Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
Descritores: | ACUSAÇÃO CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE OMISSÃO CONSEQUÊNCIAS | ||
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Nº do Documento: | RP2021052646/19.5PEMTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/26/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Depois do AFJ nº 1/2015 é pacifico o entendimento sobre o conteúdo da acusação e sua consequências. II - A falta de descrição na acusação e no acórdão dos elementos relativos á consciência da ilicitude, não releva, a não ser nos casos abrangidos pela previsão contida no artigo 17º do Código Penal, ou seja, apenas releva se for devido a erro do seu autor que não lhe é censurável. III - Estando enraizada na comunidade a ilicitude da conduta, a descrição da consciência da ilicitude não tem de constar com caracter obrigatório da acusação e da decisão, com vista à sua condenação, mas apenas se tiver carácter axiologicamente neutro e se desconhecer sem culpa tal valoração de ilícito da acção empreendida. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Rec nº 46/19.5PEMTS.P1 TRP 1ª Secção Criminal Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto No Proc. C. C. 46/19.5PEMTS do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Criminal de Vila do Conde - Juiz 5 em que é arguido B… Por acórdão de 28/1/2021 foi decidido: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes que compõem este Tribunal Colectivo acordam em:a) condenar o arguido B… pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3º, nº1 e nº2, do DL 2/98, de 3-01, na pena de 9 (nove) meses de prisão; b) condenar o arguido B… pela autoria material consumada de um crime de tráfico, previsto e punido pelo artigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 5/93, de 22 de Janeiro, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; (absolvendo-o consequentemente da acusação que lhe imputava a prática de um crime de tráfico, previsto e punido pelo artigo 21º n.º 1 do Decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à Tabela Anexa I-B) c) operar o cúmulo jurídico das penas parcelares referidas nas antecedentes alíneas a) e b) e condenar o arguido B… (pela prática dos dois crimes ali mencionados) na pena única de (dois) anos de prisão efectiva; d) condenar o arguido no pagamento de 3,5 UC’s de taxa de justiça e das demais custas do processo; e) declarar perdida a favor do Estado a matéria estupefaciente apreendida, ordenando que, após o trânsito em julgado da presente decisão, a mesma seja destruída em conformidade com o estabelecido no artigo 62º do DL nº15/93 de 22-01; f) determinar que, após o trânsito em julgado da presente decisão, o dinheiro apreendido seja restituído ao arguido (cumprindo-se, para isso, o disposto no artigo 186º, nº3 do Código do Processo Penal), sem prejuízo, porém, do direito de retenção previsto no artigo 34º do Regulamento das Custas Processuais. * Notifique e informe o estabelecimento prisional onde o arguido se encontra.Após trânsito, remeta boletim aos serviços de identificação e registo criminal, comunique ao T.E.P., e, caso o arguido se mantenha em situação de reclusão, solicite ao processo à ordem do qual ele se encontra que providencie pela colocação do mesmo em cumprimento da pena de prisão efectiva em que ora vai condenado.” Recorre o arguido o qual no final da respectiva motivação apresenta as seguintes e extensas conclusões: 1º O presente recurso assenta na reapreciação da prova gravada pois, na ótica do Recorrente, o Tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida em audiência de julgamento. Desta feita, o Recorrente transcreve infra as passagens relevantes da prova produzida em plena audiência de julgamento e que na ótica do Arguido impõe decisão diversa da recorrida. 2º Gravação 20210121112604_15765128_2871570.mp3 - minutos 00:00:50 a 00:01:14. Gravação 20210121112604_15765128_2871570.mp3 – minutos 00:06:10 a 00:07:25 Gravação 20210121110853_15765128_2871570.mp3 – minutos 00:00:03 a 00:00:29 Gravação 20210121110853_15765128_2871570.mp3 – minutos 00:01:02 a 00:01:55 Gravação 20210121110853_15765128_2871570.mp3 – minutos 00:03:49 a 00:07:14 3º Findo o inquérito, foi o Arguido acusado pelo Ministério Público pela prática de 1 (um) crime de tráfico e outras atividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto- Lei nº 15/93, de 22 de janeiro em concurso efetivo com um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelos artigos 121º a 123º do Código da Estrada e artigo 3º, n.os 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03 de janeiro (Criminalização da condução de veículo automóvel sem habilitação legal); 4º Após a realização da audiência de julgamento e da produção da respetiva prova recolhida em sede de inquérito, o Tribunal a quo decidiu alterar a qualificação jurídica dos factos atinentes à matéria da imputação, condenando o Arguido pela prática, em autoria material/imediata e sob a forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade (cf. artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro) em concurso efetivo com um crime de condução sem habilitação legal , previsto e punido pelos artigos 121º a 123º do Código da Estrada e artigo 3º, n.os 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03 de janeiro (Criminalização da condução de veículo automóvel sem habilitação legal). 5º E, bem assim, condená-lo numa pena de prisão (efetiva e unitária) de 2 (dois) anos. 6º Na perspetiva do Recorrente existiu uma errada valoração da prova produzida em julgamento, tendo o Tribunal a quo, ao decidir da forma como decidiu, violado e/ou aplicado erradamente o preceituado nos artigos 25º e 40º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, artigos 121º a 123º do Código da Estrada e artigo 3º, n.os 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03 de janeiro, artigos 127º e 283º, nº 3, alínea b), do CPP, artigos 40º, 70º e 71º do C.P. e artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa. 7º No que tange ao crime de tráfico de menor gravidade, após a produção da respetiva prova recolhida em sede de inquérito, resultou o seguinte: 8º No dia 12 de novembro de 2019 foi encontrado na posse do Arguido um produto, o qual, submetido a teste rápido, revelou tratar-se de cannabis (resina). 9º Submetido o estupefaciente apreendido ao Arguido a exame pericial, revelou o mesmo ter o peso líquido de 29,909 gramas e revelar um grau de pureza de 16,1%, (cf. fls.); mais, se refere nessa perícia que, de acordo com a Portaria 94/96, de 26 de março, a referida quantidade seria suficiente para 96 doses individuais. 10º Sendo certo que, tal factualidade foi, desde logo, admitida pelo Arguido em pleno início da audiência de julgamento. 11º O Arguido é consumidor de droga desde os 17 (dezassete) anos, tendo restringido, por iniciativa própria, há cerca de 10 anos, o uso de drogas somente ao haxixe. e destinar o estupefaciente que lhe foi apreendido exclusivamente ao seu consumo. 12º Em pleno início da audiência de julgamento, o Arguido confessou perante o Tribunal que a droga encontrada na sua posse era sua e que a mesma se destinava exclusivamente ao seu consumo, sendo certo que a quantidade apreendida lhe daria para cerca de 1 (uma) semana. 13º Esclareceu, ainda, que o dinheiro que estava na sua posse – cerca de €990 (novecentos e noventa euros), era proveniente da remuneração pelo trabalho que exerce como motorista de cargas e descargas na zona industrial de …, Vila do Conde há cerca de 2 anos; 14º O dinheiro apreendido não estava escondido; 15º O haxixe encontrado não estava acondicionado (nos vulgares «sacos», «sabonetes» ou «panfletos») nem tão pouco repartido em pequenas quantidades já divididas, o que constituí uma prática comum do tráfico de estupefacientes; 16º Não foram encontrados na posse do Arguido quaisquer outros objetos relacionados com a prática do crime de tráfico de estupefacientes, mormente balanças, sobretudo de precisão, facas ou canivetes, meios de embalagem disponíveis. 17º Resultou, ainda, do depoimento do Sr. Agente C… que foi o Arguido quem, após ser intercetado, se prontificou a entregar o «haxixe» que detinha consigo, o qual se encontrava no tablier do carro, não estando, portanto, dissimulado, ocultado, sequer escondido. 18º Assim, verifica-se que, além da droga encontrada na posse do Arguido – o qual afirmou destinar-se ao seu consumo em exclusivo – não lhe foram encontrados quaisquer outros objetos tipicamente relacionados com a atividade de tráfico. 19º Não se verificando, assim, no caso sub judice, a «parafernália própria dos traficantes (que os distingue dos vulgares consumidores) que quando apreendida, importa tratar e constitui indício de tráfico». 20º É certo que o Arguido tinha na sua posse quase 30 gramas de haxixe, todavia, tal não poderá constituir indício da prática do crime de tráfico de estupefacientes, na modalidade de aquisição e posterior venda a terceiros. 19º E desde logo porque o crime de consumo (artigo 40º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro) não impõe qualquer limite quantitativo, sendo precisamente esta a fronteira entre o ilícito de mera ordenação social e o crime de consumo. 21º Além do mais, tal como tem sido o entendimento da doutrina, os valores referidos no mapa anexo ao Decreto-lei nº 15/93, de 22 de janeiro não são rígidos, podendo ser considerados «valores de consumo médio individual diferentes em função das caraterísticas individuais do consumidor em questão». 22º Ora, sendo o Arguido B… consumidor de haxixe desde os 17 anos de idade, é perfeitamente compatível a quantidade de haxixe que lhe fora apreendido com a versão que apresenta, a de que a droga era para seu consumo e lhe daria para o período de 1 (uma) semana. Estamos a falar de alguém que consome diariamente e não de forma esporádica. 23º Assim, atenta a prova produzida em julgamento, existe, na perspetiva do Recorrente, uma errada valoração da prova pelo Tribunal a quo, ao não ter dado como provado que a droga apreendida se destinava ao consumo do Arguido, tendo o Tribunal de 1ª instância violado, concomitantemente, o disposto no artigo 127º do C.P.P. 24º Como estabelece ANA RAQUEL CONCEIÇÃO, «Escutas telefónicas – Regime Processual Penal, Quid iuris: Lisboa, 2009, pp. 41-2, «o princípio da livre apreciação da prova «não se pode confundir com o arbítrio ou com apreciações imotiváveis ou incontroláveis, é antes uma apreciação sujeita a uma discricionariedade legal. É uma liberdade de acordo com um dever. Comporta a utilização de critérios objetivos que facilmente consigam convencer os interessados do seu fundamento». 25º Desta feita, tendo em conta a prova recolhida em sede de inquérito e, posteriormente produzida em audiência de julgamento, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que o produto estupefaciente apreendido, «haxixe», se destinava ao consumo em exclusivo pelo Arguido e, bem assim, proceder à alteração da qualificação jurídica e condená-lo pela prática do crime de consumo, p. e p. pelo artigo 40º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro. 26º Vem, ainda, o Arguido condenado por um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelos artigos 121º a 123º do Código da Estrada e artigo 3º, n.os 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03 de janeiro. 27º Todavia, no caso dos autos e com relevância para o preenchimento do tipo incriminador em apreço, resulta do libelo acusatório que o Arguido conduzia um veículo automóvel ligeiro de passageiros na Av. …, Matosinhos, sem que fosse titular de licença de condução ou documento equivalente para o efeito. 28º Ora, ainda que se possa concluir que no despacho de acusação, com a narração da factualidade acima transcrita, existe uma referência aos elementos objetivos do tipo ilícito criminal cuja prática ao Arguido é imputada, o mesmo não poderá já ser sustentado quanto aos elementos subjetivos do crime em apreço. 29º A responsabilidade criminal do agente pressupõe que o mesmo tenha praticado um facto típico, ilícito, culposo e punível (cf. artigo 1.º, alínea a), do Código de Processo Penal – doravante “C.P.P.”), sendo que a conduta praticada terá de lhe ser imputada a título de dolo ou de negligência (cf. artigo 13.º do Código Penal – doravante “C.P.”). 30º Ora, não estando previsto o cometimento do crime de condução sem habilitação legal por negligência, estamos, necessariamente, perante um crime doloso (artigo 13.º do Código Penal), sendo que o núcleo fáctico imputado ao arguido deve contemplar todos os elementos em que se decompõe o dolo (cf. artigo 14.º do C.P.). 31º O elemento cognitivo ou intelectual do dolo implica o conhecimento/representação, por parte do agente, das circunstâncias do facto, i.e., o conhecimento dos elementos materiais constitutivos do tipo objetivo do ilícito. 32º Por sua vez, o elemento volitivo consiste na especial direção da vontade do agente na realização do facto ilícito, sendo em função da diversidade de atitude que nascem as diversas espécies de dolo a saber: o dolo direto (a intenção de realizar o facto), o dolo necessário (a previsão do facto como consequência necessária da conduta), e o dolo eventual (a conformação da realização do facto como consequência possível da conduta). 33º Ora, nos termos do artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do C.P.P, a acusação deve conter, sob pena de nulidade, «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada». 34º E, conforme sustenta o venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto acórdão de 15-05-2019 (Relator: Vasques Osório), «os factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido são, como é evidente, os que preenchem o tipo, objectivo e subjectivo, do crime que na acusação lhe é imputado. O tipo objectivo define o objecto da acção ou da omissão e o tipo subjectivo define a relação particular do agente com essa acção ou omissão». 35º A tal propósito, é de realçar nesta matéria o acórdão de uniformização de jurisprudência nº 1/2015, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 18, de 27 de janeiro de 2015, para quem, «a acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo, tem de conter os aspectos que configuram os elementos subjectivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido acima referido, englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), actuando, assim, conscientemente contra o direito», o que, «costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude)». 36º Faltando todos ou algum dos elementos caracterizadores do dolo na narração da acusação, o conjunto dos factos nela descritos não constituirá crime e, assim sendo, torna a acusação inviável e, consequentemente, manifestamente infundada. 37º Ora, no caso sub judice, da factualidade descrita no despacho de acusação não há qualquer referência ao elemento intelectual do dolo, nem quanto à vontade ou intenção do arguido de conduzir o veículo que conduziu, na via em que o fez e sem habilitação legal para o efeito (elemento volutivo). 38º No despacho de acusação não há, igualmente, qualquer referência à consciência da ilicitude criminal do facto e, como bem salienta o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07-03-2018 (Relator: Orlando Gonçalves), «o comportamento só é pressuposto da sanção quando nele se integra também a consciência do significado jurídico desse mesmo comportamento; não basta a ilicitude objetiva, importa também a culpabilidade e para esta é necessária a consciência da ilicitude dos factos objetivamente ilícitos». 39º Assim, a acusação, enquanto delimitadora do objeto do processo, não contendo os aspetos que configuram os elementos subjetivos do tipo-de-ilícito que ao arguido é imputado, nomeadamente os que caracterizam o dolo, bem como a consciência da ilicitude criminal do facto, é nula (artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal), porquanto, como bem estabelece o nosso STJ, no seu acórdão de fixação de jurisprudência nº 1/2015, «a ausência ou deficiência de descrição na acusação dos factos integradores do respectivo tipo de ilícito incriminador – no caso, descrição dos factos atinentes aos elementos do tipo subjectivo de ilícito – conduz, se conhecida em audiência, à absolvição do arguido» (o sublinhado é nosso). 40º E nem tão pouco poderá proceder a argumentação do Tribunal a quo ao afirmar que «seria suficiente a fórmula genérica usada no artigo 6º e que, conforme explicado, se mostra suficiente para abarcar a globalidade dos elementos subjetivo-psicológicos das práticas criminais imputadas ao Arguido». 41º Da simples leitura do despacho de acusação, é fácil de concluir que a fórmula genérica aposta no artigo 6º ao estabelecer que o Arguido «agiu de forma livre, voluntária e consciente» tem por base APENAS E SÓ a imputação que é feita quanto ao crime de tráfico de estupefacientes! 42º Não pode, igualmente, proceder o argumento invocado no acórdão condenatório de que «dado que nenhum dos crimes exige qualquer dolo específico do agente, a afirmação da liberdade de ação, da vontade, e da consciência da anti-normatividade das condutas do arguido – em bom rigor – nem sequer careciam de ter a expressão que consta na acusação quanto ao crime de tráfico». 43º Como defendem HENRIQUES CABRAL, HENRIQUES DOS SANTOS CABRAL [et al], Código de Processo Penal Comentado, 2ª Edição, Almedina: Coimbra, 2016, p. 949, «não é admissível a “presunção” do elemento subjetivo do crime a partir dos elementos objetivos descritos na acusação. Esta tem que explicitamente descrever os factos que consubstanciam o tipo subjetivo. Assim, tratando-se de crime doloso, a acusação deve conter a referência aos factos que sustentam a imputação do dolo do tipo, ou seja, o elemento intelectual (o conhecimento [por parte do agente] de todos os elementos descritivos e normativos do facto) e o elemento volitivo (vontade de realizar o facto típico), precisando a modalidade em que se exprime essa vontade (intenção direta de praticar o facto); previsão do resultado como consequência necessária da conduta; previsão do resultado como consequência possível da conduta e aceitação do resultado). A estes elementos acresce um terceiro, chamado emocional, que se consubstancia na falta de consciência ética por parte do agente, ou seja, na sua atitude de indiferença perante os valores tutelados pelo direito (tipo de culpa doloso), que igualmente deve constar da acusação». 44º Ora, não existindo no despacho de acusação qualquer referência aos elementos subjetivos do tipo, maxime a referência ao dolo do tipo, bem como a referência à consciência da ilicitude criminal do facto, a conduta em apreço é criminalmente atípica e, consequentemente, teria o Tribunal a quo de ter absolvido o Arguido da prática do crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelos artigos 121º a 123º do Código da Estrada e artigo 3º, n.os 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03 de janeiro. 45º Deve, assim, o Tribunal ad quem proceder à alteração da qualificação urídica do crime de tráfico e outras atividades ilícitas para o crime de consumo e, bem assim, absolver o Arguido da prática do crime de condução sem habilitação legal por ausência, no despacho de acusação, da referência aos elementos subjetivos do tipo-de-ilícito em questão: 46º Não obstante o alegado supra, o Recorrente discorda, igualmente, do quantum da pena aplicada, tendo o Tribunal a quo, ao condenar numa pena de prisão de 2 anos de prisão, desrespeitado os critérios de determinação da medida da pena e as subjacentes finalidades à mesma. 47º Sendo a culpa eminente e primariamente um juízo de censura, que engloba uma certa materialidade que lhe advém da atitude interna do agente manifestada no ilícito, e que o fundamenta como resultado da sua personalidade, com base nos factos provados e após o crivo das circunstâncias atendíveis no plano da culpa para a determinação da pena é necessário considerar que: 48º O dolo existiu na sua forma menos grave. 49º A ilicitude dos factos também não é elevada, uma vez que se está perante um caso isolado de detenção de uma droga que não se encontra entre as de maior poder aditivo e cuja quantidade, 29,900 gamas, atendendo à natureza do produto estupefaciente, não era particularmente elevada. 50º O Arguido é usuário de drogas, tendo optado, há cerca de 10 anos para cá, restringir o seu consumo às drogas leves, onde se insere o haxixe. 51º A droga que estava na posse do Arguido tinha sido adquirida por este para o seu consumo em exclusivo, dada a sua adição às drogas leves, e duraria para cerca de uma semana de consumo, o que já era prática habitual. 52º Acresce que o Arguido, quer na fase de inquérito perante os órgãos de polícia criminal, quer em audiência de julgamento perante o Tribunal Coletivo, prescindiu do seu direito ao silêncio, confessando os factos, sem reservas e de forma esclarecedora, sendo tal atitude demonstrativa da sua capacidade de assumir a culpa e de autocensura, tudo mitigando o juízo de censura a exercer sobre o seu comportamento. 53º Considerando o binómio culpa /prevenção, afigura-se-nos desadequada, desproporcional e injusta, a pena aplicada pelo Tribunal “a quo”, ao Arguido. 54º Ao ter aplicado a pena que determinou, a 1ª Instância proferiu uma decisão injusta e ilegal, por violação do estatuído nos artigos 71º, n.os 1 e 2, 74º e 40º, n.os 1 e 2, todos do C.P., bem como, o princípio da proporcionalidade e da adequação e, bem assim, o disposto no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa. 55º Ao ter aplicado a pena que aplicou, o Tribunal a quo violou, ao demais, o princípio da culpa, enquanto pressuposto e limite da punição, o qual encontra consagração constitucional (cf. artigo 2º da C.R.P.). 56º Como estabelece FIGUEIREDO DIAS, in «Temas Básicos da Doutrina Penal», Coimbra: Coimbra Editora, 2001, pp. 109 e ss, «a verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar». 57º Por todo o exposto, deve a decisão condenatória da qual ora se recorre ser revogada e substituída por outra que condene o Recorrente numa pena de prisão nunca superior a 1 (um) ano. IV – Pedido Nestes termos e nos demais de Direito, que V.as Ex.as doutamente suprirão, deve o presente Recurso merecer provimento e, consequentemente, ser o douto acórdão ora impugnado substituído por outro que declare:A) A alteração da qualificação jurídica do crime de tráfico de menor gravidade para o crime de consumo, previsto e punido pelo artigo 40º do Decreto-Lei nº 15/936, de 22 de janeiro; B) A absolvição do Recorrente face ao crime de condução sem habilitação legal pelo qual foi condenado, por total ausência, no despacho de acusação, da referência aos elementos subjetivos deste tipo-de-ilícito; C) A determinação da medida concreta da pena de prisão aplicada para um quantum máximo de 1 (um) ano.” O Mº Pº respondeu defendendo a improcedência do recurso Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.Foi cumprido o artº 417º2 CPP Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência. Cumpre apreciar. Consta do acórdão recorrido (transcrição): “A) MATÉRIA DE FACTO PROVADA Discutida a causa, julgam-se provados os seguintes factos:1) No dia 12 de Novembro de 2019, por volta das 00h40, o arguido B… conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-ID-.., na Av. …, Matosinhos, quando foi interceptado por uma patrulha da PSP. 2) Conduzia-o, porém, sem ser titular de licença de condução ou documento equivalente para o efeito. 3) O arguido transportava consigo um produto de cor castanha, que, submetido a exame pericial, acusou ser Cannabis (resina), vulgo “haxixe”, com um peso líquido de 29,909 gramas e um grau de pureza de 16,1%, o que, de acordo com os cálculos da Portaria nº94/96, de 26 de Março, corresponde a 96 doses médias individuais diárias. 4) O arguido conhecia bem a natureza e características estupefacientes do produto que detinha, estando consciente que a sua aquisição, cedência, detenção e venda, sem as necessárias autorizações e naquelas quantidades, era proibida e punida pela lei penal. 5) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente. 6) O arguido B… é o único filho do casamento dos pais e beneficiou de ambiente familiar afectuoso e organizado junto do agregado familiar de origem até à ruptura da conjugalidade parental, acontecimento ocorrido quando tinha cerca de oito anos de idade que foi vivido por si com alguns sentimentos de revolta. 7) Ficando sob o cuidado educativo da figura materna, B… prosseguiu a formação académica até à frequência do 10 ano sem o ter completado ou obtido qualquer qualificação profissional alternativa. 8) Após o abandono da escolarização iniciou de imediato actividade laboral na área da construção civil conjuntamente com um seu tio, experiência de curta duração por não ter correspondido às suas expectativas. 9) B… é usuário de drogas desde os 17 anos de idade, comportamento que surgiu associado às convivências com pares e que evoluiu para um estado de abuso, concomitante com uma fase de sucessivas dificuldades em empreender uma ocupação laboral regular e a melhoria das condições sociais que permitissem assegurar a sua autonomização. 10) Nesse contexto, foi tendo sucessivos contactos com o sistema de administração da justiça penal, sendo condenado em diversas penas não privativas da liberdade. 11) Por iniciativa própria, há cerca de 10 anos, restringiu o uso de drogas somente ao haxixe. 12) Fruto de um relacionamento amoroso com uma anterior companheira, o arguido tem um filho com cerca de sete anos de idade, o qual se encontra entregue aos cuidados da respectiva mãe. 13) Na altura dos factos, mantinha um relacionamento com D…, com a qual, entretanto, viria a organizar um agregado próprio, domiciliado na Rua …, ..., …, 4150-213 Porto. 14) Em 11-07-2020, ingressou no Estabelecimento Prisional do Porto, em situação de prisão preventiva à ordem do Processo 2/18.0PFGDM. 15) Nessa altura, vivia em casa da companheira, juntamente com esta e um filho da mesma, menor de idade. 16) A conduta assumida em meio prisional por B… foi alvo de uma repreensão escrita. 17) Beneficia de condições de saúde e aptidões generalizadas que lhe permitem a realização pessoal e social e iniciou a frequência do ensino secundário, manifestando interesse em obter a habilitação do 12º ano. 18) Recebe visitas regular da companheira, tendo, no presente mês de Janeiro de 2021, nascido um filho desse relacionamento. 19) Mantém enquadramento familiar junto do agregado da companheira, ainda que projecte retornar ao agregado singular materno até conciliar um rendimento fixo. 20) A mãe do arguido reside há cerca de 19 anos na Rua …, …,. ….-… …, Vila do Conde, em habitação de construção recente adquirida por recurso a crédito bancário, configurada em apartamento de tipologia 2 e inserida em zona com características rurais. 21) A mãe do arguido exerce as funções de controladora de qualidade em empresa de confecções, sedeada na Maia, aufere um rendimento mensal que acrescido de trabalho extraordinário pode atingir os €800,00, com os quais suporta os seus encargos e independência. 22) B… projecta retomar a actividade laboral de ajudante de motorista nas cargas e descargas em armazém situado na zona industrial …, antecipando um rendimento de €25,00 por camião que tornará concretizável um rendimento mensal de cerca de €650,00. 23) Beneficia do apoio próximo da mãe e mantém contactos com o pai. 24) O arguido possui os seguintes antecedentes criminais: a) condenação transitada em julgado no ano de 2011 numa pena única de 4 meses de prisão, substituída por multa, pela prática, no ano de 2009, de 4 crimes de roubo, 1 dos quais sob a forma de tentativa; b) condenação transitada em julgado no ano de 2011 numa pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática, no ano de 2009, de 1 crime de tráfico de menor gravidade; c) condenação transitada em julgado no ano de 2013 numa pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução durante 1 ano e 3 meses, pela prática, no ano de 2012, de 1 crime de tráfico de menor gravidade; d) condenação transitada em julgado em 6-04-2017 numa pena de 110 dias de multa, à taxa diária de €:5,50, pela prática, em 13-02-2017, de 1 crime de condução sem habilitação legal; e) condenação transitada em julgado em 16-03-2018, numa pena de pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução durante 1 ano, pela prática, em 1-02-2018, de 1 crime de condução sem habilitação legal. B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir, designadamente que:a) A quantia monetária que o arguido transportava era proveniente da venda de produto estupefaciente. b) O arguido detinha a substância estupefaciente referida em 3) dos Factos provados para cedência e venda a terceiros consumidores, o que já aconteceu em número não determinado de vezes, actividade essa a que se dedicava com o intuito de obter compensações monetárias. C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO A convicção do tribunal para fixar os factos provados e não provados baseou-se desde logo na confissão que o arguido E… efectuou quanto ao facto de, no dia, hora e local referidos na acusação, estar na posse do produto estupefaciente que se encontra mencionado no auto de apreensão de fls.9 dos autos e cujos natureza, peso e grau de pureza se encontram expressos no relatório de exame toxicológico de fls.109.Por outro lado, resultou também do testemunho do agente da Polícia de Segurança Pública F… que o arguido havia sido abordado na sequência de uma acção de fiscalização quando estava a conduzir o veículo automóvel de marca “Smart” cujos demais dados identificativos constam no auto de notícia de fls.7-8. C… referiu ainda que, no âmbito da intervenção policial, viria a verificar que o arguido não era titular de carta de condução, facto este que resulta provado nos autos face ao teor da informação documentada a fls. 29 vº. Tendo-se afigurado pacífico também que B… estava a conduzir a viatura e tinha consigo o produto estupefaciente apreendido de forma perfeitamente livre e voluntária (ele era, aliás, o único ocupante da viatura que tripulava), considerou-se também provado que, conforme resulta de todas as regras de experiência comum e ante a inexistência de qualquer elemento que aponte em sentido contrário, o arguido, sob o ponto de vista subjectivo, tinha perfeita consciência da natureza estupefaciente do produto que estava na sua posse e da proibição geral que incide sobre a sua aquisição, cedência, detenção ou venda, bem como do carácter ilícito dos factos em que estava envolvido, De todo o modo, entendeu já o tribunal não haver prova segura sobre o fim a que o arguido destinava o produto estupefaciente que tinha consigo. Com efeito, apesar das suspeitas decorrentes do facto de, na altura, o arguido ter consigo também a quantia de 990 €uros, em numerário e distribuída por 49 notas de 20€ e 1 nota de 10€ (cfr. auto de apreensão de fls.9 e fotos de fls.13-14), não se apuraram quaisquer outros elementos que permitam determinar com um mínimo de segurança qual a proveniência do dinheiro (que nada nos garante provir de vendas de droga), nem, por outro lado, permitam saber qual o destino efectivo que o arguido pretendia dar ao haxixe. É certo que o arguido prestou declarações no sentido de que, no final da tarde do dia 11-11-2019, recebeu 1.075,00 €uros em numerário para pagamento da mensalidade devida pelos serviços de carga e descarga de camiões que efectuava num armazém “de chineses” situado na Zona Industrial … (Vila do Conde) com o qual viria a comprar, junto ao Bairro …, o haxixe que foi apreendido e que - segundo o que afirmou - se destinava ao seu próprio consumo. Todavia, estas declarações mereceram sérias reservas, já que, para além da anormalidade que é alguém andar a circular de noite com a quantia em dinheiro que foi apreendida, escapa a todas as regras de normalidade que uma pessoa que preste serviços de carga e descarga de camiões em regime informal seja remunerada mensalmente, mais anormal sendo ainda que, caso efectivamente o dinheiro tivesse uma proveniência lícita, o arguido B… não tivesse, aquando do acto de apreensão, esboçado perante os agentes apreensores qualquer tentativa de explicação destinada a evitar ser desapossado do mesmo, o que, conforme foi explicado por F…, não aconteceu. Acresce que o arguido, a dado passo referiu que teria recebido da sua entidade patronal, entre outras, algumas notas com o valor facial de 50,00 euros, facto que parece desmentido por não ter sido apreendida qualquer nota de tal valor. Ainda assim, o facto de se duvidar seriamente da credibilidade das declarações do arguido - que, de resto, nem sequer se mostraram apoiadas por qualquer outro meio de prova - não pode constituir motivo para se extrapolar sobre qual era o efectivo contexto em que se inseria a actuação do arguido, tendo o tribunal entendido que in casu escassearam manifestamente factos que autorizassem a que, mesmo com recurso a meios de prova indirecta, se concluísse que o dinheiro que o arguido tinha consigo proviesse de tráfico de produtos estupefacientes (pois, com igual plausibilidade, podem-se formular diversas outras hipóteses) ou que o pedaço de haxixe apreendido se destinasse a ser cedido ou vendido a terceiros. Por tudo quanto se acaba de expor, considerou o tribunal colectivo que não sobreveio prova nem de que o produto estupefaciente, como B… afirmou, se destinava exclusivamente ao consumo do arguido, nem de que tal produto se destinava aos fins referidos na acusação, subsistindo apenas, ante a multiplicidade de possibilidades existentes, o facto objectivo da detenção de cannabis (resina) que o arguido transportava no interior do veículo automóvel que conduzia. Finalmente, refira-se que se considerou o teor do relatório social de fls. 174 a 177 e da informação de fls.135 para, em conjugação com algumas explicações de pormenor prestadas pelo arguido e os dados decorrentes do certificado do registo criminal de fls. 153 a 159, se caracterizar a evolução do percurso de vida de B… e respectivos antecedentes criminais. * São as seguintes as questões a apreciar:- Impugnação da matéria de facto - Ausência de elementos subjectivos e consciência da ilicitude, do crime de condução ilegal- Medida da pena O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in DR. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor:“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto. * Destes o arguido nenhum desses invoca e vista a decisão recorrida também não os vislumbramos. Vejamos a questões colocadas: Nos termos do n.º 1 do art.º 428º do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito, e podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto artº 431º CPP), pela via da “revista alargada” dos vícios do artº 410º2 CPP (supra) e através da impugnação ampla da matéria de facto regulada pelo artº 412º CPP. Na revista alargada está em causa a apreciação dos vícios da decisão, cuja indagação tem de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos à decisão, como os dados existentes nos autos ou resultantes da audiência de julgamento (cf. Maia Gonçalves, CPP Anotado, 10 ª ed. pág. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal Vol. III, verbo 2ª ed. pág. 339, e Simas Santos et alli, Recursos em Processo Penal, 6ª ed. pág. 77), nos termos explanados já; No 2º caso - impugnação ampla - a apreciação da matéria de facto alarga-se à prova produzida em audiência (se documentada) mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhes é imposto pelos nºs 3, 4 do artº 412º CPP, nos termos dos quais: “3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; a) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas; 4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do nº2 do artigo 364º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. (…) 6. No caso previsto no nº4 o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.” Mas há que ter presente que tal recurso não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um remédio para eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida (erros in judicando ou in procedendo) na forma como o tribunal recorrido apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, pelo que não pressupõe a reapreciação total dos elementos de prova produzidos em audiência e que fundamentaram a decisão recorrida, mas apenas aqueles sindicados pelo recorrente e no concreto ponto questionado, constituindo uma reapreciação autónoma sobre a bondade e razoabilidade da apreciação e decisão do tribunal recorrido quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para essa reapreciação o tribunal verifica se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida e em caso afirmativo avalia-os e compara-os de molde a apurar se impõem ou não decisão diversa (cf. Ac. STJ 14.3.07, Proc. 07P21, e de 23.5.07, Proc. 07P1498, in www. dgsi.pt/jstj). A especificação dos “concretos pontos de facto” constituem a indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, e as “concretas provas” consistem na identificação e indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida, e havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, e dentro destas tem o recorrente de indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação; Mas o Tribunal pode sempre apreciar outras que ache relevantes (nº 4 e 6 do artº412º CPP) Todavia o conhecimento da prova indicada pelo recorrente está limitado à sua concreta indicação (e/ou transcrição) na medida em que o recorrente delimita desse modo a impugnação e o conhecimento, delimitação que o STJ através do nº Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012 in DR 18/4/2012 legitima “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações” Mas mesmo essa reapreciação, como assinala o STJ ac. de 2/6/08, no proc. 07P4375, in www.dgsi.pt. sofre as limitações consistentes nas que decorrem - da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, restringindo como assinalado o conhecimento aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, e - da falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações, postergando-se assim a “sensibilidade” que decorre de tais princípios; e resultam - de a análise e ponderação a efectuar pela Relação não constituir um novo julgamento, porque restrita à averiguação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros indicados pelo recorrente; e de - o tribunal só poder alterar a matéria de facto impugnada se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art. 412º) (cf. também o Ac. RLx de 10.10.07, no proc. 8428/07, em www.dgsi.pt/jtrl), e não apenas a permitirem; Acresce, em consonância com o descrito, que a reapreciação da prova na 2ª instância, limita-se a controlar o processo de formação da convicção decisória da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/ fundamentação da decisão, e neste recurso de impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação não vai à procura de uma nova convicção - a sua - mas procura saber se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido na fundamentação tem suporte adequado na prova produzida e constante da gravação da prova por si só ou conjugados com as regras da experiencia e demais prova existente nos autos (documental, pericial etc..) e, em face disso, obviamente o controlo da matéria de facto apurada tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, mas não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, tendo presente que como expressa o Prof. Figueiredo Dias, in Dto Proc. Penal, 1º Vol. Coimbra ed. 1974, pág. 233/234, só aqueles princípios da imediação e da oralidade “… permitem …avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações pelos participantes processuais”. Tal significa que sem dispor da apreciação directa e imediata da prova, ao tribunal de recurso cabe apenas averiguar se existe o erro de julgamento na fixação da matéria de facto, por se evidenciar que as provas valoradas pelo tribunal recorrido eram provas proibidas ou o foram com violação das regras sobre a apreciação da prova, e nomeadamente o principio da livre apreciação, do princípio in dubio pro reo ou prova vinculada, ou as regras da experiencia ou ainda se a convicção formada pelo tribunal de recurso não era possível, pois se for uma das possíveis não pode o tribunal de recurso interferir nessa apreciação. Mesmo assim a apreciação que o tribunal pode fazer está condicionada à concreta passagem gravada indicada pelo recorrente na motivação e na transcrição que efectua, pois não pode reapreciar toda a prova como se de um 2º julgamento se tratasse; No caso presente o recorrente não indica que factos constantes do acórdão pretende ver como não provados ou o inverso (pois ficou não provado que destinasse o estupefaciente a venda e cedência a terceiros) mas pretende que fique provado que destinava tal droga a seu consumo pessoal exclusivo, o que a seu ver teria resultado da discussão da causa. Estando apenas isso em causa e devidamente delimitada a questão que foi apreciada na decisão recorrida, há que apreciá-la. Indica como prova que imporia decisão nesse sentido: - As declarações do arguido que tal declarou; - depoimento do agente autuante F…, agente da PSP, a quem o arguido ao ser questionado deu a conhecer e entregou a droga que trazia no porta luvas; Analisadas tais provas e confrontando com a fundamentação do acórdão, cremos que as mesmas não impõem decisão diversa. Na verdade, as provas são as mesmas e foram ponderadas no acórdão recorrido, que tal como não deu como provado que a droga fosse para venda a terceiro também não pode concluir que fosse para seu exclusivo consumo, explicando na fundamentação que: “entendeu já o tribunal não haver prova segura sobre o fim a que o arguido destinava o produto estupefaciente que tinha consigo. Com efeito, apesar das suspeitas decorrentes do facto de, na altura, o arguido ter consigo também a quantia de 990 €uros, em numerário e distribuída por 49 notas de 20€ e 1 nota de 10€ (cfr. auto de apreensão de fls.9 e fotos de fls.13-14), não se apuraram quaisquer outros elementos que permitam determinar com um mínimo de segurança qual a proveniência do dinheiro (que nada nos garante provir de vendas de droga), nem, por outro lado, permitam saber qual o destino efectivo que o arguido pretendia dar ao haxixe. É certo que o arguido prestou declarações no sentido de que, no final da tarde do dia 11-11-2019, recebeu 1.075,00€uros em numerário para pagamento da mensalidade devida pelos serviços de carga e descarga de camiões que efectuava num armazém “de chineses” situado na Zona Industrial … (Vila do Conde) com o qual viria a comprar, junto ao Bairro …, o haxixe que foi apreendido e que - segundo o que afirmou - se destinava ao seu próprio consumo. Todavia, estas declarações mereceram sérias reservas, já que, para além da anormalidade que é alguém andar a circular de noite com a quantia em dinheiro que foi apreendida, escapa a todas as regras de normalidade que uma pessoa que preste serviços de carga e descarga de camiões em regime informal seja remunerada mensalmente, mais anormal sendo ainda que, caso efectivamente o dinheiro tivesse uma proveniência lícita, o arguido B… não tivesse, aquando do acto de apreensão, esboçado perante os agentes apreensores qualquer tentativa de explicação destinada a evitar ser desapossado do mesmo, o que, conforme foi explicado por F…, não aconteceu. Acresce que o arguido, a dado passo referiu que teria recebido da sua entidade patronal, entre outras, algumas notas com o valor facial de 50,00 euros, facto que parece desmentido por não ter sido apreendida qualquer nota de tal valor. Ainda assim, o facto de se duvidar seriamente da credibilidade das declarações do arguido - que, de resto, nem sequer se mostraram apoiadas por qualquer outro meio de prova - não pode constituir motivo para se extrapolar sobre qual era o efectivo contexto em que se inseria a actuação do arguido, tendo o tribunal entendido que in casu escassearam manifestamente factos que autorizassem a que, mesmo com recurso a meios de prova indirecta, se concluísse que o dinheiro que o arguido tinha consigo proviesse de tráfico de produtos estupefacientes (pois, com igual plausibilidade, podem-se formular diversas outras hipóteses) ou que o pedaço de haxixe apreendido se destinasse a ser cedido ou vendido a terceiros. Por tudo quanto se acaba de expor, considerou o tribunal colectivo que não sobreveio prova nem de que o produto estupefaciente, como B… afirmou, se destinava exclusivamente ao consumo do arguido, nem de que tal produto se destinava aos fins referidos na acusação, subsistindo apenas, ante a multiplicidade de possibilidades existentes, o facto objectivo da detenção de cannabis (resina) que o arguido transportava no interior do veículo automóvel que conduzia” E estando em causa a credibilidade ou a falta dela que os depoimentos e declarações mereceram ao tribunal, importará assinalar que estando em causa a credibilidade concedida aos meios de prova, verifica-se que o tribunal a expressou devidamente e a fundamentou e estando em causa aquela credibilidade não é possível atribuir-lhes uma credibilidade diferente da que teve o tribunal recorrido e não se trata de uma apreciação arbitrária, mas justificada e plausível, e estando em causa a mesma prova, importa lembrar que não basta “ dizer” para se acreditar, é também preciso “convencer” da verdade do que disse, daí o recurso a factores de credibilidade e emotividade presentes na livre apreciação da prova, e apreensíveis apenas pela oralidade e imediação ou seja pelo Tribunal recorrido - sendo que aquela (oralidade) é a base do julgamento da 1ª instância, (na procura do histórico acontecimento) ensinando o Prof. Alberto dos Reis, que “a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”, e citando Chiovenda revela que “ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar” - Código de Processo Civil Anotado – vol. IV, pág. 566 e segs. E sendo no processo penal as provas apreciadas de acordo com o principio da livre apreciação, expresso no artº 127º CP (salvo quanto à prova pericial ou vinculada com valor probatório resultante directamente da lei) que impõe que a apreciação das provas é feita de acordo com as regras das experiencia e a livre apreciação do juiz, a não ser que a lei disponha diversamente, donde decorre que a valoração da prova feita de modo diverso (daquela que os três juízes fizeram – o que lhe confere um maior grau de justeza na apreciação) pelo recorrente não constitui fundamento para se concluir que é a apreciação dos juízes que está errada. É que aquele principio é relativo à apreciação do tribunal sujeito que está aos princípios da imparcialidade e da independência, e é ele juiz que procede ao julgamento que está, - mercê dos princípios da oralidade e imediação,- em condições para aquilatar da credibilidade das declarações prestadas, pois teve diante de si os depoentes, podendo e devendo não apenas valorar o conteúdo do seu depoimento (o que diz) mas também e necessariamente o modo como foi prestado de modo a poder ou não confiar no que lhe é transmitido como sendo real/ verdadeiro e correspondente ao ocorrido/ presenciado. No processo de formação da convicção do juiz, desempenham por isso um papel de relevo não apenas a actividade de conhecimento do que terá ocorrido mas também outros elementos racionalmente não explicáveis, que levam ou não o juiz a acreditar, no que lhe é dito para além de elementos emocionais, e tudo dependente da própria vivência e conhecimento da realidade da vida do julgador. Também que num julgamento a avaliação da prova produzida, não se resume ao conteúdo literal das expressões utilizadas pelos depoentes, mas a uma analise global, devidamente encadeada sobre toda a aprova, de modo a formar um juízo global e consistente sobre a mesma. Para isso o contacto directo com o depoente (principio da imediação) é a fonte da credibilidade, pois pode atender não apenas à razão de ciência invocada, como à imparcialidade que revela ou interesse que manifesta, à espontaneidade do depoimento, revelada pelos mais variados factores, que vão desde a postura, o modo como responde, a voz, a atenção que busca, o auxílio que invoca, as hesitações, as contradições e gestos que faz, tudo factores de que o tribunal de recurso não tem acesso, pelo que indicando o tribunal a razão da sua credibilidade e aquela estando de acordo com a normalidade, não pode o tribunal de recurso substituir-se naquela apreciação. E vista a fundamentação supra transcrita podemos assim dizer que o tribunal recorrido, observou as regras legais sobre apreciação da prova e sobre a motivação, pois no entender do STJ, ac.de 11/7/07 in www.dgsi.pt/jstj proc. nº 07P1416, “ O juiz aprecia a prova produzida – que se mede pelo seu peso e não pelo seu número - , dando conta na motivação dos resultados adquiridos e dos critérios adoptados para justificar a decisão perante os sujeitos processuais e até perante os tribunais superiores, apresentando as razões por que algumas das provas merecem aceitação e outras não, funcionando a motivação como instrumento indispensável para o controle da administração da justiça”, - o que como resulta da fundamentação se mostra observado - e que está na base do Ac. R. G. de 25/2/2008 www.dgsi.pt/jtrg ao expressar que “nada obsta a que o tribunal alicerce a sua convicção no depoimento de uma única pessoa,… desde que tal depoimento se lhe afigure pertinente credível, uma vez que há muito deixou de vigorar a velha regra do “ unus testis, testis nullis”, ultrapassado que está o regime da prova legal ou tarifada, substituído pelo principio da livre apreciação da prova …” e verifica-se que a opção que o tribunal tomou em sua convicção como lhe é imposto pelo artº 127º CPP, não se mostra eivada, de qualquer erro ou falta pois explicou as razões da sua convicção e da credibilidade, o que aliado à explicitação que faz dos depoimentos resulta que tal é credível, e mostra-se fundamentada, objectivada e lógica, não revelando qualquer arbitrariedade ou discricionariedade, e pelo exame e análise da prova não detectamos sinais ou indícios de que tenham sido infringidas as regras da experiência comum, ou que ocorra qualquer violação das regras de produção de prova e da formação da convicção do Tribunal quanto à apreciação das provas produzida e não ocorre violação de qualquer prova vinculada ou legal, usado meio de prova proibido ou de qualquer regra que imponha a valoração da prova de acordo com o desejo da recorrente em oposição à apreciação da prova produzida feita pelo Tribunal. Assim não podendo criticar a opção que o tribunal a quo, não deve ser alterada a matéria de facto e a decisão, uma vez que como expressa o Prof. Figueiredo Dias “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, vol. I, ed. 1974, pág. 233/234 escreve: “ Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao princípio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento (...). De qualquer modo, desde o momento em que- sobretudo por influxo das ideais da prevenção especial- se reconheceu a primacial importância da consideração da personalidade do arguido no processo penal, não mais se podia duvidar da absoluta prevalência a conferir aos princípios da oralidade e da imediação. Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”, e logo avaliar devidamente a prova produzida. É por isso também que se impõe que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção. Improcede por isso esta questão E por via dela fica prejudicada a apreciação da qualificação jurídica do imputado crime que dependia dessa alteração ……………………………………………….. ………………………………………………… ………………………………………………… No que à pena respeita questiona o recorrente a sua medida por o dolo ser na sua forma menos grave, a ilicitude não ser elevada (caso único, haxixe e quantidade) ser consumidor dessa droga e há muitos anos, sendo para seu consumo, e confessou os factos sem reservas, mitigando o juízo de censura No acórdão recorrido após opção pela pena de prisão em vez da multa, no que ao crime de condução ilegal se refere (face ás anteriores condenações por esse tipo de crime), pondera-se: “Quanto à pena concreta a aplicar, deve-se considerar que o grau de culpa manifestado se situa em patamares médios. A intensidade do dolo, directo, é algo acentuada, mas, quanto à ilicitude dos factos, desconhece-se a duração ou a distância da condução que o arguido estava a efectuar. Deve-se ponderar também as exigências de prevenção geral existentes quanto a este tipo de crimes, atentas as taxas de sinistralidade estradal existentes no nosso país por falta de preparação teórica e prática dos condutores, bem como, ao nível da prevenção especial, a necessidade de fazer o arguido compreender que, definitivamente, não pode conduzir veículos automóveis sem que, primeiro, se habilite para o efeito. Tudo ponderado, afigura-se adequada a fixação ao arguido da pena de prisão nove meses, a qual se entende não dever ser substituída por pena de multa, ou por outra pena não privativa da liberdade, face às exigências de prevenção especial existentes na situação em apreço. 4. Quanto ao crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25º, alínea a), do DL 15/93, de 22-01, impõe-se desde logo observar que a punição tem que atender às fortes exigências de prevenção geral que está subjacente a um ilícito que se reflecte fortemente na estrutura social, designadamente pelos reflexos que o fenómeno da droga tem, quer ao nível da saúde individual, quer ao nível do equilíbrio relacional comunitário (decorrente da devastação física e psíquica do consumidor, da instabilidade que essa situação normalmente gera no seu agregado familiar e dos efeitos criminógenos que também lhe estão comumente associados), quer até ao nível da própria economia do Estado (porque o tráfico propicia economias paralelas de complexa sindicância). No entanto, não podendo a medida da pena ultrapassar o nível de culpa do agente, importa considerar desde logo as especificidades da conduta assumida pelo arguido e as exigências de prevenção especial que existem quanto a si. No que concerne ao arguido B…, depõem contra si, essencialmente, a intensidade do dolo (directo - art. 14º, nº1, do Código Penal) com que actuou, pois a ilicitude dos factos não é elevada, já que apenas se está perante um caso isolado de detenção de uma droga que não se encontra entre as de maior poder aditivo e cuja quantidade (29,900 gramas), atendendo à natureza do produto estupefaciente, não era particularmente elevada. Em termos de prevenção especial, há que relevar que estamos perante um arguido que já possui diversos antecedentes criminais, os quais, para além da prática de 2 crimes de condução de veículo sem habilitação legal e de 4 roubos, abrangem mais dois crimes de tráfico, previstos e punidos pelo artigo 25º do DL 15/93, de 22-01, pelos quais foi condenado em 2011 e em 2013. Beneficia o arguido a confissão que efectuou quanto à posse do produto estupefaciente apreendido, ainda que o respectivo poder atenuativo seja diminuto já que se verificou uma situação de flagrante delito. Não pode ainda deixar de ser ponderado facto de o arguido dispor de uma retaguarda de suporte familiar. Tudo ponderado, entende-se ajustado fixar a pena do arguido em 1 ano e 8 meses de prisão, a qual se entende não dever ser substituída por pena não detentiva de substituição, face à premência das exigências de prevenção geral existentes na situação em apreço e por se entender que a prevenção do cometimento de novos crimes pelo arguido postula também que não lhe seja dado qualquer sinal susceptível de ser encarado como de menor responsabilização e/ou de afrouxamento da reacção punitiva. 3. Nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, uma vez que o arguido cometeu mais do que um crime, deve haver lugar à sua condenação numa pena unitária, a qual, de acordo com o nº2 do artigo 77º do Código Penal, terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas pela prática de cada um dos crimes (ou seja, as penas parcelares) e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Assim, no caso em apreço, a moldura do concurso dos crimes praticados pelo arguido B… tem, como limite máximo, 2 anos e 5 meses de prisão; e, como limite mínimo, 1 ano e 8 meses de prisão. A unificação da pluralidade de infracções criminosas não deve ser feita através de um simples cálculo matemático que, em acumulação material, fixe a pena do concurso de crimes como o mero somatório das penas parcelares que o compõem. Com efeito, e conforme se preceitua no nº1 do artigo 71º do Código Penal, na medida da pena (única) deve-se considerar, num juízo conjunto, os factos e a personalidade do agente. É esta, verdadeiramente, que constitui o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes, tendo, pela força das coisas, carácter unitário (cfr. LEAL-HENRIQUES/SIMAS SANTOS, “Código Penal – 1º Volume”, Anot., 2ª ed., Rei dos Livros, p. 610). Ora, no caso em apreço, afigura-se que, no que diz respeito ao arguido, os dois crimes em concurso foram praticados sob um enquadramento global uniforme, no qual a ilicitude e o desvalor de ambos não denota níveis consideravelmente superiores daqueles que caracterizam esses ilícitos quando considerados em termos isolados. Por isso, considera-se adequado e suficiente aplicar a B… uma pena única, resultantes de cúmulo jurídico, de 2 anos de prisão.” Ora visto o exposto e a alegação do recorrente, verifica-se que não ocorre razao para alterar o decidido, pois foram atendidas e valoradas adequadamente todas a circunstancias fundamentadoras da pena e que por provadas o deviam ser, sendo que não ocorre a confissão sem reservas do arguido, e o recorrente parte do pressuposto de que ocorreria modificação do crime quanto à droga e absolvição quanto ao crime de condução ilegal. Na verdade atentos factos praticados e seu enquadramento e atentas as suas condições de vida e situação económica e social e os seus antecedentes criminais em que ressaltam as duas anteriores condenações por trafico de droga de quantidades diminutas e as duas anteriores condenações pior condução ilegal, o que equivale a dizer que estamos perante a terceira condenação por qualquer um daqueles crimes, importa ponderar que aas exigências de prevenção especial se mostram acentuadas e em face da sua culpa e do seu modo de agir perante a Ordem Jurídica há que manifestar perante a Comunidade que as normas punitivas em causa estão vigentes e actuantes. Assim, e em vista das penas parcelares e da visão global do facto - a que se deve atender na unicidade e conexão de ambas as condutas ilícitas, reveladoras de uma personalidade desconforme aos comandos normativos de vida em sociedade, praticados já de forma reiterada, - atenta a moldura mínima penal do concurso (1 ano e 8 meses) a pena fixada mostra-se conforme aos normativos legais. Improcede assim esta questão Dada a ausência de outras questões de que cumpra conhecer, improcede o recurso. Em relação ao recurso, é devido pagamento da taxa de justiça sempre que ocorra decaimento total, pelo que se impõe na medida em que decaía a condenação do recorrente no pagamento da taxa de justiça, cujo valor é fixado entre 3 a 6 UC (artº 513º CPP, e artºs 8º nº 9º e Tabela III do RCP) e tendo em conta o trabalho, extensão e a complexidade do processo; * Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência mantém o acórdão recorrido.Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide: Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 3 Uc e nas demais custas. Notifique. Dn * Porto, 26/5/2021José Carreto Paula Guerreiro |