Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MANUEL DOMINGOS FERNANDES | ||
| Descritores: | DECLARAÇÕES DE PARTE REJEIÇÃO LIMINAR | ||
| Nº do Documento: | RP2025101343/23.6T8BAO-I.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - As declarações de parte são um meio de prova voluntário e de natureza potestativa, como decorre da sua previsão no artigo 466º, do Código de Processo Civil. II - Desta forma, o juiz do processo não pode fazer qualquer pré-juízo sobre a utilidade (ou credibilidade) de tal meio de prova oferecido pela parte interessada e, assim, rejeitar liminarmente esse meio de prova, salvo se o mesmo for oferecido de forma extemporânea. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 43/23.6T8BAO-I.P1-Apelação Origem- Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este-Juízo de Competência Genérica de Baião Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Dr.ª Ana Olívia Loureiro 2º Adjunto Des. Dr. António Mendes Coelho 5ª Secção Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I-RELATÓRIO Nos presentes autos de regulação das responsabilidades parentais em que é requerente AA e requerido BB, veio aquele por requerimento impetrado em 08/07/25 pedir as suas declarações de parte. * Conclusos os autos foi proferido despacho do seguinte teor:Relativamente às declarações de parte da progenitora: Tal meio de prova, introduzido pelo novo Código de Processo Civil, no seu art.º 466º, justifica-se e tem utilidade quando estão em causa factos de natureza pessoal ou de que a parte tenha conhecimento direto, em que não exista qualquer outro meio de prova para a parte demonstrar a sua pretensão, criando situações de desigualdade e limitação do exercício do direito de ação ou de defesa. Tal sucederá nos casos em que “tudo se passou na intimidade de uma casa ou as situações em que se discute a intenção das partes ao celebrarem determinado contrato (…), num simples acidente de viação resultante de uma colisão entre dois veículos (…)” ou “nas ações que têm por objeto determinados contratos bancários” (cf. O Novo Processo Civil – Contributos da Doutrina para a Compreensão do Novo Código de Processo Civil, CEJ). Como refere Artur Cordeiro (in Audiência de Julgamento no projeto do Código de Processo Civil, Jornadas do CEJ), a novidade, com o novo Código de Processo Civil, traduz-se, na prática, na legitimidade de as partes requererem os seus depoimentos de parte, o que no anterior regime processual lhes estava vedado, sendo certo que o próprio artigo 466º, n.º 2 remete para o regime do depoimento de parte. Conforme aí sustenta, “Este meio de prova, se assim pode ser considerado, dirige-se, primordialmente, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma perceção direta privilegiada, dificilmente se compreendendo que nestes casos as partes não requeiram, desde logo, a prestação de declarações”. Por conseguinte, forçosamente se conclui que as declarações de parte não podem ser requeridas em qualquer circunstância, com o mero objetivo da parte reafirmar ou dizer, pelas suas palavras, em audiência de julgamento, o que já consta dos articulados, para mais quando os factos facilmente se demonstram através de outros meios de prova, nomeadamente documental, testemunhal ou pericial. Tendo em consideração o supra exposto, para além de se constatar que parte dos artigos indicados contêm matéria conclusiva ou de direito, face à prova testemunhal indicada, prova pericial e prova documental junta aos autos, indefere-se, por ora, a prestação de declarações de parte pela progenitora, à matéria por si indicada (artigos 5º a 23º e 27º das alegações), em virtude não se poder concluir que a matéria indicada só poderá ser provada por intermédio da prestação de tais declarações e não por outro meio de prova, sem prejuízo de ser aferida a pertinência na tomada do seu depoimento, no decurso da audiência de julgamento. Notifique”. * Não se conformando com o assim decidido, veio a requerente interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:a) CONCLUSÕES DO RECURSO 1) por meio do despacho de que se recorre, o tribunal a quo não admitiu a prestação de declarações de parte que a recorrente havia requerido. 2) Para tanto, o Tribunal a quo apresenta a seguinte fundamentação, que se transcreve: « Relativamente às declarações de parte da progenitora: Tal meio de prova, introduzido pelo novo Código de Processo Civil, no seu art.º 466º, justifica-se e tem utilidade quando estão em causa factos de natureza pessoal ou de que a parte tenha conhecimento direto, em que não exista qualquer outro meio de prova para a parte demonstrar a sua pretensão, criando situações de desigualdade e limitação do exercício do direito de ação ou de defesa. Tal sucederá nos casos em que “tudo se passou na intimidade de uma casa ou as situações em que se discute a intenção das partes ao celebrarem determinado contrato (…), num simples acidente de viação resultante de uma colisão entre dois veículos (…)” ou “nas ações que têm por objeto determinados contratos bancários” (cf. O Novo Processo Civil – Contributos da Doutrina para a Compreensão do Novo Código de Processo Civil, CEJ). Como refere Artur Cordeiro (in Audiência de Julgamento no projeto do Código de Processo Civil, Jornadas do CEJ), a novidade, com o novo Código de Processo Civil, traduz-se, na prática, na legitimidade das partes requererem os seus depoimentos de parte, o que no anterior regime processual lhes estava vedado, sendo certo que o próprio artigo 466º, n.º 2 remete para o regime do depoimento de parte. Conforme aí sustenta, “Este meio de prova, se assim pode ser considerado dirige-se, primordialmente, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma perceção direta privilegiada, dificilmente se compreendendo que nestes casos as partes não requeiram, desde logo, a prestação de declarações”. Por conseguinte, forçosamente se conclui que as declarações de parte não podem ser requeridas em qualquer circunstância, com o mero objetivo da parte reafirmar ou dizer, pelas suas palavras, em audiência de julgamento, o que já consta dos articulados, para mais quando os factos facilmente se demonstram através de outros meios de prova, nomeadamente documental, testemunhal ou pericial. Tendo em consideração o supra exposto, para além de se constatar que parte dos artigos indicados contêm matéria conclusiva ou de direito, face à prova testemunhal indicada, prova pericial e prova documental junta aos autos, indefere-se, por ora, a prestação de declarações de parte pela progenitora, à matéria por si indicada (artigos 5º a 23º e 27º das alegações), em virtude não se poder concluir que a matéria indicada só poderá ser provada por intermédio da prestação de tais declarações e não por outro meio de prova, sem prejuízo de ser aferida a pertinência na tomada do seu depoimento, no decurso da audiência de julgamento. Notifique. 3) ora, salvaguardado o devido respeito por opinião contraria, a recorrente entende que andou mal o tribunal a quo quando decidiu não admitir esse meio de prova indicado pela recorrente. 4) no nosso entendimento, tribunal a quo, para além de não justificar cabalmente a razão da decisão da limitação da prova da recorrente, também não explica o critério atinente a tal decisão. 5) os factos em causa e sobre os quais requereu a prestação das suas declarações, são de uma extrema importância, não podendo estar a recorrente vedada de as prestar, sendo esta uma limitação que viola a igualdade de armas entre as partes. 6) Portanto, decidiu mal o tribunal a quo ao indeferir o pedido do recorrente relativo à prestação das suas declarações de parte sobre os factos da que havia requerido, porquanto, a decisão é violadora do princípio da igualdade de armas, do princípio do processo equitativo e justo, bem como do princípio do contraditório. 7) Dispõe o artigo 4.º do Código de Processo Civil que o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais. 8) Não podemos olvidar, que o princípio da igualdade de armas pressupõe um equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, designadamente, no que respeita aos meios de que as partes dispõem para apresentarem e defenderem as suas alegações. 9) No caso sub judice, a prestação de declarações de parte por parte da recorrente é essencial para a descoberta da verdade material, atendendo que a recorrente interveio pessoalmente ou tem conhecimento direto sobre os factos que requereu para a prestação das suas declarações. 10) Por outro lado, com tal decisão, o tribunal a quo, também violou de forma clara o disposto no artigo 466.º do Código de Processo Civil. 11) Pois, daquele normativo resulta que a única condição para o recurso à prova por declarações é a obrigação da parte requerente ter intervindo pessoal ou que tenha conhecimento direto sobre determinado facto. 12) O que se verifica no caso da recorrente, dado que é com quem reside com o menor e que vivenciou grande parte da matéria que se encontra em discussão nos autos. 13) Assim sendo, compulsados os autos, nada resulta que a prova requerida poderá ser reduzida ou condicionada por parte do tribunal, à exceção do referido requisito, e que, no entender da recorrente, se encontra verificado. 14) Ainda que assim não se entenda, cumpre tomar nota de que, parte da jurisprudência tem entendido que admissibilidade de declarações de parte está limitada apenas quando os factos indicados no requerimento já estejam plenamente provados por documentos ou por outro meio de prova com força obrigatória plena, o que não ocorre no caso dos presentes autos. 15) Como é sabido, o princípio do contraditório é um princípio geral fundamental no nosso ordenamento jurídico, tendo por isso que ser observado ao longo de todo o processo judicial. 16) Não restam quaisquer dúvidas que o tribunal a quo ao indeferir o pedido do recorrente, limitando assim a sua produção de prova por declarações de parte, viola flagrantemente, o princípio do contraditório. 17) Resulta do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão, mediante processo equitativo, tratando-se de um direito fundamental, constitucionalmente garantido a todos os cidadãos. 18) Assim, conclui que o despacho posto em crise é totalmente ilícito, por ser violador dos artigos n.º 341.º e 342.º do Código Civil, do artigo 466, n.º 1 do Código de Processo Civil, e ainda por violar os princípios da igualdade de armas, do contraditório e do processo equitativo e justo, consagrados nos artigos 3.º e 4.º, ambos do Código de Processo Civil, bem como artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República. 19) Motivo pelo qual deve ser revogado o despacho posto em crise, ordenando-se a sua substituição por outro que admita a prova em causa. * Contra-alegou o Ministério Público concluindo pelo não provimento do recurso.* Foram dispensados os vistos legais.* II- FUNDAMENTOSO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cf. arts. 635.º, nº 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.Civil. * No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:a)- saber se devia ou não ter sido admitida a prestação de declarações de parte da requerente. * A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOPara a apreciação e julgamento da questão enunciada releva a dinâmica fatual que consta do relatório supra que aqui se dá por reproduzida. * III- O DIREITOComo supra se referiu é apenas uma a questão que vem colocada no recurso: a)- saber se devia ou não ter sido admitida a prestação de declarações de parte da requerente. Como se evidencia do despacho recorrido aí se entendeu não serem de admitir, nesta fase processual, as declarações de parte da apelante, entendimento esse estribado na circunstância de não se poder concluir que a matéria indicada só possa ser provada por intermédio da prestação de tais declarações e não por outro meio de prova. Deste entendimento dissente a apelante alegando que a prestação das suas declarações de parte é essencial para a descoberta da verdade material, atendendo a que interveio pessoalmente ou tem conhecimento direto sobre os factos que requereu para a prestação das suas declarações. Que dizer? Respeitando-se entendimento diverso, desde já se adianta, que não se sufraga a tese defendida pelo tribunal recorrido. A prova insofismável de que as declarações de parte abstratamente consideradas (isto é, sem se conhecer antecipadamente do seu conteúdo, como é suposto e como se encontra qualquer juiz antes de elas serem produzidas perante si) não são um ato inútil ou irrelevante para a decisão que ao juiz cabe proferir no processo radica, desde logo, na consagração legal das mesmas pelo legislador no atual Código de Processo Civil e nas razões que estão subjacentes à consagração deste novo meio de prova. De facto, como é consabido, o legislador do atual Código de Processo Civil deixou bem expressa a utilidade e relevo de tal meio de prova ao consagrar expressamente a sua admissibilidade, sendo certo que essa era matéria que já era discutida antes da entrada em vigor do novo CPCivil, correspondendo, assim, a sua introdução no direito adjetivo, a uma opção inequívoca do legislador quanto à utilidade/relevo, em abstrato, das ditas declarações de parte, enquanto meio de prova de factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto e sujeitas sempre à livre apreciação do julgador-artigo 466.º, n.ºs 1 e 3 do dito cita diploma. Nesta perspetiva, se as declarações de parte, como qualquer outro meio de prova (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPCivil), estão sempre, em concreto, isto é, após a sua produção perante o juiz do processo, sujeitas à sua livre e crítica apreciação em termos de valor probatório (salvo se constituírem confissão–2ª parte, do n.º 3 do mencionado artigo 466.º), isso também significa que o juiz não pode, previamente à produção daquele meio de prova, fazer qualquer juízo sobre a utilidade ou credibilidade de tal meio de prova oferecido pela parte (ao abrigo dos princípios do dispositivo, da iniciativa processual e da autorresponsabilidade das partes), só a podendo recusar se a mesma não obedecer ao condicionalismo legal que subjaz ao seu oferecimento nos autos.[1] Com efeito, como é pacífico, está em causa um meio de prova voluntário (que depende estritamente da iniciativa da própria parte) e de “um direito potestativo de natureza processual conferido à parte” e, assim, o mesmo só pode ser liminarmente afastado pelo Tribunal se não estiverem preenchidos os seus pressupostos legais, seja quanto ao seu objeto ou ao tempo para o mesmo ser oferecido, v.g., requerimento para declarações de parte deduzido já após a realização das alegações orais e encerrada a audiência de julgamento. Sendo assim, no caso dos autos, sendo o pedido de declarações de parte da apelante tempestivo, pois que, foi deduzido muito antes da audiência de julgamento versando sobre factos de que a apelante tem conhecimento direto, ao invés do decidido no despacho recorrido, deveria ter sido admitido, sendo inócua, para esse efeito, a afirmação que se faz no despacho recorrido, de não se poder concluir que a matéria indicada só possa ser provada por intermédio da prestação de tais declarações, pois que, além disso não ser fundamento para a sua não admissão, não existe uma hierarquia para admissão dos meios de prova. * Procedem, assim, todas as conclusões formuladas pela recorrente e, com elas, o respetivo recurso.* IV-DECISÃOPelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, deverá a prestação das declarações de parte da apelante ser admitida nos autos nos termos requeridos. * Custas da apelação pela apelante que do recurso tirou proveito (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).* Porto, 13 de outubro de 2025.Manuel Domingos Fernandes Ana Olívia Loureiro (dispensei o visto) Mendes Coelho (dispensei o visto) ______________ [1] Vide sobre as declarações de parte e o seu relevo, assim como as condições em que a mesma deve ser admitida, por todos, A. ABRANTES GERALDES, P. PIMENTA, L. PIRES de SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, I volume, 2ª edição, pág. 549-550, em especial notas 2, 3 e 4 ou, ainda, J. LEBRE de FREITAS, ISABEL ALEXANDRE, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, 3ª edição, pág. 307-310 e a jurisprudência ali citada sobre a nota 7. |