Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
24/21.4GBVFR-I.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CLÁUDIA RODRIGUES
Descritores: PROCESSO CRIME
PERDA DE BENS
REGIME LEGAL
PRESSUPOSTOS
CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
REGIME ESPECIAL
REQUISITOS
PROCEDIMENTO
Nº do Documento: RP2024111324/21.4GBVFR-I.P1
Data do Acordão: 11/13/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO REQUERENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – No âmbito de um processo crime, decorre da lei que a tutela dos direitos do proprietário de um bem que possa ser declarado perdido a favor do Estado, e não seja pertença do arguido, implica que a autoridade judiciária ordene a presença do interessado e o ouça, assim se pretendendo evitar que alguém, sem mais, se veja privado do seu património, sem possibilidade de reagir.
II – Sendo esse o regime-regra, relativamente a determinados objetos apreendidos em processo penal, a lei estabelece um regime especial, designadamente no regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, o vertido no dec-lei nº 15/93, de 22/01, prevendo no seu artigo 36º a possibilidade de, por iniciativa do terceiro de boa-fé, não sendo o proprietário arguido no processo, ser tramitado um incidente por apenso ao processo principal, no qual este pode fazer valer no processo os seus direitos relativamente a bens apreendidos, alegando e provando essa mesma boa-fé.
III – Isto porque todas as actuações no teatro do tráfico de drogas adquirem contornos muito específicos, os quais justificam plenamente a aplicação de normas especiais, sobre pena da lei geral não surtir o efeito desejado no seu combate, o que implicou alteração legislativa do mencionado diploma que estatui sobre aquela criminalidade e que se traduziu num afastamento do estatuído no regime geral previsto no artigo 109º do Código Penal, ali se consagrando, no seu artigo 35º, um regime de perda de bens mais restritivo.
IV – Ou seja, estando em causa infracções relacionadas com o tráfico de estupefacientes, e pelos valores jurídico-penais especialmente aí tutelados, não é exigível aquela ponderação acrescida do potencial perigo de utilização dos bens e objectos prevista no sobredito regime geral plasmado no Código Penal.
V – Porém, e não obstante menos exigente, o regime instituído no antedito artigo 35º, na esteira da jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, não goza de automaticidade, não bastando a mera circunstância de um determinado objeto haver sido utilizado para se decretar a sua perda, devendo tal efeito subordinar-se a critérios de causalidade e de proporcionalidade, no seio de uma ponderação concreta, que inclui um juízo sobre a essencialidade do objecto na prática da infracção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 24/21.4GBVFR-I.P1

Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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1. RELATÓRIO

AA, requerente nos autos que correm por apenso (Incidente por Apenso 24/21.4GBVFR-I) ao Processo nº 24/21.4GBVFR do Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira (Juiz 1) do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro veio interpor recurso da decisão proferida em 15.07.2024 (retificada em 16.07.2024) que determinou a perda a favor do Estado do veículo de matrícula ..-CR-.. nos termos do artigo 35º do Decreto-Lei nº15/93, de 22.01.
Da motivação deste recurso constam as seguintes conclusões:
1. Pretende o Recorrente a revogação da decisão, na parte em que declara perdido a favor do Estado o veículo automóvel de marca “Audi” matrícula ..-CR-.., determinando-se a entrega ao seu proprietário;
2. O legislador exige para a declaração de perda dois pressupostos cumulativos: – um pressuposto formal de que os objetos tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática do facto ilícito; ou que tenham sido produzidos pelo facto ilícito, e um pressuposto material relacionado com a perigosidade dos próprios objetos que pela sua natureza devem mostrar-se vocacionados para a atividade criminosa.
3. Nos termos das normas gerais do Código Penal, a perda só deve ser decretada para evitar a perigosidade resultante da utilização do objeto e a mesma também deverá ser proporcional à gravidade do facto ilícito cometido.
4. Nos termos do artigo 35º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, “são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma”
5. No caso do tráfico de estupefacientes encontra-se previsto um incidente para a defesa dos direitos de terceiros de boa-fé, através do disposto no art. 36.º-A do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/Jan., a efetuar-se por apenso aos respectivos autos, compreendendo o requerimento do interessado, a resposta do Ministério Público, a realização de diligências necessárias e a correspondente decisão;
6. Uma interpretação meramente literal, parece incutir a ideia que essa mesma intervenção está única e exclusivamente dependente da iniciativa do interessado.
7. No entanto, segundo o art. 62.º, n.º 1 da C.R.P., “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte”
8. A perda dos instrumentos do crime, não está submetida ao princípio da culpa, devendo ser equacionada com o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da actividade levada a cabo e a serventia que ao objecto foi dada na sua execução, de forma a não se ultrapassar a “justa medida.”
9. Nos presentes autos, a declaração de perda do veículo automóvel a favor do Estado é uma decisão injusta e desproporcional, porquanto apenas afeta um terceiro sem qualquer intervenção nos factos objeto dos presentes autos.
10. Ao decidir como decidiu a Mma. Juiz a quo fez uma má aplicação do disposto no artigo 35º, nº 1 e 36º-A do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01 do Código Penal.
11. O Tribunal a quo fez incorreta interpretação e aplicação do que vem disposto nos artigos 109º, 110º do Código Penal e artigo 18º, nº 2 e 62º da Constituição da Republica Portuguesa.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência ser a douta sentença recorrida substituída por outra que determine a entrega ao seu proprietário, ora Recorrente do veículo automóvel de marca “Audi” matrícula ..-CR-...
Assim decidindo, V. Exas. Senhores Desembargadores, farão a habitual JUSTIÇA !”

Por despacho proferido em 03.09.2024 foi o interposto recurso regularmente admitido, sendo fixado o regime de subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo, apresentou resposta à motivação do recurso, pugnando pelo não provimento do mesmo.

Subiram os autos a este Tribunal da Relação, e o Exmo. Procurador-Geral Adjunto formulou parecer no sentido de a pretensão recursiva apresentada por AA carecer de sustentação (fáctica e legal) suficiente para merecer ser acolhida, assim devendo ser integralmente mantida a decisão recorrida.

Na sequência da notificação a que se refere o art. 417º, nº 2, do CPP, nada mais foi acrescentado.

Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme vêm considerando a doutrina e a jurisprudência de forma uniforme, à luz do disposto no art. 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, em que resume as razões do pedido, sem prejuízo, naturalmente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

Face às conclusões extraídas pelo recorrente das motivações apresentadas, coloca-se à apreciação deste tribunal uma única questão:
- a de saber se a declaração de perda do veículo automóvel a favor do Estado é uma decisão desproporcional, porquanto apenas afeta um terceiro sem qualquer intervenção nos factos objeto dos presentes autos e em relação à gravidade desse crime.

É o seguinte o teor da decisão recorrida:

“Veio AA apresentar requerimento no âmbito dos autos principais, alegando ser o proprietário do veículo apreendido de matrícula ..-CR-.., que necessita do mesmo para se deslocar, que não teve qualquer participação, direta ou indireta, nos factos em causa, ignorando as atividades ilícitas que com o mesmo eventualmente pudesse ter sido praticadas e que apenas autorizou o arguido, seu cunhado, a utilizar o referido veículo por à data não necessitava dele, nunca lhe tendo cedido a propriedade. Terminou requerendo o levantamento da apreensão e consequente restituição da viatura da sua propriedade.
Devidamente notificado, o Ministério Público, nos termos e pelos fundamentos referidos na vista que antecede, nomeadamente por o requerente não ter feito prova de estar de boa fé, pugnou pelo decretamento da perda do veículo.
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Por não se reputar necessária a realização de outras diligências, passa-se a proferir decisão.
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Conforme resulta do relatório e do resultado das pesquisas às bases de dados do registo automóvel, o aqui requerente é o proprietário inscrito no registo automóvel relativamente ao veículo de matrícula ..-CR-...
Do acórdão proferido nos autos principais, decorre que o referido veículo foi apreendido ao arguido BB e que, no dia 12 de julho de 2022, o mesmo tinha nesse veículo, produtos e objetos relacionados com o crime pelo qual foi condenado, em concreto o crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º do Decreto-Lei nº15/93, de 22.01, bem como, que o utilizava e o mesmo era essencial para o exercício de tal atividade.
Por outro, lado o aqui requerente não indicou qualquer prova do alegado desconhecimento da utilização da viatura em atividades ilícitas.
Ao que acresce que se verifica que o veículo foi apreendido a 12 de julho de 2022, e o requerimento apresentado por AA apenas deu entrada nos autos em fevereiro de 2024, pelo que a apreensão do veículo não podia ser do seu desconhecimento.
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Estatui-se no artigo 35º, nº1 do Decreto-Lei nº15/93, de 22.01 que “são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos”, situação essa que inclui as situações em que “nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto”.
Por seu turno, nos termos do disposto no artigo 36.º-A, nº1 do referido diploma legal, o “terceiro que invoque a titularidade de coisas, direitos ou objetos sujeitos a apreensão ou outras medidas legalmente previstas aplicadas a arguidos por infrações previstas no presente diploma pode deduzir no processo a defesa dos seus direitos, através de requerimento em que alegue a sua boa fé, indicando logo todos os elementos de prova”.
No caso dos presentes autos, verifica-se que AA não é arguido no âmbito do presente processo, nem teve qualquer intervenção no mesmo, sendo a sua única ligação ao mesmo a apreensão do seu veículo automóvel, que se encontrava a ser utilizado por BB, do qual é proprietário, pelo que, tem de ser havido como terceiro.
No entanto, não tendo demonstrado que agiu de boa fé quando emprestou e deixou que o arguido BB utilizasse o veículo durante um largo período de tempo, verifica-se que inexistem motivos para decretar o levantamento da apreensão, antes que deve ser ordenado o seu perdimento face à sua utilização para o prosseguimento da atividade de tráfico de estupefacientes.

Decisão:
Nos termos e fundamentos expostos, infere-se o requerido e determina-se a perda a favor do Estado do veículo de matrícula ..-CR-.. nos termos do artigo 35º do Decreto-Lei nº15/93, de 22.01.
Custas a cargo do requerente, que se fixam no mínimo legal nos termos do artigo 7º,
nº4 do Regulamento das Custas Processuais.
Registe e notifique.”

Há ainda a considerar os seguintes elementos relevantes para a decisão do presente recurso extraídos do acórdão de 01.03.2024:

III. BB
1. Desde pelo menos desde meados de 2020 e até ao dia 08-07-2022, o arguido BB, também conhecido por CC”, dedicou-se, com regularidade, à venda a terceiros de substâncias estupefacientes, nomeadamente cocaína para inalar, haxixe (canábis nas formas de resina e folhas) e ainda anfetaminas, a título lucrativo.
7. O arguido BB também percorria diversos cafés, como os denominados “A...” (sito em ...), “B...” (sito em ...), “C...” e “D...” (sito em ...), para aí vender produtos estupefacientes aos consumidores.
8. Na execução da referida atividade, entre o dia meados de 2020 e o dia 08-07-2022, BB realizou, pelo menos, realizou, pelo menos, 550 (quinhentas e cinquenta) vendas/cedências de produtos estupefacientes a 25 consumidores diferentes.
13. No dia 17/01/2021, o arguido BB tinha consigo os seguintes produtos e objetos, no veículo automóvel com a matrícula ..-CR-.., de marca Audi, modelo ...:
i. canábis (folhas/sumidades), com o peso de 29,833 gr (peso líquido), com um grau de pureza de 8,4 (THC) e que correspondia a 50 doses médias diárias, que estava oculto no interior de um maço de tabaco da marca PORTUGUÊS vermelho (cfr. auto de notícia NUIPC 24/21.4GBVFR de fls. 6 a 9, vol. 1, apenso D, do auto de apreensão, de fls. 10 e 11, vol. 1).
41. No dia 12/07/2022, o arguido BB tinha consigo os seguintes produtos e objetos:
i. No veículo automóvel com a matrícula ..-CR-.., de marca Audi, modelo ...:
i. Cannabis (resina) com o peso (gramas) de 4,330/L, com o grau de pureza (%) de 43,1 (THC) e que a correspondem
37 doses médias diárias, que estava oculto no interior de um maço de tabaco da marca PORTUGUES vermelho;
ii. Duas notas de 100 euros;
iii. Uma nota de 50 euros;
iv. Uma nota de 10 euros;
v. Uma nota de 5 euros, num total de 265 euros;
vi. Canábis (resina) com o peso (gramas) de 5,833/L, com o grau de pureza (%) de 41,1 (THC) e que correspondem 47 doses médias diárias, e que estava guardado numa consola debaixo do volante;
vii. Um telemóvel na marca “iPhone”, modelo ..., com o IMEI ..., com código de desbloqueio de ecrã n.º ...; com cartão SIM da E...;
viii. Uma navalha com vestígios de corte de produtos estupefacientes, no chão do banco do passageiro.
45. O arguido BB destinava os produtos estupefacientes que detinha nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas à venda a terceiras pessoas, nos termos supra descritos, para tal utilizando os veículos e os telemóveis que nessas mesmas circunstâncias detinha para, respetivamente, se deslocar aos locais onde adquiria tais produtos e os transportar e, bem assim, efetuar/receber os contactos telefónicos/por internet realizados com aqueles terceiros, para esse efeito.
(…)

III. BB
O arguido vem acusado, em coautoria, da prática de um crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º, nº1 do Decreto-Lei nº15/93, de 22-01.
No caso presente provou-se que o arguido BB atuava como fornecedor de outros arguidos, revendedores de droga, nomeadamente do arguido DD, a quem vendeu haxixe, pelo menos, durante um período de dois anos e quatro meses, quinzenalmente, uma a duas placas de haxixe, pelo preço fixado entre 370,00€ e 400,00€, por cada uma, e do arguido EE, a quem vendeu haxixe, pelo menos duas vezes, num período de dois meses, uma em quantidades não concretamente apuradas e noutra vez canábis (resina) com o peso de 81,005 gramas, com o grau de pureza de 20,4% THC e a que correspondiam 330 doses médias diárias, canábis (resina), com o peso de 3,020 gramas, com o grau de pureza (%) de 20,7 (THC), a que correspondem 12 doses médias diárias e canábis (resina) com o peso 2,636 gramas e com o grau de pureza de 20,5% THC, a que correspondem dez doses médias diárias (cfr. factos provados sob os nºs 3, 4, 40 e 43).
Ficou ainda demonstrado que o arguido BB também vendia e cedia produtos estupefacientes a consumidores, designadamente cocaína, haxixe e anfetaminas, que o contactavam através do telefone e que, de seguida, se deslocavam para junto daquele a fim de receberem tais produtos e de procederem ao seu pagamento, bem como, àqueles que encontrava em estabelecimentos de cafetaria, onde se deslocava para o efeito, tendo realizado, entre meados de 2020 e o dia 08-07-2022, pelo menos, 939 (novecentas e trinta a nove) vendas/cedências de produtos estupefacientes a este título, entre as quais uma de cerca de 9 gramas de cocaína (cloridrato), com o grau de pureza de 93,2%, a que correspondem 43 doses médias diárias (cfr. factos provados sob os nºs 1, 5 a 12, 14 a 39).
(…)
Resulta ainda da matéria de facto provada que o arguido BB foi intercetado na posse de estupefacientes, em duas ocasiões distintas, nomeadamente em 17-01-2021 e em 12-07-2022, concretamente de 29,83 gramas de canábis, com um grau de pureza de 8,4% THC, correspondentes a 50 doses médias diárias, e de canábis (resina) com o peso de 4,330 gramas, com o grau de pureza de 43,1% de THC e que a correspondem 37 doses médias diárias, canábis (resina), com o peso de 5,833 gramas, com o grau de pureza de 41,1% de THC, que correspondem 47 doses médias diárias, de canábis (resina), com o peso de 44,461 gramas, com o grau de pureza de 41,5% de THC, que correspondem 369 doses médias diárias, MDMA, com 0,279 gramas, com o grau de pureza de 45,4 gramas, a que corresponde uma dose média diária, anfetaminas, com o peso de 1,840 gramas, com o grau de pureza de 35,1%, que correspondem seis doses médias diária, anfetaminas, com o peso de 8,266 gramas, com o grau de pureza de 37,3%, que correspondem trinta doses médias diárias, cocaína (cloridrato) com o peso de 37,897 gramas, com o grau de pureza de 92,3% e a que correspondem 156 doses médias diárias, canábis (folhas/sumidades), com o peso de 2,811 gramas, com o grau de pureza de 15,4 % de THC e que a correspondem 8 doses médias diárias, MDMA com o peso de 0,790 de gramas, com o grau de pureza de 23,7%, que a correspondem 2 doses médias diárias, MDMA com o peso de 0,391 de gramas, com o grau de pureza de 26,4%, que a correspondem 2 doses médias diárias, MDMA com o peso de 0,549 gramas, com o grau de pureza de 32,1%, que a correspondem uma dose média diária (factos provados sob os nºs 13 e 41).
(…)
No que se refere aos veículos automóveis apreendidos melhor identificados a fls. 6922 e ss., vol. 27:
(…)
- de matrícula ..-CR-.., apreendido ao arguido BB, visto que ficou demonstrado que o mesmo era essencial para a prática do crime face à sua área de atuação, deveria ser determinada a sua perda. Todavia, considerando
que a propriedade do veículo se encontra registada a favor de terceiro e que o mesmo veio apresentar requerimento a invocar tal titularidade, deve ser ordenado o cumprimento do disposto no artigo 36º-A do Decreto-Lei nº15/93, nos termos do qual a questão deve ser decidida por apenso;

Apreciando os fundamentos do recurso:

No caso, está assente que o ora recorrente AA é o proprietário inscrito no registo automóvel relativamente ao veículo automóvel de marca Audi modelo ..., com a matrícula ..-CR-.., o qual foi apreendido a 12 de julho de 2022, sendo o arguido BB cunhado do proprietário do veículo.
E, enquanto proprietário do sobredito veículo, AA recorre da decisão que indeferiu o levantamento da apreensão e consequente restituição da viatura da sua propriedade, mais tendo determinado a perda daquele veículo.
A declaração de perda a favor do Estado do veículo em apreço baseia-se no art. 35º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, que prevê tal declaração quanto a objetos que tenham servido, ou estivessem destinados a servir a prática de crime de tráfico de estupefacientes.
O recorrente vem no recurso reconhecer que não obstante o estatuído no art. 35º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, o legislador exige para a declaração de perda dois pressupostos cumulativos: – um pressuposto formal de que os objetos tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática do facto ilícito; ou que tenham sido produzidos pelo facto ilícito, e um pressuposto material relacionado com a perigosidade dos próprios objetos que pela sua natureza devem mostrar-se vocacionados para a atividade criminosa.
E prossegue argumentando que a perda só deve ser decretada para evitar a perigosidade resultante da utilização do objeto e a mesma também deverá ser proporcional à gravidade do facto ilícito cometido. Na sua perspetiva apesar de o veículo ter sido utilizado no exercício da atividade a que se dedicava o
arguido BB, não resulta dos factos apurados que a utilização do veículo pela sua natureza e circunstâncias, pusesse em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública ou que ofereça sérios riscos de ser utilizado no cometimento de novos crimes e assim não se encontrando reunidos os pressupostos exigidos pelo disposto no art. 109, nº 1 do CP, não é de declarar perdido a favor do Estado o veículo aqui em causa.
Mais defende que não teve qualquer intervenção processual até fevereiro de 2024, quando dirigiu aos autos o requerimento solicitando a entrega da viatura, mas não sendo parte no processo como podia o ora recorrente, provar o desconhecimento, e confiando no normal funcionamento da justiça ficou pacientemente a aguardar a tramitação dos autos, pagando os IUC e tendo á sua guarda a viatura.
Conclui que a Mma. Juiz fez uma interpretação literal dos artigos 35º e 36º-A do Decreto-Lei 15/93.
Adiciona que segundo a Constituição da Republica Portuguesa a todos é garantido o direito à propriedade privada (art. 62º, nº1) e a requisição e expropriação (entendida a sua ratio mais abrangente)
só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de uma justa indemnização (nº2).
Pelo que tais injunções constitucionais concedem igualmente segurança ao cidadão contra qualquer privação arbitrária do seu direito de propriedade.
Por último convoca o princípio da proporcionalidade consagrado no nº 2, do artigo 18º, da CRP, na medida em que a perda dos instrumentos do crime, medida preventiva que não está submetida ao princípio da culpa, seja equacionada com o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da actividade levada a cabo e a serventia que ao objecto foi dada na sua execução, de forma a não se ultrapassar a “justa medida”.
Cumpre então apreciar, começando pelo quadro legal aplicável.
Sobre a tutela dos direitos do proprietário de um bem que possa ser declarado perdido a favor do Estado, genericamente, o art. 178º, nº 9, do Código de Processo Penal, estabelece que: “Se os instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos ou coisas ou animais apreendidos forem suscetíveis de ser declarados perdidos a favor do Estado e não pertencerem ao arguido, a autoridade judiciária ordena a presença do interessado e ouve-o.”.
A lei pretende evitar que alguém, sem mais, se veja privado do seu património, sem possibilidade de reagir.
No entanto, relativamente a determinados objetos apreendidos em processo penal a lei estabelece um regime especial.
Assim, o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas (Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01) prevê no art. 36º-A os trâmites de um incidente autuado por apenso, da iniciativa do terceiro de boa-fé (não sendo o proprietário arguido no processo), no qual este pode fazer valer no processo os seus direitos relativamente a bens apreendidos, alegando e provando essa mesma boa-fé.
Isto porque, todas as atuações no teatro do tráfico de drogas adquirem contornos muito específicos, os quais justificam plenamente a aplicação de normas especiais, sobre pena da lei geral não surtir o efeito desejado no seu combate.
Foi precisamente o que sucedeu na examinada situação, pois que a propriedade do veículo automóvel com a matrícula ..-CR-.., apreendido a 12 de julho de 2022, se encontra registada a favor de terceiro – o ora recorrente - e que o mesmo veio apresentar requerimento a invocar tal titularidade.
Já na ótica do direito substantivo, a declaração de perda a favor do Estado baseia-se na norma geral do aludido art. 35º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01 (norma que prevê a perda de quaisquer objetos que tenham servido, ou se destinassem a servir, a prática de crime de tráfico de estupefacientes - “são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos), que afasta a norma geral do art. 109º, nº 1, do Código Penal (norma que prevê a perda dos instrumentos do facto ilícito típico quando estes representem perigo para a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, ou quando haja risco de serem utilizados na prática de novos factos ilícitos típicos).
Sendo que a actual redacção daquele art. 35º, nº1, resulta de uma alteração legislativa (artigo 1.º da Lei n.º 45/96, de 3/09) que se traduziu num afastamento do estatuído no mencionado art. 109º, o qual consagra um regime de perda mais restritivo (de perda de bens).
Ou seja, estando em causa infracções relacionadas com o tráfico de estupefacientes, e pelos valores jurídico-penais especialmente aí tutelados, não é exigível aquela ponderação acrescida do potencial perigo de utilização dos bens e objectos, como erroneamente o recorrente quer fazer crer, sendo essa conclusão retirada da redacção originária do texto do nº 1 desse art. 35º “São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tenham sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos”.
Do cotejo dos textos legais transcritos resulta que o regime originário da perda de objectos previsto no Decreto-Lei 15/93, tinha por requisito essencial da declaração de perdimento, tal como se verifica na lei substantiva penal (art. 109º, n.º 1, do Código Penal), a perigosidade do objecto, sendo que por efeito da amputação da parte final daquele dispositivo, a perda de objectos passou a depender, apenas, de um só requisito em alternativa – que os objectos tenham servido, ou estivessem destinados a servir, para a prática de uma infracção prevista naquele diploma ou, tratando-se de produtos da infracção, constituam um seu resultado.
Constata-se, portanto, dualidade de regimes legais.
E resultando do assinalado art. 35º, nº 1, que são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido para a prática de uma infração prevista no diploma, desde já se adianta que a declaração de perda se mostra amplamente justificada face aos factos provados do acórdão.
Não obstante menos exigente, o regime instituído no antedito art. 35º, na esteira da jurisprudência consolidada dos Tribunais superiores, não goza de automaticidade, não bastando a mera circunstância de um determinado objeto haver sido utilizado, para se decretar a perda, devendo tal efeito se subordinar a critérios de causalidade e de proporcionalidade.
A norma referida pressupõe por isso também uma ponderação concreta, que inclui um juízo sobre a essencialidade do objecto na prática da infracção, sobre a causalidade e a proporcionalidade.
Isto porque, a alteração sobrevinda veio suscitar algumas questões decorrentes do facto de, prima facie, poder ser entendida como introdutora de um regime de automacidade da perda de objectos, no sentido de que, verificada a mera ligação instrumental do objecto com o facto, impor-se-ia o seu perdimento sem mais, o que, obviamente, colidiria com princípios básicos constitucionais, designadamente os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido restrito.
Com efeito, e como observa o Senhor Procurador-Geral Adjunto no parecer, da redação do preceito aplicado não resulta sem mais a perda de qualquer objeto que tenha servido para a prática do crime independentemente das circunstâncias dessa utilização: “o que poderia conduzir à (declaração de) perda automática de qualquer objecto que tenha servido para a prática do crime (no caso, de tráfico de estupefacientes) independentemente das circunstâncias dessa utilização”, o que se prefiguraria como violador dos artigos 18.º, n.º 1, 62.º, n.º 1, e 204.º da Constituição da República Portuguesa.
E, fazendo referência aos acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 176/2000, de 22 de Março (relator: Bravo Serra), e 202/2000, de 14 de Abril (relator: Paulo Mota Pinto), dos quais se retira que seria inconstitucional a privação automática de direitos independentemente da formulação de um concreto juízo jurisdicional de ponderação das circunstâncias do caso e das características do objeto em causa, dá nota de que a jurisprudência vem para tanto apelando a critérios de causalidade e proporcionalidade.
Também no Ac. deste Tribunal da Relação do Porto de 12/10/2022 proferido no Proc. 13630/17.2T9PRT.P1 (Rel. Desembargador Pedro Vaz Pato) acessível in www.dgsi.pt. seguindo de perto o texto do próprio Relator na anotação ao referido artigo 35.º em Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol. II, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, pgs. 531 e 532., esclarece que “a jurisprudência vem limitando, com razoabilidade, o possível alcance da alteração efetuada, apelando a critérios de causalidade e proporcionalidade. De acordo com uma orientação jurisprudencial constante, para a declaração de perda a favor do Estado, é necessário que o crime não tivesse sido praticado (ou tivesse sido praticado de uma forma diferente, sendo essa diferença penalmente relevante) sem o objeto em causa. É necessário, por outro lado (também de acordo com alguma jurisprudência), que o malefício correspondente à perda represente uma medida justa e proporcional à gravidade do crime.”
Fazendo uso de tais critérios, o Ac. do STJ de 18/01/2023 proferido no Proc. nº 419/21.3JELSB.S1 (Rel. Ana Barata Brito) disponível na mesma plataforma, em que estava em causa a declaração de perda do telemóvel apreendido a favor do Estado, veio a concluir que “para além da essencialidade da utilização do telemóvel na prática da infracção, resulta ainda claro que “o malefício correspondente à perda representa uma medida justa e proporcional à gravidade do crime” (Pedro Vaz Pato, loc. cit. p. 531).”
Ainda do STJ, do Ac. de 09/11/2016, proferido no Proc. nº 235/14.6JELSB.L1.S1 (Rel. Oliveira Mendes), também disponível em www.dgsi.pt. retira-se “Certo é que este Supremo Tribunal, face à alteração verificada, tem assumido uma interpretação do n.º 1 do artigo 35º fazendo apelo a critérios de causalidade e de necessidade, de acordo com a qual a perda dos objectos do crime só é admissível quando entre a utilização do objecto e a prática do crime exista uma relação de causalidade adequada, de forma a que, sem essa utilização, a infracção em concreto não teria sido praticada ou dificilmente o teria sido na forma em que foi cometido, ou seja, para a declaração de perdimento é necessário que o crime não tivesse sido praticado (ou tivesse sido praticado de uma forma diferente, sendo essa diferença penalmente relevante) sem o objecto em causa (instrumento essencial)”.
Retomando os comentários de Pedro Vaz Pato na citada obra “há que apurar do carácter essencial, ou não essencial, do objeto em causa para a prática do crime. Para a declaração de perda, há que concluir que o crime não seria praticado sem a utilização desse objeto. A utilização do objeto seria, assim, condição sine qua non da prática do crime. Alguma jurisprudência alude, também, a situações em que o crime não seria praticado nos moldes em que o foi, mas seria praticado de outra forma. Importa, porém, restringir o alcance desta afirmação. A diferença entre a forma como crime é praticado com ou sem o objeto há de ser significativa. Se o crime poderia ser praticado de outra forma sem a utilização do objeto e se essa prática não se tornava significativamente mais fácil sem essa utilização, não pode dizer-se que o objeto é instrumento essencial. Por exemplo, se a droga poderia, sem particular esforço e sem prejuízo para a dimensão do negócio, ser transportada a pé, não se justifica a perda do veículo em que ela possa ter sido, casualmente, transportada.
Há que distinguir a utilização episódica ou ocasional da utilização regular. Se o próprio crime não se traduzir numa atuação isolada, mas consistir numa atuação reiterada e prolongada no tempo, não pode dizer-se que um veículo utilizado de forma ocasional é instrumento essencial para a prática do crime.
Em regra, um veículo será instrumento essencial quando for utilizado para transportar droga que, pelas suas dimensões, não poderia ser transportada à mão ou num objeto de menores dimensões. Quando a droga poderia ser transportada desta outra forma, o veículo não será, quanto a este aspeto, essencial. Poderá sê-lo por transportar não tanto a droga, mas o agente, ou agentes, do crime. Nesta perspetiva, será essencial se esse transporte tornar possível a venda de estupefacientes com as dimensões e alcance de que esta se reveste em concreto.”
Desta feita, regressando ao caso que temos em mãos, não oferece incerteza que a factualidade provada no acórdão (em parte transcrita a par do enquadramento jurídico penal) permite desde logo concluir que a utilização do veículo em apreço pelo cunhado do seu proprietário, o arguido BB era frequente e regular, não ocasional.
E tal como com acuidade observa o Senhor Procurador-Geral Adjunto no parecer “do Acórdão proferido nos autos principais, resulta com impressiva nitidez que entre 2020 e 2022 arguido BB se dedicou à actividade de tráfico de estupefacientes, actividade essa que desenvolveu, para primacialmente nos concelhos ..., ... e ..., mas também em ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., sendo que para o desenvolvimento de tal prática criminosa – na qual efectuou, pelo menos, 939 vendas e/ou cedências de produtos estupefacientes – foi também fundamental a utilização do veículo acima mencionado (pontos 7 a 8, 12, 16 a 18, 24, 25, 41 e 45 da matéria de facto dada como provada em relação ao arguido BB, assim como de fls. 529 a 531 do mesmo Acórdão, e autos de vigência efectuados (cujo
teor foi devidamente confirmado em sede de audiência de discussão e julgamento pelos elementos da GNR que levaram a cabo tais diligências de investigação) (…) se revelou essencial o veículo, pois que o mesmo não só lhe permitia deslocar mais fácil e discretamente entre as diversas localidades acima mencionadas, como lhe permitia tentar iludir a actividade dos órgãos de polícia criminal chamados a investigar aquela mesma prática.”
É, por isso, um dado incontroverso que essa utilização era necessária (essencial) na descrita actividade de tráfico de estupefacientes, e com aquela dimensão e aquele alcance de que a mesma efetivamente se revestiu.
Sendo para nós, à semelhança do que entendeu a primeira instância, óbvio, que sem esse veículo e com recurso a outros meios de transporte (como o táxi ou outros transportes públicos), que essa atividade muito menor dimensão e alcance teria.
Em síntese, o veículo utilizado pelo arguido BB, ao recorrente pertencente, foi instrumento essencial do crime por aquele cometido.
Por outro prisma, já se viu que a jurisprudência também tem feito apelo a um critério de proporcionalidade como orientador da decisão de perda de bens instrumento do crime de tráfico de estupefacientes, ou seja, um segundo critério exige que o malefício correspondente à perda do objeto deve representar uma medida justa e proporcional à gravidade do crime.
“Na verdade, e apesar do propósito do legislador de reforço da reação penal relativa ao tráfico de estupefacientes que subjaz à alteração da redação do art. 35º em apreço, há de entender-se imperioso, à luz dos princípios gerais do Direito Penal, o respeito pelo princípio da proporcionalidade entre a gravidade do crime e a gravidade da reação penal, nesta se incluindo não só a pena principal, como todas as penas, sanções acessórias e consequências da condenação. Não fará sentido que a gravidade das consequências da perda de instrumentos do crime supere a gravidade do crime, ou a gravidade da própria pena. Mas também não pode ignorar-se, nesse juízo de apreciação de gravidade, a severidade com que o legislador encara o crime de tráfico de estupefacientes em geral”, como dimana do citado Ac. desta Relação de 12/10/2022.
Em consonância confira-se que o identificado arguido foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes o, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, (na pena de seis anos e seis meses de prisão), pelo que não suscita dúvidas a proporcionalidade entre a gravidade deste crime e a perda do veículo em apreço, e entre o valor deste (por muito valioso que seja) e o valor das quantias monetárias envolvidas na actividade delituosa, por outra banda.
Noutra envolvência, como bem se anota na decisão recorrida, o aqui requerente não indicou qualquer prova do alegado desconhecimento da utilização da viatura em atividades ilícitas, veículo esse que está apreendido desde o dia 12 de julho de 2022. Ou seja, alega que desconhece em absoluto a utilização que o arguido BB, seu cunhado, atribuiu ao veículo, mas não logrou demonstrar tal circunstancialismo, a despeito do seu ónus.
Outrossim não logrou demonstrar que agiu de boa fé quando emprestou e deixou que o arguido BB utilizasse o veículo durante um largo período de tempo. Nessa decorrência, não se afigura razoável que o proprietário deste não tivesse conhecimento de que o veículo automóvel foi utilizado pelo arguido para a prática da actividade ilícita descrita, desde logo devido à relação familiar que tem com o mesmo, e também devido ao facto de o referido veículo ter sido utilizado pelo arguido de modo frequente e regular.
Ou seja, sendo o ora recorrente cunhado daquele arguido, necessariamente teria conhecimento das respectivas condições pessoais e socioeconómicas, e não poderia ignorar também a actividade criminosa a que aquele se vinha dedicando, até pelo período de tempo que perdurou.
Por conseguinte, não logrou o recorrente fazer prova da respectiva boa fé.
E se a tal adicionarmos o considerável hiato temporal decorrido entre a apreensão e o requerimento que conduziu ao despacho recorrido (pedido de devolução) – 12 de julho de 2022 e fevereiro de 2024 – de tudo se conclui que o recorrente estava inteirado da funcionalização do veículo à atividade criminosa de tráfico de estupefacientes, tanto assim que nada requereu durante cerca de um ano e meio depois da apreensão.
A pretensão recursiva apresentada por AA carece pois de sustentação (fáctica e legal) suficiente para merecer ser acolhida.
Tão pouco se mostram violados os convocados normativos constitucionais.
Não merece, por isso, qualquer reparo a declaração de perda a favor do Estado desse veículo, ao abrigo do disposto no art. 35º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Assim, deverá ser negado provimento ao recurso.

3. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto, em consequência do que, decidem confirmar integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça 3 UCs.
Notifique.

(Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).

Porto, 13 de novembro de 2024
Cláudia Rodrigues
Elsa Paixão
Carla Carecho