Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ERNESTO NASCIMENTO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO FACTO SEM RELEVÂNCIA JURÍDICA DIREITO DE PREFERÊNCIA AQUISIÇÃO DO PRÉDIO PARA FINS DE CONSTRUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202404041708/22.5T8PVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/04/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Só os factos instrumentais ou complementares – não os essenciais - poderão ser aditados à matéria de facto, tenham ou não sido alegados, neste último caso se resultarem da discussão da causa. II - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente. III - Verifica-se o preenchimento da excepção prevista na parte final da alínea a) do artigo 1381.º CCivil, se vem provado que sempre esteve presente a intenção de o réu comprador destinar o prédio, não para fins de exploração agrícola, mas sim, à construção. IV - Está verificado - a somar ao elemento objectivo - da mesma forma, o elemento subjectivo, reportado à vontade, à intenção do réu comprador, apesar de não constar, como não tem que constar, do documento que titula a aquisição, mas reportada a uma finalidade lícita, viável e séria. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação - Processo 1708/22.5T8PVZ - Acção de Processo Comum – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível da Póvoa ... - Juiz 2 Relator – Ernesto Nascimento Adjunta - Isabel Rebelo Ferreira Adjunta – Ana Vieira Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório AA intentou a presente acção contra BB, CC e DD, EE, FF, GG e HH, II e JJ, KK e LL, MM, NN e OO, PP e QQ, RR e SS e TT e UU, pedindo, - se reconheça o direito de preferência do autor sobre o prédio rústico identificado no artigo 6.º da petição inicial, substituindo-se ao réu TT na escritura de compra e venda outorgada a 31/05/2022; - sejam os réus condenados a entregar-lhe o referido prédio, livre de ónus, desocupado e no estado em que se encontra e, - seja ordenado o cancelamento de todos os registos sobre o prédio referido a favor do réu TT, nomeadamente a inscrição constante da apresentação … de 07/06/2022 e outras que este ou terceiros venham a fazer antes ou depois da data de entrada da presente acção em juízo. Para o efeito, alega, em resumo que, - é proprietário de um prédio rústico, que confina pelo lado poente com o aludido prédio rústico, que foi vendido pelos 1.º a 11.º réus aos 12.º réus em 31/05/2022, sem que lhe fosse dado conhecimento da intenção de realização do negócio e das condições principais da venda; - ambos os prédios são aptos para o mesmo tipo de cultura, sendo que o seu prédio rústico tem área inferior à unidade de cultura e, à data da realização da escritura de compra e venda o 12.º réu marido não era proprietário de qualquer outro prédio que confinasse com o prédio objecto do negócio. Nos 15 dias subsequentes à propositura da acção, o autor procedeu ao depósito do preço do negócio. Os réus KK, LL, MM, TT e UU apresentaram contestação, em que pediram a absolvição da instância ou, subsidiariamente, a absolvição dos pedidos ou, ainda subsidiariamente, a condenação do autor/reconvinte no pagamento da quantia total de € 22.818,02. No sentido da absolvição da instância, sustentaram que o autor é casado e que a acção devia ter sido intentada por ele e pela esposa, sob pena de preterição de litisconsórcio necessário activo. Em abono da absolvição do pedido, alegaram que se verifica a excepção do direito de preferência a que alude o artigo 1381.º alínea a) CCivil, uma vez que o prédio objecto dos autos se encontra inserido na denominada “Zona Industrial ...”, o respectivo solo está classificado como solo apto para construção de espaços de actividades económicas e o réu TT adquiriu aquele com vista à construção de um empreendimento imobiliário composto por 20 pavilhões industriais e com uma área coberta total de 9.465,50m2. Mais alegaram que o prédio adquirido pelo réu TT sempre esteve afecto à produção florestal e que o autor actua em abuso de direito, uma vez que já não cultiva o seu prédio rústico confinante há mais de dois anos e não pretende preferir no contrato de compra e venda com o propósito de agricultar tal prédio conjuntamente com o prédio objecto dos autos, mas antes com o propósito de os urbanizar a ambos. Para fundar o pedido reconvencional, enunciaram os custos que suportaram com a realização da escritura de compra e venda e o subsequente registo e defenderam que, em caso de procedência da acção, deveriam ser integralmente reembolsados de tais custos pelo autor. Os réus BB, CC e DD, EE, FF, GG e HH, II e JJ, NN e OO, e RR e SS apresentaram igualmente contestação, pedindo a absolvição dos pedidos. Com vista à absolvição do pedido, alegaram, sumariamente, que o prédio objecto dos autos se situa em zona classificada no PDM como zona urbanizável, que sempre lhes foi transmitido pelo co-réu TT que pretendia adquirir o prédio objecto dos autos para construir pavilhões destinados a fins industriais e que, em virtude da finalidade que presidia à aquisição e do disposto no art.º 1381.º, n.º 1, al. a) do Cód. Civil, não foi dado conhecimento da projectada compra e venda a nenhum dos proprietários confinantes, por não lhes assistir direito de preferência. O autor apresentou articulado de réplica, em que pugnou pela improcedência das excepções dilatórias e peremptórias invocadas e do pedido reconvencional. Desde logo, defendeu inexistir qualquer situação de litisconsórcio necessário. No que concerne à excepção de direito material prevista no artigo 1381.º/1 alínea a) CCivil, defendeu que esta não se mostra verificada, já que aquando da aquisição o réu TT tinha apenas intenções especulativas e a alegada finalidade construtiva não era viável, apesar da capacidade construtiva do prédio. No mais, referiu que não exercia abusivamente o direito de preferência por se propor adquirir o prédio por preço inferior ao seu valor real. Em 24/04/2023, os réus TT e outros apresentaram articulado superveniente, alegando que a Câmara Municipal ... aprovou o projecto de arquitectura referente à construção do empreendimento mencionado na contestação, o que demonstra inequivocamente que a finalidade que presidiu à aquisição pelo réu do prédio objecto dos autos é legal e viável. O autor respondeu ao articulado apresentado, dizendo que não obstante a decisão camarária o réu TT não pode levar a efeito a construção pretendida, por o autor se encontrar na posse do prédio contíguo por força do contrato de arrendamento do prédio inscrito sob o artigo ...53.º Realizou-se audiência prévia, em que se proferiu despacho saneador – não admitindo a reconvenção e julgando improcedente a excepção dilatória invocada – se fixou o objecto do litígio e se enunciaram os temas de prova. Em 12/12/2023, os réus TT e outros apresentaram novo articulado superveniente, alegando que a Câmara Municipal ... emitiu o alvará de licença de construção do empreendimento que o réu TT vai edificar no prédio objecto dos autos e no prédio inscrito na matriz sob o artigo ...53.º, que previamente à emissão do alvará e tendo a mesma em vista procedeu à anexação de ambos os prédios referidos, que já depois da emissão do alvará foi liquidada a taxa de licenciamento no montante de €195.752,20, foi cedida a favor do domínio público a área de 1.141,05 m2, foram concluídos os trabalhos de movimentação de terras e foram já adjudicados os trabalhos para início da construção dos edifícios industriais adjudicados e parcialmente pagos. Foi admitido o articulado superveniente e exercido o contraditório relativamente ao mesmo e aos documentos juntos. Percorrido o demais pertinente seguiu o processo para audiência de discussão e julgamento, que culminou com a prolação de sentença a julgar a acção improcedente e a absolver os réus dos pedidos. Inconformado recorre o autor, pugnando pela reapreciação da matéria de facto e, pela revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente a ação e, dessa forma se, - reconheça o direito de preferência do autor sobre o prédio rústico identificado no item 6 da petição inicial, substituindo-se ao 12.º réu marido na escritura de compra e venda outorgada a 31 de Maio de 2022; - condene os réus a entregar o referido prédio ao autor livre de ónus e desocupado e no estado em que se encontrava à data da entrada da presente acção em juízo; - ordene o cancelamento de todos e quaisquer registos que o 12.º réu marido, comprador haja feito a seu favor em consequência de compra do supra referido prédio, nomeadamente a inscrição constante da apresentação ... de 07/06/2022, e outras que este ou terceiros venham a fazer antes ou depois da data de entrada da presente ação em juízo, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever: 1- O autor aqui recorrente não se conforma com a douta sentença proferida no âmbito dos referidos autos, que julgou ação totalmente improcedente, por não provada, e nessa esteira absolveu os Réus dos pedidos formulados. 2- O presente recurso interposto da sentença preferida pelo Tribunal “a quo” tem por fundamento a impugnação do julgamento da matéria de facto bem como, a errada interpretação e aplicação da alínea a) do artigo 1381.º do Código Civil feita pelo Tribuna “à quo”. 3- Propugna pois o recorrente seja dado como não provado os factos vertidos nos pontos 10 e 11, dos factos provados da sentença posta em crise, que seja dado como provado o vertido no item G da matéria de facto dada como não provada, bem como, seja aditado ao elenco dos factos provados os factos infra referidos, por entendermos que os mesmos são relevantes e essenciais para a decisão a proferir, ou seja: a) Antes da celebração da escritura de compra e venda do prédio objeto da preferência (identificado em 2 da matéria de facto dada como provada), o 12.º Réu e o seu pai VV, interpelaram o proprietário do outro prédio confinante (Sr. WW), para assinar a declaração feita pelos mesmos, onde prescindia do exercício do direito de preferência sobre o prédio objeto da preferência. b) O prédio objeto da preferência encontra-se encravado e o acesso ao mesmo é feito por um caminho de servidão de terra batida, sem quaisquer infraestruturas. c) Em 25 de janeiro de 2023, a Câmara Municipal ..., indeferiu o pedido de licenciamento de obras de construção (apresentado em 29 de Dezembro de 2022), porquanto, entre outros argumentos “…a edificação efetua a junção de dois prédios distintos e contíguos, sendo que para um deles o requerente apenas apresenta contrato-promessa de compra e venda e que, contrariamente ao que é referido, não lhe confere legitimidade para proceder à operação urbanística…” d) Em 19/04/2023, foi proferido despacho a aprovar o projecto de arquitectura impondo o emparcelamento/anexação de dois prédios (o prédio objecto da preferência n.º ...86 e o prédio adquirido em 23/03/2025 n.º ...49) passando o terreno a ter a área de 17201,55 m2. e) Em 26 de Outubro de 2023 o réu TT procedeu à anexação dos prédios identificados em 2 da matéria de facto dada como provada (prédio objeto da preferência), e o prédio que havia adquirido em 23/03/2023, dando origem à descrição n.º ...73 e ao artigo matricial provisório ...33. I) Dos pontos 10 e 11 da matéria de facto dado como provada: A (Do ponto 10 da matéria de facto) 4- No ponto 10) da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida ficou a constar que “…O réu TT adquiriu o prédio identificado em 2) para o destinar à construção de um complexo composto por 20 pavilhões industriais…” 5- Salvo o devido respeito, que é muito, não é admissível que o Tribunal “a quo” dê como provado tal factualidade. 6- Desde logo, porque a área do prédio em questão (5396 m2 – vide certidão predial junta como Doc.3 da petição), não permite a construção do projeto pretendido, ou seja, 20 armazéns (note-se que o projeto aprovado pela Câmara Municipal, após a anexação dos prédios, tem como área total do terreno 17.201,55 m2 e área total de construção de 9.907,20 m 2 (vide alvará de obras de construção ..9/23 e certidão predial juntos pelo Réu TT com o articulado superveniente apresentado em 12/12/2023 com a referência citius 37540496). 7- É fisicamente impossível, dada a escassez de área, implantar no prédio identificado em 2 um complexo industrial de 20 armazéns (facto notório). 8- Acresce ainda, que o prédio identificado em 2), antes da anexação, encontrava-se encravado sendo servido por um caminho de servidão sem quaisquer infraestruturas, que impossibilitava o licenciamento do projeto. 9- O mesmo acontece como prédio confinante, propriedade do Sr. WW (a quem o Réu TT e o seu pai pediram que prescindisse do direito de preferência), que não obstante tem viabilidade construtiva no PDM, não lhe é possível construir (transcrição foi feita em sede de alegações Audiência 21-12-2023 | 11:05:00 – 11:14:00 - Ficheiro: Diligencia_1708-22.5T8PVZ_2023-12-21 – minutos 00:06:38 a 00:07:23) 10- Tal factualidade extrai-se ainda dos depoimentos das testemunhas XX (transcrição foi feita em sede de alegações Audiência 21-12-2023 | 10:35:00 – 11:00:00 - Ficheiro: Diligencia_1708-22.5T8PVZ_2023-12-21 – minutos 00:11:44 a 00:16:01), do depoimento da arquiteta responsável pelo projeto YY (transcrição foi feita em sede de alegações Audiência 21-12-2023 | 14:20:00 – 14:36:00 -Ficheiro: Diligencia_1708-22.5T8PVZ_2023-12-21 – minutos 00:09:40 a 00:10:14); e também do pai do Réu TT, O Sr. VV, que refere que teria que comprar outros terrenos para poder alargar esse caminho de servidão (transcrição foi feita em sede de alegações Audiência 21-12-2023 | 11:23:00 – 11:51:00-Ficheiro: Diligencia_1708-22.5T8PVZ_2023-12-21 – minutos 00:21:00 a 00:23:02). 11- Ora, por não ser fisicamente possível construir (por se encontrar encravado e sem acessos), é que o referido prédio (identificado em 2 com a área de 5396 m2) foi vendido pela módica quantia de 21.000,00 €, ou seja, foi comprado como rústico, ao invés, o prédio adquirido em 23/03/2023 (prédio com a área de 13.617,00 m e com acesso à via pública, ao qual foi anexado o prédio objeto da preferência), pelo preço de 500.000,00 €. 12- Por outro lado, o tribunal “à quo” fez tábua rasa da confissão do próprio Réu TT que afirmou no seu articulado de contestação (vide itens 67.º e 68.º) “…que a compra levada a cabo pelo réu TT configura o que se pode designar como bom negócio…” 13- Acresce ainda, que, aquando da compra do prédio objeto da preferência em 31/05/2022, o Réu TT, não sabia sequer se ia ou não conseguir comprar o outro prédio contiguo que lhe permitiria fazer a anexação e a consequente aprovação do processo de licenciamento da construção de 20 armazéns. 14- Pois, só em 08/11/2022 é que celebrou contrato promessa de compra e venda do referido prédio (vide contrato promessa de compra e venda junta com a contestação). 15- Por outro lado, se o réu TT tinha adquirido o referido prédio para construção, como refere, por que razão antes da celebração da escritura pediu ao proprietário do outro prédio contiguo que prescindisse do seu direito de preferência? 16- Tal comportamento é sintomático, que o réu TT não tinha intenção aquando da aquisição de construir o que quer que fosse. 17- Não colhendo aqui a argumentação do Tribunal “..à quo…” que concluiu, em relação ao referido documento que “…cumpre acrescentar que a circunstância de o pai do réu ter apresentado o documento junto a fls. 121 a WW para assinatura não é minimamente concludente no sentido de que a intenção do réu era diversa da construção: em primeiro lugar, ficou claro que VV não é jurista e, sendo do conhecimento geral que os proprietários de prédios rústicos confinantes têm direito de preferência, é perfeitamente admissível que ao dar a assinar uma declaração de renúncia a tal putativo direito pretendesse unicamente evitar futuros litígios…” 18- Pois, é o próprio pai do réu TT, o Sr. VV que refere que tinha dúvidas se era para construir, daí ter pedido que o outro proprietário confinante assinasse a declaração a prescindir do direito de preferência (transcrição foi feita em sede de alegações Audiência 21-12-2023 | 11:23:00 – 11:51:00- Ficheiro: Diligencia_1708-22.5T8PVZ_2023-12-21 – minutos 00:19:25 a 00:20:17 e 00:15:35 a 00:17:20). 19- Ademais, se era para evitar futuros conflitos como refere o Tribunal “à quo”, por que razão não pediu também tal declaração ao outro confinante, o aqui autor? 20- Face ao exposto, como é bom de ver, da análise dos concretos elementos de prova, jamais poderia o Tribunal a quo, ter dado como provado o ponto 10 da matéria de facto dada como provada. Todavia, 21- Ainda que se considere provado que o réu TT adquiriu o prédio objeto da preferência com intenção de construir 20 armazéns (o que só academicamente se concebe), tal circunstância por si só, não é suficiente para fazer funcionar a circunstância impeditiva prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1381.º. 22- Pois, não basta ao adquirente alegar e provar a intenção de dar ao prédio adquirido um destino que não a agricultura, sob pena, de ficar sempre na disponibilidade do adquirente a exclusão do direito de preferência que, com a simples manifestação de um desejo, faria precludir o exercício desse direito. 23- É necessário também o adquirente prove que tal pretensão é física e legalmente possível (jurídica e regulamentar), isto é, que nada obste a que se concretize a sua intenção de dar ao prédio uma outra afetação ou outro destino. 24- Por outro lado, é ainda necessário que tal pretensão seja (física e legalmente possível), no ato da venda do prédio objeto da preferência (acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 20 de Abril de 2023, processo 4480/20.0T8STB.E, e do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Janeiro de 2015, processo 1789/13.2TBVCD.P1) 25- Ora, salvo o devido respeito, tal não acontece no presente caso, pois como supra se expos, era, e é, fisicamente impossível, implantar no prédio objeto da preferência o projeto que foi aprovado pela Camara Municipal para a construção de 20 armazéns, desde logo pela, escassez de área e falta de acessos e infraestruturas. 26- Só foi possível a aprovação do projeto referido em 12 da matéria de facto dada como provada, após aquisição em 23/03/2023 do outro prédio parte do Réu TT, com o fim de anexar ao mesmo, o prédio objeto da preferência, o que veio a acontecer em 26/10/2023. 27- Assim sendo, relativamente a este ponto 10 da matéria de facto dada como provada, foi, em nossa modesta opinião incorretamente dado como provado, impondo por isso, a reapreciação da prova e que tal factualidade seja dada como não provada B (Do ponto 11 da matéria de facto dado como provado). 28- No ponto 11) da matéria de facto dada como provada ficou a constar que: “… Com vista à construção referida em 10), antes da celebração da escritura referida em 3), já havia igualmente encetado negociações com os proprietários de um prédio com ele confinante, descrito sob o número ...49 da freguesia ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...53.º, que culminaram na celebração um contrato-promessa de compra e venda em 08/11/2022 e na celebração do contrato definitivo de compra e venda em 23/03/2023…”. 29- Mais uma vez, salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal “à quo”, ao dar como provado tal factualidade, pois, não foi feita qualquer prova, que as negociações se tenham iniciados antes da aquisição do prédio objeto da preferência. 30- Desde logo porque, dos depoimentos das testemunhas VV, YY, ZZ (familiares diretos) e AAA e BBB, não se pode extrair, salvo o devido respeito, tal factualidade, como propõe o Tribunal à quo. 31- Acresce que, a testemunha YY reconheceu que só começou a trabalhar no projeto (que deu entrada na Camara em Dezembro de 2022), no Verão de 2022, portanto só após a compra do terreno objeto da preferência (31/05/2022) (transcrição foi feita em sede de alegações Audiência 21-12-2023 | 14:20:00 – 14:36:00- Ficheiro: Diligencia_1708-22.5T8PVZ_2023-12-21- minuto 00:05:44). 32- Por outro, o Tribunal “a quo” dispunha para além destes elementos de prova, outros elementos, que se fossem analisados e valorados (o que não aconteceu), impunham decisão diversa, o contrato de comodato celebrado em 06 de Outubro de 2022 (entre o autor e o proprietário do prédio descrito sob o n.º ...49 da sob o número ...49 da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...53.º) e respetivo aditamento ao mesmo contrato, celebrado em ../../2022 (revogação do contrato de comodato) – vide docs. 5 e 6 do requerimento apresentado pelo Réu TT em 25/03/2023 com a referência citius 35184801. 33- Ora, se o tribunal "à quo” tivesse analisado e valorado os referidos documentos, jamais poderia, dar como provado a referida factualidade. 34- Pois, se existissem negociações antes da celebração da escritura identificada em 3, entre o Réu TT e o Sr. CCC (para a aquisição do prédio descrito sob o número ...49 da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...53.º), não faria qualquer sentido, o Sr. CCC, em 06/10/2022, ter celebrado sobre o mesmo prédio um contrato de comodato com o autor pelo prazo de 6 anos (vide Doc. 5 do requerimento apresentado pelo Réu TT em 25/03/2023 com a referência citius 35184801), vindo posteriormente, após a celebração do contrato promessa de compra e venda com o Réu TT em 08/11/2022, outorgar com o aqui autor em 23/12/2022 o aditamento ao contrato de comodato onde revogavam o mesmo (vide Doc. 6 do requerimento apresentado pelo Réu TT em 25/03/2023 com a referência citius 35184801). 35- Face ao exposto, obvio se torna que no ponto 11 da matéria dada como provada, apenas pode constar que: Que o Réu TT celebrou em 08/11/2022, com os proprietários de um prédio com ele confiante, descrito sob o n.º ...49 da sob o número ...49 da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...53.º, contrato promessa de compra e venda, tendo a respetiva escritura definitiva de compra e venda Outorgada em 23/03/2023. II) Da Factualidade a aditar ao elenco dos factos dados como provados: 36- Existe ainda, factualidade provada nos autos que dada a sua relevância e importância devem passar a constar dos factos dados como provados: 37- IIA) Antes da celebração da escritura de compra e venda do prédio objeto da preferência (identificado em 3 da matéria de facto dada como provada), o Réu TT e o seu pai VV, interpelaram o proprietário do outro prédio confinante (Sr. WW, para assinar a declaração feita pelos mesmos, onde prescindia do exercício do direito de preferência sobre o prédio objeto da preferência. 38- A referida factualidade extrai-se do documento denominado declaração junto aos autos (Doc. 6 da réplica), bem como dos depoimentos das testemunhas WW (proprietário do prédio confinante) transcrição feita em sede de alegações - Audiência 21-12-2023 | 11:05:00 – 11:14:00-Ficheiro: Diligencia_1708-22.5T8PVZ_2023-12-21 – minutos 00:02:05 a 00:04:43), e VV (pai do Réu TT) transcrição feita em sede de alegações Audiência 21-12-2023 |11:23:00 – 11:51:00Ficheiro: Diligencia_1708-22.5T8PVZ_2023, minutos 00:15:35 a 00:16:18). 39- IIB) O prédio objeto da preferência encontra-se encravado e o acesso ao mesmo é feito por um caminho de servidão de terra batida, sem quaisquer infraestruturas. 40- A referida factualidade resulta provada dos documentos juntos aos autos, nomeadamente do levantamento topográfico, extratos de plantas de ordenamento de território e plantas de localização que acompanham o projeto de arquitetura (fls 82) e do Doc n.º 5 da contestação, conjugado com os depoimentos das testemunhas, WW (transcrição feita em sede de alegações Audiência 21-12-2023 | 11:05:00 – 11:14:00-Ficheiro: Diligencia_1708-22.5T8PVZ_2023-12-21 – minutos 00:06:15 a 00:07:23), XX (transcrição feita em sede de alegações Audiência 21-12-2023 | 10:35:00 – 11:00:00-Ficheiro:Diligencia_1708-22.5T8PVZ_2023-12-21 – minutos 00:11:44 a 00:16:01), YY (transcrição feita em sede de alegações Audiência 21-12-2023 | 14:20:00 – 14:36:00 Ficheiro: Diligencia_1708-22.5T8PVZ_2023 – minutos 00:09:40 a 00:10:14), e VV (transcrição feita em sede de alegações Audiência 21-12-2023 | 11:23:00 – 11:51:00 Ficheiro: Diligencia_1708-22.5T8PVZ_2023-12-21- minutos 00:21:00 a 00:23:02. 41- IIC) Em 25 de janeiro de 2023, a Câmara Municipal ..., indeferiu o pedido de licenciamento de obras de construção (apresentado em 29 de Dezembro de 2022), porquanto, entre outros argumentos “…a edificação efetua a junção de dois prédios distintos e contíguos, sendo que para um deles o requerente apenas apresenta contrato-promessa de compra e venda e que, contrariamente ao que é referido, não lhe confere legitimidade para proceder à operação urbanística…” 42- A referida factualidade extrai-se do despacho da Câmara Municipal ... junto na Réplica como Doc. n.º 7, documento que não foi impugnado, conjugado com o depoimento da arquiteta YY (autora do projeto) transcrição feita em sede de alegações Audiência 21-12-2023 | 14:20:00 – 14:36:00- Ficheiro: Diligencia_1708-22.5T8PVZ_2023-12-21-minutos 00:05:44 a 00:06:12. 43- IID) 19/04/2023, foi proferido despacho a aprovar o projecto de arquitectura impondo o emparcelamento/anexação de dois prédios (o prédio objecto da preferência n.º ...86 e o prédio adquirido em 23/03/2025 n.º ...49) passando o terreno a ter a área de 17201,55 m2. 44- Tal factualidade resulta do documento (despacho camarário), junto pelo Réu TT, como (fls. 154 verso e original da certidão do processo de licenciamento junto de fls. 217 a 261 - doc. 1 do articulado superveniente apresentado em 24/04/2023. 45- IIE) Em 26 de Outubro de 2023, o réu TT procedeu à anexação dos prédios (o prédio objecto da preferência n.º ...86 e o prédio adquirido em 23/03/2025 n.º ...49), dando origem à descrição n.º ...73/20231026 e ao artigo matricial provisório ...33. 46- A factualidade em questão resulta das certidões permanentes (Docs. 2 e 4), e declaração para inscrição ou atualização de prédios na matriz (Doc. 5), juntos com o articulado superveniente apresentado a 12/12/2023 com a referência citius 37540496. 47- Tendo em conta a importância da matéria de facto referida nos pontos (IIA; IIB, IIC, IID, e IIE), entendemos que a mesma deverá ser aditada aos pontos da matéria de facto dada como provada. III) Do Ponto G dos factos não provados: 48- Entende ainda o recorrente que deverá considerar-se como provado e passar a constar dos factos provados o ponto G dos factos não provados, ou seja, que:“…Só com a aquisição do prédio identificado em 11) se tornou possível aprovar licença de construção no prédio identificado em 2). 49- Tal factualidade resulta provada à saciedade, da inúmera prova documental junta aos autos, nomeadamente: - o despacho de 25 de Janeiro de 2023, que indeferiu o a operação urbanística por falta de legitimidade por não ser proprietário do prédio identificado em 11 – Vide doc. 7 da Réplica; - o despacho camarário a aprovar o projeto de arquitetura após a aquisição do prédio identificado em 11 e onde prevê a anexação dos dois prédios – vide doc. 1 junto com o articulado superveniente apresentado em 24/04/2023 (fls. 154 verso e original da certidão do processo de licenciamento junto de fls. 217 a 261; ou ainda - O alvará de obras de construção junto como Doc. 1 no articulado superveniente apresentado em 12/12/2023 (a escassos dias do audiência de Julgamento), com a referência citius 37540496. 50- Tais documentos, demostram inequivocamente que o réu TT apenas conseguiu aprovar a licença de construção após a aquisição do prédio identificado em 11, ou seja, só com a anexação ao prédio objeto de preferência seria possível obter a licença de construção para os 20 armazéns. 51- É notório que num prédio com área de 5396 m 2 é impossível edificar 20 armazéns que têm como área de construção total 9907,20 m2. 52- Assim sendo, tal ponto da matéria de facto não provada, deverá transitar para a matéria dada como provada. 53- Acresce que, e não obstante o recorrente entender que se encontra provado que só com a aquisição do prédio identificado em 11) se tornou possível aprovar licença de construção no prédio identificado em 2)…”, competia ao Réu TT, uma vez que invocou o exceção prevista na alínea a) do artigo 1381.º do Código Civil, provar que era possível aprovar aquele projeto (construção de 20 armazéns), no prédio objeto da preferência. 54- Prova essa que não logrou fazer, nem podia, pois a referida construção era fisicamente impossível como se alcança facilmente do projeto de construção. 55- Por isso, salvo o devido respeito, o tribunal à quo violou na sua interpretação e aplicação a norma prevista na alínea a) do artigo 1381.º do Código Civil. 56- Era mister que o Réu TT, demostrasse e provasse que era viável, construir no prédio objeto da preferência, o complexo industrial de 20 armazéns (vide acórdão Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 20/04/2004 (SJ200404200008446), 57- Nos termos do disposto no artigo 662º do CPC a reapreciação da matéria de facto deve ser alterada no sentido das conclusões antecedentes, 58- Pelo que, face ao supra exposto Vossas Excelências, reapreciando a matéria de facto provada e não provada, e subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente a ação intentada pelo ora recorrente. Contra-alegaram os réus aludidos no 2.º bloco supra referido, TT e outros, pugnando pela confirmação da decisão recorrida e, concluindo da seguinte forma: 1 - Importa começar por salientar que, aquela que constitui a principal pretensão do Recorrente - ver reconhecido “… o direito de preferência do Autor sobre o prédio rústico identificado no item 6 deste articulado ….” (cfr. nº 1 do pedido formulado a final) - jamais poderá ser julgada procedente, desde logo, pela completa inexistência física, registral e matricial do respetivo objeto, no caso, o imóvel “… denominado Campo e Bouça ..., com a área 5396m2 (0539600ha), sito no lugar ..., da união de freguesias ..., ..., descrito na Competente Conservatória do Registo Predial da Póvoa ... sob o nº ...86 e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...43º, da união de freguesias ..., ....” (cfr. item 6º da douta p.i. e certidão predial e matricial que a instrui como doc. nºs 3 e 4); Efetivamente, 2 - Através de articulado superveniente, datado de 12 de dezembro de 2023, com a referência 37540496, os Recorridos deram conta ao processo (e documentaram), da anexação do imóvel objecto de preferência (descrição nº ...86/... e artigo ...43º) com o que com ele confinava (descrição n.º ...49/... e artigo ...53), bem como da cedência, a favor do Domínio Público, de uma área de 1.141,05 m2, desanexada dessa nova realidade predial; 3 - Deram, também, conhecimento (e documentaram) da nova descrição predial (descrição ...73/...), nova inscrição matricial (artigo ...3U) e nova área (17.201,55 m2), resultantes da referida anexação, seguida de cedência daquela área ao domínio publico, bem como, da consequente inutilização das descrições anteriores, designadamente, da descrição referente ao prédio dos autos (...86/...) e respetiva inscrição matricial (...43º), tal como determina o artigo 87º, nº 2, alínea a, do Cód. Registo Predial; 4 - Razão pela qual, até porque resulta dos documentos juntos com o mencionado articulado superveniente, à pretensão do Recorrente de ver aditado, à matéria provada, do seguinte facto: “Em 26 de Outubro de 2023, o Réu TT procedeu à anexação dos prédios (o prédio objecto da preferência nº ...86 e o prédio adquirido em 23/03/2023 n.º ...49), dando origem à descrição nº ...73/20231026 e ao artigo matricial provisório ...33 (cfr. ponto V da pág. 25 das alegações). 5 - O articulado superveniente assim apresentado e a nova realidade substancial, matricial e registral por ele retratada e documentada, não mereceu por parte do A., de nenhum pedido de acomodação da causa de pedir e do pedido originários a essa nova realidade, o que poderia e deveria ter ocorrido até final da audiência de julgamento; 6 - Por força da referida anexação, os pedidos formulados pelo A., ora Recorrente, não se mostram sequer viáveis e, muito menos, exequíveis nos termos em que o mesmo configurou a relação material controvertida (pedido e causa de pedir), pois o imóvel atualmente existente (que é o resultado da anexação de dois prédios seguida da cedência de uma área ao domínio público), não se confunde com o objecto da escritura outorgada a 31 de maio de 2022 (e da ação de preferência intentada); 7 - E, não se diga que o pedido formulado no ponto 3) do pedido final (cancelamento da inscrição a favor do 12º R. marido e eventuais adquirentes posteriores), poderá contemplar ou acautelar a situação acabada de descrever, porquanto: a) à data da propositura da presente demanda, o A. não tinha como prever a alteração substancial, matricial e registral resultante da anexação operada (com a consequente inutilização das descrições e inscrições matriciais dos prédios abrangidos) na pendência da demanda; b) o pedido formulado limita-se ao cancelamento das inscrições que o A. cuidou de concretizar, especificando que se tratam apenas, e tão só, das inscrições a favor dos R.R. adquirentes e eventuais adquirentes posteriores, pedido que, obviamente, não abrange o registo da anexação de imóveis promovida pelos Recorridos, o qual se processa através de averbamento à descrição (e não inscrição) e implica a inutilização das anteriores descrições dos prédios abrangidos (cfr. artigo 85º, nº 1, alínea b, e artigo 87º, nº 2, alínea c, ambos do Cod. Registo Predial); c) O pedido em análise não inclui o pedido de cancelamento da nova realidade matricial, materializada pela criação de um novo artigo ...33º e consequente inutilização dos anteriores artigos ...43º e ...53º; d) o pedido em causa não contempla a reposição da descrição nº ...86/..., inutilizada nos termos do disposto no artigo 87º, nº 2, alínea c, do Cod. Registo Predial, assim como, não inclui o pedido de reativação do artigo ...43º, correspondente ao prédio objecto da escritura de 31 de maio de 2022 e sobre o qual pretende ver reconhecido o invocado direito de preferência; e) nos termos do disposto no artigo 87º, nº 1 do Cod. Registo Predial, as descrições (nelas se incluindo a resultante da anexação dos prédios) não são suscetíveis de cancelamento, sendo certo que o pedido formulado no ponto 3) do pedido, não inclui o pedido de cancelamento de descrições (mas, tão só, das inscrições); 8 - Vale isto por dizer que, mesmo que a argumentação expendida pelo A. em sede de recurso viesse a ser considerada procedente - o que não se concebe, nem concede – mesmo assim, não haveria como concretizar a pretensão de ver reconhecido o alegado direito de preferência, por total inexistência física, matricial e registral do respetivo objeto/imóvel, impossibilidade, única e exclusivamente imputável ao Recorrente, que não cuidou de acomodar a causa de pedir e os pedidos originários à nova realidade; 9 - Salvo o devido respeito, a fundamentação alegada a propósito da reapreciação e consequente alteração da matéria de facto dada como provada sob os pontos 10) e 11) e como não provada no ponto G), não merece qualquer acolhimento, impondo-se a manutenção, na integra, do julgamento da matéria de facto levada a cabo em 1ª Instância; 10 – Como resulta da prova testemunhal e documental junta aos autos, nos princípios de 2022, dando continuidade à sua actividade empresarial, o Réu TT tinha já em curso negociações com os donos dos dois terrenos – o dos autos e o com ele confinante - destinados ao próximo empreendimento que pretendia levar a efeito na mesma zona industrial de ..., onde em finais de 2021 deu por concluído um empreendimento composto por 12 armazéns desenvolvido em parceria com o seu pai, VV; 11 - Todo o empreendimento foi, desde início, concebido para a construção de diversos pavilhões e cujo número exacto só seria possível concretizar com a elaboração do respetivo projeto de aquitectura, projeto que começou a ser analisado e ponderado pelos técnicos (e testemunhas) YY e ZZ, conforme resulta da fundamentação constante pág. 10 da douta Sentença, último parágrafo): …no início de 2022, tendo sido explicado por estas duas testemunhas que previamente à aquisição analisaram o PDM e confirmaram que o prédio estava localizado em “zona industrial”, assim como também o estava um outro prédio que pertencia a CCC e que o réu igualmente se propunha adquirir já antes do negócio em causa nos autos;”; 12 - Tendo o respetivo projecto sido iniciado ainda antes da formalização da compra do terreno confinante que, como explicou a testemunha VV, esteve sempre garantido. Aliás, a não ser assim, não se justificaria a elaboração de um projeto que incluísse os dois terrenos, assim como, não teria sido possível, como muito bem realça a Mmª juiz “a quo”, submeter no dia 29 de dezembro de 2022, (ou seja, cerca de um mês depois da propositura da ação), para aprovação da Câmara Municipal, de um projeto de arquitetura que contemplava a construção de 20 pavilhões, em regime de propriedade horizontal, sobre o conjunto dos dois prédios; 13 - À falta de argumentos e na tentativa de confundir o douto Tribunal, o Recorrente recorre ao preciosismo de não ser fisicamente possível construir, sobre o terreno dos autos, os 20 pavilhões aprovados. No entanto, importa lembrar ao Recorrente que, com relevância para a boa decisão da presente causa, não está o número de pavilhões que é possível construir sobre o prédio dos autos, mas antes a sua capacidade e a sua aptidão para o fim que presidiu à sua compra (construção de pavilhões), matéria que resulta amplamente provada pela numerosa documentação que o Recorrido TT juntou aos autos; 14 - Como a Mmª juiz “a quo” refere na respetiva fundamentação, “… aquilo que resultou da conjugação da prova documental e testemunhal foi que aquele réu nunca se dedicou à agricultura e adquiriu o prédio em litígio para nele construir um empreendimento composto por diversos pavilhões industriais.” (cfr. fundamentação constante pág. 9 da douta Sentença, último parágrafo), donde resulta que a objeção suscitada pelo Recorrente jamais poderá conduzir à exclusão deste facto da matéria de facto provada mas, quando muito, à alteração da sua redação, bastando para o efeito substituir o termo “20 pavilhões” por “diversos pavilhões”, o que vai de encontro à douta fundamentação aduzida pela Mmª juiz “a quo”; 15 - Os argumentos aduzidos pelo Recorrente a propósito da capacidade de construção sobre o prédio objecto dos autos não têm qualquer consistência, sendo mesmo contrariados pela prova documental e testemunhal junta aos autos, pois a - resulta da certidão predial e caderneta predial juntas como doc. nº 3 e 4 da douta p.i., bem como da planta que constitui a fig. 1, da pág. 2 do projeto de arquitectura junto como doc. nº 8 da contestação, que o prédio dos autos confronta, pelo seu lado norte, com caminho público; b - todas testemunhas são unanimes a referir que o acesso ao imóvel se faz através de caminho (nem podia ser de outro modo), que o pai do Recorrente (XX) diz ter uma largura de 5, 6 metros (cfr. depoimento registado ao minuto 00:15:36 e transcrito pelo Recorrente na pag. 16 das suas Alegações). 16 - Acresce o facto de o terreno se situar em “zona urbanizável, classificada como AE1 – Espaços de Actividades Económicas -, no PDM do Concelho da Póvoa ..., em vigor desde 2015”, matéria dada como provada no ponto 9 dos factos provados e que o Recorrente em momento algum põe em causa; 17 – Cai por terra todo o esforço argumentativo que o Recorrente, desesperadamente, procura fundamentar nos depoimentos das testemunhas WW, XX e YY, depoimentos parcialmente transcritos pelo Recorrente, e que estão longe de infirmar o decidido pelo douto tribunal recorrido, desconhecendo-se qual a razão de ciência e as competências técnicas da testemunha WW, a que o Recorrente dá grande relevância em defesa da sua tese de falta de capacidade construtiva; 18 - Igualmente desatendida deverá ser a pretensão do Recorrente em ver alterada a matéria de facto dada como provada no ponto 11, segundo o qual o Recorrido “com vista à construção referida em 10), antes da celebração da escritura referida em 3), já havia igualmente encetado negociações com os proprietários de um prédio com ele confinante …”, porquanto, a fundamentação aduzida a este propósito pela Mmª juiz “a quo”, não deixa dúvidas quanto à correção da matéria dada como provada, que se fundou no depoimento da testemunhas VV, YY e ZZ, os quais “… atestaram que a finalidade da aquisição foi unicamente a construção do empreendimento industrial e, bem assim, que o projecto ficou a cargo do gabinete das ultimas duas testemunhas no inicio de 2022, tendo sido explicado por estas duas testemunhas que previamente à aquisição analisaram o PDM e confirmaram que o prédio estava localizado em “zona industrial”, assim como também o estava um outro prédio que pertencia a CCC e que o autor igualmente se propunha adquirir já antes do negócio em causa nos autos;” (cfr. fundamentação constante pág. 10 da douta Sentença, ultimo parágrafo); 19 – No mesmo sentido, veja-se o depoimento das testemunhas: a - “… AAA afirmou que em finais de 2021, o Réu TT já lhe tinha confidenciado que “estava com dois terenos” – ou seja, que tinha em vista a aquisição de dois terrenos – junto à Hiper A..., para continuar a desenvolver a actividade”. (cfr. fundamentação constante pag. 11 da douta Sentença, primeiro parágrafo). b - “… BBB explicou que, no final de 2021, tomou conhecimento de que o réu TT ia construir vários armazéns junto à vacaria dos autos, quando abordou o seu pai – que sempre conhecera como promotor imobiliário – tendo em vista a aquisição de um armazém industrial para a empresa que representa (B...)”. (cfr. fundamentação constante pág. 11 da douta Sentença, segundo parágrafo). 20 - No mesmo sentido de que a matéria dada como provada no ponto 11) não merece cencura, aponta a prova documental a que a Mmª Juiz “a quo” faz referência na respetiva fundamentação, nomeadamente, “o contrato-promessa de compra e venda do outro prédio em situação de contiguidade (facto 11) foi celebrado em data (08/11/2022) anterior à propositura da presente ação (25/11/2022) e, não obstante seja consabido que a instrução de processos de licenciamento demoram o seu tempo dada a necessidade de elaborar e reunir documentos, o projecto de arquitectura com o qual se deu inicio ao processo de licenciamento da construção do empreendimento industrial visado pelo autor (20 pavilhões industriais) foi submetido cerca de um mês depois da propositura da ação (cf. fls. 82), encontrando-se já instruído, além do mais, com levantamento topográfico, extractos de plantas de ordenamento de território, extractos de legislação aplicável, certidões e cadernetas referentes ao prédio em causa e ao prédio nº ...49 (cf. fls. 71 a 81)”. (cfr. fundamentação constante pag. 11 da douta Sentença, quarto parágrafo); 21 - Não obstante a dimensão do empreendimento (composto por 20 pavilhões) e a conhecida morosidade dos processos de licenciamento urbano, o Recorrido TT logrou submeter o respetivo projecto para aprovação, no dia 29 de dezembro de 2022, ou seja, cerca de um mês depois da propositura da presente demanda, desta forma se atestando que a aquisição dos dois terrenos estava garantida há muitos meses, sendo as testemunhas unanimes, em situar esse processo negocial de aquisição no início do ano de 2022; 22 - Como resulta do depoimento da testemunha VV, pai do Recorrido TT, aquele é amigo de infância do proprietário confinante CCC, sendo que a relação entre ambos sempre se pautou pela mais completa confiança na palavra um do outro, realidade evidenciada pelo facto de: a - o proprietário em causa e a sua esposa, terem aceitado outorgar a escritura de compra e venda (no dia 23/03/2023) e, consequentemente, aceitado transmitir a propriedade sobre o respetivo imóvel, contra o recebimento de apenas 40% por cento do valor total do prédio, pago no acto da outorga da escritura (cfr. doc. nº 3 junto com o Requerimento apresentado pelo aqui Recorrido no dia 25/03/2023 e com a prefª. 35184801); b - não ter sido prestada qualquer garantia pessoal ou real para garantia do pagamento da parte do preço em falta (60%); 23 - Em defesa da sua pretensão de ver eliminado o facto constante do ponto 11) da matéria de facto provada, o Recorrente invoca o contrato de comodato celebrado com o dono do terreno, que se encontra junto como doc. nº 5 do requerimento apresentado pelo aqui Recorrido a 25/03/2023 e com a prefª. 35184801, que tem por objeto vários prédios daquele proprietário e com uma duração de seis anos; Ora, 24 - Para além de ter adulterado o contrato de comodato celebrado com a firma B... (doc. 6 da p.s.), “alargando” o seu prazo de duração de um para seis anos, o Recorrente é também pródigo em omitir factos quanto ao concreto circunstancialismo que presidiu à celebração do contrato de comodato a que faz alusão, nomeadamente: a – Omite, desde logo, que o proprietário em questão (CCC) é tio do Recorrente, assim como, omite que quando pediu a este seu familiar a inclusão daquele prédio no contrato, foi por ele informado que o terreno estava vendido ao filho do VV; b - Omite, ainda, que o prédio só foi incluído no contrato de comodato, depois do compromisso assumido pelo Recorrente de que aceitaria entregar o prédio logo que o filho do VV dele necessitasse; c - Omite, também, que o contrato tinha como objetivo a obtenção de subsídios junto do IFAP, para o que era necessário que o mesmo apresentasse uma duração mínima de seis anos como, de resto, confessa no item 51º da Réplica; d - Omite, por fim, que em cumprimento do compromisso assumido perante seu tio, aceitou celebrar um aditamento ao contrato de comodato, datado de 23/12/2022, e por força do qual o prédio em questão deixou de integrar o objeto do contrato de comodato, tendo sido, nessa mesma data, entregue ao respetivo proprietário (cfr. doc. nº 6 do requerimento apresentado pelo aqui Recorrido a 25/03/2023 e com a prefª. 35184801); 25 - Aliás, esta amnésia não é inédita já que, no procedimento cautelar para restituição de posse (sem audição da parte contrária) que o Recorrente intentou contra o Recorrido TT e que, com o nº 1054/23.7T8PVZ, correu termos no Juiz 2, do Juízo Local Cível da Póvoa ..., omitiu essa mesma factualidade, levando a que o douto Tribunal decretasse a restituição do prédio com fundamento numa factualidade truncada que lhe foi apresentada pelo ali Requerente e aqui Recorrente. Contudo, confrontado com a totalidade dos factos, designadamente, com os acima mencionados, e na iminência de ser condenado como litigante de má-fé, o Requerente apressou-se a desistir da providência intentada, aceitando entregar de imediato ao Requerido TT o prédio de que fora indevidamente desapossado; 26 - O Recorrente pugna, depois, pelo aditamento de nova factualidade ao elenco dos factos dados como provados que, com excepção do constante do ponto V, e salvo melhor opinião, não assume qualquer relevância para a boa decisão da causa. 27 - Pugna, desde logo, pelo aditamento do facto de ter sido apresentado ao proprietário confinante e testemunha WW, uma declaração para renuncia ao direito de preferência, pretendendo a partir dai concluir que a intenção do adquirente era diversa da construção. Como muito bem refere a Mmª Juiz “a quo”, ficou claro que a testemunha VV não é jurista pois, de contrário, saberia que a aquisição de um prédio destinado à construção de pavilhões industriais, integra a excepção da alínea a) do artigo 1381º do Código Civil ao direito de preferência previsto no artigo 1380º do mesmo diploma, 28 - Finalidade que como a testemunha WW reconhece, foi-lhe transmitida aquando da apresentação da referida declaração, pelo que, caso fosse jurista, não teria sequer dado ao trabalho de diligenciar na obtenção da referida declaração. E se a declaração em causa não tem qualquer relevância para a boa decisão da causa, já o depoimento da testemunha é de extrema relevância na parte em que confirma o objectivo que presidiu à compra do prédio dos autos, ou seja, a construção de pavilhões; 29 - Ao contrário da factualidade que o Recorrente pretende, depois, ver aditada, os documentos juntos aos autos atestam que não estamos na presença de objetivo um prédio “encravado” (de resto trata-se de matéria alegada pela primeira vez em sede de recurso), pois é servido por um caminho público (cfr. certidão predial e caderneta predial junta pelo Recorrente com documentos nºs 2 e 3 da p.i. e planta que constitui a fig. 1, da pág. 2 do projeto de arquitectura junto como doc. nº 8 da contestação oportunamente apresentada), e que a testemunha XX refere ter cinco a seis metros de largura; 30 - O facto de, alegadamente, se tratar de um caminho em terra batida e de não possuir infraestruturas (matéria que não resultou minimamente provada), não põe em causa a capacidade construtiva do prédio, nem constitui facto impeditivo de construção num terreno com capacidade construtiva. 31 – Quanto ao terceiro facto que pretende ver aditado, dir-se-á que, como resulta da decisão camarária, o indeferimento prende-se, única e exclusivamente, com a falta de legitimidade do Recorrido, uma vez que o processo de licenciamento apresentado não se mostrava assinado pelos proprietários dos dois terrenos sobre os quais se propunha efetuar a edificação projectada, situação que foi, de imediato, ultrapassada pela submissão do mesmo projecto, mas desta feita subscrito pelo projeto dois titulares que no registo predial figuravam como proprietário (cfr doc. nº 1 e 2 do requerimento do Recorrido datado de 25/03/2023 e com a refª 35184801); 32 - Contrariamente ao que refere o Recorrente a propósito do quarto facto que pretende ver aditado, dos documentos a que alude, não resulta qualquer condição de aprovação. A anexação constitui antes uma consequência natural de um processo que prevê a edificação de vários pavilhões, em regime de propriedade horizontal, sobre dois prédios com descrições prediais e inscrições matriciais diferentes; 33 - O Recorrido nada tem a opor ao aditamento da matéria relativa à anexação dos dois prédios dos autos (quinto e último facto que o Recorrente pretende ver aditado), que deu origem à descrição predial nº ...73 e ao artigo matricial ...33 U, com a consequente inutilização das anteriores descrições prediais e inscrições matriciais dos dois prédios abrangidos, pois trata-se de matéria que se encontra provada por documentos, que foi aceite pelas partes, e que, pelas razões supra expostas nos itens 1º a 26º supra, sempre ditaria a improcedência da pretensão do Recorrente; 34 - Salvo o devido respeito, os motivos que o Recorrente aduz em defesa da sua pretensão em ver a matéria do ponto G aditada na matéria de facto provada, não apresentam a consistência pretendida, sendo mesmo insuscetíveis de fundamentar a alteração almejada. A decisão da Mmª Juiz “a quo” encontra-se fundamentada da seguinte forma: “Finalmente, o facto G não se provou por não resultar dos documentos emitidos pela Câmara Municipal a inviabilidade de projecto de construção do empreendimento sem a propriedade dos dois prédios a favor dos mesmos sujeitos ou sequer a inviabilidade de construção da mesma natureza (ainda que com diferentes dimensões) no prédio, sendo que as testemunhas nada esclareceram cabalmente a propósito na audiência de julgamento” (cfr. pagina 13 da douta sentença, penúltimo paragrafo). 35 - Como resulta dos autos, o Recorrido, com a colaboração dos técnicos contratados para o efeito, concebeu um projecto composto por 20 pavilhões, constituídos em regime de propriedade horizontal e a implantar sobre os dois prédios (ambos inseridos na zona urbanizável, classificada como AE1 – Espaços de Actividades Económicas e com capacidade construtiva), e cuja aquisição havia assegurado nos princípios de 2022, projeto que veio a merecer a aprovação da entidade licenciadora; 36 - A solução de levar a cabo uma única construção em regime de propriedade horizontal sobre ambos os prédios, ao invés de proceder a construções individualizadas em cada um dos prédios, deveu-se a uma opção do Recorrido TT – por se revelar a mais racional e que melhor aproveitamento permitia do espaço disponível - e não de uma imposição da entidade licenciadora; 37 - Ciente da falta de sustentação da sua posição na prova testemunhal nos autos, e em desespero de causa, o Recorrente procura sustentar a sua tese de que “… só com a aquisição do prédio identificado em 11) se tornou possível aprovar licença de construção no prédio identificado em 2)…”, em documentos que o Recorrido TT foi juntando aos autos à medida que ia progredindo o processo de licenciamento e de implementação do seu próximo empreendimento, no caso, (i) o despacho camarário de 25 de janeiro de 2023; (ii) o despacho camarário que aprovou o projeto de arquitectura; (iii) e o alvará de obras de construção; 38 - Porque o teor dos documentos invocados não têm a mínima virtualidade de fundamentar a sua versão dos factos, o Recorrente não ensaia, sequer, explicar em que medida o teor daqueles documentos são suscetíveis de comprovar sua tese. Os documentos em causa limitam-se a apreciar e a deferir o pedido de licenciamento de construção do complexo de pavilhões que o Recorrido TT sempre teve em vista para o local e, em momento algum, referem ou sequer sugerem que a construção no prédio dos autos estava condicionada à aquisição do prédio confinante; 39 - À falta de argumentos e na tentativa de confundir o douto Tribunal, o Recorrente ensaia, ainda, invocar em favor da sua tese, o facto de não ser fisicamente possível construir, sobre o terreno dos autos, os 20 pavilhões aprovados, importando, a este propósito, relembrar ao Recorrente que, não está em causa o número de pavilhões que é possível construir sobre o prédio dos autos, mas antes a sua capacidade e a sua aptidão construtiva para o fim que presidiu à sua compra, matéria que resulta amplamente provada pela numerosa documentação que o Recorrido TT juntou aos autos; 40 - Como muito bem refere a Mmª juiz “a quo”, “…sendo o destino do prédio adquirido a construção de pavilhões industriais, cremos que a demonstração da admissibilidade legal do destino do prédio alienado se basta com a prova de que à data do negócio as normas do ordenamento do território permitiam tal tipo de construção e veio a ser aprovada a construção de edifício do tipo do tido em vista. O mesmo é dizer que sempre haveria que concluir pela viabilidade do destino invocado pelo adquirente ainda que este idealizasse edificar 20 pavilhões industriais no prédio objecto da preferência e a sua área não permitisse a edificação de tal número, mas tão-só de um número substancialmente inferior.” (…) “Finalmente, não foi alegado nem demonstrado que o réu TT não conseguiria destinar à construção o terreno objecto de preferência se não tivesse adquirido o outro prédio com ele confinante, nem tão pouco que a aquisição deste apenas teve lugar em virtude da inviabilidade de construção unicamente no prédio objecto de preferência.” (cfr. pág. 19 da douta Sentença, último paragrafo e pág. 20). 41 - Resulta de toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos que, o Recorrido TT sempre destinou o terreno objecto de preferência à construção, designadamente, de um complexo de pavilhões industriais, o qual tinha aptidão legal para o efeito, como se veio a comprovar, quer pela aprovação do projecto de arquitetura apresentado, quer pela emissão do correspondente alvará de construção, quer, finalmente, pelo próprio processo de construção, que teve o seu inicio no mês de junho de 2022 (movimentação de terras) e continuidade com a adjudicação da construção dos edifícios à firma C..., já em finais de 2023. Só assim se justifica que tenha: - solicitado aos técnicos dos autos (arquitectos), ainda no início do ano de 2022, que confirmassem a capacidade construtiva do prédio dos autos e do que com ele confina; - contratado o projeto de arquitetura referente à construção de pavilhões sobre os dois prédios; - submetido à apreciação da entidade licenciadora, do processo de arquitetura que pretendia edificar, o que ocorreu ainda no dia 29 de dezembro de 2022, - obtido a aprovação do respetivo processo no dia 19 de abril de 2023; - obtido a licença para execução de obras de escavação e contenção periférica, deferida pela Câmara Municipal a 20/06/2023; - iniciado no mês de junho de 2023, os trabalhos de movimentação de terras, prévios ao processo construtivo propriamente ditos, e que incidiu sobre os dois prédios adquiridos. - apresentado os respetivos projetos de especialidades em 27/09/2023; - procedido ao pagamento da quantia de € 195.752,20, referente às taxas devidas pelo licenciamento e emissão do respetivo alvará de construção; - adjudicado em à firma C... os trabalhos de construção dos pavilhões aprovados, tendo nesse acto liquidado a quantia de € 150.000,00. 42 - Por outro lado e, ao contrário, resulta também dos autos que, o Recorrente tem vindo a ensaiar a sua retirada da actividade de agricultor, pois: a - contrariamente ao alegado no item 2º da douta p.i, (onde afirma ter uma exploração agrícola com 100 vacas), apurou-se no decurso do julgamento que esse número será atualmente na casa dos 25 animais (cfr. ponto 7 dos factos provados); b - solicitou à firma B..., de que a testemunha BBB é administrador, um empréstimo no valor de € 1.000.000,00, propondo-se oferecer em “garantia “a outorga de um contrato promessa de compra e venda do terreno dos autos de que é proprietário, num comportamento que a testemunha interpretou como uma proposta de venda; c - Negociou com a testemunha DDD o arrendamento da vacaria e dos terrenos, negócio que só não se concretizou por exigências de última hora, e relacionados com os subsídios atribuídos à exploração, de que pretendia continuar a beneficiar; d – propôs uma parceria ao investidor EEE, na construção de pavilhões nos dois terrenos dos autos de que se dizia adquirente, por força de um alegado direito de preferência; 43 - O Recorrente, ao lançar mão da presente ação de preferência, pretende destinar o prédio dos autos (e o do que é proprietário) à construção de pavilhões industriais, ou seja, pretende seguir o exemplo de seu pai (testemunha XX), que nos anos 2000, permutou com a empresa D..., S.A., um terreno localizado nas imediações do prédio dos autos recebendo, em troca, três pavilhões industriais; 44 - Face a todo o exposto, entende-se que a douta decisão recorrida e respetiva fundamentação não é merecedora de qualquer censura e, muito menos, alteração no sentido pretendido pelo Recorrente. Contra-alegaram, também os réus a que se alude no primeiro bloco, defendendo a improcedência do recurso e apresentando as seguintes conclusões: A. O Recorrido TT, desde os primeiros contactos com os restantes aqui Recorridos, manifestou a sua clara intenção de adquirir o prédio objeto de venda, para fins de construção e urbanização industrial. B. A par da compra do prédio em causa nestes autos, o mesmo Recorrido adquiriu o prédio contíguo àquele, sendo que antes da celebração da respetiva escritura já se encontrava em negociações para adquirir esse mesmo prédio, como bem resulta provado na douta sentença recorrida. C. O Recorrido TT sempre mencionou aos Recorridos vendedores não haver necessidade de dar conhecimento da compra e venda a nenhum dos proprietários dos prédios confinantes para exercerem o seu direito de preferência, face ao destino por si dado ao prédio adquirido - construção. D. Ambos os prédios que figuram no projeto do Recorrido TT situam-se em zona urbanizável, classificada como AE1 – Espaço de Atividades Económicas -, no PDM do concelho da Póvoa ..., sendo essa finalidade construtiva lícita e viável e autorizada pela Câmara Municipal ..., pela emissão do alvará de licença de construção n.º ..9/23, relativo ao licenciamento da construção a edificar no prédio dos autos e no que lhe é confinante. E. A alegação do Recorrente, de que somente com a aquisição do segundo prédio confinante se tornou possível aprovar a licença de construção no prédio objeto da venda aqui em apreço, nada releva para os fins pretendidos nesta ação, dada a finalidade séria e viável que o projeto do R. TT apresenta e a subsequente submissão à apreciação e aprovação do procedimento de licenciamento de construção. F. O destino dado ao prédio pelo R./Recorrido TT foi a construção, juntamente com outro prédio por si adquirido, o que levou a que o prédio objeto da preferência deixasse de existir enquanto unidade predial autónoma. G. O facto aduzido pelo Recorrente, de que a escassez de área do prédio tornava fisicamente impossível a construção de um complexo de 20 armazéns, não é, só por si, demonstrativo que o R. Recorrido TT não fosse destinar o prédio à construção, como efetivamente destinou. H. Os argumentos invocados pelo Recorrente quanto à matéria de facto dada por provada não abalam, de forma alguma, a consistência da fundamentação na apreciação da prova vertida na douta sentença recorrida, que se mostra aí apresentada de forma devidamente justificada e lógica, de acordo com os normais padrões de apreciação da prova. I. A decisão recorrida está extensa e proficientemente fundamentada, quer quanto à matéria de facto, quer no plano do enquadramento jurídico da factualidade havida por provada, pelo que deve ser confirmada. O recurso foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo, nos termos dos artigos 629.º/1, 638.º/1 e 7, 631.º/1, 644.º/1 alínea a), 645.º/1 alínea a) e 647.º/1 CPCivil. Recebido o processo nesta Relação foi proferido despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que a tal nada obsta. II. Fundamentação II. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, a questão a que os réus reduzem a sua razão de discordância para com a decisão recorrida, resumem-se em saber se, - deve ser alterado/modificado o julgamento da matéria de facto; - foi feita uma errada interpretação e aplicação da alínea a) do artigo 1381.º CCivil. II. 2. Vejamos, então, primeiramente os fundamentos da decisão recorrida. Factos provados. 1) Na Conservatória do Registo Predial da Póvoa ..., pela Ap. ...5 de 1995/01/27, encontra-se definitivamente registada a favor do autor AA a propriedade do prédio rústico denominado “Campo ...”, sito no lugar da ..., freguesia ..., Concelho ..., com a área de 11.365,5 m2, o qual se encontra descrito sob o número ...97 da freguesia ... e inscrito na matriz predial rústica da união de freguesias ..., ... sob o artigo ...40.º. 2) O prédio identificado em 1) confina pelo lado poente com um prédio rústico denominado “Campo e Bouça ...”, com área 5.396 m2, sito no lugar ..., da união de freguesias ..., ..., Concelho ..., descrito na Competente Conservatória do Registo Predial Da Póvoa ... sob o nº ...86/... e inscrita na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...43º da união de freguesias ..., .... 3) Por escritura pública outorgada em 31/05/2022, no Cartório Notarial FFF, sito na Praça ..., ... Póvoa ..., os 1.º a 11.º réus declararam vender ao 12.º réu marido, TT, o prédio identificado em 2), pelo preço de €21.000, livre de ónus e encargos, e o 12.º réu marido declarou comprá-lo nesses termos. 4) Após o referido em 3), o 12.º réu marido registou a seu favor a propriedade do prédio identificado em 2), pela apresentação n.º ... de 07/06/2022. 5) À data da realização da escritura de compra e venda, o 12.º réu marido não era proprietário de qualquer prédio que confinasse com o identificado em 2). 6) Nenhum dos réus deu conhecimento ao autor da sua intenção de vender o prédio e das condições da venda, designadamente o preço, as condições de pagamento ou a pessoa do comprador. 7) O autor é agricultor e, desde 27/01/1995, cultiva o prédio identificado em 1) com erva e milho, por si ou terceiros, e nele construiu uma instalação pecuária onde detém actualmente não menos de 25 vacas. 8) Os prédios identificados em 1) e 2) são aptos para o tipo de cultura referida em 8), sendo ainda o prédio identificado em 2) em parte apto para a cultura florestal. 9) Os prédios a que se alude em 2) e 11) situam-se em zona urbanizável, classificada como AE1 – Espaços de Actividades Económicas –, no PDM do concelho da Póvoa ..., em vigor desde 2015. 10) O réu TT adquiriu o prédio identificado em 2) para o destinar à construção de um complexo composto por 20 pavilhões industriais. 11) Com vista à construção referida em 10), antes da celebração da escritura referida em 3), já havia igualmente encetado negociações com os proprietários de um prédio com ele confinante, descrito sob o número ...49 da freguesia ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...53.º, que culminaram na celebração um contrato-promessa de compra e venda em 08/11/2022 e na celebração do contrato definitivo de compra e venda em 23/03/2023. 12) Em 19 de Abril de 2023, pela Câmara Municipal ... foi proferida decisão que aprova o projecto de arquitectura referente à construção de uma “edificação, destinada a armazenagem e indústria, com dois pisos acima da cota de soleira (…), a sujeitar a regime de propriedade horizontal – 20 frações”. 13) Em 05 de Dezembro de 2023, a Câmara Municipal ... emitiu o alvará de licença de construção (n.º ..9/23) do empreendimento que o réu TT vai edificar no prédio identificado em 2) e no outro prédio identificado em 11). 14) O réu TT concluiu os trabalhos de movimentação de terras e adjudicou à empresa C..., Lda os trabalhos de construção dos edifícios industriais aprovados. Factos não provados A) O prédio identificado em 2) sempre esteve afecto à produção florestal. B) O autor já não se dedica à agricultura. C) Nunca pretendeu comprar o prédio identificado em 2). D) Ao invocar a preferência, pretende aproveitar-se de o réu ter conseguido negociar a um preço de aquisição abaixo do valor de mercado do prédio. E) Não tem intenção de destinar à agricultura o prédio identificado em 2). F) E tem a intenção de destinar à promoção imobiliária os prédios identificados em 1) e 2). G) Só com a aquisição do prédio identificado em 11) se tornou possível aprovar licença de construção no prédio identificado em 2). Porque tal questão interessa igualmente à decisão do recurso, vejamos, igualmente, o que ali se deixou exarado em termos de fundamentação para suportar aquela decisão sobre a matéria de facto. Os factos n.º 1 a 4 tiveram-se por assentes perante o acordo das partes relativamente à situação de confinância e o teor das certidões da Conservatória do Registo Predial juntas sob os documentos n.º 1 e 3 (fls. 9 a 11) e da certidão do Cartório Notarial junta sob o documento n.º 6 (fls. 15 a 19), cuja falsidade não foi arguida (art.º 574.º, n.º 2 do CPC e 369.º, 371.º e 372.º do Cód. Civil). O facto n.º 5 foi confessado pelo réu TT durante a audiência de julgamento e não foi contrariado por qualquer outro meio de prova, razão pela qual se teve por demonstrado (art.º 353.º, n.º 2, 356.º, n.º 2 e 358.º, n.º 1 do Cód. Civil e 463.º, n.º 1 do CPC). O facto n.º 6 foi admitido por acordo das partes (art.º 574.º, n.º 2 do CPC). Quanto aos demais factos, o Tribunal formou a sua convicção livremente (art.º 607.º, n.º 5 do CPC), através de um exame crítico e conjugado das declarações das partes, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos juntos aos autos, sempre considerando as pertinentes regras do ónus da prova. Concretizando. Conjugando as declarações do autor com o depoimento convergente do seu pai XX e das testemunhas fiáveis e credíveis GGG, WW e HHH e, ainda, o teor do projecto de arquitectura junto a fls. 71 e ss., o Tribunal ficou persuadido de que o autor agricultava o seu prédio que confina com o prédio objecto destes autos, semeando erva e/ou milho no mesmo, e, bem assim, que este último era apto para o mesmo tipo de cultura agrícola (ainda que tivesse sido agricultado pela última vez há cerca de 2 anos e também estivesse parcialmente destinado à cultura florestal). A tanto não obstaram os depoimentos de DDD, VV, YY ou ZZ, ainda que estas se tenham afigurado genuínas, pelas seguintes razões: desde logo, a testemunha dos réus DDD, agricultor, confirmou que o autor semeou erva no prédio em litígio até 2022, continua a cultivar mais “uns 2 ou 3” campos e tem “25 ou 30” animais, ainda que tenha andado em negociações consigo – que não chegaram a bom porto – para alienação da vacaria e cedência do cultivo das terras; por outro lado, as testemunhas que se dedicavam à agricultura haviam atestado que o terreno em litígio era parcialmente cultivado com erva, XX e GGG declararam que tal cultivo se verificou até há 2 anos e não é inverosímil que, dado o tipo de cultura, o mesmo se tenha afigurado inculto e inapto para a actividade agrícola às testemunhas VV, YY ou ZZ, que trabalham na actividade imobiliária, ademais se se tivessem deslocado ao local fora da época das sementeiras em questão; outrossim, a adulteração do contrato de comodato com a B... não é apta a demonstrar que o autor não se dedique à actividade agrícola, sendo consabido que a concessão de subsídios está frequentemente dependente da produção de determinada cultura/exploração por um período mínimo de tempo (que, no caso dos autos, seria superior ao período de um ano); finalmente, ainda que as testemunhas do réu tivessem confirmado que o terreno sub judice tinha uma parte com bastante arvoredo, nada foi referido por elas (ou por outras) acerca da composição do solo e da inaptidão do mesmo para o mesmo tipo de cultura da que vem sendo levada a cabo no prédio do autor inscrito na matriz sob o art.º ...40.º. Mercê do que antecede, deram-se como provados os factos n.º 7 e 8, com a redacção restritiva e explicativa que deles consta, quanto ao número de animais e às culturas, respectivamente, ficando, correspondentemente por provar os factos A e B. A prova de que o prédio em litígio e o outro que com ele confina e veio a ser adquirido pelo réu TT se situa em zona urbanizável, classificada como AE1 – Espaços de Actividades Económicas – no PDM deste concelho (facto n.º 9) resultou das declarações unívocas proferidas pelos sujeitos e intervenientes processuais na audiência de julgamento, conjugadas com o teor do extracto da planta de implantação do PDM que consta de fls. 72, a planta de ordenamento junta a fls. 94 verso e os despachos proferidos pela Câmara Municipal a aprovar o projecto de arquitectura e o alvará de obras de construção, juntos a fls. 154 verso e fls. 293 verso, respectivamente. Quanto à finalidade visada pelo autor com a aquisição do prédio objecto da preferência, nenhuma prova directa ou indirecta foi produzida no sentido de que o réu TT pretendesse agricultar o prédio que adquiriu aos demais réus em Maio de 2022. Ao invés, aquilo que resultou da conjugação da prova documental e testemunhal foi que aquele réu nunca se dedicou à agricultura e adquiriu o prédio em litígio para nele construir um empreendimento composto por diversos pavilhões industriais. Senão vejamos: - os documentos (fiscais) juntos com a contestação daquele réu sob os n.os 1 e 2 (fls. 61 a 65), o contrato-promessa e o suporte de transferência bancária juntos sob os n.os 3 e 4 (fls. 65 verso a 67) foram consentâneos com os depoimentos espontâneos e credíveis das testemunhas WW, VV,1 YY, AAA e BBB, no que concerne à formação (em engenharia civil) e à actividade profissional (promoção imobiliária) do réu TT e ao último empreendimento construído por este em parceria com o pai nas imediações do prédio objecto dos autos (concluído em 2021); 1 Não obstante a relação familiar com o réu TT, mostrou-se especialmente atendível o depoimento de VV, que descreveu de forma lógica, circunstanciada e sequencial os trâmites dos empreendimentos e as negociações levadas a cabo por si e pelo seu filho com vista ao desenvolvimento do último projecto pelo seu filho, no que logrou corroboração pelas demais testemunhas vindas de referir. - a testemunha do autor WW, igualmente proprietário de prédio confinante com o que se discute nos autos, confirmou a versão trazida aos autos pelos réus, no sentido de que TT pretendeu adquirir o prédio no âmbito da sua actividade de promoção e construção imobiliária, explicando que a declaração junta com a contestação sob o documento n.º 6 (fls. 121) foi assinada por si há cerca de 2 anos, após o pai daquele réu o ter abordado e lhe ter dito que pretendia comprar um prédio que confinava com o seu, onde pretendia construir pavilhões; - as testemunhas VV, YY e ZZ atestaram que a finalidade da aquisição foi unicamente a construção de empreendimento industrial e, bem assim, que o projecto ficou a cargo do gabinete das últimas duas testemunhas no início de 2022, tendo sido explicado por estas testemunhas que previamente à aquisição analisaram o PDM e confirmaram que o prédio estava localizado em “zona industrial”, assim como também o estava um outro prédio que pertencia a CCC e que o autor igualmente se propunha adquirir já antes do negócio em causa nos autos; - a testemunha AAA afirmou que, em finais de 2021, o réu TT já lhe tinha confidenciado que “estava com dois terrenos” – ou seja, que tinha em vista a aquisição de dois terrenos –junto à Hiper A..., para continuar a desenvolver a actividade; - a testemunha BBB explicou que, no final de 2021, tomou conhecimento de que o réu TT ia construir vários armazéns junto à vacaria do autor, quando abordou o seu pai – que sempre conhecera como promotor imobiliário – tendo em vista a aquisição de um armazém industrial para a empresa que representa (B...); - finalmente, mas não de somenos importância, extrai-se dos documentos juntos pelos réus TT e outros que: a) o contrato-promessa de compra e venda do outro prédio em situação de contiguidade (facto n.º 11) foi celebrado em data (08/11/2022) anterior à da propositura da presente acção (25/11/2022) e, não obstante seja consabido que a instrução de processos de licenciamento demoram o seu tempo dada a necessidade de elaborar e reunir documentos, o projecto de arquitectura com o qual se deu início ao processo de licenciamento da construção do empreendimento industrial visado pelo autor (20 pavilhões industriais) foi submetido cerca de um mês depois da propositura da acção (cf. fls. 82), encontrando-se já instruído, além do mais, com levantamento topográfico, extractos de plantas de ordenamento de território, extractos de legislação aplicável, certidões e cadernetas referentes ao prédio em causa e ao prédio nº ...49 (cf. fls. 71 a 81); b) após o despacho em que a edilidade apontou diversas insuficiências ao projecto (fls. 121 verso), o réu TT apresentou novo projecto de arquitectura (cf. fls. 127 e ss.) e veio a instruir o mesmo com o contrato de compra e venda do prédio nº ...49 (fls. 140 verso a 143); c) em 19/04/2023, foi proferido despacho a aprovar o projecto de arquitectura supra (fls. 154 verso e original da certidão do processo de licenciamento junto de fls. 217 a 261), considerando designadamente que, segundo a planta de ordenamento de território do Município, o local da pretensão (correspondente aos terrenos dos prédios n.º ...86 e ...49) se inseria em “solo urbano – perímetro do solo urbano – espaços de actividades económicas AE1” (facto n.º 12); d) em 27/09/2023, o réu TT apresentou os projectos de especialidades do empreendimento (cf. certidão de fls. 269 a 272); e) em 05/12/2023, a Câmara Municipal ... emitiu o alvará de licença de construção (n.º ..9/23) do empreendimento supra (facto n.º 13), após prévia anexação dos prédios n.º ...86... e ...49.º, cedência de parcela de terreno coma área total de 1.141,05 m2 a favor do Domínio Público e pagamento da respectiva taxa, no montante de €195.752,20 (fls. 293 verso e ss.). f) o réu concluiu os trabalhos de movimentação de terras e adjudicou os trabalhos de construção à empresa C... (facto n.º 14), pagando, por conta dos mesmos, a quantia de €150.000 (cfr. documento juntos a fls. 299 e 300, conjugados com os depoimentos de YY, VV e ZZ. Articulando os elementos/factos probatórios que antecedem e considerando designadamente que o réu nunca se dedicou à agricultura, se dedica à promoção imobiliária e, desde a aquisição do prédio em litígio, vem fazendo diligências com vista à construção de empreendimento no terreno adquirido e em terreno contíguo e já procedeu ao pagamento de avultada taxa de licenciamento no montante de €195.752,20 e, bem assim, avultada quantia com vista à construção do empreendimento projectado, cremos não restarem dúvidas de que aquele nunca quis afectar o prédio adquirido à cultura agrícola ou florestal, mas antes à construção. A finalizar, considerando as alegações do I. Mandatário do autor, cumpre acrescentar que a circunstância de o pai do réu ter apresentado o documento junto a fls. 121 a WW para assinatura não é minimamente concludente no sentido de que a intenção do réu era diversa da construção: em primeiro lugar, ficou claro que VV não é jurista e, sendo do conhecimento geral que os proprietários de prédios rústicos confinantes têm direito de preferência, é perfeitamente admissível que ao dar a assinar uma declaração de renúncia a tal putativo direito pretendesse unicamente evitar futuros litígios; em segundo lugar, é essencial reter que a pessoa que assinou o aludido documento foi arrolada como testemunha pelo autor e descreveu as circunstâncias em que o mesmo documento lhe foi dado a assinar, esclarecendo, como acima dissemos, que o pai do réu sempre lhe transmitiu que pretendiam construir pavilhões industriais no local. Por conseguinte, deu-se como provado o facto n.º 10. Os factos C a F ficaram por demonstrar por ausência de prova para o efeito: em primeiro lugar, ninguém aludiu a qualquer tentativa de venda do prédio objecto dos autos ao autor e à recusa de aquisição por parte deste; em segundo lugar, resultou do depoimento de DDD que o autor equacionou alienar191159 o seu prédio confinante, mas, ainda assim, nunca deixou de o agricultar; em terceiro lugar, a testemunha BBB esclareceu que o autor nunca lhe disse que pretendia vender o seu prédio quando lhe foi pedir um empréstimo, ainda que pudesse ter ficado com essa convicção pessoal em face da “garantia” que lhe ofereceu como contrapartida; ninguém aludiu a qualquer iniciativa do autor que fosse reveladora de que o mesmo pretendia destinar o seu prédio e o prédio objecto destes autos à promoção imobiliária, sendo que a única testemunha que depôs a esse propósito foi AAA, cujo depoimento nesta parte não se afigurou fiável, por a testemunha ter esclarecido que não presenciou directamente qualquer facto relevante e se ter limitado a transmitir ao Tribunal que ouviu dizer a EEE (não arrolado como testemunha) que o “III” (pai do autor) queria fazer armazéns a meias com ele. Finalmente, o facto G não se provou por não resultar dos documentos emitidos pela Câmara Municipal a inviabilidade de projecto de construção do empreendimento sem a propriedade dos dois prédios inscrita a favor dos mesmos sujeitos ou sequer a inviabilidade de construção da mesma natureza (ainda que com diferentes dimensões) no prédio, sendo que as testemunhas nada esclareceram cabalmente a propósito na audiência de julgamento. II. 3. O contexto do recurso. Afirma o autor que o recurso tem por fundamento a impugnação do julgamento da matéria de facto e a matéria de Direito. Entende que que se não fez uma correcta apreciação da prova resultando assim, num erro de julgamento da matéria de facto, bem como, se fez uma errada interpretação e aplicação da alínea a) do artigo 1381.º CCivil. Pretende assim, a reapreciação da matéria de facto provada e não provada e a sua posterior subsunção nas normas legais aplicáveis, com a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente. Em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto diz o autor que não se podia ter julgado como provados os factos contidos nos pontos 10 e 11 e que os factos contidos na alínea G) do elenco dos não provados devem passar para o elenco dos provados. E, depois pretende o aditamento de determinados factos ao elenco dos provados, por entender que os mesmos assumem relevo para a boa decisão da causa. II. 4. Recurso da matéria de facto. II. 4. 1. No âmbito da modificação da matéria de facto pela Relação, vigora o artigo 662.º/1 CPCivil, segundo o qual “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Porque se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. A alteração da matéria de facto só deve, assim, ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si ou dada a fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova. Esta norma tem o propósito expresso reforçar os poderes da Relação, na reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir alcançar a verdade material dos factos e a garantir um verdadeiro segundo grau de jurisdição em matéria de facto, sendo certo que, em geral, lhe compete a derradeira palavra sobre esta matéria. Para tal efeito contribuiu o chamado registo da prova, começado a implementar com o Decreto Lei 39/95 e reforçado pelo Decreto Lei 329-A/95, primeiro e, com o Decreto Lei 180/96, depois. Como consta do preâmbulo daquele primeiro diploma, “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido”. E, assim, sobre o recorrente estabelece-se, nesta sede, um exigente ónus de alegação, especialmente previsto no artigo 640.º/1 CPCivil, de modo a conferir seriedade à impugnação da matéria de facto, permitir o exercício do contraditório e possibilitar o seu julgamento seguro e eficaz. A impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação. Todas estas exigências surgem, por um lado, na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente e, por outro lado, visam afastar soluções que pudessem reconduzir a uma repetição dos julgamentos. Donde, apenas se mostra consagrada a possibilidade de reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal a quo), quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido e a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1.ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto. E a delimitação tem de ser concreta e específica. O recorrente tem de indicar, com clareza e precisão o que impugna, os meios de prova em que fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura da decisão impugnada. E tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto, não podendo ser efectuado em termos genéricos, sendo de rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, se a alusão a determinados meios probatórios bem como ao quadro factual alegado é efectuada de forma genérica, sem que se estabeleça a necessária ligação entre os meios probatórios (ou as circunstâncias processuais mencionadas) e um determinado ou concreto resultado. Afinal, tal como se impõe que o tribunal faça uma análise crítica das provas, também o recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia, não bastando, sequer, reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos, sendo que, quando isso suceda, deve tal conduta processual constituir motivo de rejeição da impugnação da matéria de facto. Se a apreciação da impugnação da matéria de facto não está subordinada a formas padronizadas, deve a Relação considerar especialmente os argumentos alegados, em particular pelo recorrente, reponderando os meios de prova especificados e confrontando-os com os que motivaram a decisão sobre a matéria de facto. Isto com vista à aquisição de uma convicção própria e autónoma, por parte do tribunal de recurso. Ainda que o Tribunal da Relação tenha de fundar a sua própria convicção, tal não significa, como dissemos já, que tenha de realizar um novo julgamento com total reapreciação de todos os meios probatórios produzidos, nem tal perspectiva se compadeceria com a índole e natureza deste tribunal, ad quem, a qual exige uma tendencial depuração das questões, aliás, sempre necessária a uma desejável celeridade decisória que, obviamente, sairia prejudicada. Nesta conformidade, vem-se entendendo que quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida. Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua subjectiva convicção sobre a prova. Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz. Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efectivar uma análise concreta, discriminada, objectiva, crítica, lógica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas ou das objectivas evidencias e emanações probatórias, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida. E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas. A livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, que determina dessa forma uma convicção racional e, portanto, objectivável e motivável. Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas. A verdade judicial é, consabidamente, uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico, cfr. acórdão do STJ de 11.12.2003, consultado no site da dgsi. A convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelo conjunto dos mais variados elementos de prova, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais, cfr. acórdão do STJ de 20.09.2004, consultado no site da dgsi.pt. Tendo presente ainda que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis. Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro. Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro. O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade – a qual não está ao alcance do tribunal ad quem, cfr. acórdão do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009, ambos consultados no site da dgsi. Desde já há que referir que nada impede a cisão de um depoimento, seja - que se atribua credibilidade a uma parte e não se atribua a outro segmento. A função do julgador não é a de encontrar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos. Nem, tão pouco, tem o juiz que aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe antes a espinhosa missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece crédito. Como já há muito escrevia o prof. Enrico Altavilla, o interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras, in Psicologia Judiciária, vol. II, 3.ª ed., pág. 12. E, por outro lado não será o facto de mais ninguém constar como sabendo o que quer que seja acerca de determinado facto, que só por si pode impedir que se julgue tal facto como provado, que o mesmo haja efectivamente ocorrido. Com efeito, há muito que não vigora mais o princípio do “testis unis testis nullus” - uma só testemunha, nenhuma testemunha. E, assim, nada obsta a que a convicção do tribunal se forme apenas com base no depoimento de uma única testemunha, ainda que essa testemunha, assuma ter algum interesse no desfecho do litígio, desde que o seu relato, atentas as circunstâncias e o modo como é prestado, mereça credibilidade ao tribunal. E, por outro lado, como é sabido, a existência de discrepâncias nos relatos efetuados por pessoas que presenciaram uma mesma factualidade não é, necessariamente, sintoma do carácter inverídico do respetivo conteúdo, podendo ser (e muitas vezes é), pelo contrário, sintoma da sua espontaneidade e da sua veracidade. Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre eles num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Na valoração dos depoimentos o juiz tem que atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual, os olhares, as mãos e o corpo m geral e, até saber interpretar as pausas e os silêncios, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. E são todos estes factores que apenas o juiz do julgamento viu e se apercebeu. Nada disto fica gravado e, por isso o tribunal de recurso nunca deles se aperceberá. O que é tanto mais importante quanto as mais das vezes são aquelas circunstâncias que fazem a diferença e levam o tribunal a quo a decidir num sentido, em detrimento do outro, fazendo a diferença entre o provado e o não provado. Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a oralidade e a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal. A prova testemunhal não é, pois, para ser avaliada com o rigor da aritmética, nem pelo número nem pela quantidade. Voltando a Enrico Altavilla, em “Psicologia Judiciária, Personagens do Processo Penal”, 4° vol., Arménio Amado, Editor, Sucessor-Coimbra, 1959, pág. 112, “(...) o testemunho não é a exacta reprodução de um fenómeno objectivo, porque é modificado pela subjectividade da testemunha, e se, por isso, duas testemunhas dificilmente podem prestar depoimentos idênticos, deduzir da diversidade que se nota na sua acareação, que uma delas deva, necessariamente, estar de má fé, é um erro. Efectivamente, às vezes, um depoimento sem lógica, contraditório, é considerado pouco fiel, porque se julga que a testemunha não se recorda bem, ou então insincero, ao passo que os testemunhos correntes dão uma impressão de fidelidade e de veracidade, e pode ser o contrário, provindo o primeiro de uma dificuldade em se exprimir, ou de um fenómeno de timidez, ao passo que a naturalidade do segundo pode derivar de uma hábil preparação (...). Há, portanto, um certo coeficiente pessoal na percepção e na evocação mnemónica, que torna, necessariamente, incompleta a recordação, de forma que não há maior erro que considerar a testemunha como uma chapa fotográfica, deduzindo de não ser completo o seu depoimento que ela é reticente”. Por isso é que a prova testemunhal, a prova pericial e a prova por inspeção estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, cfr. artigos 389.º, 391.º e 396.º CCivil, sem que se questione que o juiz possa considerar um facto provado só com base numa dessas provas singulares, no limite, só com base num depoimento. Como de resto, as recentemente criadas declarações de parte. Também elas, nos termos do artigo 466.º/3 CPCivil, são apreciadas livremente pelo tribunal, salvo se as mesmas constituírem confissão. Isto é, no segmento em que não constituem confissão, as declarações de parte são – na definição legal – livremente apreciadas. Esta liberdade de valoração, todavia, nada nos diz sobre os concretos parâmetros de valoração destes diversos meios de prova, máxime da prova pessoal. Mas quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum. No caso e, em última análise, o que os réus pretendem é substituir a convicção do tribunal pela sua. Isto quando, necessário será sempre convencer o tribunal de recurso de que a decisão do tribunal "a quo" em matéria de facto não é possível ou não é plausível. Que, em última instância se impõe decisão de sentido diverso. É que não basta que o recorrente pretenda fazer uma “revisão” da convicção obtida pelo tribunal "a quo" por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção ‘era possível’. Exige-se-lhe que indique a prova que imponha uma outra convicção. Não será por ser parte, ser filha da parte, ter trabalhado para a parte que se poderá, desde logo e, só por isso, partir de um princípio de um pré-juízo de desconfiança, de menorização e de desvalorização do seu depoimento. A credibilidade há-de ser aferida em concreto pelo que disse e, pela forma como o fez. O valor probatório do depoimento há-de resultar da apreciação da razão de ciência e do mérito intrínseco do que foi dito. Com efeito, o mero interesse pessoal da testemunha no desfecho do litígio, só por si, não é fundamento de inabilidade, tão pouco de suspeição, devendo apenas ser ponderado como um dos factores a ter em conta na valoração do testemunho. Nem constitui elemento que indicie, sequer, a falta à verdade. Nada impede, mesmo, que o tribunal forme a sua convicção com base no depoimento de uma, única, testemunha, interessada, naturalmente, desde que ponderando o mesmo com a sua experiência e bom senso, conclua pela sua credibilidade. Pode tal depoimento ser o único suporte para dar certo facto como provado desde que logre convencer o tribunal ao nível da prova exigível para a afirmação do concreto facto em questão. A aferição da credibilidade final de cada meio de prova é única, irrepetível, e deve ser construída pelo juiz segundo as particularidades de cada caso segundo critérios de racionalidade. Aqui surge a livre convicção, não, enquanto afirmação infundamentada da verdade, mas como meio da descoberta da verdade, a traduzir uma conclusão livre porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições formais exteriores. A par, naturalmente, das regras da experiência, que mais não são do que definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade. Sem cair no risco apressado que comportam todas as regras, um relato autêntico/espontâneo que faça uma contextualização pormenorizada, plena de detalhes, com descrições de cadeias de interacções, com reprodução de conversas, com correcções espontâneas, como segurança e assertividade, com fundamentação, com respostas prontas a perguntas inesperadas, evidencia ser mais plausível e colhe maior credibilidade por contraposição a um relato seco, estereotipado/cristalizado ou com recurso a generalizações. Para mais se for corroborado por outros meios de prova. A credibilidade das testemunhas – e das declarações de parte, já agora- há-de ser aferida em concreto pelo que disseram e, pela forma como o fizeram. O valor probatório do que disseram há-de resultar da apreciação da razão de ciência e do mérito intrínseco do que foi dito. Isto sendo certo que independentemente da maior proximidade para com alguma das partes, tanto se pode falar verdade, como falar mentira. Da mesma forma que alguém, aparentemente, sem qualquer interesse na causa e sem qualquer relação com as partes, pode falar verdade, como pode faltar à verdade. A primazia, a prevalência não pode ser dada, nem afastada, em função daquele factor. Apenas e tão só, pela coerência, concordância, plausibilidade. Donde, não será pelo facto de as testemunhas arroladas pelos autores serem maioritariamente familiares e o empreiteiro que efectuou as obras, que estará, à partida afastada a sua isenção. Em suma da credibilidade que possa ser concedida a quem presta depoimento, ou declarações de parte, já agora, também. II. 4. 2. Baixando ao caso concreto. II. 4. 2. 1. Alteração/modificação do julgado. Ponto 10 – o réu TT adquiriu o prédio identificado em 2) para o destinar à construção de um complexo composto por 20 pavilhões industriais. Este facto foi afirmado, como vimos, com base na seguinte análise crítica: - quanto à finalidade visada pelo autor com a aquisição do prédio objecto da preferência, nenhuma prova directa ou indirecta foi produzida no sentido de que o réu TT pretendesse agricultar o prédio que adquiriu aos demais réus em Maio de 2022 - ao invés, aquilo que resultou da conjugação da prova documental e testemunhal foi que aquele réu nunca se dedicou à agricultura e adquiriu o prédio em litígio para nele construir um empreendimento composto por diversos pavilhões industriais: - os documentos (fiscais) juntos com a contestação daquele réu sob os n.ºs 1 e 2 (fls. 61 a 65), o contrato-promessa e o suporte de transferência bancária juntos sob os n.ºs 3 e 4 (fls. 65 verso a 67) foram consentâneos com os depoimentos espontâneos e credíveis das testemunhas WW, VV,1 YY, AAA e BBB, no que concerne à formação (em engenharia civil) e à actividade profissional (promoção imobiliária) do réu TT e ao último empreendimento construído por este em parceria com o pai nas imediações do prédio objecto dos autos (concluído em 2021); - a testemunha do autor WW, igualmente proprietário de prédio confinante com o que se discute nos autos, confirmou a versão trazida aos autos pelos réus, no sentido de que TT pretendeu adquirir o prédio no âmbito da sua actividade de promoção e construção imobiliária, explicando que a declaração junta com a contestação sob o documento n.º 6 (fls. 121) foi assinada por si há cerca de 2 anos, após o pai daquele réu o ter abordado e lhe ter dito que pretendia comprar um prédio que confinava com o seu, onde pretendia construir pavilhões; - as testemunhas VV, YY e ZZ atestaram que a finalidade da aquisição foi unicamente a construção de empreendimento industrial e, bem assim, que o projecto ficou a cargo do gabinete das últimas duas testemunhas no início de 2022, tendo sido explicado por estas testemunhas que previamente à aquisição analisaram o PDM e confirmaram que o prédio estava localizado em “zona industrial”, assim como também o estava um outro prédio que pertencia a CCC e que o autor igualmente se propunha adquirir já antes do negócio em causa nos autos; - não obstante a relação familiar com o réu TT, mostrou-se especialmente atendível o depoimento de VV, que descreveu de forma lógica, circunstanciada e sequencial os trâmites dos empreendimentos e as negociações levadas a cabo por si e pelo seu filho com vista ao desenvolvimento do último projecto pelo seu filho, no que logrou corroboração pelas demais testemunhas vindas de referir. A isto contrapõe o autor o seguinte: - desde logo, a área do prédio em questão (5396 m2 – vide certidão predial junta como Doc.3 da petição), não permite a construção do projeto pretendido, ou seja, 20 armazéns (note-se que o projeto aprovado pela Câmara Municipal, após a anexação dos prédios, tem como área total do terreno 17.201,55 m2 e área total de construção de 9.907,20 m 2 (vide alvará de obras de construção ..9/23 e certidão predial juntos pelo Réu TT com o articulado superveniente apresentado em 12/12/2023 com a referência citius 37540496) - óbvio se torna que o réu TT não adquiriu o prédio para o destinar à construção de um complexo de 20 armazéns, pois, como se vê, dada a escassez de área do prédio, era fisicamente impossível; - o prédio, antes da anexação, encontrava-se encravado sendo servido por um caminho de servidão sem quaisquer infraestruturas, que, ainda que tivesse área suficiente para construção de 20 armazéns, nunca seria permitida a sua construção por se encontrar encravado e sem acessos: - o proprietário do outro prédio confinante, a quem o Réu TT e o seu pai pediram que prescindisse do direito de preferência, a testemunha WW, também não consegue edificar no seu prédio, não obstante o PDM permitir viabilidade construtiva: - era a parte agrícola, não é? Correto. Agora, diga-me uma... Como é que se fazia o acesso, quer para o terreno que foi adquirido pelo engenheiro TT, quer para o seu? Esse acesso ao caminho era feito por quê? Havia lá alguma estrada nacional...? Responde: não, era um caminho de campo, um caminho... - um caminho de servidão? Responde: um caminho de... Não era, não sei se era de servidão... Mas era um caminho em pedra, um caminho incerto, um caminho... um caminho irregular; - era possível dois carros cruzarem-se? Responde: não. Não havia largura suficiente para isso. - o seu prédio, você sabe que aquilo está em zona de construção, correto? Responde: zona industrial. - se você quisesse construir no seu... Não obstante o PDM o permitir, era possível, tendo em conta a falta de acessos e o facto de o prédio também estar, no fundo, quase encravado? Responde: não tinha condições; - tal factualidade extrai-se ainda do depoimento da testemunha XX: - referiu aqui que conhece bem o terreno que foi adquirido pelo engenheiro. Olhe, e a pergunta que eu lhe faço: esse prédio rústico, o acesso, esse prédio estava encravado? Como é que se fazia o acesso a esse...? Responde: o acesso faz-se por um caminho que era de servidão, ou seja, de terra batida. De largura tem para aí 5, 6 metros, é o que pode ter. Está em terra batida, e eles quando até andaram a tirar lá os eucaliptos que tinha...Não, não cruza dois carros. - e do depoimento da arquiteta responsável pelo projeto, YY: - conhece bem o prédio que foi adquirido pelo engenheiro, correto? Responde: Sim. - Como é que era feito o acesso a esse prédio, inicialmente? Responde: Existe um caminho... Um espaço canal, espaço canal que é como está definido no PDM da Câmara. Não tenho conhecimento se é de servidão; é um caminho de terra. Com pedras, como existem muitos outros locais. Os carros não se cruzavam lá. - também o pai do réu TT, VV, refere que teria que comprar outros terrenos para poder alargar esse caminho de servidão: - disse que quando o seu filho comprou o prédio aqui em questão, que esse só fazia sentido se eventualmente conseguisse comprar o outro, por que motivo? Responde: Para não fazer, para não criar uma rua só de acesso àquele bocadinho, o negócio tínhamos capacidade de fazer o negócio, fazer o desenvolvimento, ó doutor, desculpe... Aquele prédio era possível construir sozinho. Tinha que criar uma estrada, que essa estrada, agora... eu para fazer uma urbanização tenho que fazer infraestruturas e ceder ao município. O município, ao meter um projeto na Câmara, o município diz assim, “Sim senhor, o projeto é deferido, desde que consigas construir aquilo”. fazer o canal viário. Era da minha responsabilidade procurar comprar um bocado de terreno para alargar, como ele cedeu para alargar na frente e a Câmara... Daqui afirma o autor que, - por não ser possível construir (por se encontrar encravado e sem acessos), é que o referido prédio identificado em 2 com a área de 5396 m), foi vendido pela módica quantia de € 21.000,00 - ou seja, foi comprado como rústico; - ao invés, o prédio adquirido em 23/03/2023 (prédio com a área de 13.617,00 m e com acesso à via pública, ao qual foi anexado o prédio objeto da preferência), pelo preço de € 500.000,00; - o tribunal fez tábua rasa da confissão do próprio réu TT que afirmou no seu articulado de contestação (vide itens 67.º e 68.º) “…que a compra levada a cabo pelo réu TT configura o que se pode designar como bom negócio…”; - aquando da compra do prédio objeto da preferência em 31/05/2022, o réu TT, não sabia sequer se ia ou não conseguir comprar o outro prédio contíguo que lhe permitiria fazer a anexação e a consequente aprovação do processo de licenciamento da construção de 20 armazéns - apenas em 08/11/2022 é que celebrou contrato promessa de compra e venda do referido prédio (vide contrato promessa de compra e venda junta com a contestação), ou seja, mais de 5 meses depois da aquisição do prédio objeto da preferência; - se o réu TT tinha adquirido para construção, como refere, por que motivo antes da celebração da escritura pediu ao proprietário do outro prédio contiguo que prescindisse do seu direito de preferência? Tal comportamento é sintomático, que o réu TT não tinha intenção aquando da aquisição de construir o que quer que fosse, aproveitando-se apenas do facto, como o próprio refere, de se tratar de um “bom negócio”; - não colhendo aqui a argumentação do Tribunal “..à quo…” que concluiu, em relação ao referido documento que “…cumpre acrescentar que a circunstância de o pai do réu ter apresentado o documento junto a fls. 121 a WW para assinatura não é minimamente concludente no sentido de que a intenção do réu era diversa da construção: em primeiro lugar, ficou claro que VV não é jurista e, sendo do conhecimento geral que os proprietários de prédios rústicos confinantes têm direito de preferência, é perfeitamente admissível que ao dar a assinar uma declaração de renúncia a tal putativo direito pretendesse unicamente evitar futuros litígios…”; - é o próprio pai do réu TT, VV que refere que tinha dúvidas se era para construir, daí ter pedido que o outro proprietário confinante assinasse a declaração a prescindir do direito de preferência: - relativamente aqui à tal declaração que acabou de falar, por que motivo foi pedir a declaração a outro confinante e não pediu também relativamente ao AA, que também confinava? Responde: Uma vez que tínhamos pedido para haver um alinhamento, não me passou pela cabeça que ele fosse fazer uma coisa destas. Embora, também na altura em que falei com o WW, primeiro até o negócio, não foi com o WW que começa, foi com o irmão, com o JJJ, não interessa... Depois, como ele não estava interessado, disse “Ó (impercetível) importas-te de assinar este documento em como não estás interessado?”, diz ele “Não tem problema nenhum.” - mas se estava convicto de que era para a construção, para o que é que foi assinar? Responde: Porque estávamos no limite, na altura ainda estávamos no limite, naquela ruazinha, agora sabemos perfeitamente que é. A outra parte que também é para a construção de armazéns. Sei perfeitamente que é para a construção de armazéns, uma zona onde era R1 ou R2 e passa... - relativamente aos réus vendedores, portanto, aos vendedores do terreno, portanto, não foi... não foi... não foi... não lhes pediu... não foi pedido aos réus declarações para... de preferência, da... Responde: A eles, aos vendedores, não pedimos? Ora bem, posso lhe dizer, com toda a sinceridade, que fui assim, de certa forma, apanhado de surpresa, que nunca tal coisa me passou por cabeça. E depois, como é que se levanta esse problema? Eu também perguntei a Senhor WW, que eu penso que ele já depôs aqui, que é uma pessoa lá vizinho de ..., também amigo de infância, onde pedi que eu fui ao encontro deles para eles venderem uma tirinha, que também tinha 900 metros, e aquilo como era tão pequenote, o irmão deles, o padre, até disse assim, “Isto é tão pouco”, o KKK, “isto é tão pouco que dá para um café para cada um.”. E ele acabou por ficar com o terreno. E nessa altura, começou a surgir a ideia dos direitos de preferência. “Senhor WW, uma vez que não vendes o teu bocadinho, assinas um papel,” e isso é um papelzinho, uma coisa que existe para aí, que não tem muito... E isso foi feito não pelos vendedores. Pronto, hoje, se eu passasse uma coisa dessas, pedia aos vendedores, primeiro, para... queria saber se havia algum direito de preferência. Questiona o autor se era para evitar futuros conflitos, por que razão não pediu também tal declaração ao outro confinante – ele próprio; - donde, jamais poderia o Tribunal ter dado como provado o ponto 10 da matéria de facto dada como provada, ou seja“…O réu TT adquiriu o prédio identificado em 2) para o destinar à construção de um complexo composto por 20 pavilhões industriais…”. Cremos, que de facto assiste pertinência quanto a esta causa de discordância ado autor. No segmento reportado apenas e, tão só, quanto ao número de pavilhões. Não há dúvida de que o réu comprador adquiriu o prédio com o intuito de ali vir a construir pavilhões. Mas o certo é que naquela área não seria possível construir aquele número. Com efeito. Como vem provado no ponto 12, em 19 de Abril de 2023, pela Câmara Municipal ... foi proferida decisão que aprova o projecto de arquitectura referente à construção de uma “edificação, destinada a armazenagem e indústria, com dois pisos acima da cota de soleira (…), a sujeitar a regime de propriedade horizontal – 20 frações”. E no ponto 13, em 05 de Dezembro de 2023, a Câmara Municipal ... emitiu o alvará de licença de construção (n.º ..9/23) do empreendimento que o réu TT vai edificar no prédio identificado em 2) e no outro prédio identificado em 11). Culminando com o ponto 14, o réu TT concluiu os trabalhos de movimentação de terras e adjudicou à empresa C..., Lda os trabalhos de construção dos edifícios industriais aprovados. Donde, aquele número apenas veio a ser possível, com a aquisição dos dois prédios que o réu comprador fez. Primeiro do prédio aqui em causa e depois do outro prédio. Se apenas tivesse adquirido um deles naturalmente que não lograria conseguir as 20 edificações. Mas em causa não está que o que pretendia – o que pretendeu, desde sempre - com a aquisição de cada um deles, de per si e, no que ao caso releva, em relação ao prédio aqui em causa, seria nele vir a construir, desde logo. O número exacto de edificações só foi possível encontrar depois da elaboração do projecto de arquitectura, que veio a ser elaborado, naturalmente, depois da aquisição de ambos os prédios. Da prova invocada pelo autor, dos excertos da prova pessoal, nada resulta em contrário do que vem afirmado, nem sequer do número de edificações. A conclusão da impossibilidade física de no prédio aqui em causa se conseguir edificar os 20 edifícios apenas resulta da leitura conjugada e articulada dos restantes pontos de facto provados e, não impugnados. De resto este número em nada contende com a afirmação, ou não, do direito do autor. O autor tanto tem, ou não, direito se for construído 1 como 50. O cerne da questão estará mais na aptidão, desde logo, para o fim visado pelo réu comprador. Aptidão absolutamente demonstrada pela posterior aprovação do projecto submetido à apreciação da entidade licenciadora, da Câmara Municipal. Aprovação que desmente a falta de capacidade de construção, atinente com a alegação de estarmos perante um prédio encravado, que a prova pessoal aqui invocada – sem especiais conhecimentos e competências técnicas - pretende deixar transparecer. Em abono da tese da falta de capacidade construtiva. Donde, se a prova analisada pelo autor não impõe, não exige, não sugere, sequer, qualquer alteração/modificação da matéria de facto contida neste ponto, apenas se pode alterar/modificar no sentido que expusemos, ainda que sem a concorrência de qualquer dos fundamentos aduzidos pelo autor, é certo. Assim, a redacção do ponto 10, passará a ser a seguinte: “o réu TT adquiriu o prédio identificado em 2) para o fazer incluir num projecto destinado à construção de um complexo de pavilhões industriais”. Ponto 11- com vista à construção referida em 10), antes da celebração da escritura referida em 3), já havia igualmente encetado negociações com os proprietários de um prédio com ele confinante, descrito sob o número ...49 da freguesia ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...53.º, que culminaram na celebração um contrato-promessa de compra e venda em 08/11/2022 e na celebração do contrato definitivo de compra e venda em 23/03/2023. Facto afirmado com base na seguinte análise crítica da prova: - as testemunhas VV, YY e ZZ atestaram que a finalidade da aquisição foi unicamente a construção de empreendimento industrial e, bem assim, que o projecto ficou a cargo do gabinete das últimas duas testemunhas no início de 2022, tendo sido explicado por estas testemunhas que previamente à aquisição analisaram o PDM e confirmaram que o prédio estava localizado em “zona industrial”, assim como também o estava um outro prédio que pertencia a CCC e que o autor igualmente se propunha adquirir já antes do negócio em causa nos autos; - não obstante a relação familiar com o réu TT, mostrou-se especialmente atendível o depoimento de VV, que descreveu de forma lógica, circunstanciada e sequencial os trâmites dos empreendimentos e as negociações levadas a cabo por si e pelo seu filho com vista ao desenvolvimento do último projecto pelo seu filho, no que logrou corroboração pelas demais testemunhas vindas de referir. 11 - a testemunha AAA afirmou que, em finais de 2021, o réu TT já lhe tinha confidenciado que “estava com dois terrenos” – ou seja, que tinha em vista a aquisição de dois terrenos –junto à Hiper A..., para continuar a desenvolver a actividade; - a testemunha BBB explicou que, no final de 2021, tomou conhecimento de que o réu TT ia construir vários armazéns junto à vacaria do autor, quando abordou o seu pai – que sempre conhecera como promotor imobiliário – tendo em vista a aquisição de um armazém industrial para a empresa que representa (B...); - finalmente, mas não de somenos importância, extrai-se dos documentos juntos pelos réus TT e outros que: a) o contrato-promessa de compra e venda do outro prédio em situação de contiguidade (facto n.º 11) foi celebrado em data (08/11/2022) anterior à da propositura da presente acção (25/11/2022) e, não obstante seja consabido que a instrução de processos de licenciamento demoram o seu tempo dada a necessidade de elaborar e reunir documentos, o projecto de arquitectura com o qual se deu início ao processo de licenciamento da construção do empreendimento industrial visado pelo autor (20 pavilhões industriais) foi submetido cerca de um mês depois da propositura da acção (cf. fls. 82), encontrando-se já instruído, além do mais, com levantamento topográfico, extractos de plantas de ordenamento de território, extractos de legislação aplicável, certidões e cadernetas referentes ao prédio em causa e ao prédio nº ...49 (cf. fls. 71 a 81); b) após o despacho em que a edilidade apontou diversas insuficiências ao projecto (fls. 121 verso), o réu TT apresentou novo projecto de arquitectura (cf. fls. 127 e ss.) e veio a instruir o mesmo com o contrato de compra e venda do prédio nº ...49 (fls. 140 verso a 143); c) em 19/04/2023 Também, neste vetor, andou mal o Tribunal “à quo”, ao dar como provado tal factualidade. Efetivamente, dos depoimentos das testemunhas VV, YY, ZZ (familiares diretos) e AAA e BBB, não se pode extrair, salvo o devido respeito, que “…com vista à construção referida em 10), antes da celebração da escritura referida em 3), já havia igualmente encetado negociações com os proprietários de um prédio com ele confiante, descrito sob o n.º ...49 da sob o número ...49 da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...53.º….”; - a testemunha YY reconheceu que só começou a trabalhar no projeto (que deu entrada na Camara em Dezembro de 2022), no Verão de 2022, portanto só após a compra do terreno objeto da preferência (31/05/2022): - depois, no verão, mais ou menos, começámos a elaborar o projeto em si, da arquitetura, para dar entrada na Câmara, fizemos levantamento topográfico, com topógrafo, fomos desenvolvendo as peças todas desenhadas e escritas, que é um processo que ainda demora, e demos entrada do processo na Câmara Municipal em dezembro de 2022; daqui afirma que não foi feita qualquer prova, que as negociações se tenham iniciados antes da aquisição do prédio objeto da preferência - a única prova cabal existente nos autos é a documental, ou seja o contrato promessa celebrado em 08/11/2022 e a escritura de compra e venda definitiva celebrada em 19/04/2023; - existem outros documentos que se fossem analisados e valorados (o que não aconteceu), impunham decisão diversa: - o contrato de comodato celebrado em 06 de Outubro de 2022 (entre o autor e o proprietário do prédio descrito sob o n.º ...49 da sob o número ...49 da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...53.º) e respetivo aditamento ao mesmo contrato, celebrado em ../../2022 (revogação do contrato de comodato) – vide docs. 5 e 6 do requerimento apresentado pelo Réu TT em 25/03/2023 com a referência citius 35184801; - estes documentos foram (não obstante o referido requerimento ter sido desentranhado), admitidos pelo Tribunal “à quo”, conforme despacho proferido em 30/05/2023 com a referência citius 448906769, pelo que têm necessariamente se valorados, o que no presente caso, não aconteceu; - se tivessem sido analisados e valorados, jamais se poderia, dar como provado que “ com vista à construção referida em 10), antes da celebração da escritura referida em 3), já havia igualmente encetado negociações com os proprietários de um prédio com ele confinante, descrito sob o número ...49 da freguesia ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...53.º”; - se assim fosse, não faria qualquer sentido o proprietário do prédio descrito sob o número ...49 da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...53.º, o Sr. CCC, em 06/10/2022, ter celebrado um contrato de comodato com o autor sobre o referido prédio pelo prazo de 6 anos (vide Doc. 5 do requerimento apresentado pelo Réu TT em 25/03/2023 com a referência citius 35184801), vindo posteriormente, após a celebração do contrato promessa de compra e venda com o Réu TT em 08/11/2022, outorgar com o aqui autor em 23/12/2022 o aditamento ao contrato de comodato onde revogavam o mesmo (vide Doc. 6 do requerimento apresentado pelo Réu TT em 25/03/2023 com a referência citius 35184801). Assim, defende que óbvio se torna que no ponto 11 da matéria dada como provada, apenas pode constar que: “o Réu TT celebrou em 08/11/2022, com os proprietários de um prédio com ele confiante, descrito sob o n.º ...49 da sob o número ...49 da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...53.º, contrato promessa de compra e venda, tendo a respetiva escritura definitiva de compara e venda Outorgada em 23/03/2023”. Vejamos. Pretende o autor que deste ponto se exclua o segmento que diz respeito à intenção, ao facto de, “com vista à construção referida em 10), antes da celebração da escritura referida em 3), já havia igualmente encetado negociações com os proprietários de um prédio com ele confinante, descrito sob o número ...49 da freguesia ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...53.º”. Não coloca em causa nem a celebração do contrato promessa a 8.11.2022 nem o contrato definitivo de compra e venda de 23.3.2023. O que confrontado com o contrato do prédio aqui em causa, celebrado a ../../2022 e a posterior aprovação do projecto para a construção na área que resultou da junção de ambos os prédios, permite, exige, a conclusão, segundo a normalidade do acontecer e as comuns regras da experiência, que uma coisa não pode ser desligada da outra. E mais que uma coisa apenas faz sentido com a outra. Uma sem a outra não existiria. Ambas as aquisições estão unificadas por um mesmo e comum objectivo. O de permitir a posterior construção do maior número de pavilhões que se viesse a constatar ser possível. Nenhuma outra conclusão é possível de extrair. E esta ligação em nada é infirmada pela celebração do contrato de comodato, como parece medianamente evidente. A cronologia da aquisição de ambos os prédios e do seu resultado final não engana e resiste à prova do algodão. Improcede, pois, este segmento do recurso. Ponto G - só com a aquisição do prédio identificado em 11) se tornou possível aprovar licença de construção no prédio identificado em 2). Na decisão recorrida, a este propósito, afirma-se que, este facto não se provou por não resultar dos documentos emitidos pela Câmara Municipal a inviabilidade de projecto de construção do empreendimento sem a propriedade dos dois prédios a favor dos mesmos sujeitos ou sequer a inviabilidade de construção da mesma natureza (ainda que com diferentes dimensões) no prédio, sendo que as testemunhas nada esclareceram cabalmente a propósito na audiência de julgamento. Entende o autor que da imensa prova documental junta aos autos, resulta precisamente o contrário, nomeadamente: - o despacho de 25 de Janeiro de 2023, que indeferiu o a operação urbanística por falta de legitimidade por não ser proprietário do prédio identificado em 11 – cfr. doc. 7 da réplica; - o despacho camarário a aprovar o projeto de arquitetura após a aquisição do prédio identificado em 11 e onde prevê a anexação dos dois prédios – vide doc. 1 junto com o articulado superveniente apresentado em 24/04/2023 (fls. 154 verso e original da certidão do processo de licenciamento junto de fls. 217 a 261; - o alvará de obras de construção junto como Doc. 1 no articulado superveniente apresentado em 12/12/2023 (a escassos dias do audiência de Julgamento), com a referência citius 37540496. Daqui afirma o autor que, - fica demostrado, à saciedade, que o réu TT apenas conseguiu aprovar a licença de construção após a aquisição do prédio identificado em 11, ou seja, só com a anexação ao prédio objeto de preferência seria possível obter a licença de construção para os 20 armazéns; - é notório que num prédio com área de 5396 m2 e sem acessos é impossível edificar 20 armazéns que têm como área de construção total 9907,20 m2; - deve, pois, este ponto da matéria de facto não provada transitar para a matéria dada como provada. Cremos que, também, aqui assiste pertinência à causa de irresignação do autor. Ainda que não com o sentido que lhe empresta. Com efeito. Se, - o réu TT adquiriu o prédio aqui em causa “para o fazer incluir num projecto destinado à construção de um complexo de pavilhões industriais, ponto 10; - com vista a esta construção, antes da celebração da escritura referente ao prédio aqui em causa, já havia igualmente encetado negociações com os proprietários do outro prédio, com ele confinante, que culminaram na celebração um contrato-promessa de compra e venda em 08/11/2022 e na celebração do contrato definitivo de compra e venda em 23/03/2023, ponto11; - em 19 de Abril de 2023, pela Câmara Municipal ... foi proferida decisão que aprova o projecto de arquitectura referente à construção de uma “edificação, destinada a armazenagem e indústria, com dois pisos acima da cota de soleira (…), a sujeitar a regime de propriedade horizontal – 20 frações”, ponto 12; - em 05 de Dezembro de 2023, a Câmara Municipal ... emitiu o alvará de licença de construção (n.º ..9/23) do empreendimento que o réu TT vai edificar no prédio aqui em causa e no outro com ele confinante, ponto 13, - então, necessariamente, que só com a aquisição deste último se tornou possível aprovar licença de construção que abrange o prédio aqui em causa. Doutra forma, chegamos ao princípio. O prédio aqui em causa não permitiria, só por si, a obtenção de licença para a construção de 20 edifícios. O prédio confinante, só por si, não permitiria a construção de 20 edifícios. Donde, a necessária e lógica conclusão de que apenas com a junção da área de ambos, foi licenciada a construção de 20 edifícios. O que não significa, contudo - sentido emprestado pelo autor - que só com a posterior aquisição do prédio confinante se tornou possível aprovar licença de construção no prédio aqui em causa. A concessão da licença para construir neste não estava dependente da concessão de licença para construção naquele. Ou dito de outra forma, a permissão de licença para construção no prédio dos autos não surgiu apenas e só, depois da aquisição do prédio confinante. Ou ainda de outra forma, sem a aquisição do confinante, não se pode afirmar que não teria sido concedida licença para construção no prédio dos autos. Sem a aquisição do segundo não significa que o autor não pudesse obter licença para construção no prédio dos autos – que é o que aqui está em causa. A licença dos dois em conjunto permite a construção de 20 edifícios. O licenciamento para construção em cada um de per si não permitiria, logicamente, a mesma densidade de construção. Mas não impediria, o que aqui é decisivo, o licenciamento para construção. Também, aqui, invariavelmente, invoca o autor o facto de não ser fisicamente possível construir, na área do prédio aqui em causa, os 20 pavilhões aprovados. Mas esse não é o ponto. Não está em causa o número de pavilhões que é possível construir na área do prédio aqui em causa. Mas antes e tão só, a sua capacidade e a sua aptidão construtiva para o fim que presidiu à sua aquisição pelo réu comprador. E, o teor dos documentos invocados não têm a virtualidade de fundamentar a pugnada alteração/modificação do decidido. Donde, o autor tem razão no segmento em que se possa defender que apenas com a aquisição do prédio confinante foi possível licenciar a construção de 20 edifícios, abrangendo o prédio aqui em casa. Sentido que não será o que está subjacente à referida alínea g). Mas não, lhe assiste razão, no sentido de que apenas com a aquisição do prédio confinante foi possível obter licenciamento para construir no prédio aqui em causa. A aquisição do prédio confinante apenas veio permitir que juntando a área de ambos, fosse licenciada a construção de 20 edifícios. Não, o licenciamento de construção no dos autos. O que apenas poderia acontecer se não fosse permitido, de todo, a construção no prédio aqui em causa. Ou se o licenciamento para tal efeito estivesse dependente do licenciamento no prédio confinante. O que não é manifestamente o caso. O que aqui aconteceu foi que o réu comprador englobou ambos os prédios num mesmo projecto que submeteu à aprovação da Câmara Municipal. Assim dando execução ao seu desígnio inicial. Não seria pelo facto de não conseguir obter licenciamento para construção de 20 edifícios no prédio aqui em causa que tal permitiria afirmar que o réu comprador nunca teve a intenção de nele vir a construir. Ou que alteraria, o sentido do decidido, desde logo, em termos de direito. Em suma, resulta de toda prova documental e testemunhal produzida nos autos que o réu comprador sempre pretendeu destinar – como destinou, de facto - o prédio aqui em causa, à construção, no caso de um complexo de pavilhões industriais. Em conjunto, com o prédio confinante. Ambos, com aptidão legal para o efeito. E, assim, conseguiu a aprovação do respectivo projecto de arquitetura. E, assim, conseguiu a emissão do correspondente alvará de construção. E, assim, iniciou a obra. Sem que se possa, de todo, afirmar que, só com a aquisição do prédio confinante se tornou possível aprovar licença de construção no prédio aqui em causa. Assim, improcede, também, este segmento do recurso. II. 4. 2. 2. Aditamento de novos factos ao elenco dos provados. Defende o autor que existem outros factos, relevantes e essenciais para a decisão a proferir que deverão também constar do elenco dos factos provados. E, que são os seguintes: 1- Antes da celebração da escritura de compra e venda do prédio objeto da preferência (identificado em 2 da matéria de facto dada como provada), o 12.º Réu e o seu pai VV, interpelaram o proprietário do outro prédio confinante (Sr. WW, para assinar a declaração feita pelos mesmos, onde prescindia do exercício do direito de preferência sobre o prédio objeto da preferência. 2- O prédio objeto da preferência encontra-se encravado e o acesso ao mesmo é feito por um caminho de servidão de terra batida, sem quaisquer infraestruturas. 3- Em 25 de janeiro de 2023, a Câmara Municipal ..., indeferiu o pedido de licenciamento de obras de construção (apresentado em 29 de Dezembro de 2022), porquanto, entre outros argumentos “…a edificação efetua a junção de dois prédios distintos e contíguos, sendo que para um deles o requerente apenas apresenta contrato-promessa de compra e venda e que, contrariamente ao que é referido, não lhe confere legitimidade para proceder à operação urbanística…” 4- Em 19/04/2023 foi proferido despacho a aprovar o projecto de arquitectura impondo o emparcelamento/anexação de dois prédios (o prédio objecto da preferência n.º ...86 e o prédio adquirido em 23/03/2025 n.º ...49) passando o terreno a ter a área de 17201,55 m2. 5- Em 26 de Outubro de 2023 o réu TT procedeu à anexação dos prédios identificados em 2 da matéria de facto dada como provada (prédio objeto da preferência), e o prédio que havia adquirido em 23/03/2023, dando origem à descrição n.º ...73 e ao artigo matricial provisório ...33. A este propósito diz o apontado 2.º bloco de réus que nada tem a opor ao aditamento desta matéria, pois trata-se de matéria que se encontra provada por documentos, que foi aceite pelas partes, e que resulta da certidão predial junta aos autos, mas que sempre ditaria a improcedência da pretensão do autor. Vejamos. Como é por todos aceite, a causa de pedir deste tipo de acções estrutura-se na alegação de factos tendentes a provar os pressupostos do direito de preferência. E sobre o autor, atentas as regras de repartição do ónus da prova, contidas no artigo 342.º CCivil, sobre o autor recai o ónus da sua alegação e prova, enquanto factos constitutivos do seu direito. Os réus, vendedores e comprador, não carecem de provar que tais factos não são verdadeiros, o que lhes compete é a prova dos factos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo autor. Vide, desde logo, a primeira questão a decidir, a que se alude na decisão recorrida: - saber se deve ser reconhecido ao autor o direito de preferência sobre o prédio rústico identificado no art.º 6 da petição inicial ou se o mesmo não goza do direito de preferência por tal prédio se destinar a fim diverso do da cultura. O ónus da prova respeita aos factos da causa distribuindo-se entre as partes segundo aqueles critérios. Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantagens de se ter líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova, ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não tiverem prova bastante desse facto. Importa, aqui, distinguir os factos estruturantes da causa de pedir, dos factos que, muito embora essenciais à procedência da acção, não se mostram, todavia imprescindíveis à caracterização da causa de pedir. Factos, cuja ausência de alegação acarreta diferentes consequências, que correspondem à distinção entre factos essenciais e factos complementares, respectivamente previstos no artigo 5.º/1 e 5.º/2 alínea b) CPCivil. A falta dos primeiros, implica a ineptidão de petição inicial, artigo 186.º/1 e 2 alínea a) e a ausência dos demais configura uma petição deficiente, susceptível de dar lugar a um despacho de aperfeiçoamento, artigo 590.º/2 alínea b) e 4 CPCivil. Estamos, aqui, em sede de ampliação da matéria de facto. O n.º 2 do artigo 662.º CPCivil, que disciplina a modificabilidade da decisão de facto, dispõe que “ a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”. Esta exigida indispensabilidade traduzir-se-à quando o facto omisso da matéria de facto seja essencial para o preenchimento da causa de pedir ou de alguma excepção – que com vimos já, não foi aqui invocada. Dispõe o artigo 5.º/2 CPCivil, que, “2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”. Não consta aqui qualquer referência aos factos essenciais. Assim se não tiverem sido alegados pelas partes, não será permitido considerá-los na sentença. Da mesma forma, se o facto for essencial e não tiver sido alegado, o recorrente não pode pedir que o tribunal da Relação o adite ao elenco dos factos provados. Segundo aquela norma, só os factos instrumentais ou complementares poderão ser aditados à matéria de facto, tenham ou não sido alegados, neste último caso se resultarem da discussão da causa. E, apenas, sempre, no caso de se revelarem indispensáveis para a decisão da causa. Compreende-se que assim seja não só por razões de economia processual, como também para evitar uma complexidade desnecessária que multiplicaria as questões e não promoveria a clarificação das questões efectivamente relevantes. Com efeito, considerando a liberdade com que se alegam ou se omitem factos, se não decorressem consequências preclusivas em relação aos essenciais, atendendo à amplitude das questões factuais colocadas às testemunhas, se não existissem restrições à ampliação da matéria de facto em sede de recurso, sempre haveria motivo para se solicitar a ampliação da matéria de facto, dado que o juiz não leva à sentença toda a factualidade que de alguma forma é afirmada nos autos, seja pelos interessados nos seus requerimentos, seja pelas testemunhas, pelos técnicos ou mesmo a constante de relatórios técnicos e outros documentos. Por conseguinte, para evitar um excessivo alargamento das questões factuais que produzirá consumo relevante de actividade processual sem o correspondente proveito para decisão do mérito da causa, deverão observar-se estas regras e razões que vigoram no processo comum no que respeita aos factos complementares ou instrumentais, ou seja, só de aditam em sede de recurso, se para tanto existirem razões, os factos indispensáveis à decisão, cfr. neste sentido acórdão da RC de 20.4.2021, consultado no site da dgsi. E, assim, se estivéssemos perante factos essenciais não seria permitido, desde logo. que o Tribunal da Relação procede ao seu aditamento. E, estando perante factos complementares, nada impediria o seu aditamento. Só que, um outro fundamento, aqui se entrecruza. Com efeito. Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º CPCivil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância, cfr. artigo 607.º/5 CPCivil, em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece. Como refere Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”. Veio, porém, a jurisprudência precisar que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma. Tem vindo a ser entendido de forma maioritária pelos Tribunais Superiores, cfr. entre outros, o acórdão do STJ de 17.5.2017, in www.dgsi.pt – que “por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, não se deve reapreciar a matéria de facto quando os factos objecto da impugnação não forem susceptíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, artigos 2.º/1 e 130.º CPCivil”. Com efeito, a “impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante”, cfr. acórdão da RC de 24.04.2012. Logo, “por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente”, cfr. acórdão da RC de 27.05.2014. Por outras palavra, se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. E, assim, - se a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, visa, em primeira linha, alterar o sentido decisório sobre determinada factualidade que se considera incorrectamente julgada; - se este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal recorrido considerou provada ou não provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que, afinal, existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; - o seu efectivo objectivo é, portanto, conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante; - se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente, - então, não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente. E, no caso, o preconizado aditamento relativamente a todos aqueles aludidos pontos factuais, não assume, in concreto, relevância para a decisão do presente pleito, não se vislumbrando qualquer efectiva utilidade para o sentido da decisão, de qualquer plausível solução de direito. Como veremos adiante. Consequentemente, não há, pois, que apreciar este segmento impugnatório, do recurso, porquanto o seu conhecimento se revela espúrio e desnecessário, em face dos fundamentos de facto aduzidos na decisão recorrida, para julgar a acção improcedente. Ora, no caso vertente, atento o objecto do recurso e conforme melhor se consubstanciará em sede de apreciação jurídica do presente litígio, o pugnado aditamento de matéria de facto acaba por se mostrar irrelevante, pois que, mesmo que se proceda ao aditamento pretendido, a decisão de direito proferida será de manter. De nada vale proceder a tal aditamento, em função da plausível solução de direito do presente litígio. Isto porque o aditamento de nenhum dos novos em nada altera, não tem a virtualidade, o efeito de alterar o sentido da decisão de direito – que o apelante aqui também, mostra discordar. Donde nenhum destes novos factos contende com a questão de direito. O autor obterá provimento no recurso, independentemente da afirmação de tais factos. E, não obterá, apesar de tais factos. Improcede, assim, também, este segmento do recurso. II. 5. Recurso em matéria de direito. II. 5. 1. Vejamos primeiramente os fundamentos da decisão recorrida. “Atenta a configuração dada à presente acção, por precedência lógica, importa começar por apreciar e decidir se assiste ao autor o direito de preferência invocado ou se o mesmo não goza do direito de preferência por tal prédio se destinar fim diverso do da cultura. Do direito de preferência do autor: O direito de preferência atribui a um sujeito a prioridade na aquisição, em caso de alienação ou oneração realizada pelo titular actual de um direito real.2 2 Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, 5.ª ed., pág. 571. 3 Cujo art.º 18.º estatuía que “os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no art.º 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”. O mesmo é dizer que o titular de um direito real fica vinculado a dar prioridade ao beneficiário da preferência quando pretender alienar ou onerar o direito real em causa. A preferência pode ser negocial ou legal. As preferências legais são típicas, resultam automaticamente da verificação das situações legalmente previstas e têm disciplina própria. Uma das preferências legais encontra-se prevista no art.º 1380.º do Cód. Civil, logra aplicação aos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de beneficiam os proprietários confinantes e é justamente aquela que está em causa no caso vertente. Dispõe o artigo 1380.º do Cód. Civil que: 1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante. 2. Sendo vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito: a) No caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem; b) Nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona. 3. Estando os preferentes em igualdade de circunstâncias, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante. Com a aprovação da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto e a revogação do DL n.º 384/88, de 25/10,3 o legislador circunscreveu novamente as situações de preferência legal às previstas no art.º 1380.º do Cód. Civil. Por força do n.º 4 do art.º 1380.º do Cód. Civil, é aplicável ao direito de preferência conferido aos proprietários de terrenos confinantes o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações, razão pela qual apenas o proprietário a quem não se dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si o prédio alienado, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção. Em suma, constituem factos constitutivos do direito do autor que pretende exercer a preferência legal em apreço (art.º 342.º, n.º 1 e 1380.º, n.º 1 do Cód. Civil): a) A venda (…) de um prédio confinante com o prédio do proprietário que se apresenta a preferir; b) A área inferior à unidade de cultura do prédio objecto do negócio e do prédio confinante; c) A ausência da qualidade de proprietário confinante por parte do adquirente. Esta é a posição doutrinária e jurisprudência maioritária, sendo de referir a título exemplificativo, na doutrina, os professores Pires de Lima e Antunes Varela e Henrique Mesquita4 e, na jurisprudência, entre numerosos outros, os acórdãos do STJ de 22/05/2014 e de 15/05/2007 e acórdãos do TRC de 09/02/2010 e 20/01/2009.5 4 Cód. Civil Anotado, Volume III, 2.ª ed., reimpressão, pág. 270. 5 Processos n.º 610/07.5TCGMR.G3.S1, n.º 07A958, n.º 278/07.9TBPNH.C1 e n.º 486/07.2TBALB.C1, respectivamente, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 6 Processos n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1, n.º 295/16.8T8VRS.E1.S2, n.º 1824/19.0T8AMT.P1 e n.º 191/18.4T8PRD.P1, disponíveis em www.dgsi.pt. Por seu turno, constitui facto impeditivo do aludido direito, entre outros, que ora não relevam (art.º 342.º, n.º 2 e 1381.º, al. a), 2.ª parte do Cód. Civil): - Que algum dos terrenos se destine a algum fim que não seja a cultura. No sentido da distribuição do ónus da prova nos termos que antecedem, entre outros, vide os acórdãos do STJ de 14/01/2021 e 17/10/2019 e do TRP de 21/02/2022 e 21/06/2022.6 Feitas as considerações que antecedem, revertamos as mesmas ao caso sub judice. Vista a matéria de facto provada, temos que, em 31/05/2022, no Cartório Notarial de FFF, sito na Póvoa ..., os 1.º a 11.º réus celebraram com o 12.º réu um contrato de compra e venda de um prédio rústico composto de ..., descrito na CRP sob o nº ...86 da freguesia ... e inscrito na matriz sob o art.º ...43.º, com a área de 5.396m2 (facto provado 3). Por beneficiar da presunção do registo a seu favor (art.º 7.º do Cód. do Registo Predial), o autor presume-se proprietário do prédio rústico descrito na CRP sob o n.º ...97 da freguesia ... e inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...40.º, com a área de 11.365,50 m2 (facto provado 1), estando demonstrado que tal prédio confina com o prédio objecto da preferência (facto provado 2). Perante da aptidão dos prédios para a cultura de regadio e, no que concerne ao prédio objecto da preferência, florestal (factos provados 7 e 8), não restam dúvidas de que ambos os prédios confinantes tinham área inferior à unidade de cultura, quer se considerasse o terreno do prédio objecto da preferência como de cultura florestal ou cultura de sequeiro, supletivamente, nos termos do art.º 49.º, n.º 3 da Lei 111/2015, de 27/087. 7 Já que as áreas mínimas de tais culturas são de 2,5 ou 4 ha, conforme o disposto no Anexo II à Portaria n.º 219/2016, com as alterações introduzidas pelo art.º 2.º da Portaria n.º 19/2019, de 15/01. Finalmente, provou-se que à data da realização da escritura, o 12.º réu marido não era proprietário de qualquer prédio confinante com aquele (facto provado 5). Em face do que antecede, concluímos que o autor logrou demonstrar o preenchimento dos pressupostos do reconhecimento do direito de preferência que lhe competiam. Sucede que, como vimos, os réus alegaram que o réu TT adquiriu o prédio objecto da preferência com vista à construção de um empreendimento industrial, como facto impeditivo do direito do autor. A excepção em presença, consagrada no art.º 1381.º, al. a), parte final, do Cód. Civil compreende-se, na medida em que o direito de preferência dos proprietários de terrenos confinantes com área inferior à unidade de cultura visa o emparcelamento dos prédios rústicos e, desse modo, contribuir para uma exploração mais rentável por parte dos proprietários minifundiários. Assim, se o destino do prédio rústico adquirido não é a cultura da terra, já não se justifica o emparcelamento a outro terreno com essa afectação. Porém, a doutrina8 e jurisprudência9 são unívocas no entendimento de que a intenção de afectar o prédio a fim que não seja a cultura, ainda que não careça de ser declarada na escritura e possa ser provada por qualquer meio, só será relevante, para efeitos de excepcionar o direito de preferência, se existir e for juridicamente admissível, à data da outorga da escritura pública – pois que, se assim não fosse, seria possível contornar as razões de interesse público ligadas à necessidade de alteração da estrutura fundiária com meras declarações de intenções. 8 Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 276. 9 Acórdãos do TRP de 19/01/2015, processo n.º 1789/13.2TBVCD.P1 e do STJ de 08/10/2003, 04/10/2007e 06/05/2010, processos n.º 04A844, n.º 07B2739 e 06/05/2010 e n.º 537/02.G1.S1, respectivamente. Regressando ao caso dos autos, temos que os réus lograram demonstrar todo o circunstancialismo prévio e posterior à celebração da escritura de compra e venda que haviam alegado e, em harmonia, que o réu TT não adquiriu o prédio objecto da presente acção para o agricultar, mas antes para nele construir um complexo composto por 20 pavilhões industriais (facto provado 10). A par disso, ficou demonstrado que o terreno do prédio em litígio se situa em área urbanizável, classificada como AE1 – Espaços de Actividades Económicas -, no PDM do concelho da Póvoa ... (facto provado 9) e, bem assim, que a Câmara Municipal ... já emitiu o alvará de licença de construção do empreendimento que o réu TT tinha em vista (facto provado 13). Em nosso entender, tanto bastaria para que se considerasse preenchida a excepção prevista no art.º 1381.º, al. a), parte final, do Cód. Civil. Porém, o I. Mandatário do autor continua a defender que a excepção deve improceder, argumentando que o réu apenas se tornou proprietário de um dos dois prédios objecto do projecto de construção que foi aprovado após a data da realização da escritura, donde resulta a inviabilidade do destino projectado àquela data. Será assim? Será que o facto de o réu ainda não se ter tornado proprietário do prédio confinante com o prédio objecto de preferência à data da escritura implica que se reconheça a inviabilidade do destino pretendido, por este ser a construção de um complexo cuja área abarcava a área daqueles dois prédios? Não nos parece. Antes de mais, não podemos deixar de notar que, a acolher-se a tese do autor, a excepção ao direito de preferência nunca se preencheria caso fosse tida em vista a construção um empreendimento de vulto, cuja concretização exigisse a aquisição de diversos prédios, o que nos parece irrazoável e descabido. Ad absurdum, de tal tese decorreria que o comprador de um terreno onde era viável a construção de uma moradia e que adquiriu para esse fim teria de abrir mão do prédio posto que viesse a apresentar um projecto de uma moradia com piscina e que a área desta piscina se prolongasse para o terreno de um outro prédio confinante, posterior e igualmente adquirido para satisfazer as necessidades habitacionais do comprador. Por outro lado, cumpre referir que a jurisprudência a que o autor faz apelo não dá respaldo à sua tese e, quando se reporta à viabilidade legal da afectação do prédio adquirido, apenas tem em vista excluir do alcance da excepção prevista no art.º 1381.º, al. a) do Cód. Civil os casos em que a finalidade tida em vista com a aquisição é legalmente inviável. Isso mesmo se extrai do acórdão do STJ de 17/10/2019 acima melhor identificado, citado pelo autor, de cuja fundamentação se respiga que “para que o facto impeditivo do direito de preferência aludido na 2ª parte da al. a) do art.º 1381.º do CC opere os seus efeitos, é necessário que o adquirente alegue e prove a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura, mas, também, é necessário que a projectada mudança de destino seja permitida por lei. Com efeito, importa demonstrar que, sob pena de se defraudar a intenção do legislador, o destino pretendido para o terreno seja legalmente possível, pois se assim não fosse, ficaria na livre disponibilidade do adquirente a exclusão do direito de preferência que, com a simples manifestação de um desejo, faria precludir o exercício desse direito. E como vem sendo reconhecido, maioritariamente, pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, cabe ao adquirente provar que a sua pretensão é legalmente possível, isto é, que nada obsta a que se concretize a sua intenção de dar ao prédio uma outra afectação ou um outro destino” (sublinhado nosso). In casu, não só a mudança de destino era permitida pelas normas de ordenamento do território à data da escritura – dada a classificação do solo –, como não se surpreende na conduta do réu TT qualquer tentativa de defraudar a lei. Na verdade, nunca foi alegado (sequer pelo autor) que o réu TT pretendesse destinar à cultura o prédio objecto da preferência e ficou provado à saciedade que a intenção que presidiu à aquisição foi a de construção de pavilhões industriais e, como tal, aquele encetou negociações conjuntas para aquisição de dois prédios onde pretendia construir o seu empreendimento (ainda que formalizadas em momentos temporalmente sequenciais). Importa ainda não olvidar que o art.º 1381.º, al. a), parte final do Cód. Civil se limita a excepcionar do direito de preferência os casos em que algum dos terrenos “se destine a algum fim que não seja a cultura”, devendo o intérprete deve reconstituir o pensamento legislativo a partir dos textos, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que foi aplicada (art.º 9.º do Cód. Civil). Ora, se a consagração da excepção em análise tem em vista o emparcelamento dos prédios rústicos que sejam destinados à cultura, afigura-se-nos adequada a interpretação da lei que seja de molde a evitar fraudes à lei com a invocação de destinos legalmente impossíveis e já não aquela que exija a demonstração de que o projecto de construção seria passível de aprovação qua tale o adquirente o idealizava à data do negócio, já que este pressuposto não se encontra consagrado na lei, nem a sua exigência se coaduna com o espírito legislativo. Por outras palavras, sendo o destino do prédio adquirido a construção de pavilhões industriais, cremos que a demonstração da admissibilidade legal do destino do prédio alienado se basta com a prova de que à data do negócio as normas de ordenamento do território permitiam tal tipo de construção e veio a ser aprovada a construção de edifício do tipo do tido em vista. O mesmo é dizer que sempre haveria que concluir pela viabilidade do destino invocado pelo adquirente ainda que este idealizasse edificar 20 pavilhões industriais no prédio objecto da preferência e a sua área não permitisse a edificação de tal número, mas tão-só de número substancialmente inferior. De resto, o réu TT submeteu projecto de contemplava outro prédio que negociou concomitantemente com o prédio objecto da preferência e que veio a adquirir na pendência da acção, sendo que as normas urbanísticas aplicáveis não impediam que o processo de licenciamento da construção fosse subscrito pelo réu e pelo promitente vendedor do aludido prédio ou só por aquele, com poderes de representação deste para o efeito (art.º 9.º do RJUE, aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16/12 e art.º 2.º, n.º 1 da Portaria n.º 113/2015, de 22/04 e respectivos anexos). Finalmente, não foi alegado nem demonstrado que o réu TT não conseguiria destinar à construção o terreno objecto de preferência se não tivesse adquirido o outro prédio com ele confinante, nem tão-pouco que a aquisição deste apenas teve lugar em virtude da inviabilidade de construção unicamente no prédio objecto de preferência. Perante o que antecede, não vemos como negar a demonstração da viabilidade do destino tido em vista à data da aquisição, mediante a comprovação da aptidão do solo para a construção e a aprovação pela Câmara Municipal do projecto de construção do réu. Por conseguinte, impõe-se considerar verificada a excepção prevista no art.º 1381.º, al. a), parte final, do Cód. Civil e, em conformidade, declarar que não assiste ao autor o direito de preferência invocado. (…)”. II. 5. 2. Vejamos. Como vimos, nesta sede, defende o autor que se fez uma errada interpretação e aplicação da alínea a) do artigo 1381.º CCivil, pretendendo se faça a subsunção da materialidade provada nas normas legais aplicáveis, com a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente. Começa por referir que, quanto ao ponto 10, ainda que se considere provado que o réu comprador adquiriu o prédio objecto da preferência com intenção de construir armazéns, tal circunstância por si só, não é suficiente para fazer funcionar a circunstância impeditiva prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1381.º Civil. Isto porque defende que, - não basta ao adquirente alegar e provar a intenção de dar ao prédio adquirido um destino que não a agricultura, sob pena, de ficar sempre na disponibilidade do adquirente a exclusão do direito de preferência que, com a simples manifestação de um desejo, faria precludir o exercício desse direito; - é necessário que o adquirente prove que tal pretensão é física e legalmente possível (jurídica e regulamentar) - que nada obste a que se concretize a sua intenção de dar ao prédio uma outra afetação ou outro destino; - é necessário que tal pretensão seja (física e legalmente possível), no acto da venda do prédio objeto da preferência. Para depois alegar, em relação ao ponto 11, que não obstante entender que se encontra provado que só com a aquisição do prédio identificado em 11) se tornou possível aprovar licença de construção no prédio identificado em 2)…”, competia ao Réu TT, uma vez que invocou o exceção prevista na alínea a) do artigo 1381.º do Código Civil, provar que era possível aprovar aquele projeto (construção de 20 armazéns), no prédio objeto da preferência. Prova essa que não logrou fazer, nem podia, pois a referida construção era fisicamente impossível como se alcança facilmente do projeto de construção Seria necessário que o réu comprador provasse que era viável, construir no prédio aqui em causa o complexo industrial de 20 armazéns. Este raciocínio do autor está estruturado no facto de que, como vimos já, o prédio aqui em causa não comportava a construção dos 20 edifícios, que vieram a ser licenciados. Mas, como vimos já, também, a questão não é esta. E, por isso se alterou o sentido da decisão sobre a matéria de facto. Como defendia o autor, de resto. E está estruturado na alteração do ponto g) dos factos não provados, que afinal se não verifica. A construção no prédio aqui em causa sempre foi possível. Nunca esteve dependente da aquisição do prédio confinante cfr. ponto g) dos factos não provados. A aquisição deste apenas influiu na dimensão da construção. Donde a intenção de afectação do prédio aqui em causa a um fim distinto da cultura, aliada à possibilidade física e jurídica da visada construção, desde logo, aquando da sua aquisição. O que apenas foi remetido para momento posterior foi a definição e concretização da real capacidade construtiva. Como é evidente, o indesmentível facto de a dimensão do prédio aqui em causa não comportar, fisicamente, a construção dos 20 edifícios, que vieram a ser aprovados, não permite infirmar, como pretende o autor, que o réu comprador o pretendesse destinar à construção Como, de resto, veio a destinar, integrado num empreendimento de maior envergadura, a que somou a área do prédio confinante. Donde, sempre esteve presente a intenção de o réu comprador destinar o prédio aqui em causa não para fins de exploração agrícola, mas sim, à construção, factualidade que integra claramente a exceção à preferência dos proprietários de prédios confinantes, prevista na alínea a) in fine do artigo 1381.º CCivil. Isto é a somar ao elemento objectivo, verifica-se, da mesma forma, o elemento subjectivo, reportado à vontade, à intenção do réu comprador, presentes e subjacentes ao prédio aqui em causa. Apesar de não constar, como não tem que constar, do documento que titula a aquisição, mas reportada a uma finalidade lícita, viável e séria. Como se impõe. E, assim, está, inelutavelmente, verificado o preenchimento da excepção prevista na alínea a) do artigo 1381.º CCivil. Norma que dispõe que não gozam do direito de preferência, previsto no artigo 1380.º, os proprietários de terrenos confinantes, quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano, ou se destine a algum fim que não seja a cultura. Dizer-se, como faz o autor, que só foi possível a aprovação do projeto referido em 12 da matéria de facto dada como provada, após aquisição em 23/03/2023 do outro prédio parte do réu comprador, com o fim de anexar ao mesmo, o prédio aqui em causa, olvida o essencial. Foi aprovado quele projecto porque foi o que foi submetido a apreciação. O que não significa que se fosse submetido projecto atinente apenas e tão só, reportado ao prédio aqui em causa, não fosse aprovado. Sê-lo-ia, mas, em dimensão diferente, naturalmente. Como assertivamente se refere na decisão recorrida, “…sendo o destino do prédio adquirido a construção de pavilhões industriais, cremos que a demonstração da admissibilidade legal do destino do prédio alienado se basta com a prova de que à data do negócio as normas do ordenamento do território permitiam tal tipo de construção e veio a ser aprovada a construção de edifício do tipo do tido em vista. O mesmo é dizer que sempre haveria que concluir pela viabilidade do destino invocado pelo adquirente ainda que este idealizasse edificar 20 pavilhões industriais no prédio objecto da preferência e a sua área não permitisse a edificação de tal número, mas tão-só de um número substancialmente inferior”. E, que, “finalmente, não foi alegado nem demonstrado que o réu TT não conseguiria destinar à construção o terreno objecto de preferência se não tivesse adquirido o outro prédio com ele confinante, nem tão pouco que a aquisição deste apenas teve lugar em virtude da inviabilidade de construção unicamente no prédio objecto de preferência.” Está assim, inelutavelmente a pretensão do autor votada ao insucesso. III. Sumário – artigo 663.º/7 CPCivil. ………………………………………… ………………………………………… ………………………………………… IV. Decisão. Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento à apelação interposta pelo autor. Custas pelo autor, dado o seu total decaimento, nos termos do artigo 527.º/1 e 2 CPCivil. Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1.º signatário. Porto, 4/4/2024. Ernesto Nascimento Isabel Rebelo Ferreira Ana Vieira |