Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
425/12.9PDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MARCOLINO
Descritores: PREVENÇÃO GERAL
Nº do Documento: RP201303064235/12.9PDPRT.P1
Data do Acordão: 03/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A prevenção geral de integração assenta na ideia de que, primordialmente, a finalidade visada pela pena há de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto [a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada]. Tutela não num sentido retrospetivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospetivo, traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada e do restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso 425/12.9PDPRT.P1
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Nos autos de processo sumário, supra identificados, tramitados no 3º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o arguido B…, divorciado, motorista, nascido em 02/03/1969, natural de …, Vale de Cambra, filho de C… e de D…, residente na …, …, foi condenado pela forma seguinte:
- Pela prática, em 14/07/2012, de factos integradores de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz um total de € 450 (quatrocentos e cinquenta euros); e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses;
- Pela prática, em 15/07/2012, de factos integradores de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz um total de € 300 (trezentos euros); e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 (dois) meses;
- Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz o montante de € 600 (seiscentos euros); e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 (sete) meses.

Não conformada, a Ex.ma Magistrada do MP interpôs recurso e extraiu da sua motivação as seguintes conclusões:
1. Atenta a matéria de facto dada como provada na sentença, uma (outra) pena de multa não é suficiente nem adequada a realizar as finalidades de prevenção geral e especial que, no caso em apreço, são acrescidas.
2. Com efeito, tendo já o arguido sofrido três condenações anteriores, pela prática de crime da mesma natureza, e tendo os dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez pelos quais foi julgado sido cometidos com um intervalo de apenas 24 horas, deveria o Tribunal ter optado pela aplicação, a título principal, de uma pena de prisão.
3. A pena que lhe foi aplicada, de multa, justificar-se-ia se fosse este o primeiro contacto do arguido com o sistema judicial.
4. Não o sendo e considerando a taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido (2.04 g/l no sangue), justificam a aplicação de uma pena de prisão, fixada em 4 (quatro) e 7 (sete) meses, que poderia, então, ser suspensa na execução pelo período de um ano, já que a simples ameaça do seu efectivo cumprimento revela, por ora, ser capaz de afastar o arguido da prática de outros ilícitos criminais, nos termos do disposto no art. 50º, n.º 1, do Código Penal.
5. Operado o cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, ao abrigo do disposto no artigo 77º do Código Penal, deveria ter sido fixada a pena única de 9 (nove) meses de prisão.
6. Tendo em consideração que o tipo legal de crime em causa pretende tutelar o interesse público da segurança dos utentes de uma qualquer via pública, nomeadamente acautelando que os principais agentes da circulação rodoviária conduzam os seus veículos automóveis em condições físicas e psíquicas normais, torna-se premente prevenir que circunstâncias deste género se repitam, além do mais, por parte do agente.
7. Por esse motivo, e ainda pelo facto de o arguido ter sido condenado no passado em penas acessórias fixadas muito perto do limite mínimo legal, as quais não surtiram o desejado efeito preventivo, entendemos que as mesmas deveriam ter sido aplicadas em 9 (nove) e 12 (doze) meses.
8. As penas acessórias, por perseguirem fins diversos dos das penas principais, não deveriam ter sido objecto de cúmulo jurídico.
9. Face a tal especificidade, o legislador entendeu não aplicar diversos institutos previstos para as penas principais, e, no artigo 78º, n.º 3, do Código Penal, prevê que as penas acessórias aplicadas em sentença anterior se mantêm.
10. E, se assim não se entendesse, seria mais favorável a prática de crimes rodoviários do que contra-ordenações estradais, já que para estas se prevê o cúmulo material – cfr. artigo 134º, n.º 3, do Código da Estrada.
11. Deve, por isso, o arguido ser condenado a cumprir 21 (vinte e um) meses de proibição de conduzir veículos a motor.
12. A sentença recorrida violou, assim, igualmente, os preceitos ínsitos nos artigos 40º, 70º, 71º, 69º, n.º 1, alínea a), 77º, 78º e 292º, n.º 1, do Código Penal.

Não foi apresentada resposta.

Nesta Relação, a Ex.ma PGA limita-se a subscrever a motivação do MP em 1ª Instância.

Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

Está apurada a seguinte factualidade, não posta em crise:
1. No dia 14 de Julho de 2012, cerca da 01 hora e 52 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel marca Opel …, de matrícula ..-..-IZ, na Rua …, …, Porto, e, submetido a teste de alcoolemia, acusou uma TAS de 2,04 g/l.
2. Logo no dia seguinte, 15 de Julho de 2012, cerca da 01 hora e 56 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel, marca Opel …, de matrícula ..-..-IZ, na Rua …, …, Porto, e, submetido a teste de alcoolemia, acusou uma TAS de 1, 24 g/l.
3. O arguido conduziu em ambas as ocasiões bem sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas, para além do montante que podia ingerir para se manter sóbrio.
4. E que, por isso, ao conduzir após a dita ingestão, conduziria o veículo automóvel com TAS superior à permitida por lei.
5. Apesar disso, não se coibiu de conduzir, bem sabendo que não é permitido conduzir com excesso de álcool no sangue.
6. O arguido é divorciado, motorista de profissão, aufere mensalmente cerca de 500 €.
7. Não tem filhos, vive numa casa arrendada pela qual paga mensalmente a renda de 15,50 €.
8. Anteriormente sofreu as seguintes condenações:
a) Na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 600$00, e na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 40 dias, pela prática em 1/5/2001 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (sentença de 2/5/2001, lavrada no processo sumário 78/01, do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, transitada em julgado em 18/05/2011);
b) Na pena de 80 dias de multa a taxa diária de € 5,00, e na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses, pela prática em 3/3/2005 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (sentença de 29/03/2005, lavrada no processo sumário 191/05.4PASJM - 2º Juízo -, transitada em julgado em 13/04/2005);
c) Na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 5,00, e na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses, pela prática em Fevereiro de 2008 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (sentença de 12/03/2008, lavrada no processo sumário 68/08.1GCOAZ, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, transitada em julgado em 21/04/2008).

Consabidamente, as conclusões da motivação balizam o objecto do recurso.
A Ilustre Recorrente submete à consideração deste Tribunal as seguintes questões:
1. Atentos os antecedentes criminais do arguido e o facto de ter sido encontrado a conduzir com excesso de álcool no sangue duas vezes no espaço de 48 horas, deve ser condenado em pena de prisão e não em pena de multa, mesmo que aquela venha a ser declarada suspensa na sua execução;
2. As penas acessórias de proibição de conduzir devem ser fixadas em 12 e 9 meses, respectivamente. E devem ser cumuladas materialmente.

DECIDINDO

No essencial, é óbvia a razão da Digna Recorrente.

Começando pela condenação em da pena de multa.
O Sr. Juiz a quo, sem fundamentar minimamente a sua decisão, optou pela condenação em pena de multa.
Fê-lo ao arrepio do critério legal, como demonstraremos.
Na verdade, nos termos do art.º 70º do C. Penal, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
As finalidades da punição são, como se diz no art.º 40º, n.º 1 do C. Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
São, pois, como ensina Figueiredo Dias[1], “finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação de culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa”.
Acrescenta:
“Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena”.
Sobre a forma como interactuam a prevenção geral e a prevenção especial, afiança[2]:
“Afastada a relevância da culpa no problema da escolha da pena, resta determinar como se comportam mutuamente, neste âmbito, as exigências de prevenção geral e de prevenção especial. É inteiramente distinta a função que umas e outras exercem neste contexto. Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva jurídico-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
(...) O tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa (...) quando a prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente (...): coisa que raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração.
Mas - qual então o papel da prevenção geral (...)? Ela deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização”.
Em conclusão, diz o mesmo autor que “a pena alternativa só não será aplicada se a pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.

Pois bem.
No caso em apreço, tanto a prevenção geral como a prevenção especial se opõem à condenação do arguido em pena de multa.

A prevenção geral de integração ou, no dizer Gunther Jakobs, a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada, assenta na ideia de que, primordialmente, a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto.
Tutela não num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, ou, dizer ainda, do restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é um crime de mera actividade, de perigo abstracto.
Tutela, acima de tudo, a segurança rodoviária.
Mas tutela também a segurança de todos quantos circulam nas vias públicas, seja dentro de veículos, seja em passeios, isto é, visa ainda “a protecção de bens jurídicos pessoais, como a vida e a integridade física de todos aqueles que participam naquele pedaço de vida comunitária”[3].
Os bens jurídicos protegidos, os referidos, exigem, por si só, forte reacção contrafáctica quando infringido o tipo legal.
Acresce que condução com mais de 2 g/l cria, como é sabido, e de acordo com todos os estudos publicados, o fenómeno da diplopia.
O que eleva sobremaneira o risco de acidente e, na sequência, a colocação em crise, pelo menos, dos bens jurídicos tutelados.
A reiteração da conduta, num espaço de 24 horas, indicia total indiferença pela vida e integridade física dos restantes utentes das vias públicas.
Consequentemente, o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelos crimes só é alcançável se o arguido for condenado em pena de prisão. Só por meio desta o arguido e os potenciais infractores se sentirão coagidos a não conduzir em estado de embriaguez, maxime com tão elevada TAS.

Por outro lado, também as exigências de prevenção especial, maxime a prevenção positiva ou de socialização, exigem a condenação do arguido em pena de prisão.
Com efeito, as anteriores três condenações em pena de multa não constituíram suficiente contra-motivo para que o arguido continuasse a conduzir em estado de embriaguez e até com uma TAS bem elevada.
O que leva à conclusão de que o arguido só deixará de conduzir em estado de embriaguez se tiver de pensar que pode vir a ser separado do seu meio e até sujeito a inocuização por entrada no EP.
A prevenção especial, também ela, dita a condenação do arguido, atento os seus antecedentes e as circunstâncias em que reiterou a conduta, em pena de prisão.
Importa, por isso, fixar a pena concreta que seja justa e adequada.

Nos termos do art.º 40º, n.º 1, do C.P., a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Acrescenta o art. 71º do mesmo diploma legal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra aquele, enumerando-se nesse preceito exemplificativamente alguns desses factores.
A pena não pode ultrapassar a medida da culpa sob pena de se violar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, subjacente a um Estado de Direito, democrático e social, como é o nosso – art.º 40º, n.º 2, do mesmo Código.
Segundo Figueiredo Dias[4], o modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração), entendida esta como a protecção de bens jurídicos alcançada mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada[5], a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos dentro do que é consentido pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (o revelar perante a comunidade a solidez do sistema jurídico-penal, traduzido na “necessidade de tutela da confiança (...) e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (...) no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime”[6]); e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.
“Se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que, dentro da moldura legal, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (moldura de prevenção) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social”[7].

Importa subsumir os factos à doutrina.
- No dia 14 de Julho de 2012, cerca da 01 hora e 52 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel, marca Opel …, de matrícula ..-..-IZ, na Rua …, …, Porto, e, submetido ao teste de alcoolemia, acusou uma TAS de 2,04 g/l.
- No dia 15 de Julho de 2012, cerca da 01 hora e 56 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel, marca Opel …, de matrícula ..-..-IZ, na Rua …, …, Porto, e, submetido ao teste de alcoolemia, acusou uma TAS de 1, 24 g/l.
- O arguido conduziu em ambas as ocasiões bem sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas para além do que podia fazer para poder conduzir.
- Apesar disso, não se inibiu de conduzir, bem sabendo que não é permitido conduzir com excesso de álcool no sangue.
Pois bem:
O arguido agiu com dolo directo, modalidade mais grave de culpa. A sua conduta é altamente censurável porque, em abstracto, designadamente quando conduzia com TAS superior a 2 g/l, põe em perigo todos os restantes utentes da via (não interessa ao tipo o perigo concreto, que, a existir, só agravaria a pena).
A culpa permite, destarte, a condenação em pena próxima do máximo abstracto, ou seja, em ambos os casos, em pena próxima do 1 ano de prisão.
O grau de alcoolemia, num dos dias – 2,04 g/l – é elevadíssimo, mais do que quadruplicando o máximo permitido por lei – 0,49 g/l.
No outro (1,24 g/l) ronda o limite a partir do qual é criminalizada a conduta.
A reiteração da conduta, num espaço de 24 horas, evidencia uma insensibilidade total do arguido relativamente à condução em estado de embriaguez, o mesmo é dizer, relativamente à seguração rodoviária. É, por isso também, muito elevado o grau de violação dos deveres impostos ao agente à luz do quadro de valores jurídico-constitucionais, conhecido que é que a grande maioria dos acidentes mortais ocorre em consequência de condução com excesso de álcool. O Homem fiel ao direito quando bebe não conduz. E muito menos o faz com TAS superior a 2 g/l.
De resto, é sabido que, conduzindo-se com uma TAS de 1,5 a 3,0 g/1, «surge o fenómeno da diplopia ou visão dupla e que muitas pessoas neste estado já não conseguem conduzir e os que ainda conduzem tornam-se extremamente perigosos».
O bem jurídico tutelado reconduz-se à protecção da segurança da circulação de pessoas e bens, num acento tónico da dimensão social da infracção, e na perspectiva da integridade física ou de interesses patrimoniais de outrem.
Tratando-se de bens difusos, a necessidade de protecção faz-se sentir com particular acuidade
Pelas razões referidas a óptima tutela do bem jurídico só se alcança com pena próxima do máximo permitido pela culpa.
A comunidade exige uma forte reacção contrafáctica já que este tipo de ilícitos é cometido com demasiada frequência, sendo dos casos em que as cifras negras mais se fazem sentir.
Importa, por isso, coagir psicologicamente os potenciais criminosos no sentido de lhes criar um contra-motivo suficientemente forte para os afastar da prática de um crime.
Do que vem de ser exposto se conclui:
1. A culpa permite a condenação em pena próxima dos 10 meses de prisão, em cada um dos crimes.
2. A óptima tutela dos bens jurídicos exige que o máximo da pena a aplicar coincida com o máximo permitido pela culpa.
3. A prevenção geral impõe que a pena em concreto não se afaste demasiado do máximo permitido pela culpa.
4. O juízo de censurabilidade é muito elevado relativamente à TAS de 2,04 g/l; e é média no outro caso.
A favor do arguido apenas a sua inserção social e o facto de ter confessado integralmente e sem reserva os factos, que pouco relevo atenuativo tem no caso em apreço atendendo a que a infracção foi presenciada pelo agente de autoridade.
Tudo visto e ponderado, entende-se dever condenar o arguido pela forma seguinte:
- Na pena de 9 meses de prisão pelo crime perpetrado em 14 de Julho de 2012;
- Na pena de 6 meses de prisão pelo crime perpetrado em 15 de Julho de 2012.
Em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77º do C. Penal, fazendo a avaliação global dos factos e tendo em conta a personalidade do arguido, supra descrita, que é especialmente propensa à prática deste tipo de ilícito, vai condenado na pena única de 13 meses de prisão.

O art.º 50º, n.º 1, do C. Penal manda que o tribunal suspende a execução da pena se, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime, às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão (aqui da pena) realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Para aplicação da pena de substituição é, pois, necessário que se possa concluir que o arguido presumivelmente não voltará a delinquir.
Trata-se, no dizer de Anabela Rodrigues[8], de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.
Tal conclusão tem de ser extraída de um juízo de prognose antecipado, que seja favorável ao arguido.
Trata-se de um juízo de prognose que não corresponde a uma certeza, “antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga fundar”[9].
Tal juízo tem de assentar essencialmente na prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido.
Não estão aqui em causa considerações sobre a culpa, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de (re)integração.
Sempre que tal juízo de prognose seja favorável ao delinquente não deverá, em princípio, decretar-se a execução da pena.
Mas devem ter-se ainda em conta as necessidades de prevenção geral, não tanto na dependência do seu efeito negativo, de pura intimidação, mas mais no seu efeito positivo, de integração, de reforço da norma e da orientação sócio-cultural que nela se contém. A comunidade não há-de encarar a suspensão como sinal de impunidade, deixando de acreditar no sistema penal como eficaz na tutela dos bens jurídicos.
Assim, face à factualidade assente, o juízo de prognose há-de ditar que, com toda a probabilidade, o arguido não voltará a cometer nova contra-ordenação; e ainda que as expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, não saem defraudadas.
Extraindo-se esta conclusão, deve decretar-se a suspensão da execução da pena.
Concluindo-se em sentido contrário, deve negar-se a suspensão.
A averiguação da dita probabilidade deve ser feita em concreto, passando em revista a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta que manteve antes e depois do facto e as circunstâncias em que o praticou.
Esta conclusão, como defendem os doutrinadores, tem de assentar num juízo favorável de não voltar a delinquir, feito em prognose antecipada.
E, na dúvida, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada[10].

O caso concreto é um daqueles casos de fronteira em que é difícil fazer juízo de prognose favorável.
Por isso, à partida, deveria denegar-se a pena de substituição.
Todavia:
- O arguido está inserido socialmente;
- Confessou voluntária e espontaneamente os factos;
- Apenas delinquiu em crimes de condução em estado de embriaguez.
- Não teve ainda qualquer contacto com o sistema prisional.
Porque assim, e usando as sábias palavras do STJ, deverá este Tribunal ter esperança fundada de que a socialização em liberdade seja alcançada.
O que significa que se valora muito favoravelmente a inserção social do arguido.
Destarte, acedendo-se que o arguido interiorizará devidamente o alcance desta condenação e que, na sequência, não voltará a conduzir em estado de embriaguez, entende-se dever suspender a pena de prisão em que o arguido vem de ser condenado por igual período de 13 meses.

Finalmente, quanto às penas acessórias:
Sob a epígrafe “Proibição de conduzir veículos com motor”, estatui o n.º 1 do art.º 69º do C. Penal que “É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
a) Por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º (…)”.
Tanto a CRP como o C. Penal consagram o princípio da não automaticidade das penas acessórias.
Na verdade, prescreve a CRP no n.º 1 do art.º 30º: “Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida”, aditando no n.º 4 que “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”.
Em obediência ao comando constitucional, o n.º 1 do art.º 65º do C. Penal repete que “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”[11].
Segundo Fernanda Palma[12], “O sentido histórico desta norma é impedir o efeito estigmatizante das penas e evitar que a prática de crimes conduza a uma espécie de morte civil dos seus autores[13].
“A justificação para a existência de penas acessórias (…) pode encontrar-se na perda de legitimidade para o exercício de determinados direitos por parte de quem é condenado num processo penal”[14].

O Código Penal Português de 1886, a par das penas principais, consagrava já determinadas penas acessórias[15].
Cavaleiro de Ferreira[16], se bem o interpretamos, considerava as penas acessórias como sendo não penas autónomas, mas verdadeiro efeito penal da condenação.
Doutrina que defendeu já no domínio do C. Penal vigente[17].
Este Diploma legal, no entanto, contém um Capítulo dedicado às penas acessórias e aos efeitos das penas que diferencia, sem qualquer dúvida.
Faria da Costa[18] considera as penas acessórias, tal como as consagra o C. Penal – art.ºs 66º e segs. - como verdadeiras “medidas de segurança atípicas”.
Com efeito, afirma: “Tudo somado comprova-se que assiste razão a quem, tal como nós, considera que o CP de 1982 não criou um verdadeiro sistema de penas acessórias. Parece - isso sim - que as assumiu mais como medidas de segurança atípicas e, por tal motivo, directamente relacionadas com a perigosidade dos respectivos agentes, embora também ligadas com a intimidação geral. E se esse foi o pensamento do legislador, isto é, repete-se, se ele não assumiu as penas acessórias como verdadeiras penas, mas antes como «medidas de segurança atípicas» a aplicar, todavia, não de uma forma automática, como simples decorrência da pena ou da condenação, então, por certo que a procura da medida justa da pena acessória, sempre ancorada no limite da culpa, não foi preocupação que tivesse estado presente no espírito do legislador de então. Pura e simplesmente porque para as penas acessórias não foi transposto o pensamento que preside à doutrina geral das penas (…).
O legislador do CP de 1982 não estabeleceu para as penas acessórias as regras do cúmulo jurídico em situações de concurso efectivo não porque não o tenha querido fazer. Não porque se tenha esquecido. Mas tão-somente porque não as assumiu como verdadeiras penas. Vista assim a questão, urge que o legislador penal se debruce sobre as penas acessórias, optando por um de dois caminhos: ou as elimina do ordenamento jurídico-penal português, porque assume que algumas delas deveriam ser transformadas em medidas de segurança e outras em penas principais. Ou considera que para elas é necessário criar um verdadeiro sistema jurídico que, de uma vez por todas, as considere como verdadeiras penas, embora acessórias”.
Não cremos, com o devido e merecido respeito, que seja esta a melhor doutrina, como tentaremos demonstrar.
Em termos sistemáticos, no Capítulo III, do Livro I, do Título III, o Código Penal vigente inclui as penas acessórias, que assim lhes chama – art.ºs 65º, 66º, 67º e 69º.
E distingui-as dos chamados efeitos das penas – art.º 68º.
Ora, o legislador bem conhece o alcance da distinção, o que o intérprete tem de presumir – art.º 9º do C. Civil.
No que diz respeito à pena de proibição de conduzir veículos motorizados, afirmava Figueiredo Dias[19], com a autoridade que lhe é reconhecida, quando o C. Penal não consagrava a medida, ou seja, antes da revisão de 1995:
“O CP regula nos art.ºs 66º e ss, como penas acessórias somente (…). Resulta, porém, que a lei pode criar ou prever outras penas acessórias”.
E, e criticando um recente (então) acórdão do STJ, afirmava[20]:
“O Ac STJ de 92ABR29 veio fixar jurisprudência sobre a qualificação (!) da inibição da faculdade de conduzir, extraindo a seguinte conclusão: «A inibição da faculdade de conduzir, estatuída no art. 61.° do CE, constitui uma medida de segurança». Independentemente da bondade material da solução alcançada - da qual discordamos, por nos parecer que a consideração diferenciada acima exposta é a única que se compagina com os (sem dúvida obscuros e imperfeitos) preceitos vigentes aplicáveis em tal matéria -, mal se compreende que o STJ fixe jurisprudência sobre a qualificação de uma reacção criminal; a não ser para efeitos (ilegítimos) de, futuramente, se dever deduzir o regime a partir do conceito, confundindo-se a função normativa (definida pelo regime) com a função conceitual classificatória (a cargo do intérprete).
Seja como for quanto ao ponto acabado de considerar, deve, no plano de lege ferenda, enfatizar-se a necessidade e a urgência político-criminais de que o sistema sancionatório português passe a dispor - em termos de direito penal geral e não somente de direito penal da circulação rodoviária - de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados. Uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável. Uma tal pena - possuidora de uma moldura penal específica - só não teria lugar quando o agente devesse sofrer, pelo mesmo facto, uma medida de segurança de interdição da faculdade de conduzir, sob a forma de cassação da licença de condução ou de interdição da sua concessão.
As razões político-criminais que justificam a aludida necessidade e urgência de uma regulamentação deste tipo são (infelizmente) por demais óbvias entre nós para que precisem de ser especialmente encarecidas. Se, como se acentuou, pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (infra § 307). Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”.
O legislador ordinário “ouviu-o” e, na revisão do C. Penal de 1995, a cuja Comissão de Revisão[21] presidiu o próprio Figueiredo Dias, introduziu a actual redacção do art.º 69º sob a epígrafe “proibição de conduzir veículos motorizados”.
E introduziu o preceito no Capítulo III do Livro I, do Título III, que consagra as penas acessórias.
O que foi querido pelo legislador.
Elemento sistemático e espírito do legislador impõem se conclua que a medida de proibição de conduzir veículos motorizados é uma pena, embora acessória.

As penas acessórias só podem ser aplicadas se e quando for aplicada uma pena principal e visam proteger determinados bens jurídicos colocados em perigo com a prática do crime.
Considerando-se, como se considera, que pelo facto de a sua aplicação ser da responsabilidade de um Juiz não há violação do princípio constitucional da não automaticidade das penas, importa apurar qual a pena que, no caso, é a justa e adequada, entendendo-se, no seguimento de Jescheck[22], que a proibição de conduzir está pensada como uma advertência que, por razões de prevenção geral e especial, se impõe ao culpado de uma infracção rodoviária sempre que seja de presumir que ainda possui a aptidão necessária para conduzir veículos com motor, importa apurar a pena concreta que é justa e adequada ao caso em apreço.

In casu, o arguido vem de ser condenado pela prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art.º 292º do C. Penal.
A alínea a) do n.º 1 do art.º 69º do C. Penal manda que seja condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por esse tipo legal.
Porque de pena se trata, em obediência ao princípio da unidade do direito, a sua aplicação está sujeita ao critério de aplicação das penas principais.
No dizer do STJ[23], “A medida concreta da pena é um puro derivado da concepção que o ordenamento jurídico adopta em matéria de sentido, limites e finalidades da aplicação das penas”, pelo que, na sua aplicação, tem de se ter em conta, para além de todo o referido no art.º 71º do c. Penal, o bem jurídico protegido pelo tipo legal violado e bem assim os fins preventivos das penas – art.º 40º do C. Penal.
Jamais esquecendo que a medida da culpa limita a medida da pena – n.º 2 do art.º 40º do C. Penal.
Por isso, o critério de aplicação das penas acessórias é rigorosamente o mesmo do das penas principais, a que supra se faz alusão.

No caso em apreço, o arguido ingeriu bebidas alcoólicas e, apesar disso, não se absteve de conduzir, bem sabendo que o não podia fazer.
Tinha perfeito conhecimento do carácter ilícito e censurável da sua conduta.
Ou seja, agiu com dolo directo.
A culpa permite a aplicação de uma pena acessória a rondar, em ambos os casos, os 12/13 meses de proibição de conduzir.
Conduziu, num dia, com 2,04g/l; e no outro, seguinte, com 1,24g/l.
Com a taxa de alcoolemia de 2,04 g/l, como se referiu, o fenómeno da diplopia ou visão dupla torna-se realidade.
Sabido que “as normas que regulam o trá­fego rodoviário visam, em um primeiro momento, traduzir a ordenação social do viver comunitário e, mediatamente, tantas vezes, a protecção de bens jurídicos pessoais, como a vida e a integridade física de todos aqueles que participam naquele pedaço de vida comunitária”[24], in casu, tanto a segurança rodoviária como os restantes bens protegidos pela norma foram postos em sério perigo pela condução do arguido atento a elevada TAS e o consequente fenómeno da diplopia[25].
A imagem global do facto é, pois, naquele caso, altamente negativa já que tanto o grau de contrariedade à lei, como a grandeza da ilicitude são elevados.
A referida ilicitude do comportamento do arguido aconselha a aplicação de uma pena bem próxima do máximo permitido pela culpa.
A baixa (se assim se pode considerar) TAS, no outro caso, aconselha a aplicação de pena acessória bem menor.
Por outro lado, vistos os bens jurídicos protegidos pela norma, conhecidos pelas estatísticas oficiais os inúmeros acidentes mortais provocados pela condução em estado de embriaguez, especialmente quando a TAS é mais do que quatro (4) vezes superior ao máximo permitido por lei, resulta evidente que “os propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada (aqui o art.º 275º do CP) reclamam uma intervenção forte do direito penal sancionatório, por forma a que a aplicação da pena, no seu quantum, responda às necessidades de tutela do bem jurídico assegurando a manutenção, apesar da violação da norma, da confiança comunitária na prevalência do direito”[26].
O que vale por dizer que a prevenção geral exige a aplicação de uma pena acessória que faça com que os destinatários da norma se inibam de a violar pois devem sentir que, se o fizerem, a reacção penal é suficientemente pesada e, por isso, eficaz, mas tendo sempre presente que a “função do direito penal de protecção de bens jurídicos não se transforma, nem em terror (prevenção geral negativa), nem numa abusiva intromissão na esfera íntima do indivíduo (prevenção geral positiva alargada)[27].
Só desta forma, e na esteira de Günter Jakobs[28], se pode afirmar que a pena exerce “uma função preventiva (…) para exercitar a confiança na norma (…) aumentando a probabilidade de que esse comportamento seja apreendido pela comunidade de forma considerá-lo como aquele que não se deve ter”.
Para além da função preventiva geral, a pena tem ainda uma função preventiva especial, que sirva de “intimidação do autor do crime para que não reincida, e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa (Vide, a propósito, v.g. Roxin in “Derecho Penal - Parte Especial”, Tomo I, Madrid, Civitas, 1997, pág.86)”[29].
O arguido já anteriormente foi condenado por três vezes pela prática do mesmo crime.
No entanto, está inserido socialmente.
Crê-se (e deseja-se), por isso, que não voltará a delinquir.
Tudo ponderado, entende-se dever condenar o arguido nas penas acessórias de proibição de conduzir pelos períodos de 12 meses e de 6 meses, relativamente às TAS de 2,04 g/l e 1,24 g/l, respectivamente

Face à literalidade do art.º 77º do C. Penal, aqui decisiva, é evidente que as penas acessórias não podem ser objecto de cúmulo jurídico, devendo, antes, ser cumuladas materialmente.
Assim tem decidido, de forma uniforme e concordante toda a jurisprudência[30], que se subscreve sem qualquer reserva, e para cujos fundamentos se remete.

DECISÃO:
Termos em que, no provimento do recurso, se revoga a douta sentença recorrida, que se substitui por acórdão que condena o arguido B…, divorciado, motorista, nascido em 02/03/1969, natural de …, Vale de Cambra, filho de C… e de D…, residente na …, …, pela forma seguinte:
- Na pena de 9 meses de prisão pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º do C. Penal, perpetrado em 14 de Julho de 2012;
- Na pena de 6 meses de prisão pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo art.º 292º do C. Penal, perpetrado em 15 de Julho de 2012.
Em cúmulo jurídico, vai condenado na pena única de 13 meses de prisão, que se declara suspensa na sua execução por igual período.
Mais vai condenado na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 12 meses pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º do C. Penal, perpetrado em 14 de Julho de 2012; e na pena acessória de 6 meses de proibição de conduzir pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º do C. Penal, perpetrado em 15 de Julho de 2012. Penas essas que se cumulam materialmente.

Sem tributação.

Porto, 6.03.2013
Francisco Marcolino de Jesus
Élia Costa de Mendonça São Pedro
________________
[1] Direito Penal, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, páginas 331 e 332.
[2] Idem, pg. 333
[3] Faria da Costa, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 141º, pg. 63
[4] Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro de 1993, p. 186 e segs.
[5] Segundo Roxin, a aplicação da pena pelo juiz, serve, em primeiro lugar, de complemento à função de prevenção geral própria da cominação legal pela confirmação da seriedade da ameaça abstracta expressa pela lei, nunca ultrapassando a culpa do autor pois de contrário este seria utilizado como meio para os demais (a função da pena no momento legislativo é a de protecção de bens jurídicos e prestações públicas imprescindíveis mediante a ameaça de uma sanção, que tem de constar do tipo atendendo ao princípio da legalidade); e, num segundo momento, serve a prevenção especial fazendo sentir ao delinquente a necessidade de não voltar a violar bens jurídicos fundamentais pela afirmação contrafáctica da validade da norma.
[6] Figueiredo Dias in Temas Básicos de Direito Penal, p. 105
[7] Ac. do STJ de 17.03.99, citado pelo Ac. do mesmo Tribunal, de 14.03.01 in CJ, Acs. do STJ, IX, 1, 249).
[8] A posição jurídica do recluso, pg. 78 e segs.
[9] Ac do STJ de 13/05/2009, CJ, Acs do STJ, XVII, II, p. 220).
[10] Figueiredo Dias, ob. cit., pg. 344, citando Jescheck
[11] Apesar de a lei impor a fixação de uma pena acessória em determinados casos, defende Figueiredo Dias, Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, pg. 162 que “não foi intenção da lei admitir a automaticidade dos efeitos de certos crimes; ela terá pretendido unicamente chamar a atenção para que o legislador poderia criar, em casos legalmente determinados e em atenção aos crimes respectivos, outras penas acessórias para além das mencionadas nos art.ºs 65.° e 69.° Ainda nestes outros casos os efeitos não serão pois automáticos, antes (na expressão logo usada a propósito por Ferrer Correia na Comissão Revisora) a liga­ção será feita pela lei, mas sempre por «intermédio do juiz»”, o que justifica a declaração de conformidade constitucional sempre proclamada pelo TC.
[12] Sentir Direito, consultado na página da Google
[13] No mesmo sentido, Figueiredo Dias, ob. cit., pg. 54
[14] Francisco Muñoz Conde e Mercedes Garcia Arán, Derecho Penal, Parte General, 2ª edição revista, Tirante Lo Blanch, pg. 501
[15] Ver Maia Gonçalves, Código Penal Português, 3ª edição, Livraria Almedina 1977, pg. 175
[16] Lições de Direito Penal, Parte Geral, II vol., Editorial Verbo, pg. 57
[17] Ibidem
[18] Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 136º, n.º 3945, pgs. 322 e segs.
[19] Ob. cit., pg. 163
[20] Ob. cit., pgs. 164-165
[21] Em sede de Comissão de Revisão, Figueiredo Dias limitou-se a afirmar que “a consagração desta pena corresponde a uma necessidade político criminal” – Actas, pg. 75 – subentendendo-se que teve presente a sua doutrina, supra transcrita
[22] Tratado de Derecho Penal, Bosch, Barcelona, 1981, Vol. II, pg. 1090-1091
[23] Ac do STJ de 4-05-2011, processo 1702/09.1JAPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt
[24] Faria da Costa, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 141º, pg. 63
[25] Recorde-se que se trata de um crime de perigo abstracto – neste sentido Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pg. 1093 - e, por isso, o perigo a que se alude nada tem que ver com o concreto perigo que não resultou demonstrado no caso dos autos
[26] Ac do STJ de 9-06-2011, processo 4095/07.8TPPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt
[27] MIR PUIG, Funcion de la pena, p. 30, citado por Anabela Miranda Rodrigues, A determinação da medida da pena privativa de liberdade, Coimbra Editora 1995, pg. 259, nota 267
[28] Derecho Penal, Parte General, Marcial Pons, 2ª edição corrigida, Pg. 18
[29] Ac do STJ de 6/1/2011, CJ, Acs do STJ, XIX, I, 171
[30] Por todos, os Acs da RP de 7/12/2011, processo 626/10.4GAPFR.P1, e da RC de 28/03/2012, processo 79/10.7GCSEI.C1, ambos in www.dgsi.pt