereditário não encontra respaldo legal, já que, volta a dizer-se, não só a jurisdição portuguesa se acha competente, como é inquestionável a aplicação do direito interno português à partilha. Ademais, não existe qualquer disposição legal de índole adjectiva ou substantiva que imponha a exclusão de bens sitos no estrangeiro, nem mesmo quando penda outra acção de inventário no local da sua situação. Será uma questão a dirimir através de acções especiais destinadas ao reconhecimento das decisões reciprocamente proferidas e não neste concreto momento.
Sempre se diga que, mesmo que se perfilhasse a terceira via jurisprudencialmente aceite (que constitui uma solução intermédia entre a exclusão dos bens em relação de estraneidade face ao foro e a sua inclusão como se de nacionais se tratassem) e se excluíssem tais bens mas se tivesse em consideração o seu valor para efeitos de definição dos direitos sucessórios dos interessados, sempre importaria proceder à determinação do seu valor, posto que não existe acordo entre os herdeiros quanto ao indicado pela cabeça de casal, ou (pelo menos) em aproveitar as perícias já realizadas no inventário brasileiro.
Por tudo isto - e à falta de acordo das partes nessa matéria - entende o tribunal que as verbas 37 a 42 não deverão ser excluídas da relação de bens, devendo o seu valor ser considerado para efeitos de determinação da quota disponível e da composição dos quinhões hereditários.
Sem prejuízo desta decisão, em benefício de uma maior agilização e celeridade processual, considero relevante obter esclarecimentos quanto aos termos do inventário tramitado no Brasil e por isso determino que, pela via mais expedita, seja oficiado (com cópia deste despacho, apenas quanto à alínea e)) ao titular do respectivo processo de inventário, a correr termos na 6.a Vara de Órfãos e Sucessões da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, sob o número de processo 0302175-03.2011.8.19.0001, solicitando que informe o seguinte:
- Segundo as regras de direito internacional privado brasileiras, qual o direito material aplicável à partilha que corre termos nesse Tribunal, sabendo-se que o inventariado tinha nacionalidade portuguesa?
- Se recaiu despacho sobre o requerido por CC a 15/04/2021, em que se peticionou a extinção desses autos por efeito de litispendência.
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f. Da remoção da cabeça de casal
Na segunda parte do seu articulado, o interessado DD vem abrir o incidente de remoção do cabeça de casal. Muito embora não conteste que a designação respeita o disposto no art. 2080.°, n.° 1 al. a) do C. Civil (embora, por lapso de escrita, remeta para o art. 2098.°), vem alegar que a pessoa designada não pode assumir tal cargo, por incompetência, prudência, cuidado e zelo, seja em relação à pessoa do inventariado, seja ao seu património. Conclui pela sua remoção, ao abrigo do disposto no art. 2086.°, n.° 1 al b) do C. Civil.
A cabeça de casal respondeu, impugnando o alegado pelo interessado, observando que, enquanto usufrutuária, tem todo o interesse em administrar o acervo hereditário de forma zelosa e atenta, pelo que considera ser um contrassenso o pedido da sua remoção.
Dispõe o art.2086.°, n.°1 al a) do C. Civil, de que se privilegia o interessado, que o cabeça de casal pode ser removido, sem prejuízo das demais sanções que no caso couberem, "b) se não administrar o património hereditário com prudência e zelo.". A falta de zelo e prudência há-de materializar-se em factos concretos, discriminados, associados ao exercício do cabeçalato, que, pela sua gravidade, imponham a sanção de remoção. Gravidade que, necessariamente, se reconduzirá a prejuízos causados à herança, ou, pelo menos, a sua potencialidade (v., com ampla resenha jurisprudencial a este respeito, o decido no acórdão da Relação de Lisboa de 23/03/2017, proc. 745-13.5TJLSB-A.L1-6, em www.dgsi.pt).
Importa igualmente ter presente que a remoção depende do convencimento do julgador de que os actos em apreço são suficientemente graves para defluir numa decisão de remoção. Retoma-se aqui o precedente aresto da Relação de Lisboa, que, citando a lição de Lopes Cardoso, refere que [s]ão graves as consequências da remoção, e a situação em que moralmente se coloca aquele que prevaricou e foi removido é de molde a impressionar o julgador e diminuir, consequentemente, o prestígio e bom nome do que até então desempenhava o respectivo cargo. Por isso mesmo a pena só terá aplicação quando a falta cometida revista gravidade e raras vezes resultará em consequência da involuntária omissão ou demora no cumprimento dos deveres. A lei exemplifica os casos em que a pena de remoção pode ser imposta e na apreciação deles e na interpretação dos fundamentos legais, ainda fica margem para um grande arbítrio do julgador".
No caso em espécie, deve dizer-se que a alegação do interessado se pauta pela total ausência de factos, bastando-se com a veiculação de matéria vaga e conclusiva. Nada de concreto alega, não imputa factos precisos e circunstanciados à cabeça de casal, muito menos em termos de os conexionar com um prejuízo actual ou iminente para a herança (que igualmente não alega).
Enquanto requerente do incidente de remoção da cabeça de casal, cabia ao interessado DD (i) alegar e (ii) provar os factos em que radica a sua pretensão (cf. arts. 5.° do CPC e 342.° do C. Civil). Não tendo observado sequer o primeiro dos seus ónus, a prova por si indicada não se dirigia a factualidade alguma, o que fazia da sua produção um acto inútil e legalmente vedado (cf. art. 130.° do CPC).
Por tudo isto, não poderá senão improceder a sua pretensão.
Sem custas.
Notifique.
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g. Esclarecimentos quanto à relação de bens
Analisada a relação de bens, constata-se que, não obstante o convite ao aperfeiçoamento realizado por despacho de 10/03/2020, a mesma continua a apresentar imperfeições e ambiguidades que importa esclarecer.
Destarte, notifique a cabeça de casal para:
- Proceder à junção de certidões prediais das verbas n.°s 31 a 34, com discriminação do histórico dos actos levados a registo, já que das mesmas continua a não constar a inscrição de aquisição pelo autor da sucessão;
- Esclarecer os valores da verba 5, uma vez que, do doc. n.°9, resulta que os saldos são de R$ 38.049,76 e de R$ 241.624,47;
- Esclarecer se o interessado era o único proprietário dos prédios elencados nas verbas n.°s 39, 40, e 41, uma vez que, nos autos que correm termos no Brasil, alude-se a fracções do direito de propriedade sobre os mesmos (cf. fls. 148 e ss. da acção de inventário brasileira).
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h. Diligências probatórias
Sem embargo dos esclarecimentos suscitados quanto ao relacionamento de bens, não existe razão para que o tribunal não conheça, desde já, dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes.
Prevê o art.1105.°, n.°3 do CPC que as oposições, impugnações e reclamações são decididas depois de realizadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados, ou determinadas pelo juiz.
Por conseguinte, determino desde já a realização das seguintes diligências probatórias, por se afigurarem necessárias para a decisão da causa:
1. No que se refere ao veículo identificado no art.47.° da reclamação de EE, bem com aos bens imóveis identificados no art.49.° da mesma peça processual, veio a cabeça de casal retorquir que os mesmos não eram propriedade do inventariado. Atendendo às regras de distribuição do ónus da prova, compete ao referido interessado fazer prova de que os bens em questão devem integrar a herança, pelo que, se assim o entender, deverá proceder à junção aos autos das respectivas certidões do registo predial;
2. Ainda que tenha a qualidade de usufrutuária e, consequentemente, tenha direito à fruição do património hereditário, não se poderá olvidar que se trata de qualidade decorrente de disposição testamentária, por conta e com os limites da quota disponível, sob pena de inoficiosidade. De resto, conforme decorre do art. 2069.°, al. d) do C. Civil, fazem parte da herança os frutos percebidos até à partilha. Assim, notifique a cabeça de casal para, em obediência ao princípio da colaboração processual, informar os autos:
a. se existem contratos de arrendamento e em caso afirmativo juntar cópia dos mesmos e bem assim relacionar os respectivos montantes recebidos a título de rendas;
b. se existem condições, ónus ou encargos sobre esses mesmos imóveis da herança;
c. se as sociedades "M..., Lda." e "F... Lda.", procederam à distribuição de lucros aos sócios após a data do óbito do inventariado, juntando para o efeito cópias das actas de aprovação de contas realizadas após a abertura da sucessão;
d. se a sociedade F... Lda. explora a sua actividade em prédio pertencente à herança e a que título.
3. Com cópia da relação de bens na parte referente às verbas 9 a 36, oficie a Autoridade Tributária e Aduaneira, solicitando que informe se existe comunicação de contratos de arrendamento relativos a tais imóveis e, na positiva, que discrimine a data das suas celebrações, a identificação dos arrendatários e o valor das rendas.
Mais se solicita à ATA que indique o NIF da herança e remeta aos autos cópia integral da participação do Imposto do Selo realizada na sequência do óbito do inventariado, na qual se inclua a relação de bens apresentada junto da administração tributária;
4. Oficie a Banco 1... para informar quem são os titulares das contas bancárias indicadas nas verbas n.°1 a 3 da relação de bens e desde que data cada um deles passou a figurar como titular ou co-titular das mesmas. Mais solicite o envio dos extractos referentes ao período de Julho de 2008 a Julho de 2011;
5. Ainda que o momento a atender para aferição do acervo hereditário seja o da abertura da sucessão, nos termos do art.2031.° do C. Civil, entende o tribunal que é relevante conhecer as variações patrimoniais ocorridas nas contas bancárias nos três anos anteriores à do óbito, sob pena de inviabilização da prerrogativa de apurar a existência de eventual sonegação de bens (art. 2096.° do C. Civil).
Assim, oficie o Banco de Portugal, para que identifique as contas bancárias de que o inventariado tenha sido titular ou co-titular a partir de 2/7/2008 e, na sequência da resposta, solicite às respectivas instituições bancárias os extractos referentes a esse período;
6. Oficie a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, solicitando que informe se, à data do óbito, o inventariado era titular ou beneficiário de aplicações financeiras, de contratos de seguros ou apólices de qualquer natureza, nomeadamente do ramo vida e bem assim os respectivos beneficiários e montantes pagos, caso possa desde já identificá-los;
7. Oficie o I.G.C.P., E.P.E. para vir informar se, por referência à data do óbito, o inventariado era titular ou beneficiário de aplicações financeiras de qualquer natureza;
8. Solicite ao Instituto dos Registos e Notariado, I.P. a remessa de relação discriminada dos bens imóveis ou móveis sujeito a registo transmitidos pelo inventariado (a qualquer título) entre Julho de 2006 e Julho de 2011;
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Por não configurarem diligências impertinentes ou dilatórias, defere-se a prova pericial requerida pelo interessado DD, relativamente a todos os imóveis descritos na relação de bens, bem como às participações sociais tituladas pelo inventariado nas sociedades F... Lda. e M..., Lda.
Notifique o interessado DD para dar cumprimento ao disposto no art.475.° do CPC quanto a ambas as perícias e, bem assim, para se pronunciar sobre a possibilidade de a perícia dos imóveis sitos no Brasil ser realizada por um perito local consensualmente designado pelas partes ou, porventura, serem aproveitadas as que já se realizaram no inventário que corre termos naquela jurisdição.
No que se refere à restante prova indicada pelos interessados e pela cabeça de casal, o tribunal pronunciar-se-á após a realização das diligências probatórias agora determinadas.
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Notifique o requerente para exercer o contraditório quanto à matéria alegada nos arts. 33.° e 34.° da reclamação apresentada pelo interessado DD e, igualmente, para se pronunciar quanto à diligência probatória requerida pelo mesmo no ponto a E. a) do seu requerimento de prova e no ponto B. al. b) do seu requerimento de 18/01/2018.”
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O interessado DD veio interpor recurso deste despacho, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
Não foram apresentadas contra alegações.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e feito suspensivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo interessado/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas conclusões:
1. O presente recurso vai interposto do despacho datado de 19.07.2021, mas apenas notificado ao Interessado em 29.09.2021, com a referência 118053112, no que concerne à decisão tomada sobre a excepção de incompetência internacional, a excepção de litispendência, da existência de causa prejudicial, da exclusão das verbas 37 a 42 e da remoção da Cabeça de Casal.
2. Assim, veio o douto Tribunal, quanto à excepção de incompetência internacional e à excepção de litispendência, improceder tais excepções. Já quanto à existência de causa prejudicial veio o douto Tribunal indeferir o requerido. Por outro lado, no que concerne à exclusão das verbas 37 a 42 (bens sitos em território brasileiro), veio o douto Tribunal determinada a não exclusão daquelas verbas da Relação de Bens, concluindo que deveria o seu valor ser considerado para efeitos de determinação da quota disponível e da composição de quinhões hereditários. E, por fim, relativamente à remoção da Cabeça de Casal das respectivas funções e qualidade, determinou o douto Tribunal a improcedência de tal pretensão.
3. O Recorrente não se conforma com a decisão assim proferida, porquanto a mesma, na sua perspectiva, assenta numa errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como a seguir se vai demonstrar. Senão vejamos,
4. Da nulidade do despacho por falta de fundamentação: O despacho ora em crise padece de uma clara falta de fundamentação, porquanto o Tribunal apenas se limitou a delimitar superficialmente a questão, não levando em linha de conta os factos e pontos relevantes para a decisão, toda a tramitação processual. Nem sequer justificou ou fundamentou legalmente - vide artigo 615°, n°1 e 613°, n°3 do CPC.
5. Segundo o artigo 205°, n°1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
6. A fundamentação cumpre uma dupla função: de caracter objectivo - pacificação social legitimidade e autocontrole das decisões, e de carácter subjectivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários.
7. Para cumprir a exigência constitucional, a fundamentação há-de ser expressa, clara e coerente e suficiente. Ou seja, não deve ser deixada ao destinatário a descoberta das razões da decisão; os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos; a fundamentação dever ser adequada à importância e circunstância da decisão.
8. A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.
9. No caso concreto, entende o Recorrente que o Tribunal não especificou concretamente os factos que levaram a concluir tal decisão (despacho), nem fundamentou de direito tal decisão. Aliás, este dever de fundamentação para as decisões judiciais em geral encontra-se previsto e fundamentado no artigo 154° do CPC. Sendo transportável para o caso concreto uma vez que, o Tribunal na sua decisão (despacho), apenas se limitou a tecer considerações sobre os factos, não concretizando o motivo pelo qual decidiu dessa forma, por isso, não fundamentando devidamente.
10. Mais, no caso em apreço, no despacho de que ora se recorre, a fundamentação efectuada foi insuficiente, injustificada, quer ao nível dos factos, quer, essencialmente, ao nível do direito, sem ter em conta ou verificar a exequibilidade de uma futura decisão relativamente, por exemplo, aos bens sitos em território brasileiro, que nunca será aceite, a ser proferida em Portugal e pelos tribunais portugueses, e sem ter em conta as acções a correr em território brasileiro, que dizem respeito ao assunto deste processo de inventário e sobre a cabeça de casal, nomeadamente a respectiva e eventual remoção.
11. Face ao supra exposto, decidindo da forma como decidiu, violou o tribunal a quo o disposto nos artigos 615°, n°1, al. b), 613°, n°3 e 154° do CPC e artigo 205°, n°1 da CRP, padecendo o presente despacho de nulidade, que expressamente de invoca. Assim sendo, deverá ser revogado, em conformidade, e com as necessárias consequências legais, o despacho proferido.
12. Sobre a excepção de incompetência internacional: O douto Tribunal veio determinar a improcedência da excepção de incompetência internacional, dando conta de que, em razão da nacionalidade do de cujus, são competentes os tribunais portugueses para dirimir o presente processo de inventário.
13. Contudo, tal carece de fundamento legal, ainda para mais quando existem diversos bens imóveis sitos em território brasileiro, local onde durante bons e longos anos o inventariado viveu e, ainda, onde o regime de bens adstrito ao casamento do inventariado é interpretado de formas tão dispares, dado naquele território brasileiro não ser herdeira a cônjuge, nestes autos Cabeça-de-Casal, e aqui em Portugal ser herdeira, entrando na respectiva partilha. Mas estas questões serão subsequentemente melhor explanadas e explicitadas.
14. Ora, dispõe o artigo 62° do CPC, o seguinte: Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram; c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
15. Para que sejam os tribunais portugueses internacionalmente competentes é necessário estar cumprido um dos requisitos presente no dispositivo legal supra identificado, pelo menos, uma das alíneas. Conforme é visível no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 28.06.2018. Verifica-se, todavia, que in casu nenhuma das alíneas supra identificadas se aplica, motivo pelo qual os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes.
16. Então, deveria ter de ser aquela excepção julgada procedente, não sendo acabou o tribunal a quo por violar o disposto no citado artigo 62° do CPC, o que expressamente de invoca.
17. Sobre a excepção de litispendência: O de cujus AA apesar de ter nacionalidade portuguesa, residiu durante vários anos em território brasileiro, acabando por falecer em 02 de Julho de 2011, deixando no seu acervo hereditário diversos bens móveis e imóveis tanto em Portugal como no Brasil.
18. O que motivou a que, o Interessado EE, irmão do aqui Recorrente, requeresse naquele território o processo de inventário, ainda no ano de 2011, relativamente ao acervo patrimonial imóvel sito no Brasil, relacionado nestes autos sob as verbas 37 a 42 da Relação de Bens.
19. Este processo corre os seus termos na 6.ª Vara do Tribunal do Rio de Janeiro, sob o número de processo 0302175-03.2011.8.19.0001. Sendo que, por razões de prejudicialidade encontram-se estes autos suspensos, por se estar a aguardar decisão judicial de acção, igualmente pendente no Tribunal do Rio de Janeiro, no Brasil, atinente ao pedido de anulação do testamento efectuado pelo inventariado à Cabeça de Casal, CC.
20. Ora, ao intentar-se processo de inventário em território português em data posterior e contendo os bens sitos em território brasileiro, verifica-se uma clara questão de litispendência.
21. Ainda para mais quando o processo de inventário do Brasil está numa fase muito adiantada, por decorrer há já largos anos (desde 2011), estando apenas a aguardar pela conclusão e trânsito em julgada da questão relativa ao pedido de anulação da disposição testamentária.
22. A litispendência pressupõe a repetição da mesma acção em dois processos e, depende da verificação cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, sendo um meio para evitar que a contradição ou reprodução que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
23. Ora, a excepção dc litispendência pressupõe a repetição de uma causa (artigo 58071 do NCPC), se a repetição se verifica antes de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, sendo que a causa se repete quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (artigo 581/1 do NCPC).
24. Deve ser aferida, quanto à identidade da causa de pedir e do pedido, em face do alegado pelas partes como fundamento fáctico das pretensões sujeitas à apreciação e decisão jurisdicionais e do que concretamente se peticiona com base naquele fundamento.
25. Admite-se, até por imposição legal (artigo 580/2 do NCPC), que a finalidade da litispendência seja a de obviar a que o afirmado pelo tribunal numa acção seja reproduzido ou contrariado pelo que se venha a afirmar pelo mesmo ou por outro tribunal noutra acção, sendo este um critério a utilizar para efeitos de aferir de uma situação de litispendência, para lá mesmo do critério formal da tríplice identidade enunciada no artigo 581/1 do NCPC.
26. Assim como se admite que a litispendência possa ocorrer em situações em que se registe uma identidade material de objecto entre a questão fundamental de uma e outra de outra, apesar de inexistir uma rigorosa identidade formal do pedido feito nas duas acções. O que é, aliás, confirmado por jurisprudência unânime em Portugal, senão vejamos pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 06.07.2017, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 18.01.2019 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 09.01.2020.
27. Pois que, existe uma repetição da causa, nomeadamente: a causa repete-se (presente processo de inventário - bens sitos no Brasil), estando a anterior ainda em curso (processo de inventário a corre termos em Tribunal Brasileiro, relativamente aos bens sitos naquele território, correspondendo às verbas 37 a 42 da Relação de Bens do presente processo de inventário).
28. Como é possível tal não ser considerado pelo douto Tribunal? Que apenas refere que o processo de inventário em território brasileiro não é indiferente, tratando-se de "um cenário hipotético e sem reflexos processuais", chamando ao caso a situação da diferenciação de tratamento do regime de bens do inventariado com a Cabeça de Casal.
29. Então, o que se avizinhará? A prossecução e tramitação dos dois processos, sendo discutido o mesmo assunto (bens sitos no Brasil)? E a futura tomada de decisão, cada uma em seu país relativamente àqueles bens sitos no Brasil?
30. Se isto não se trata de uma questão de litispendência, nenhuma outra o será. Pois que, os sujeitos são os mesmos, o inventariado é o mesmo, o objecto em discussão é o mesmo (bens sitos no Brasil) e o objectivo é o mesmo (adjudicação e partilha dos bens).
31. Assim, mal andou o douto tribunal em decidir como decidiu, não tendo dado procedência à via da litispendência e, em consequência, não se considerando como excepção dilatória, que obstaria o tribunal do mérito da causa, com a respectiva absolvição da instância, nos termos e para os efeitos 278°, 577°, al. i), 580° e 581° do CPC.
32. Então, deveria ter de ser aquela excepção julgada procedente, não sendo acabou o tribunal a quo por violar o disposto nos artigos 278°, 577°, al. i), 580° e 581° do CPC, o que expressamente de invoca.
33. Ademais, se assim não considerasse, o que apenas se concebe e concede, e se invoca por mero dever de patrocínio, sempre deveria o douto tribunal ter determinado a suspensão dos presentes autos, por estar a correr acção sobre parte dos bens do presente processo de inventário. Acção essa que teve início muito antes do presente processo, não podendo esse facto ser ignorado.
34. Suspensão essa que duraria até terem aqueles autos que correm termos em território brasileiro o devido termo, podendo prosseguir a presente acção depois disso, nos termos e para os efeitos dos artigos 269° 272°, 275° e 726° do CPC. Pelo que, mal andou o tribunal a quo, violando o disposto nos artigos 269° 272°, 275° e 726º do CPC.
35. Sobre a existência de causa prejudicial: Por terem consciência de que o inventariado padecia de doença degenerativa, que diminua as suas capacidades mentais, implicando, portanto, a falta de noção, da realidade e do exercício efectivo da sua vontade, foi proposta acção no Brasil, com o objectivo de impugnar o referido testamento (elaborado pelo inventariado à Cabeça de Casal, nos presentes autos). Sendo que, esta acção encontra-se pendente.
36. Todavia, o desfecho desta acção terá implicações no presente processo de inventário pois, se for procedente, implicará a diminuição da quota da Cabeça de Casal. Ainda que não se considerasse ad initio que deveriam os autos suspender, para já prosseguindo, contudo, teriam de ser atendidas duas situações. A primeira é que deveria ser atendida essa acção que corre em território brasileiro para efeito de impugnação do testamento. E segundo que deveria prosseguir os presentes autos apenas até à fase processual em que se define a quota de cada um dos herdeiros, uma vez que só se poderá compor a quota da Cabeça de Casal aquando da decisão de mérito daquela acção.
37. Nessa medida, os presentes autos estão necessariamente dependentes de uma decisão que afecta o seu regular prosseguimento, não para já, mas na fase processual em que são definidas as quotas de cada um, isto é, no mapa de partilha, o que deverá ser tido em conta.
38. Ademais, tal constitui sem sombra de dúvida uma questão de prejudicialidade, no que concerne ao cumprimento da vontade testamentária à data da partilha.
39. Conforme o próprio tribunal refere, transcrevendo as palavras de Alberto Reis "uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir ou modificar o fundamento ou a razão da segunda", e mais "sempre que numa acção se ataca um ato ou fato jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial a esta". Tais palavras sábias dizem tudo!
40. Pressupõe, portanto, a prejudicialidade ,que as partes de cada uma das acções sejam as mesmas ou que a eficácia da decisão proferida seja extensível partes na causa dependente. Conforme se poderá verificar pela demais consideração jurisprudencial: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 07.01.2020, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 18.12.2018 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 08.01.2019.
41. No caso em apreço, a acção que corre termos no território brasileiro, de impugnação da disposição testamentária, é prejudicial em relação aos presentes autos, pois que, pode aquela acção destruir ou modificar o fundamento ou a razão dos presentes autos.
42. Ou seja, a procedência daquela acção do Brasil põe em causa os presentes autos, por exemplo, no sentido em que a quota adstrita e futuramente adjudicada será, sempre e em todo o caso, menor, à Cabeça de Casal, dos presentes autos. Aliás, este é um dos verdadeiros casos constates do artigo 1092°, n°1, alínea a).
43. Não tendo qualquer valor, inclusive, se criticando, com o devido e merecido respeito, o que o tribunal a quo invoca, de que, ainda que a acção de impugnação do testamento tivesse procedência, tal só seria valorado com o respectivo reconhecimento da sentença estrangeiro. Pois claro, e seria isso que se faria. Não podendo ser usado esse fundamento, que não merece qualquer engrandecimento, por carecer de qualquer fundamento legal.
44. Mais adianta o douto tribunal que a prejudicilidade só existia em relação à acção de revisão de sentença estrangeiro. Ora, novamente salvo o devido e merecido respeito, tal não corresponde à verdade. A prejudicilidade existe, por cumprir com todos os fundamento e requisitos exigidos, sendo independente de a causa da prejudicialidade correr ou não em ordenamento jurídico português ou estrangeiro.
45. O importante é a causa em si, o porquê de certa acção incorrer contra outra acção, no sentido de a poder extinguir ou modificar. E isso, in casu, existe. E mais, a acção de reconhecimento da sentença estrangeira é considerada uma formalidade, por forma a que certa matéria seja patente no ordenamento jurídico português. Por exemplo, um divórcio no Brasil, necessita em Portugal de reconhecimento em Portugal, por forma a passar a ser esse divórcio devidamente averbado. Contudo, não obsta a que essa situação não exista ou não tenha acontecido, apenas se reconhece essa validade perante o Estado Português.
46. Pelo que, existe, sim, causa de prejudicialidade, sendo ela o facto de estar a correr em território brasileiro a impugnação da disposição testamentária a favor da, nestes autos, Cabeça de Casal.
47. Importaria, por tudo quanto exposto, a suspensão dos presentes autos, até decisão transitado em julgado da acção que corre termo no território brasileiro, sobre a disposição testamentária, nos termos do artigo 272°, n°1 e 2 do CPC. Pelo que, mal andou o tribunal a quo, violando o disposto no artigo 272°, 1092° e 1093° do CPC.
48. Sobre a exclusão das verbas 37 a 42: Nos presentes autos, e conforme já referido no decorrer do presente recurso, estão relacionados diversos bens imóveis sitos em território brasileiro, nomeadamente as verbas 37 a 42 da Relação de Bens. Porém, tais prédios não poderão estar relacionados nos presentes autos.
49. Tem sido esta questão debatida na jurisprudência e na doutrina que se prende em saber se em processo de inventário instaurado em tribunal português, deverão ser relacionados e partilhados os bens situados em país estrangeiro relativamente ao qual não exista convenção ou tratado que assegure a eficácia das decisões judiciais portuguesas nesta matéria- Cfr. S. T. J., de 21.3.85, relatado por Belmiro Cerqueira, BMJ 345, pág. 355; S. T. J., de 25.6.98, relatado por Almeida e Silva; T. R. Porto, de 11.4.78, relatado por Costa e Sá, C. J., Ano III, pág. 806; T. R. Porto de 25.10.94, relatado por Paz Dias, com sumário acessível em www.dgsi.pt, proc. 9410188. E, em sentido contrário: Ac. do T. R. Porto, de 11.9.07, relatado por Henrique Araújo, acessível em www.dgsi.pt, proc. 0722005. E mais, pela doutrina: Luís de Lima Pinheiro, in Direito Internacional Privado, Parte Especial, Edição de 1999, Almedina, pág. 281 e segs.. e Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, 4.ª Edição, Almedina, Vol. I, pág. 461, e segs; e Antunes Varela, in Anotação ao Acórdão do S. T.J., de 21.3.85, na R. L. J., ano 123.°, pág. 122 e segs.
50. A verdade é que cada país tem as suas regras e as suas especialidades a nível registral, quer no que toca à identificação dos prédios, quanto à forma como é celebrada a partilha e, ainda, dos documentos instrutórios de que se deveriam fazer munir.
51. Aliás, o Acórdão da Relação de Coimbra datado de 13 de Maio de 2008 sendo manifesto e muito importante para o caso em apreço.
52. Igualmente, a verdade é que, sendo bens sitos no Brasil, não seria toda e qualquer sentença exequível em território brasileiro, pois que de bens sitos naquele território só poderá ser a partilha feita e devidamente registada, da forma judicial ou extrajudicial, mas no Brasil.
53 Aliás, esta parece ser uma situação de desvio ao princípio da universalidade, como refere o próprio Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo 380-B/1999, aqui com as devidas adaptações aplicável ao caso.
54. Não existindo convenção aplicável, efectuar a partilha em Portugal dos bens sitos em território brasileiro seria um risco, pelo simples facto de poderem, a quem ficarem adjudicados esses bens, ficar privados da execução dessa partilha, com o correspondente registo.
55. Assim, não existindo qualquer convenção ou tratado do qual Portugal e o Brasil sejam subscritores, que assegure a eficácia da sentença de partilha que venha a ser proferida neste processo não deve ser aqui efectuada a partilha dos bens situados no Brasil.
56. A tudo isto acresce que já está a decorrer no Brasil processo de inventário por óbito de AA, tendente à partilha dos mesmos bens que aqui foram relacionados pela cabeça de casal nas verbas 37, 38, 39, 40, 41 e 42 da relação de bens. Devendo assim ser excluídos da relação de bens as verbas 37, 38, 39, 40, 41 e 42, o que se requer, e conforme já anteriormente se demonstrou.
57. Acontece que, apesar de os bens situados no estrangeiro poderem ser descritos e partilhados em Portugal, em homenagem ao princípio da universalidade, tal entendimento afronta o texto expresso de leis vigentes no Brasil, como também não se amolda ao entendimento dos Tribunais Superiores daquele.
58. Senão vejamos, "A conformação do direito internacional privado exige, como visto, a ponderação de outros elementos de conectividade que deverão, a depender da situação, prevalecer sobre a lei de domicílio do de cujus. Na espécie, conforme se dissecará, destacam-se a situação da coisa e a própria vontade da autora da herança ao outorgar testamento, elegendo, quanto ao bem sito no exterior, reflexamente a lei de regência. Além disso, outras duas razões - a primeira de ordem legal; a segunda de ordem prática - corroboram com a conclusão de relatividade do disposto no art. 10, caput, da LINDB. No tocante ao primeiro enfoque, o dispositivo legal sob comento deve ser analisado e interpretado sistematicamente, em conjunto, portanto, com as demais normas internas que regulam o tema, em especial o art. 8o, caput, e § Io do art. 12, ambos da LINDB e o art. 89 do CPC. E, o fazendo, verifica-se que, na hipótese de haver bens imóveis a inventariar situados, simultaneamente, aqui e no exterior, o Brasil adopta o princípio da pluralidade dos juízos sucessórios."
59. Pela pertinência, transcreve-se o teor dos dispositivos supracitados:
Art.8. Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.
Art.12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.
§ lº Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das acções relativas a imóveis situados no Brasil.
Art.89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:
I - conhecer de acções relativas a imóveis situados no Brasil;
II - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.
60. Como se constata, a própria LINDB, no seu artigo 8º, dispõe que as relações concernentes aos bens imóveis devem ser reguladas pela lei do país em que se encontrem. Inserem-se, inevitavelmente, no espectro de relações afectas aos bens imóveis, aquelas destinadas à transmissão/alienação, seja por ato inter vivos, seja mortis causa, cabendo, portanto, à lei do país em que estão situados regê-las.
61. Por sua vez, o Código de Processo Civil Brasileiro, em seu artigo 89 (abrangendo disposição idêntica à contida no § 2º do art.12 da LINDB), é expresso em reconhecer que a jurisdição brasileira, com exclusão de qualquer outra, deve conhecer e julgar as acções relativas aos imóveis situados no país, assim como proceder ao inventário e partilha de bens situados no Brasil, independente do domicílio ou da nacionalidade do autor da herança (grifamos). Sobressai, no ponto, a insubsistência da argumentação expendida pelos recorrentes, no sentido de que o Juízo sucessório brasileiro poderia dispor sobre a partilha de bem imóvel situado na Alemanha.
62. Como assinalado, não resta sequer instaurada a jurisdição brasileira para deliberar sobre bens imóveis situados no estrangeiro, tampouco para proceder a inventário ou à partilha de bens imóveis sitos no exterior. O solo, em que se fixam os bens imóveis, afigura-se como expressão da própria soberania de um Estado e, como tal, não pode ser, sem seu consentimento ou em contrariedade ao seu ordenamento jurídico, objecto de ingerência de outro Estado.
63. No ponto, já se pode antever a segunda razão - esta de ordem prática - a justificar a assertiva de que o art. 10 da LINDB encerra, de facto, regramento que comporta exceções. É que um provimento judicial emanado do juízo sucessório brasileiro destinado a deliberar sobre imóvel situado no exterior, além de se afigurar inexistente, pois, como visto, não instaurada sequer a sua jurisdição, não deteria qualquer eficácia em outro país, destinatário da "ordem" judicial. Aliás, dentre os princípios que regem o Direito Internacional Privado, ganha cada vez mais relevo o da eficácia das decisões ou do Estado com melhor competência, informador da competência da lex rei sitae (lei da situação da coisa) para regular as relações concernentes aos bens imóveis, pois esta é a lei, inevitavelmente, que guarda melhores condições de impor a observância e o acatamento de seus preceitos." - Superior Tribunal de Justiça do Brasil, Terceira Turma, unânime, julgado em 24/08/2015 e Recurso Especial N° 1.362.400 - SP (2012/0219242-9) Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze) in DJe 05/06/2015; RSDF vol. 102 p. 45; RT vol. 960 p. 643) - Cfr. Doe. 1 e Doe. 2 que ora se juntam.
64. É antiga e firme a posição do Supremo Tribunal Federal, órgão máximo da justiça brasileira, quanto à pluralidade dos juízos sucessórios: "EMENTA:- Partilha de bens. Bens situados no estrangeiro. Pluralidade dos juízos sucessórios. Art.189, II do CPC. Partilhados os bens deixados em herança no estrangeiro, segundo a lei sucessória da situação, descabe à Justiça Brasileira computá-los na quota hereditária a ser partilhada, no País, em detrimento do princípio da pluralidade dos juízos sucessórios, consagrada pelo art.89, II do CPC. Recurso extraordinário conhecido e provido, em parte." - Recurso Extraordinário N° 99.230 -8 - Rio Grande do Sul, STF - Primeira Turma. 22 de maio de 1984, Rafael Mayer, Relator - Cfr. Doe. 3 que ora se junta.
65. Desta feita, fica demonstrada que qualquer decisão tomada em território português sobre os bens sitos em território brasileiro não seria naquele país exequível.
66. Ao que acresce que, sobre aqueles bens já existe causa pendente, anterior ao presente processo, conforme supra demonstrado, portanto, tais bens não serão esquecidos, sendo devidamente considerados e partilhados. A diferença seria que, em Portugal se trataria dos bens portugueses, e no Brasil se trataria dos bens brasileiros. Pelo que, mal andou o tribunal a quo, violando o disposto em lei imperativa em território brasileiro, mais violando, igualmente, o disposto nos artigos 25°, 3 1º e 62° do C. C, e o respectivo princípio da universalidade, que in casu é, efectivamente, sobre um desvio.
67. Sobre a remoção da Cabeça de Casal: Foi designada como Cabeça de Casal da herança aberta por óbito de AA a viúva CC.
68. A Cabeça-de-Casal foi designada em cumprimento do artigo 2098°, n°1, ai. a) do Código Civil, por ser o cônjuge sobrevivo. Sucede, porém, que, a Cabeça-de-Casal, esposa do Inventariado, não poderá assumir tal cargo, pois nunca mostrou competência, prudência, cuidado e zelo na correspondente administração. Aliás, nem tal era esperado pois ainda em vida, o inventariado sofreu de abusos por parte da Cabeça-de-Casal, que diariamente o maltratava. 69. A Cabeça de Casal, é viúva do inventariado, com quem voltou a casar com a idade de 86 anos, em segundas núpcias, em Fevereiro de 2009. Isto após um divórcio litigioso que correu termos no Tribunal de Círculo de Santa Maria da Feira em 31 de Outubro de 2002, tendo a Cabeça de Casal sido considerado e declarada como cônjuge culpado. Ora, em 2009 quando se casa novamente o inventariado com a Cabeça de Casal, sob o regime da separação de bens, que se tratava de regime imperativo, é outorgado testamento.
70. Que bela coincidência... Ainda para mais quando este testamento beneficiou em muito a Cabeça de Casal, concedendo, por conta da quota disponível, o usufruto de todos os bens, que no caso concreto são imensos, com um valor muito elevado, muitos deles arrendados a gerar centenas de euros por ano. Em favor da Cabeça de Casal, em detrimento dos restantes Interessados.
71. Este testamento é fruto disso, por um lado, da demência e incapacidade do aqui inventariado de medir o que estaria a fazer, mas também pela coacção que vivia constantemente. Testamento esse que, conforme evidenciado, está a ser alvo da respectiva impugnação em território brasileiro, ainda não havendo decisão, mas estando para breve.
72. Acresce que a Cabeça de Casal designada desde a morte do inventariado que nunca zelou ou administrou devidamente os bens da herança, no interesse de todos os herdeiros, mas sempre os administrando como se fossem sua propriedade exclusiva.
73. Não dando relação nem prestando contas aos herdeiros das contas existentes, dos bens, dos ónus ou encargos sobre os bens, de eventuais rendas, de despesas que estaria a gerar em prol da herança. O que até à data nunca aconteceu.
74. Sendo que, por exemplo, a prestação de contas tem de ser feita obrigatoriamente pela Cabeça de Casal todos os anos e, o inventariado já faleceu em 2011, nunca tendo a Cabeça de Casal se dignado a efectuar tal função, obrigatória para com os restantes herdeiros.
75. Ora, de acordo com o disposto no artigo 2086°, n°1, al. b) do C. C. o Cabeça-de-Casal pode ser removido, sem prejuízo das demais sanções que no caso couberem, se não administrar o património hereditário com prudência e zelo. Sendo que deverá considera-se que: "A incompetência pressupõe que a pessoa nomeada revele, no desempenho do cargo, não possuir as qualidades necessárias para o preenchimento da função que lhe foi confiada. Igual incompetência revelará se com a sua conduta ameaçar lesar os interesses dos restantes herdeiros."
76. A designada Cabeça de Casal nunca zelou em vida pelo inventariado, nem pelo seu património, pelo que muito menos agora, depois que o inventariado faleceu, será capaz de exercer esta função com o rigor e competência necessária e dar cumprimento às funções de administração da herança, já que desde a sua morte nunca administrou a herança com zelo e prudência.
77. O facto de não prestar contas, que é uma obrigação anual do Cabeça de Casal, é desde logo motivo para que a remoção seja operada - vide artigo 2093° do Código Civil.
78. E, se entendeu o douto tribunal que não haveria prova, o que é muito difícil de haver, pelo menos pela via documental, pois estas atitudes e maus-tratos da Cabeça de Casal para com o Inventariado, deveria desde logo ter promovida as diligências necessárias no sentido da prova testemunhal que, aliás, foi devidamente indicada.
79. Sendo essa a forma de poder obter mais esclarecimentos, confissões ou declarações, que servissem de base à remoção da Interessada CC como Cabeça de Casal. Em ordem ao princípio da cooperação e do dever de gestão processual a que se encontra adstrito o douto Tribunal, o Mm" Juiz e as partes - vide artigos 6º e 7º e CPC.
80. Pelo que, mal andou o tribunal a quo, violando o disposto no artigo 2093° e 2086° do C. C., e artigos 6º e 7º do CPC.
*
Perante ao antes exposto resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1ª) A nulidade do despacho recorrido;
2ª) A procedência da excepção dilatória da incompetência internacional;
3ª) A procedência da excepção dilatória da litispendência;
4ª) A existência de causa prejudicial;
5ª) A exclusão das verbas relacionadas sob os nºs 37 a 42;
6ª) A remoção da cabeça de casal.
*
Para apreciar e decidir as questões que acabamos de identificar importa ter em conta os elementos que constam dos autos e que se encontram melhor descritos na decisão recorrida.
Como antes já vimos, neste seu recurso o interessado/apelante começa por dizer que o despacho recorrido padece do vício previsto no art.º 615º, nº1, alínea b) do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”
Perante tais regras, defendem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, que “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.”
Neste sentido e entre outros vai o Acórdão do STJ de 22.01.2019, processo 19714.4T8VVD.G1.S1, www.dgsi.pt., onde se diz o seguinte:
“A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito (alínea b) do nº. 1, do artº. 615º, do Código de Processo Civil) está relacionada com o comando que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Na verdade, a fundamentação das decisões é uma exigência constitucional – art.º 205º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa - e legal – artºs. 154º, 607º e 663º, todos do Código de Processo Civil.
É na fundamentação que o Tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão, sendo a fundamentação imprescindível ao processo equitativo e contraditório.
Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1, do citado art.º 615º, do Código de Processo Civil.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Ora da leitura mais atenta da decisão recorrida, o que se verifica é que a mesma nem sequer integra uma fundamentação, de facto e de direito, deficiente, medíocre ou errada, antes sim subsume juridicamente os factos que tinha a o seu dispor nos autos e que para o efeito são relevantes.
Em suma, a decisão recorrida está suficientemente fundamentada de facto e de direito, razão pela qual se conclui pela não verificação da supra identificada nulidade da sentença.
Improcede assim neste ponto o recurso interposto.
Cabe agora apreciar a questão da procedência da excepção dilatória da incompetência internacional.
E quanto a esta podemos desde já dizer que nenhum reparo nos merece o que foi decidido pela 1ª instância.
Deste modo, subscrevemos inteiramente a argumentação que nesta parte sustenta a decisão recorrida argumentação esta, que passamos aqui a identificar nos seus segmentos mais relevantes.
Assim, resulta desde logo evidente que no caso, o apuramento da competência internacional dos tribunais portugueses deverá ser encontrada por recurso ao direito interno, designadamente ao previsto nos artigos 62° e 63° do CPC.
Recordando a redacção do primeiro destes dois artigos temos seguinte:
“Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando:
a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão pessoal ou real."
Na doutrina e na jurisprudência todos defendem que os critérios de conexão previstos no art.62.° são de verificação alternativa.
A ser assim basta o preenchimento de um deles para que os tribunais portugueses sejam competentes em razão da nacionalidade.
Aplicando cada um destes critérios ao caso concreto o que resulta é o seguinte:
O critério da coincidência, consagrado na alínea a) do art.62.°, alarga as regras de competência territorial interna à determinação da competência internacional.
Por isso, se uma acção devesse ser instaurada num tribunal nacional de acordo com os critérios de conexão consignados nos artigos 70° e seguintes do CPC, esse mesmo tribunal será necessariamente competente em razão da nacionalidade para tramitar a mesma.
Na alínea b) onde se consagra o critério da causalidade, atribui-se a competência aos tribunais nacionais sempre que o facto que serve de causa de pedir (ou algum deles, sempre que de causa de pedir complexa se trate) tenha sido praticado em território português.
Na alínea c) está consagrado o princípio da necessidade, segundo o qual é atribuída competência internacional aos tribunais portugueses nos casos em que o direito invocado não pode tornar-se efectivo senão por meio de uma acção proposta em tribunal português, ou nas hipóteses em que a sua propositura no estrangeiro constitui apreciável dificuldade para o autor.
Tudo isto, sem prejuízo da circunstância de se exigir que entre a acção a propor e o território português exista um qualquer elemento ponderoso de conexão pessoal ou real.
Entende o Sr. Juiz “a quo” que da matéria em discussão nos autos resulta clara a subsunção dos mesmos às regras previstas na alínea a) do art.º62.° do CPC.
E tem inteira razão nesta sua opinião!
Assim, o critério da competência previsto na mesma norma atribui competência aos tribunais portugueses, já que no que respeita a matéria sucessória, está prevista a regra da competência interna do tribunal do lugar da abertura da sucessão, que é no caso o Juízo Local de Santa Maria da Feira, já que o óbito do autor da sucessão ocorreu nessa localidade (cf. art.º 72.°-A, n°1 do CPC e 2031.° do Código Civil).
Deste modo e podendo esta acção ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, deve ser afirmada a competência internacional do Tribunal “a quo” para tramitar os presentes autos de inventário.
Também para nós se impõe que se julgue improcedente a excepção de incompetência internacional invocada pelo interessado DD.
Não colhem nesta parte os argumentos recursivos do mesmo interessado e aqui apelante.
Quanto à questão da litispendência o que cabe dizer é o seguinte:
Nos termos do disposto no art.º581º do CPC, a litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso.
A excepção dilatória da litispendência visa obstar a que a mesma questão jurídica, materializada na formulação da mesma pretensão, com base na mesma factualidade, seja objecto de duas ou mais acções que tenham as mesmas partes, e a sua verificação conduz à absolvição da instância.
Repete-se uma causa quando se propõe uma acção idêntica à outra, já proposta, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Há identidade de sujeitos, quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica.
Há identidade de pedidos quando numa e noutra acção se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.
Como a litispendência visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie a decisão posterior no sentido da decisão anterior, a identidade de sujeitos, pedidos e causas de pedir devem ser aferidos pelo objectivo de se evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Como já vimos, no seu articulado de reclamação da relação de bens (cf. artigos 21° a 32°), o interessado EE alega, entre o mais, que instaurou um processo de inventário em território Brasileiro, com vista à partilha dos bens que nestes autos se relacionam sob verbas números 37 a 42.
Faz saber que esse processo de inventário corre termos desde 2011 na 6.a Vara do Tribunal do Rio de Janeiro, sob o número de processo 0302175-03.2011.8.19.0001 e que, à data, o mesmo está suspenso em razão da pendência de acção de anulação do testamento emitido pelo inventariado, por se entender que a mesma constitui causa prejudicial em relação à partilha.
Conclui no caso dos autos pela verificação da excepção de litispendência entre o processo de inventário pendente no Brasil e o presente inventário, ainda que limitada aos identificados bens discriminados nas verbas 37 a 42, requerendo que nessa parte se decida pela absolvição da instância.
A propósito desta pretensão entendeu o Tribunal “a quo” que, apesar da pendência paralela do processo de inventário não ser é absolutamente indiferente, na medida em que, transitando em julgado, poderá a mesma vir a ser objecto de reconhecimento na ordem jurídica portuguesa, nos termos do disposto na al. b) do art.º980° do CPC, tal “cenário” é meramente hipotético e sem reflexos processuais.
Fez ainda notar que mesmo que se venha a confirmar que o cônjuge casado no regime da separação não é herdeiro do “de cujus” à luz do direito interno brasileiro, a partilha assim realizada poderá vir a ser sindicada a sua conformidade com a ordem pública internacional do Estado Português (cf. art.º 980.°, alínea f) do CPC) e/ou através da invocação do privilégio da nacionalidade, previsto consagrado do n°2 do art.º 983° do mesmo código.
A ser assim, também nós consideramos que no caso não se encontram verificados os pressupostos da litispendência, improcedendo o pedido de suspensão da instância requerido pelo interessado/apelante DD.
Não colhem pois os argumentos recursivos que o mesmo aqui veio trazer.
Quanto à existência de causa prejudicial, já todos vimos quais são as razões que sustentam tal pretensão.
A propósito desta questão, são relevantes as considerações tecidas no Acórdão desta Relação do Porto de 18.12.2018, processo 6090/15.4T8LOU-A.P1, www.dgsi.pt. e que são as seguintes:
“Segundo o disposto no artigo 272º, n.º 1, do CPC, “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado ”.
Este normativo concede ao tribunal o poder de ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, isto é, quando pender uma causa prejudicial.
A causa prejudicial é aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada nos autos onde é suscitada a prejudicialidade (acção subordinada).
Como referia o Prof. Alberto dos Reis, a razão de ser da suspensão por causa prejudicial é a economia e a coerência dos julgamentos – uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira razão de ser à existência da segunda.
Casos existem em que a questão pendente na causa prejudicial não pode discutir-se na causa subordinada, mas outros casos existem em que tal causa prejudicial pode discutir-se na causa subordinada, embora somente a título incidental. No primeiro caso, a dependência é necessária, no segundo é meramente facultativa ou de pura conveniência. [1]
Uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial se esteja a apreciar uma questão cuja resolução, por si só, possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito.
Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia. [2]
Em suma, a dependência ou nexo de prejudicialidade entre duas causas ocorre “quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito “, ou seja, quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da outra causa. [3]
Feitas estas considerações, impõe-se, pois, analisar do objecto de ambos os processos ora em discussão, ou seja, o objecto da presente acção executiva e embargos de executado e o objecto da acção declarativa que corre termos pela Instância Local Cível, por forma a verificar se existe entre ambas o aludido nexo de prejudicialidade, ou seja, por outras palavras, se a sentença que vier a ser proferida nesta acção declarativa pode interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
Na verdade, é deste pressuposto que depende a sua alegada prejudicialidade e o consequente fundamento legal da decretada suspensão da instância, em conformidade com o disposto no citado artigo 272º, n.º 1, do CPC.”
Voltando ao concreto o que verificamos é o seguinte:
Nos artigos 9° a 16° do seu articulado de reclamação da relação de bens, veio o interessado EE alegar que deu entrada de uma acção judicial em que peticiona a anulação do testamento junto aos autos, outorgado pelo autor da sucessão no dia 17/12/2009 e nos termos do qual o inventariado legou ao seu cônjuge, ora cabeça de casal, o usufruto vitalício de todos os seus bens.
Alegou também que o “de cujus” padecia de doença degenerativa que lhe afectava a capacidade cognitiva e que, à data da realização do testamento, o tornava incapaz de gerir e administrar os seus bens.
Concluiu pela existência de uma relação de prejudicialidade entre essa acção e os presentes autos de inventário, a qual (ainda que expressamente o não diga), poderá determinar a suspensão desta instância, ao abrigo do disposto no art.º 272°, n°1 do CPC.
Subscrevendo tal argumentação veio o interessado aqui apelante DD impugnar o referido testamento e alegar a existência de uma relação de prejudicialidade entre a antes identificada acção de anulação (que esclarece ter sido instaurada nos tribunais brasileiros) e os presentes autos de inventário, terminando a concluir pela necessidade de suspensão dos mesmos antes da elaboração do mapa de partilha.
Perante tal pedido pronunciou-se o Tribunal “a quo”, fazendo notar as especificidades das questões que aqui se discutem, designadamente a circunstância da acção para anulação do testamento que se invoca estar a correr termos em jurisdição estrangeira, chamando à colação do disposto no art.º 978º, nº1 do CPC, cuja redacção é, recorde-se, a seguinte: “Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.”
E perante tal regra conclui e bem, que “a decisão que venha a ser proferida no processo que pende nos tribunais brasileiros tendo em vista a anulação - no todo ou em parte - do testamento em sindicância, não é susceptível, per se, de afectar a definição dos quinhões hereditários, excepto se vier a ser objecto de reconhecimento no ordenamento jurídico português e segundo as regras processuais próprias.”
Discorre, igualmente, de forma acertada quando defende que a prejudicialidade a existir será pois, meramente indirecta, ou de 2° grau, por estar dependente da procedência de uma acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira.
Tem pois razão quando afirma que a verdadeira prejudicialidade existe (ou existirá) em relação à acção de revisão da sentença estrangeira e não já relativamente à supra identificada acção de anulação do testamento.
A ser deste modo e sem prejuízo da relevância da matéria que na referida acção se discute, também nós consideramos que no caso não estão verificados os pressupostos necessários para que se decida a suspensão da presente instância, nem agora nem quando foi o momento de definir os quinhões hereditários de cada um dos interessados nos autos.
Bem se andou pois quando se indeferiu o pedido de suspensão requerido pelo interessado DD, razão pela qual também nesta parte improcede este seu recurso.
A outra questão que é suscitada é da exclusão das verbas relacionadas nos autos sob os nºs 37 a 42.
Como todos já vimos e apesar da posição assumida pelos interessados AA e DD a propósito desta questão, o Tribunal “a quo” considerou o seguinte:
Por tudo isto – e á falta de acordo das partes nessa matéria – entende o tribunal que as verbas 37 a 42 não deverão ser excluídas da relação de bens, devendo o seu valor ser considerado para efeitos de determinação da quota disponível e da composição dos quinhoes hereditários.”
Sufragando tal entendimento e para além de toda a jurisprudência que foi referida na decisão recorrida, achamos por bem, dada a acuidade da respectiva exposição, transcrever aqui o que a propósito desta questão foi feito constar no Acórdão do STJ de 16.10.2012, no processo 991/10.3TBTVD-B.L1.S1, em www.dgsi.pt.
Assim:
“Esta questão de saber se devem relacionar-se em inventário instaurado em tribunais portugueses bens situados em país estrangeiro é uma questão que já vem de longa data. Teve o legislador oportunidade de a solucionar expressamente em dois momentos.
O primeiro, no decurso dos trabalhos da Comissão Revisora do Anteprojecto do Código de Processo Civil de 1939. Como dá conta Alberto dos Reis (no Comentário ao CPC, vol. 1º, 2ª ed., pág. 216.), o Dr. Silva e Sousa, propôs se inserisse no Código uma disposição “ pela qual se atribuísse competência ao tribunal português para a partilha de todos os bens da herança: tanto os existentes em Portugal como os existentes no estrangeiro. Houve divergências no seio da Comissão e nenhuma deliberação se tomou sobre o assunto. No entanto, remata o Sr. Dr. Palma Carlos, a doutrina do Sr. Dr. Silva e Sousa é a exacta (Ob. cit, pág. 288).
Não há dúvida: posto que não se inserisse no Código a disposição proposta pelo Sr. Dr. Silva e Sousa, a doutrina da nossa lei é a que essa proposta traduzia. Em primeiro lugar, não pode deixar de considerar-se anómalo e inconveniente que se façam tantas partilhas quanto os países em que se acharem os bens. A partilha deve ser uma só, abrangendo portanto todos os bens, seja qual for o lugar em que se encontrarem. Em segundo lugar, os §§ 1º e 4º do artigo 2009º, combinados com o artigo 77º, mostram claramente que o pensamento da lei portuguesa é que o inventário organizado em Portugal compreenda os bens existentes em país estrangeiro. “.
O segundo, ocorreu quando Simões Pereira nos trabalhos preparatórios da reforma do Código de Processo Civil de 1961 insistiu na inutilidade de um tal preceito que na lei portuguesa consagrasse o princípio da unidade do inventário, sem a prévia celebração de um acordo entre os Estados ou a aceitação no seu ordenamento jurídico de um princípio de direito internacional privado que assegurasse a eficácia das sentenças de partilhas proferidas no estrangeiro, mesmo em relação a bens situados no território nacional[2].
Esta ausência de consagração legal na lei processual portuguesa do princípio da unidade e universalidade do inventário, de uma tomada de posição definitiva sobre o problema, está na origem de diferentes entendimentos e soluções díspares em torno desta questão.
A jurisprudência mais antiga entendia que tais bens não deveriam ser relacionados e partilhados nos inventários instaurados em tribunais portugueses, pelo menos quando os tribunais do Estado da situação dos bens se consideravam competentes e a decisão não era susceptível de reconhecimento neste Estado.
Alberto dos Reis reconhecia mas afastava o princípio da unidade do inventário apenas quando se imponham razões de ordem prática, sempre que se esteja em presença de um conflito de jurisdições. “...O bom senso aconselha que os tribunais de cada país, em caso de conflito, se limitem a inventariar e partilhar os bens existentes no território nacional.
Uma coisa é, pois, o princípio, outra a actuação prática dele.
Por se reconhecer que só mediante tratados ou convenções internacionais se pode assegurar a eficácia do princípio da unidade e universalidade do inventário, é que o legislador se absteve de o formular” (loc. cit., pág. 217).
Esta mesma posição resulta da anotação de Antunes Varela ao Acórdão do STJ de 21/03/1985, publicado com a anotação, na RLJ Ano 123º, págs. 118 a 124 e 144 a 148.
Mais recentemente, surgiu na doutrina e na jurisprudência uma tendência para aceitar que os bens situados no estrangeiro devam ser considerados no inventário que visa pôr termo à comunhão hereditária, mas apenas para apurar a quota disponível e a legítima, devendo os bens ser partilhados no país onde se situam. Neste sentido, podem ver-se os Acs. do STJ de 21/03/85, no BMJ 345º-355, de 25/06/98, Proc. 98B327, sumariado no ITIJ, da RP de 25/10/94, no BMJ 440º-547, e Antunes Varela na RLJ, na anotação já citada.
Diferente opinião defende que nos tribunais portugueses não devem ser partilhados bens situados no estrangeiro, a não ser que exista um tratado ou convenção que assegure a eficácia da partilha efectuada pelo tribunal português no país onde se situa o bem. Neste sentido se pronunciaram os Tribunais da RC no Acórdão de 13/05/2008, Proc. nº380-B/1999.C1, disponível no ITIJ, da RP no Acórdão de 11/04/1978, na CJ 1978-3-806, e da RL no Acórdão de 01/07/1980, na CJ 1980-5-5.
Finalmente, um outro entendimento sustenta que, verificando-se a competência dos tribunais portugueses de acordo com as regras processuais, devem ser relacionados e partilhados, independentemente da sua situação, todos os bens objecto de comunhão. Vejam-se neste sentido, Lopes Cardoso, nas “Partilhas Judiciais”, vol. I, 3ª edição, pág. 435 e segs, particularmente pág. 446, e Luís Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, vol. III, 2012 - 2ª ed. Refundida, págs. 283/284.
É nesta última acepção, ao contrário do que pretende fazer crer o recorrente, que vai hoje a maior parte da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Entre outros, leiam-se, por exemplo, os Acs. do STJ de 23/10/2008, Proc. nº 07B4545; da RP de 11/09/2007, Proc. nº 0722005; da RE de 12/03/2009, Proc. nº 208-A/1999.E1; da RG de 11/02/2010, Proc. nº 702/05.5TBCBT-B.G1, e da RL de 22/09/2011, Proc. nº776/04.6TMFUN-B.L1-8, no ITIJ.
Visando a jurisprudência mais antiga, alude Luís Lima Pinheiro que “A orientação seguida pela jurisprudência contrária não tem fundamento legal e baseia-se em argumentos que se afiguram improcedentes. Nenhuma disposição processual exclui a competência dos tribunais portugueses para a partilha de bens situados no estrangeiro.
(...) A insusceptibilidade de reconhecimento de uma decisão portuguesa no Estado de situação dos bens tanto se pode verificar em matéria sucessória como noutras matérias. Ora, à face do Direito constituído, a insusceptibilidade de reconhecimento no estrangeiro da decisão nacional não fundamenta, em caso algum, a incompetência dos tribunais portugueses. De resto, não decorre, por si, de os tribunais do Estado de situação se considerarem competentes e de aplicarem à sucessão a lei local que a decisão portuguesa não seja susceptível de reconhecimento[3]. Acresce que, perante o Direito vigente, as decisões estrangeiras que partilhem bens situados em Portugal são, em princípio, susceptíveis de reconhecimento na ordem jurídica portuguesa[4] ”.
Por fim, lembra ainda, na obra e local citados, que “é de assinalar que o princípio da maior proximidade tem um alcance muito reduzido no Direito Internacional Privado português. O legislador do Código Civil não deu acolhimento ao art.5º/2 do Anteprojecto de 1964, que mandava observar os princípios de Direito Internacional Privado do Estado da situação de um imóvel se tal fosse necessário e suficiente para assegurar o reconhecimento da decisão a proferir pelo tribunal português. Isto mostra que, na valoração do legislador, o problema do reconhecimento da sentença no Estado da situação dos bens não justifica qualquer desvio às soluções consagradas pelo Direito de Conflitos português. Muito menos justificará a incompetência dos tribunais portugueses”.
Temos por correcta esta tomada de posição.
O processo de inventário é na sua essência uma medida de protecção destinada a evitar prejuízos e a distribuir equitativamente todo o património de uma herança ou de um património comum em consequência, como é o caso, de divórcio (arts.1788º e 1689º do Código Civil). Com ele pretende-se pôr termo a uma comunhão que engloba todos os bens que dela fazem parte, independentemente do local onde se situem.
Nenhuma dúvida há de que devem ser partilhados todos os bens existentes no casal ao tempo em que a sentença transitada tenha posto termo ao casamento[5].”
Por outro lado e relativamente à alegada possibilidade da decisão tomada nos autos sobre os bens situados no Brasil não ter ali exequibilidade, cabe salientar que na parte final da decisão recorrida houve o cuidado de se ordenar o seguinte:
“Sem prejuízo desta decisão, em benefício de uma maior agilização e celeridade processual, considero relevante obter esclarecimentos quanto aos termos do inventário tramitado no Brasil e por isso determino que, pela via mais expedita, seja oficiado (com cópia deste despacho, apenas quanto à alínea e)) ao titular do respectivo processo de inventário, a correr termos na 6.ª Vara de Órfãos e Sucessões da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, sob o número de processo 0302175-03.2011.8.19.0001, solicitando que informe o seguinte:
- Segundo as regras de direito internacional privado brasileiras, qual o direito material aplicável à partilha que corre termos nesse Tribunal, sabendo-se que o inventariado tinha nacionalidade portuguesa?
- Se recaiu despacho sobre o requerido por CC a 15/04/2021, em que se peticionou a extinção desses autos por efeito de litispendência.”.
Deste modo, também por aqui não vislumbramos razões para não subscrever o que nos autos ficou decidido.
Improcede assim nesta parte o recurso aqui interposto.
Quanto ao pedido de remoção da cabeça de casal apresentado pelo interessado e ora apelante DD o que cabe dizer é o seguinte, citando o que ficou consignado no Acórdão desta Relação do Porto de 07.10.2021, processo 1450/12.5TJPRT-J.P1, www.dgsi.pt:
“I- No incidente de remoção do cabeça-de-casal, constitui ónus do requerente a alegação e prova de qualquer dos fundamentos previstos na lei (art.º 2086º, nº 1, do Código Civil), não sendo suficiente, quanto à alegação essencial, a referência a factos conclusivos.
II- A falta de prudência e zelo no exercício do cargo de cabeça-de-casal (art.º 2086, nº 1, al. b), do Código Civil), enquanto fundamento de remoção, há-de revelar-se nas faltas que comete por incúria e negligência, com gravidade de tal modo significativa que justifique aquela penalização.
III- A falta de competência para o exercício do cargo (art.º 2086, nº 1, al. d), do Código Civil) manifesta-se pela incapacidade, inaptidão ou falta de qualificação da pessoa nomeada, em função do grau de exigência dos actos que o cabeça-de-casal tem, em cada herança, o dever de praticar. É necessário que dê provas da incompetência através de um exercício, mais ou menos prolongado das respectivas funções.”
Nos autos, o interessado DD veio alegar que a pessoa designada como cabeça de casal não pode assumir tal cargo, por incompetência, falta de prudência, cuidado e zelo, seja em relação à pessoa do inventariado, seja ao seu património.
Perante tal alegação e após resposta da cabeça de casal, o Sr. Juiz “a quo” veio dizer o seguinte:
“No caso em espécie, deve dizer-se que a alegação do interessado se pauta pela total ausência de factos, bastando-se com a veiculação de matéria vaga e conclusiva. Nada de concreto alega, não imputa factos precisos e circunstanciados à cabeça de casal, muito menos em termos de os conexionar com um prejuízo actual ou iminente para a herança (que igualmente não alega).”
Consultando os autos pode concluir-se que é efectivamente verdade que o interessado DD não cumpriu os ónus que sobre ele impendiam e aos quais ujá antes fizemos referência.
Por ser assim, bem andou pois o Tribunal “a quo” quando julgou improcedente o seu pedido de remoção da cabeça de casal.
Deste modo, também aqui não colhem os seus argumentos recursivos, impondo-se sim a confirmação da decisão proferida.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo do interessado/apelante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 19 de Maio de 2022
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço [VOTO DE VENCIDO
A pendência de um inventário no Brasil para partilha dos bens do autor da sucessão situados naquele país, relativamente aos quais aquele mesmo país vai aplicar a lei substantiva brasileira, quando simultaneamente a decisão recorrida, agora confirmada, considera os tribunais portugueses internacionalmente competentes para a respetiva partilha, sendo esta a realizar segundo a lei substantiva portuguesa (lei pessoal do autor da sucessão) acarreta uma solução que me parece inaceitável: a partilha dos mesmos bens em dois processos de inventário a correr termos em duas jurisdições internacionais diferentes segundo um direito sucessório diferente. Os interessados num e noutro inventário não só poderão ser pessoas diferente, como certamente serão contemplados com duas partilhas diferentes, resultando em duas soluções incompatíveis entre si.
Acresce que, no Brasil, corre termos uma ação de anulação de um testamento constituído a favor da viúva do autor da herança, cuja decisão ainda não terá sido proferida, desconhecendo nós também quais são as disposições de última vontade ali estipuladas e, designadamente, se ali são contemplados apenas bens situados no Brasil, ou se também bens situados em Portugal e qual a relevância do Direito sucessório nacional sobre a validade e eficácia daquele testamento elaborado na República do Brasil pelo autor da sucessão.
Em minha opinião, são insuficientes as informações obtidas pelo tribunal junto da Justiça brasileira --- aliás, solicitadas já depois de ter sido proferida a decisão recorrida --- importando a obtenção de novas e mais completas informações sobre os processos pendentes no Brasil e a situação sucessória, de modo a atingir, na medida do possível, uma decisão coerente segundo as regras de aplicação do direito internacional privado, razão pela qual não conheceria do mérito do recurso.]