Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANTÓNIO JOSÉ RAMOS | ||
Descritores: | TRABALHO POR TURNOS DIA DE DESCANSO | ||
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Nº do Documento: | RP201611075286/15.3T8MTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/07/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 247, FLS.337-354) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - As convenções coletivas de trabalho obrigam os empregadores que as subscrevem e os inscritos nas associações signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes – artigo 496º do Código do Trabalho – e o âmbito da aplicação que é traçado no seu texto pode ser estendido, por portaria, a empregadores e trabalhadores “integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento” – artigo 514.º do mesmo Código. II - Face ao estatuído no artigo 221.°, n° 5, do CT de 2009, o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a atividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO PROCESSO Nº 5286/15.3T8MTS.P1 RG 577 RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS 1º ADJUNTO: DES. JERÓNIMO FREITAS 2º ADJUNTO: DES. NELSON FERNANDES PARTES: RECORRENTE: B… RECORRIDA: C…, LDA. Valor da ação: € 16.572, 30 ◊◊◊ Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:◊◊◊ I – RELATÓRIO1. B…, residente na Trav. …, entrada ., 1º esq., Póvoa de Varzim, intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra C…, LDA., com sede na Rua …, nº .., …, Póvoa de Varzim, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 6.958,63 relativas a diferenças salariais, a quantia de € 442,20 relativa a diuturnidades, a quantia de € 468,00 a título de prémio de produção relativo aos meses de Fevereiro a Julho de 2015 que alega sempre ter recebido e a ré ter deixado de pagar naqueles meses sem qualquer justificação e a quantia de € 8.703,42 a título de trabalho suplementar prestado em dia de descanso, face ao modo como estão organizados os turnos de trabalho e que leva a que na passagem do 2º para o 1º turno a autora trabalhe sete dias consecutivos, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento e a reconhecer à autora a categoria profissional de cozinheira de 2ª por aplicação da CCT publicada no BTE, nº 23 de 22/07/2006 e sucessivas alterações e revisões. ◊◊◊ 2. Realizada a audiência de partes onde não foi possível conciliação, a ré apresentou contestação onde, em resumo, pugna pela improcedência total da ação uma vez que a atividade económica a que se dedica de prestação de serviços de geriatria, com as valências de internamento, apoio domiciliários, não está abrangida pela CCT invocada pela autora, nem sequer por Portaria de Extensão e alegando nada dever à autora a título de trabalho suplementar uma vez que estando os turnos organizados de segunda a domingo, a autora tem assegurado um dia de folga em cada período de sete dias, sendo no primeiro turno ao domingo e no segundo turno ao sábado, não estando a ré obrigada a conceder descanso semanal ao domingo em virtude da atividade que presta não poder ser interrompida, podendo aumentar o período normal de trabalho até quatro horas diárias.◊◊◊ 3. Findos os articulados, tendo o Tribunal considerado existirem nos autos os elementos necessários à decisão sobre o mérito da causa, foram as partes notificadas ao abrigo dos arts. 61º, nº 2 do Código de Processo do Trabalho e 3º, nº 3 do Código de Processo Civil para se pronunciarem, querendo, nada tendo sido dito.◊◊◊ 4. Foi, então, proferida decisão, com a seguinte resolução final:“Por todo o exposto julgo a ação parcialmente improcedente e, em consequência, decido: - condenar a ré C…, Lda. a pagar à autora B… a quantia de € 468,00 (quatrocentos e sessenta e oito euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, sobre cada uma das prestações mensais no valor de € 78,00 (setenta e oito euros), desde o primeiro dia do mês seguinte àquele a que respeita até integral pagamento; -absolver a ré dos demais pedidos contra ela formulados pela autora. * Custas pela autora e pela ré na proporção dos respetivos decaimentos (art. 527º do Código de Processo Civil), sem prejuízo quanto à autora do apoio judiciário com que litiga.* Valor da causa: € 16.572,30 (dezasseis mil quinhentos e setenta e dois euros e trinta cêntimos).* Registe e notifique.”◊◊◊ 5. Inconformada com esta decisão dela recorre a Autora, pedindo a sua revogação e a condenação da ré no pedido contra ele por si formulado, apresentando as seguintes conclusões: 1 – A Recorrida dedica-se à atividade de prestação de serviços geriátricos, com prestação de serviços a idosos, com valências de internamento, e apoio domiciliário. 2 – A designação do Estabelecimento da Recorrida é D…. 3 – A Recorrida é associada da Associação de Empregadores, A.L.I. Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de idosos. 4 – O Estabelecimento da Recorrida é um lar com fins lucrativos, e por isso destinado à população idosa. 5 – Não obstante, tratar-se de uma atividade económica com uma forte componente social e humana, e por isso com características próprias, atendendo ao tipo de utentes e aos cuidados exigidos, desde logo a nível médico e de enfermagem, tal não descaracteriza o núcleo do serviço prestado, que é o alojamento. 6 – Todos os outros cuidados e serviços prestados, seja do ponto de vista da saúde, apoio social ou lúdico e recreativo, decorrem do pressuposto da prestação do serviço inicial: o alojamento. 7 – O facto de o CAE desenvolvida pela Recorrida, (86906 – outras atividades de saúde humana e 87301 atividades de apoio social para idosos, com alojamento) ser diferente do CAE da Hotelaria e Restauração não é aqui relevante. 8 – Os CAE’S não são critério definidor para a aplicação dos CCT. 9 – Um CCT pode abranger atividades económicas com diferentes CAES. 10 – O que releva é que as atividades económicas sejam idênticas ou se apresentam numa relação de semelhança face às atividades económicas objeto de aplicação do CCT., o que sucede no caso em apreço. 11 – O CCT em causa, prevê a sua aplicação às casas de hóspedes e Lares no grupo C da Alínea A) do Anexo I do CCT, referindo na Alínea B) a denominação de Lares sem fins Lucrativos. 12 - Sendo que, esta previsão, e a natureza do estabelecimento em causa encontra-se numa relação de similitude com alguns dos demais estabelecimentos previstos, tais como, Estalagens, Albergarias, Pousadas, estabelecimentos de turismo sénior, estabelecimentos de alojamento local e outros estabelecimento de dormidas, ressaltando daqui, o alojamento como denominador comum a todos eles. 13 – Encontra-se igualmente prevista no CCT a categoria profissional de cozinheira e que se reconduz às funções efetivamente exercidas pela aqui Recorrente, e descritas para a categoria de cozinheira, prevista no Regulamento interno da Recorrida. 14 – O Regulamento Interno da Recorrida, estabelece precisamente, a existência de três categorias profissionais, o que indicia a sua essencialidade para o desenvolvimento da sua atividade, designadamente, auxiliares de acção direta (equivalente à categoria de ajudante de lar), cozinheiras e serviços gerais – limpeza e higiene. 15 – Trata-se de categorias profissionais previstas no CCT cuja aplicação se reclama. 16 – Existem na verdade, lares para idosos que oferecendo alojamento de “luxo” adotam a designação de “Lar Hotel”, como é o caso do Lar Hotel E…, Lar Hotel F… e G…, Residências e Serviços. 17 - O que demonstra a similitude existente entre a atividade desenvolvida pelos lares e outros estabelecimentos previstos no CCT, como sejam hotéis, pousadas, albergues, estabelecimentos de dormidas e pensões. 18 – Tendo já sido suscitada a abrangência dos lares para efeitos de aplicação do CCT, foi deliberado por unanimidade, em sede de Comissão Paritária que o CCT aplicava-se a todos aos lares com fins lucrativos, ficando apenas excluídos os lares explorados diretamente pelas instituições particulares de solidariedade social ou pelas misericórdias. (publicada no BTE, 1.ª série, n.º 29, de 8/Agosto/88 e BTE, 1.ª série, n.º 18, de 15/Mai/01). 19 – De acordo com o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do Processo n.º 528-1.ª., foi expresso o entendimento da aplicabilidade do CCT a todos os lares que tenham fins lucrativos. 20 – Sendo que, as características específicas da atividade económica desenvolvida pelos lares com fins lucrativos, não inviabilizam a aplicação do CCT em apreço. 21 - A A. e aqui Recorrente é filiada no Sindicato dos Trabalhadores da Industria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte, subscritor da FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal que celebrou o CCT com a APHORT (anteriormente UNIHSNOR). 22 – Não obstante a R. e aqui Recorrida não ser filiada na APHORT (anteriormente UNIHSNOR), o CCT é aplicado por via da publicação de Portarias de Extensão (BTE n.º 10 de 15/03/2007, BTE n.º 7 de 22/02/2008, BTE n.º 47 de 22/12/2008, BTE n.º 1 de 08/01/2010 e BTE n.º 38 de 15/10/2010). 23 - As referidas Portarias estenderam a aplicação do CCT às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgantes, que exerçam a atividade económica abrangida pelas convenções e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nelas previstas. 24 - No caso em apreço, encontram-se verificados os requisitos para a aplicação do CCT por via das Portarias de Extensão. 25 – As Portarias de Extensão visam uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo sector. 26 – O facto de A Recorrida ser filiada numa outra Associação de empregadores (A.L.I que não é aliás subscritora de nenhum CCT) e não ser filiada na APHORT que celebrou o CCT em apreço, não representa obstáculo para a aplicação do referido CCT às suas relações laborais por via das Portarias de extensão. 27 – Estão por isso verificados os pressupostos para a aplicação dos referidos CCT’s à Recorrente, por via das Portarias de Extensão. 28 – A recorrente tem por isso, direito às diferenças salariais e diuturnidades decorrentes do reconhecimento da categoria profissional de cozinheira, prevista nos sucessivos IRCT’s. 30 – Na mudança do 2.º para o 1.º turno, a A. presta mais de 6 dias de trabalho consecutivos, o que constitui violação do art.º 221.º, n.º 5. 31 – Isto porque, nos termos daquele art.º, em cada período de 7 dias, os trabalhadores devem gozar um dia de descanso, sendo certo, que o art.º não refere que são 7 dias de calendário ao contrário do que previa Dec. Lei n.º 409/71 de 27/09, no seu n.º 5, introduzido pelo DL n.º 398/91, de 16/10. 32 - Com o CT de 2003 foi introduzida a expressão “um dia de descanso em cada período de 7 dias”, no seguimento da transposição da Diretiva Comunitária n.º 2003/88. 33 – Esta alteração, veio clarificar o regime aplicável do dia de descanso semanal no trabalho por turnos rotativos. 34 - Porquanto, a obrigatoriedade de um dia de descanso em cada semana de calendário é diferente da obrigatoriedade de um dia de descanso por cada período de 7 dias, na medida em que aponta para uma limitação de dias consecutivos de trabalho, ou seja 6. 35 - Assim, o período de referência para o dia de descanso semanal é o intervalo de 7 dias, e não o de 7 dias de calendário, como já foi efetivamente entendido antes da entrada em vigor do CT 2003. 36 – A A. na mudança do 2.º para o 1.º turno, prestou trabalho no 7.º dia consecutivo, para além dos 6 dias consecutivos, pelo que, deverá o mesmo ser considerado trabalho suplementar, porque prestado em dia de descanso. 37 – Ainda que assim não se entendesse, haveria sempre prestação de trabalho suplementar – segunda-feira – quando a A. muda de turno (do 2.º para o 1.º) sem dia de descanso semanal, o que viola o n.º 4 do art.º 221.º do CT. 38 - A Douta Sentença recorrida errou na interpretação e aplicação do direito violando as normas do CCT previstas no grupo C da Alínea A) do Anexo I do CCT, e Alínea B), e art.ºs 514 .º 221, n.º 4 e 5 do CT. 39 – A A. tem assim direito ao pagamento das diferenças salariais por aplicação do estatuto remuneratório previsto no CCT para a categoria profissional de cozinheira, bem como ao reconhecimento da categoria profissional de cozinheira de 2.ª e respetiva retribuição, e ao pagamento do trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, num total de € 16572,3. ◊◊◊ 6. A Ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, assim concluindo:1. Foi a R. notificada do recurso interposto pela A., que tem como objeto a decisão proferida a fls. dos autos, que concluiu não ser aplicável à relação de trabalho entre A. e R. a CCT invocada, bem como julgou improcedente a pretensão da A. quanto à prestação de trabalho suplementar, absolvendo a R. desses pedidos. 2. Bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu. 3. Como refere, e bem, a douta sentença, no artigo 496.º do Código do trabalho (doravante designado por CT) está consagrado o princípio da dupla filiação, segundo o qual a convenção coletiva obriga o empregador que a subscreva ou integre a associação de empregadores outorgante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam filiados em associação sindical celebrante. 4. A convenção celebrada por união, federação ou confederação obriga os empregadores e os trabalhadores filiados, respetivamente em associações de empregadores ou sindicatos representados por aquela organização quando celebre em nome próprio. 5. A CCT invocada pela Recorrente como aplicável à relação laboral estabelecida entre Recorrente e Recorrida foi celebrada entre UNIHSNOR Portugal — União de empresas de Hotelaria, de Restauração e de Turismo de Portugal, atualmente designada APHORT — Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo de Portugal e a FESAHT — Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, outorgando esta em representação, entre outros, do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte, conforme declaração constante do CCT publicado no BTE n.º 23, de 22.06.2006 e revisões e atualizações no BTE n.º 28, de 29.07.2007, no BTE n.º 26, de 15.07.2008, no BTE n.º 20, de 29.05.2009, no BTE n.º 17, de 08.05.2010 e no BTE n.º 31, de 22.08.2011. 6. A Recorrente é filiada no referido sindicato, sendo a Recorrida associada da ALI — Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de Idosos, pelo que não se verifica a filiação por parte da Recorrida na Associação de Empregadores subscritora daquele CCT, não sendo, por isso, aplicável ao caso dos autos a invocada CCT. 7. A não ser que exista uma portaria de extensão que, nos termos do artigo 514.º do CT, determine a aplicação da referida CCT a empregadores não filiados na associação de empregadores outorgantes — APHORT. 8. No caso em apreço existem duas portarias de extensão publicadas — BTE n.º 47, de 22.12.2008 e BTE n.º 38, de 15.10.2010. 9. Contudo, tais portarias de extensão não são de aplicar à relação laboral entre Recorrente e Recorrida. Vejamos: 10. Em primeiro lugar, a Recorrida não exerce atividade económica abrangida pela dita CCT. 11. A atividade económica abrangida pela CCT supra referida é a da hotelaria, restauração e turismo, atividade económica essa iniciada com o CAE 551. 12. As atividades económicas desenvolvidas pela Recorrida são as de “Outras atividades de saúde humana” (CAE 86906) e “Atividades de apoio social para pessoas idosas, com alojamento” (CAE 87301), não podendo ser equiparadas à “hotelaria, restauração e turismo”. 13. Conforme refere a douta sentença “Trata-se afinal de uma atividade de apoio social, substituta das estruturas familiares dos idosos, que ainda que inclua o fornecimento de alimentação e alojamento, não se esgota nele, não podendo o mesmo ser considerado como elemento determinante da qualificação da atividade económica desenvolvida.” 14. Os lares de idosos encontram o seu regime legal plasmado no DL 64/2007, de 14 de março, sendo que, nos termos deste diploma legal, nos estabelecimentos de apoio social são exercidas atividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a crianças, jovens, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como podem ser destinados à prevenção e reparação das situações de carência, de disfunção e de marginalização social (artigo 1.º). 15. Considerando que a Recorrida explora um estabelecimento social, no âmbito do qual são prestados os serviços de apoio às pessoas e às famílias, independentemente de estes serem prestados em equipamentos ou a partir de estruturas prestadoras de serviços, que prossigam objetivos do sistema de ação social (a prevenção e reparação de situações de carência e desigualdade socioeconómica, de dependência e de disfunção, exclusão ou vulnerabilidade sociais, a integração e promoção comunitárias das pessoas e o desenvolvimento das respetivas capacidades e a especial proteção aos grupos mais vulneráveis, nomeadamente crianças, jovens, pessoas com deficiência e idosos - artigo 3.º do mesmo diploma), dúvidas não podem restar que estamos perante uma atividade que nada tem que ver com a restauração, hotelaria e turismo, não estando a atividade económica desenvolvida pela Recorrida inserida nesta área. 16. Mais, a aplicar-se a referida CCT, estar-se-ia a violar a legislação imposta pela Segurança Social, que prevê, nomeadamente, entre os vários aspetos de regulamentação de atividade aí consagrados, categorias profissionais radicalmente diferentes das previstas na CCT em causa. 17. Nesta senda (de que não é de aplicar, direta ou indiretamente, qualquer CCT à Recorrida), foi emitido um parecer pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social – Direção- Geral do Emprego e das Relações de Trabalho – Direção de Serviços da Regulamentação Coletiva e Organizações do Trabalho, no qual é consignado constituir entendimento destes serviços que as Convenções em apreço (os contratos coletivos de trabalho celebrados pela APHORT e pela HRCENTRO) não são aplicáveis, nem diretamente, nem por força das respetivas portarias de extensão, aos lares de idosos, dado que estes estabelecimentos se enquadram numa atividade económica não abrangida pelas associações de empregadores outorgantes — Doc. 2 junto com a Contestação. 18. Querer aplicar o regime da hotelaria, restauração e turismo à atividade desenvolvida pela Recorrida demonstra um absoluto desconhecimento da realidade (o que não seria expectável por parte da Recorrente). 19. Na verdade, a componente relativa à saúde e ao apoio social tem um peso muito superior em toda a estrutura humana, económica, logística e de organização da Recorrida do que a componente relativa ao alojamento e/ou preparação de refeições de per si. 20. Não se pode estar de acordo com a similitude que a A., aqui Recorrente, quer fazer crer existir entre a atividade desenvolvida pela Recorrida e a atividade desenvolvida pelo “Lar Hotel E…”, Hotel Lar F…” e “G…, Residências e Serviços”, não podendo a Recorrida deixar de fazer uma breve alusão. 21. Da simples consulta na internet dos sites de cada uma das referidas empresas, ressalta a total disparidade no que toca às atividades por si desenvolvidas, ou melhor, quanto ao escopo que visam atingir. 22. No que respeita ao “Lar Hotel E…” é mencionado “O Lar Hotel E… está vocacionado para receber hóspedes com idade superior a 65 anos, em regime de permanência, proporcionando-lhes a desejada qualidade de vida, em total conforto e segurança. (...) Acrescenta aos equipamentos e serviços de uma unidade hoteleira de luxo as particularidades de uma infraestrutura e de uma equipa profissional pensadas para responder a todas as necessidades de quem quer viver sem preocupações.” 23. Já o “Hotel Lar F…” refere ser “um espaço de elevada qualidade para pessoas com mais de 65 anos. Oferece todo o conforto, privacidade e segurança desejados na maioridade da vida e garante, a quem o habita, convívio e apoio geral especializado. Possui um conjunto de profissionais especializados para lhe garantir um acompanhamento e vigilância permanentes. Tanto no seu espaço privado como nos espaços de convívio, tanto na saúde como na doença, usufrui de todo o apoio e de toda a assistência necessária.” 24. A “G…, Residências e Serviços” centra a sua atividade “no desenvolvimento de soluções residências e domiciliárias para a terceira idade.” Tem como missão “Oferecer soluções residenciais e domiciliarias inovadoras e de qualidade, que sejam distintivas para o mercado da terceira idade, prestando assim o serviço de forma eficiente, promovendo a autonomia, a dignidade e a qualidade de vida do cliente, potenciando a valorização do capital e a criação de valor.”. 25. Resulta claro, o único denominador comum entre a Recorrida e estas instituições é o público alvo: a terceira idade. No demais, a Recorrida afasta-se, e muito, daquelas. 26. Desde logo, apesar daquelas se dirigirem à terceira idade e de prestarem algum apoio social e humano, este assume sempre um carácter acessório, o principal serviço prestado é o alojamento, é este o escopo último daquelas três instituições. 27. Ora, isto em nada tem a ver com o escopo que a Recorrida visa alcançar. 28. Na verdade, a Recorrida no seu Regulamento Interno descreve a “D…” como “um projeto claro e ambicioso, assente em pressupostos fundamentais à problemática gerontológica, no respeito pela legislação em vigor e, ao mesmo tempo, empenhado na humanização da prestação de serviços, com eficácia e qualidade.” 29. Daqui resulta que a atividade principal da Recorrida é a prestação de serviços gerontológicos. 30. Aliás, outro ponto que distingue a Recorrida dos outros espaços mencionados pela Recorrente, é precisamente o facto de, ao contrário destas, a Recorrida estar vinculada pela legislação imposta pela Segurança Social, designadamente o DL 64/2007, de 14 Março, como supra se expôs. 31. Portanto, não restam dúvidas que não há qualquer relação de semelhança e similitude entre a atividade económica objeto de aplicação da CCT e a atividade desenvolvida pela Recorrida, daí não estarem reunidos os pressupostos legais para que se aplique ao caso dos autos a aludida CCT. 32. E ainda, não se poderá deixa de referir que a Jurisprudência mencionada pela Recorrente nas alegações é inócua para o caso dos presentes autos, uma vez que se trata de um acórdão anterior à portaria de extensão, não sendo, por isso, de se aplicar. 33. Em segundo e último lugar, a Recorrida é filiada na ALI e como bem refere a douta sentença “admitir-se a aplicação da CCT invocada por via da portaria de extensão equivaleria a pôr em causa a autonomia contratual e a limitar a liberdade negocial de tal associação, que terá os seus motivos para não ter negociado e celebrado a dita convenção.” 34. As portarias de extensão são de aplicar, apenas e só, a quem não se encontre filiado ou sindicalizado, sob pena de, mediante portaria de extensão, o Governo pressionar os sindicatos e associações, a seguirem determinada CCT que não quiseram celebrar ou aderir. Veja-se neste sentido, Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 4ª edição. 35. Este entendimento (de que não é de aplicar, direta ou indiretamente, qualquer CCT à Recorrida), foi também perfilhado pelo Tribunal noutras decisões proferidas nos processos: 5825/15.0T8MTS e 4990/15.0T8MTS a correr termos nesta instância e secção, respetivamente, J1 e J2. 36. No que concerne à alegada prestação de trabalho suplementar prestado em dia de descanso, o pedido da Recorrente tem por base, erradamente, o pressuposto de que é proibido trabalhar mais de seis dias consecutivos, devendo, por isso, ser considerado o trabalho prestado ao sétimo dia, como trabalho prestado em dia descanso, sendo, por isso, trabalho suplementar. 37. Com o devido respeito por opinião contrária, tal entendimento é desprovido de razão. 38. A Recorrente, efetivamente, pratica um horário por turnos rotativo: o primeiro turno é de segunda a sexta-feira das 08h às 14h e ao sábado das 08:30h às 13:30h e das 15:30 às 20:30h e folga ao domingo e o segundo turno é de segunda a sexta-feira das 14:30h às 20:30h, folga ao sábado e trabalha domingo das 08:30h às 13:30h e das 15:30h às 20:30h. 39. Entende a Recorrente que, na passagem do segundo turno para o primeiro, trabalha sete dias consecutivos, de domingo a sábado, sendo que este último devia ser o dia de descanso semanal. 40. Há, todavia, um erro manifesto da A. na contagem dos dias de trabalho. 41. Porquanto, nos termos do artigo 221.º n.º 5 do Código de Trabalho, os turnos no regime de laboração contínua, como é o caso da atividade da R., devem ser organizados por forma a que os trabalhadores gozem, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias. 42. Ora, os turnos estão definidos de segunda a domingo, sendo que em cada um destes períodos de referência (sete dias), a A. tem sempre assegurado um dia de folga — no primeiro turno, o dia domingo e no segundo turno, o dia de sábado. 43. É verdade que o período de referência para o descanso semanal é o período de sete dias e não os sete dias de calendário. 44. O facto dos turnos estarem definidos de segunda a domingo é meramente coincidente com a semana de calendário. E se estivessem definidos de terça a segunda? Já estávamos perante um período de referência de sete dias e não de semana de calendário? Se assim fosse, as entidades patronais não poderiam definir turnos de segunda a domingo ou, pelo menos por cautela, não o fariam. 45. Com o devido respeito, não faz qualquer sentido! 46. In casu, os turnos estão definidos por períodos de sete dias (segunda a domingo), que apenas coincidem com a semana de calendário. 47. A Recorrente quando refere que trabalha sete dias consecutivos, está a contabilizar, erradamente, para o efeito, o dia de domingo que pertence ao período de referência do segundo turno, juntando-o ao período de referência do turno seguinte. 48. Assim, conclui a sentença, e bem, “Tudo considerado, entendemos que, obrigatoriedade de conceder um dia de descanso em cada sete dias de trabalho, prevista pelos arts. 189º, nº5 do Código do Trabalho de 2003 e 221º, nº 5 do Código do Trabalho de 2009 não pode, ao contrário do que pretende a autora ser entendida como obrigatoriedade de conceder um dia de descanso após seis dias de trabalho consecutivo. O que a lei prevê é que os trabalhadores por turnos em regime de laboração contínua em que o dia de descanso não tem de coincidir com o domingo, gozem, apesar disso um dia de descanso que tem de ser gozado num de entre sete dias de trabalho, sem que a determinação do concreto dia de descanso esteja dependente de um limite de dias de trabalho consecutivo.” 49. Mas ainda que se entenda que, o CT ao alterar o período de referência para um intervalo de sete dias de trabalho para determinar a localização do dia de descanso semanal, traduz uma opção legislativa no sentido de limitação a seis dias o número consecutivo de dias de trabalho, incluindo para o trabalho por turnos rotativos, o período de sete dias tem sempre de ser individualmente considerado. Ou seja, é indispensável que o esquema seguido permita ao trabalhador, em cada período de sete dias, individualmente considerado, usufruir de um dia de descanso. 50. Conforme refere o Tribunal a quo, “a prestação de trabalho suplementar em dia de descanso deve ser aferida por referência ao horário efetivamente estipulado pela entidade empregadora, ainda que tal horário, na sua forma de organização, não cumpra o figurino legal.” 51. Dos factos dados como provados não resulta que a Recorrente tenha trabalhado em qualquer dia que do seu horário constasse como dia de descanso. 52. Afigura-se-nos, s.m.o., que o que a Recorrente pretendia era colocar em causa a legalidade do horário tal como está organizado pela Recorrida. 53. Contudo, em momento algum, no seu petitório, a Recorrente alegou tal ilegalidade. 54. Mas, ainda que o tivesse feito, “A eventual ilegalidade do horário tal como organizado pela ré, a existir, não geraria, pois, o direito a remuneração do trabalho prestado, como trabalho suplementar, mas tão só o direito da autora recusar o cumprimento do horário, com fundamento na sua ilegalidade (arts. 121º, nº 1, al. d) do CT de 2003 e 128º, nº 1, al. e) e nº2 do CT de 2009), o direito de exigir a alteração do horário e a sua conformação com a legalidade e, caso do cumprimento do horário lhe adviessem prejuízos, o direito de exigir a correspondente indemnização (art. 363º do CT de 2003 e art. 323º, n.º 1 do C de 2009)”. 55. Encontra-se, assim, respeitado o dia de folga em cada período de referência do regime de turnos, de acordo com o supra alegado. 56. Além disso, verifica-se também o cumprimento, por parte da Recorrida, no que respeita aos períodos normal de trabalho e ao descanso semanal. 57. Encontrando-se a sentença, neste particular, douta e amplamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, aderindo-se na integra ao teor da mesma. 58. Por tudo o que vem de ser dito, não assiste razão à Recorrente, devendo, por isso, ser negado provimento ao presente recurso e mantida a decisão proferida pela primeira instância. ◊◊◊ 7. A Exª. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta deu o seu parecer – fls. 196/197 - no sentido da procedência parcial do recurso.◊◊◊ 8. A ré respondeu a tal parecer.◊◊◊ 9. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. ◊◊◊ II - QUESTÕES A DECIDIR◊◊◊ Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões dos recorrentes (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que as questões a decidir são as seguintes: - Saber se às relações laborais se aplica a CCT publicada no BTE nº 23, de 22/07/2006 por via da publicação de Portarias de Extensão (BTE n.º 10 de 15/03/2007, BTE n.º 7 de 22/02/2008, BTE n.º 47 de 22/12/2008, BTE n.º 1 de 08/01/2010 e BTE n.º 38 de 15/10/2010). - Saber se a autora tem direito à remuneração do trabalho suplementar prestado em dia de descanso, uma vez que trabalha sete dias seguidos, de acordo com a organização dos turnos. ◊◊◊ III – FUNDAMENTOS◊◊◊ 1. FACTOS PROVADOS: 1.1. A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: 1) A A. é sócia do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte. 2) A A. foi admitida ao serviço da R. em 4 de Fevereiro de 2007, mediante celebração de contrato de trabalho a termo, pelo prazo de 6 meses, para trabalhar sob as suas ordens, direção e fiscalização na D…, sita na R. …, n.º …, …. 3) A A. foi admitida com a categoria profissional de Estagiária de Agente de Cozinheira. 4) A A. praticava um horário por turnos, definidos de segunda a domingo, em regime rotativo nos seguintes termos: 1º turno – das 8h00 às 14h00 de segunda a sexta feira das 8h30 às 13h30 e das 15h30 às 20h30 aos sábados folga ao domingo 2º turno – das 14h30 às 20h30m de segunda a sexta feira folga ao sábado das 8h30 às 13h30 e das 15h30 às 20h30 ao domingo 5) A autora esteve classificada como estagiária de cozinheira desde a data da admissão até Janeiro de 2010 e a partir daí em diante a autora está classificada como cozinheira de 3ª. 6) Durante a sua vida profissional, a R. pagou à A. a título de retribuição base mensal, as seguintes quantias: - € 403,00 – de Fev/2007 a Dez/2007; - € 426,00 - de Jan/2008 a Julho/2008; - € 450,00 - de Ago/2008 a Dez/2008; - € 465,00 – de Jan/2009 a Dez/2009; - € 507,00 – de Jan/2010 a Dez/2010; - € 520,00 – desde Jan/2011 em diante. 7) Durante a sua vida profissional a A. recebeu ainda mensalmente um acréscimo retributivo, designado como prémio de produtividade/produção e que, pelo menos desde Julho de 2011 ascendia a € 78,00. 8) Nos meses de Fevereiro a Julho de 2015 a ré não pagou à autora o referido prémio de produção. 9) A ré nunca pagou à autora qualquer retribuição a título de diuturnidades. 10) A autora prestou trabalho à ré nos dias e com a duração discriminados no quadro que integra o art. 44º da petição inicial que se dá, nessa parte, por reproduzido. 11) A ré dedica-se à prestação de serviços de geriatria, pela prestação de serviços a idosos, nomeadamente com as valências de internamento, apoio domiciliário, atividades a que correspondem os CAE 86906 (“outras atividades de saúde humana” – atividade principal) e 87301 (“atividades de apoio social para pessoas idosas, com alojamento” – atividade secundária). 12) À atividade económica de hotelaria, restauração e turismo corresponde o CAE 551. 13) Ao serviço da ré a A. desempenhava as seguintes funções: • Preparar e confecionar os alimentos e respetivas dietas clínicas • Colaborar na realização da ementa • Distribuir refeições no refeitório • Limpar e arrumar o sector (cozinha, refeitório e dispensas) • Dar parecer na aquisição de géneros e proceder à listagem semanal e mensal das compras • Deixar serviço orientado e programado para a sua colega • Colaborar/participar nas atividades da D… • Manter a higiene e segurança no trabalho • Articulação permanente à Diretora Técnica. 14) A ré é associada da ALI – Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de Idosos. 15) A ré trabalha em regime de laboração contínua. ◊◊◊ 2. DO OBJECTO DO RECURSO2.1. Saber se às relações laborais se aplica a CCT publicada no BTE nº 23, de 22/07/2006 por via da publicação de Portarias de Extensão (BTE n.º 10 de 15/03/2007, BTE n.º 7 de 22/02/2008, BTE n.º 47 de 22/12/2008, BTE n.º 1 de 08/01/2010 e BTE n.º 38 de 15/10/2010). Alega a autora que às relações laborais se aplica a CCT publicada no BTE nº 23, de 22/07/2006 por via da publicação de Portarias de Extensão (BTE n.º 10 de 15/03/2007, BTE n.º 7 de 22/02/2008, BTE n.º 47 de 22/12/2008, BTE n.º 1 de 08/01/2010 e BTE n.º 38 de 15/10/2010), já que a Recorrida é associada da Associação de Empregadores, A.L.I. Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de idosos., sendo o respetivo estabelecimento um lar com fins lucrativos, e por isso destinado à população idosa. Não obstante, defende, tratar-se de uma atividade económica com uma forte componente social e humana, e por isso com características próprias, atendendo ao tipo de utentes e aos cuidados exigidos, desde logo a nível médico e de enfermagem, tal não descaracteriza o núcleo do serviço prestado, que é o alojamento, sendo que todos os outros cuidados e serviços prestados, seja do ponto de vista da saúde, apoio social ou lúdico e recreativo, decorrem do pressuposto da prestação do serviço inicial: o alojamento. E, com base nesta aplicabilidade da CTT alega que tem direito às diferenças salariais e diuturnidades decorrentes do reconhecimento da categoria profissional de cozinheira, prevista nos sucessivos IRCT’s. Opinião diversa teve a decisão recorrida. Aqui se defendeu a não aplicabilidade da aludida CTT às relações laborais, com o seguinte fundamento, que aqui transcrevemos: “A CCT cuja aplicação à relação de trabalho dos autos a autora reclama foi celebrada entre UNIHSNOR Portugal – União das Empresas de Hotelaria, de Restauração e de Turismo de Portugal, atualmente designada APHORT – associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e a FESAHT – Feder. dos Sind. da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, outorgando esta em representação entre outros do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte, conforme declaração final constante da dita CCT, com publicação no BTE nº 23 de 22/06/2006 e revisões e atualizações no BTE, nº 28 de 29/07/2007, no BTE nº 26 de 15/07/2008, no BTE nº 20 de 29/05/2009, no BTE nº 17 de 08/05/2010 e no BTE nº 31 de 22/08/2011. Ora, da matéria de facto resulta que a autora é filiada neste sindicato, mas não resulta que a ré seja filiada na APHORT (ou antes dela na UNIHSNOR). Pelo contrário a ré é associada da ALI – Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de Idosos, pelo que, não se verificando o pressuposto da filiação simultânea do empregador e do trabalhador nos outorgantes da CCT, em princípio, ficaria excluída a aplicação desta à relação de trabalho dos autos. Tal só não sucederá se ao abrigo do disposto pelo art. 514º do Código do Trabalho, for estendido o âmbito de aplicação da CCT a empregadores não filiados na associação de empregadores outorgantes, no caso a APHORT. Na verdade, prevê aquela disposição legal que a convenção coletiva em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão, a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do setor de atividade e profissional definido naquele instrumento, mediante a ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere. No caso dos autos foram publicadas duas Portarias de Extensão. Uma no BTE nº 47 de 22/12/2008 e outra no BTE nº 38 de 15/10/2010, através das quais foi decidido estender as condições de trabalho constantes da supra identificada CCT, por um lado, às relações de trabalho entre empregadores não filiados na APHORT que exerçam a atividade económica abrangida pela convenção e os trabalhadores ao seu serviço, nos distritos de Aveiro, Braga, Bragança, Porto, Viana do castelo, Vila Real e Viseu (art. 1º, nº 1, al. a) da Portarias supra identificadas) e por outro, às relações de trabalho entre empregadores filiados na APHORT que exerçam a atividade económica referida e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções não representados pelas associações sindicais outorgantes, no território do continente (art. 1º, nº 1, al. b) das ditas Portarias). Apesar disso, afigura-se-nos que, no caso dos autos, a extensão operada não pode produzir efeitos relativamente à ré, por duas ordens de razões. Primeiro porque, não estando, é certo, a ré filiada na APHORT, a mesma não exerce a atividade económica abrangida pela dita convenção. A atividade económica abrangida define objetivamente o âmbito de aplicação da convenção e o caso da CCT APHORT/FESAHT ela reporta-se à restauração, hotelaria e turismo (CAE nº 551), só sendo aplicável às empresas e estabelecimentos denominados “lares de idosos”, considerando o disposto pela cláusula 2ª e pelo anexo II da CCT quanto ao âmbito subjetivo de aplicação, se e na medida em que a atividade económica principal exercida pelo seu titular, em nome individual ou coletivo, seja a restauração, hotelaria ou turismo. Ora, a ré dedica-se a atividades de saúde humana (CAE 86906) e a atividades de apoio social para pessoas idosas, com alojamento (CAE 87301), sendo o seu objeto social a prestação de serviços de geriatria pela prestação de serviços a idosos, nomeadamente com as valências de internamento e apoio domiciliário, o que não se confunde com a restauração, hotelaria ou turismo. Trata-se afinal de uma atividade de apoio social, substitutiva das estruturas familiares dos idosos, que ainda que inclua o fornecimento de alimentação e alojamento, não se esgota nele, não sendo podendo o mesmo ser considerado como o elemento determinante da qualificação da atividade económica desenvolvida. Segundo, porque apesar de a ré não estar filiada na APHORT, está filiada noutra associação de empregadores, a ALI e admitir-se a aplicação da CCT invocada por via da Portaria de Extensão equivaleria a pôr em causa a autonomia contratual e a limitar a liberdade negocial de tal associação, que terá os seus motivos para não ter negociado e celebrado a dita convenção ou para não lhe ter aderido depois de negociada e celebrada. Neste sentido se pronunciou, de resto Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4ª edição, pag. 1172 e 1173, onde além do mais se lê o seguinte: «… , a extensão só deverá valer relativamente a quem não esteja sindicalizado ou a quem não esteja filiado em nenhuma associação de empregadores, porque de outra forma, mediante regulamento de extensão, o Governo poderia pressionar os sindicatos e as associações de empregadores, que não queriam determinada convenção coletiva, a, indiretamente, aceitá-la». Assim, seja porque a ré não está filiada na APOHRT, seja porque a ré não exerce a atividade económica a que corresponde o âmbito objetivo de aplicação da CCT invocada, seja porque a ré se encontra filiada em associação de empregadores diversa da outorgante da dita CCT, importa concluir que não é aplicável à relação de trabalho dos autos a CCT invocada.” Estamos de acordo com a solução final encontrada, merecendo-nos tal questão as seguintes considerações: Como é sobejamente sabido a convenção coletiva de trabalho emerge dum acordo entre um empregador ou uma associação de empregadores e uma ou mais associações sindicais, em representação dos trabalhadores membros, com vista à regulação das situações juslaborais individuais e coletivas numa determinada profissão ou sector de atividade e numa certa área geográfica ou empresa[1]. A convenção coletiva baseia-se na Constituição da República Portuguesa, que concede às associações sindicais competência para exercerem tal direito coletivo – cfr. o art. 56º da Lei Fundamental. Além disso, constitui uma fonte de direito do trabalho - cfr. o art. 1º do Código do Trabalho. As normas das convenções coletivas condicionam diretamente o conteúdo dos contratos de trabalho por elas abrangidos na medida em que preenchem o que não foi previsto pelos respetivos sujeitos e em que se substituem às disposições contratuais individualmente clausuladas que forem menos favoráveis aos trabalhadores - cfr. o artigo 476.º do Código do Trabalho. De acordo com o disposto no artigo 496º, n.º 1 do CT de 2009 (artigo 552º do CT/ 2003), a convenção coletiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes. Decorre deste normativo o princípio da dupla filiação, nos termos do qual as cláusulas de uma convenção coletiva de trabalho só têm aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias. Assim, é necessário, por um lado, que o empregador seja membro da associação de empregadores outorgante ou tenha sido ele próprio outorgante e, por outro lado, que o trabalhador esteja filiado na associação sindical signatária. Como resulta ainda do disposto no artigo 492.º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho de 2009 (artigo 543º, alínea c) do CT/2003), além da exigência da “dupla filiação” (que justifica a obrigatoriedade de se fazer menção no texto da convenção da designação das entidades celebrantes), a definição pessoal dos destinatários da CCT infere-se, ainda, da menção obrigatória no instrumento de regulamentação coletiva do respetivo “âmbito do sector de atividade”, o que nos reconduz ao sector de atividade económica que a convenção pretende abranger. O Código do Trabalho de 2009 dispõe no nº 1 do artigo 514º (artigo 575º do CT/2003) “[a] convenção coletiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento”. Significa isto que, por via administrativa, pode ser expandida a aplicabilidade de determinada convenção coletiva de trabalho a trabalhadores e entidades empregadoras que não outorgantes da mesma, mas que se inserem no âmbito do mesmo sector de atividade ou profissional nela previstos. Em resumo, as convenções coletivas de trabalho obrigam os empregadores que as subscrevem e os inscritos nas associações signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes – artigo 496º do Código do Trabalho – e o âmbito da aplicação que é traçado no seu texto pode ser estendido, por portaria, a empregadores e trabalhadores “integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento” – artigo 514.º do mesmo Código. O ónus de alegação e prova da situação jurídica de filiado ou da verificação do condicionalismo que permite a afirmação da aplicabilidade de determinado instrumento de regulamentação coletiva está a cargo de quem invoca o direito, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil[2]. Ora, no caso em apreço, no que concerne ao âmbito pessoal da aplicação da convenção coletiva celebrada entre UNIHSNOR Portugal – União das Empresas de Hotelaria, de Restauração e de Turismo de Portugal, atualmente designada APHORT – associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e a FESAHT – Feder. dos Sind. da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, outorgando esta em representação entre outros do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte, conforme declaração final constante da dita CCT, com publicação no BTE nº 23 de 22/06/2006 e revisões e atualizações no BTE, nº 28 de 29/07/2007, no BTE nº 26 de 15/07/2008, no BTE nº 20 de 29/05/2009, no BTE nº 17 de 08/05/2010 e no BTE nº 31 de 22/08/2011 e que a autora diz aplicar-se às relações laborais estabelecidas entre esta e a ré, logo constatamos que a dupla filiação não se verifica. Se é verdade que a autora é filada no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte, já o mesmo não sucede com a ré, que não se encontra filada na APHORT (ou antes dela na UNIHSNOR). Pelo contrário a ré é associada da ALI – Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de Idosos. Todavia, pelas portarias de extensão publicadas no BTE nº 47 de 22/12/2008 e BTE nº 38 de 15/10/20, foi decidido estender as condições de trabalho constantes da supra identificada CCT, por um lado, às relações de trabalho entre empregadores não filiados na APHORT que exerçam a atividade económica abrangida pela convenção e os trabalhadores ao seu serviço, nos distritos de Aveiro, Braga, Bragança, Porto, Viana do castelo, Vila Real e Viseu (art. 1º, nº 1, al. a) da Portarias supra identificadas) e por outro, às relações de trabalho entre empregadores filiados na APHORT que exerçam a atividade económica referida e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções não representados pelas associações sindicais outorgantes, no território do continente (art. 1º, nº 1, al. b) das ditas Portarias). Daqui resulta que esta CTT tem aplicação no setor da atividade económica relacionada com a hotelaria, restauração e turismo. Atividade económica essa a que corresponde o CAE 551. Já a ré tem como objeto a prestação de serviços de geriatria, pela prestação de serviços a idosos, nomeadamente com as valências de internamento, apoio domiciliário, atividades a que correspondem os CAE 86906 (“outras atividades de saúde humana” – atividade principal) e 87301 (“atividades de apoio social para pessoas idosas, com alojamento” – atividade secundária). Como se salienta na sentença recorrida “Trata-se afinal de uma atividade de apoio social, substituta das estruturas familiares dos idosos, que ainda que inclua o fornecimento de alimentação e alojamento, não se esgota nele, não podendo o mesmo ser considerado como elemento determinante da qualificação da atividade económica desenvolvida.” A atividade desenvolvida pela ré está regulamentada pelo DL 64/2007, de 14 de Março de 2007, cujo define o regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social em que sejam exercidas atividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a crianças, jovens, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como os destinados à prevenção e reparação das situações de carência, de disfunção e de marginalização social. Ora, analisando as atividades económicas abrangidas pela CCT em causa - atividade económica relacionada com a hotelaria, restauração e turismo – e a atividade da ré/recorrida, acima transcrita, logo constatamos que não estão no mesmo âmbito económico, sendo que «na qualificação da atividade económica, para efeitos da aplicação de portaria de extensão, deverá atender-se ao objeto social da empresa, ou seja, o tipo de atividade que em termos estatutários lhe cabe exercer»[3]. E, como bem salienta a Exª Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, a recorrente alicerça a sua pretensão em matéria que não logrou provar, ao fazer constar nas suas conclusões (5ª e 6ª) que «[n]ão obstante, tratar-se de uma atividade económica com uma forte componente social e humana, e por isso com características próprias, atendendo ao tipo de utentes e aos cuidados exigidos, desde logo a nível médico e de enfermagem, tal não descaracteriza o núcleo do serviço prestado, que é o alojamento» e que « [t]odos os outros cuidados e serviços prestados, seja do ponto de vista da saúde, apoio social ou lúdico e recreativo, decorrem do pressuposto da prestação do serviço inicial: o alojamento». Assim sendo, sem mais delongas, confirma-se a sentença recorrida nesta parte, jugando-se o recurso improcedente. 2.2. Saber se a autora tem direito à remuneração do trabalho suplementar prestado em dia de descanso, uma vez que trabalha sete dias seguidos, de acordo com a organização dos turnos. Cumpre decidir a segunda das questões trazidas por este recurso. Alega a recorrente que na mudança do 2.º para o 1.º turno, a A. presta mais de 6 dias de trabalho consecutivos, o que constitui violação do art.º 221.º, n.º 5, pelo que tem direito à retribuição correspondente ao trabalho suplementar. Vejamos o que a sentença recorrida referiu sobre a questão: “A pretensão da autora parece radicar no pressuposto de que existe uma proibição de trabalhar mais de seis dias consecutivos para concluir que o trabalho prestado no sétimo dia que, na sua perspetiva, de acordo com aquele pressuposto, deveria ter sido fixado pela ré como dia de descanso, deve ser remunerado como trabalho suplementar. Salvo melhor opinião, a autora não tem razão. Na verdade, a prestação de trabalho suplementar em dia de descanso deve ser aferida por referência ao horário efetivamente estipulado pela entidade empregadora, ainda que tal horário, na sua forma de organização, não cumpra o figurino legal (a este propósito veja-se o Ac. da RP de 24/02/1997, publicado na CJ, Ao XXII, 1997, tomo I, pag. 279/280). Ora, de acordo com a matéria de facto que se considerou provada não se pode concluir que a autora tenha prestado trabalho em qualquer dia que do seu horário constasse como dia de descanso. Na verdade, ficou provado que o horário da autora estava organizado e era cumprido, por turnos, definidos de segunda a domingo, em regime rotativo nos seguintes termos: 1º turno – das 8h00 às 14h00 de segunda a sexta feira, das 8h30 às 13h30 e das 15h30 às 20h30 aos sábados e folga ao domingo; 2º turno – das 14h30 às 20h30m de segunda a sexta feira, folga ao sábado e das 8h30 às 13h30 e das 15h30 às 20h30 ao domingo, pelo que o trabalho prestado ao sábado em cumprimento do horário correspondente ao 1º turno não pode ser considerado trabalho em dia de descanso, mas trabalho em dia normal, já que o dia de descanso era o domingo. Por isso, nunca a autora prestou o trabalho suplementar que reclama. A eventual ilegalidade do horário tal como organizado pela ré, a existir, não geraria, pois, o direito a remuneração do trabalho prestado, como trabalho suplementar, mas tão só o direito de a autora recusar o cumprimento do horário, com fundamento na sua ilegalidade (arts. 121º, nº 1, al. d) e nº 2 do CT de 2003 e 128º, nº 1, al. e) e nº 2 do CT de 2009), o direito de exigir a alteração do horário e a sua conformação com a legalidade e, caso do cumprimento do horário lhe adviessem prejuízos, o direito de exigir a correspondente indemnização (art. 363º do CT de 2003 e art. 323º, nº 1 do CT de 2009). Nada disso corresponde à pretensão formulada pela autora nos presentes autos. Importa de todo o modo saber se a ré estava ou não obrigada a considerar aqueles sábados como dias como dias de descanso. O direito ao repouso e aos lazeres, o direito a um limite máximo da jornada de trabalho e o direito ao descanso semanal encontram-se consagrados pela Constituição da República Portuguesa, como direitos fundamentais de todos os trabalhadores (art. 59º, nº 1, al. d) da Constituição da República Portuguesa). Na verdade, é já longínqua e tem sido crescente a preocupação da salvaguarda do descanso semanal, seja enquanto meio de regeneração da capacidade de trabalho, seja enquanto meio de recuperação física e psíquica do trabalhador, seja como condição mínima de disponibilidade pessoal do trabalhador, de integração na vida familiar e de participação social e cultural. Assim, dispunha o art. 2º da Convenção da OIT nº 14, de 1921 relativa ao descanso semanal na indústria, aprovada para ratificação pelo Decreto 15 362 de 03/04/1928 que: “Todo o pessoal ocupado em qualquer estabelecimento industrial, público ou particular, e suas dependências, deverá, sob reserva das exceções adiante previstas, gozar, em cada período de sete dias, de um descanso de vinte e quatro horas consecutivas pelo menos”. Dispunha, por sua vez o art. 6º da Convenção da OIT nº 106, de 1957, relativa ao descanso semanal no comércio e nos escritórios, aprovada para ratificação pelo DL 43 005 de 03/03/1960 que: “1- Todas as pessoas às quais se aplica a presente Convenção terão direito, sob reserva das derrogações previstas nos artigos seguintes, a um período de descanso semanal de pelo menos 24 horas consecutivas em cada período de 7 dias; 2- O período de descanso semanal será, sempre que possível, concedido simultaneamente a todas as pessoas interessadas, do mesmo estabelecimento; 3 – O período de descanso semanal coincidirá, sempre que possível, com o dia da semana reconhecido como tal pela tradição e pelos usos do país ou da região; 4 – As tradições e os usos das minorias religiosas serão respeitados na medida do possível”. O art. 7º da mesma Convenção nº 106 dispunha ainda que “1 – No caso de a natureza do trabalho, a natureza dos serviços prestados pelo estabelecimento, a importância da população a servir ou o número de pessoas empregadas não permitirem a aplicação das disposições do art. 6º, poderão ser tomadas medidas, pela autoridade competente ou pelo organismo adequado em cada país, a fim de submeter, quanto possível, a regimes especiais de descanso semanal determinadas categorias de pessoas ou estabelecimentos compreendidos no âmbito de aplicação da presente Convenção, levando em conta a consideração de ordem social e económica pertinente; 2 – As pessoas às quais se aplicam estes regimes especiais terão direito, por cada período de sete dias, a um descanso com a duração total equivalente pelo menos ao período previsto no artigo 6º.(…)”. De salientar é o facto de já a Convenção da OIT nº 106 reconhecendo a existência de atividades e serviços que não permitiam o gozo de um descanso de 24h consecutivas em cada sete dias, prever neste nº 7 a possibilidade de serem criados regimes especiais, em que o descanso ainda que com a mesma duração, não fosse gozado em cada sete dias, mas por cada sete dias. Entre nós, a Lei do Contrato de Trabalho aprovada pelo Decreto-Lei nº 49 409 de 24/11/1969 (LCT), no seu art. 51º, nº 1 já previa que “O trabalhador tem direito a um dia de descanso por semana, que só excecionalmente e por motivos ponderosos pode deixar de ser o domingo”. A Diretiva 93/104/CE do conselho de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, no seu art. 5º veio dispor que: “Os estados-membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas às quais se adicionam as onze horas, de descanso diário previstas no artigo 3º. O período mínimo de descanso referido no primeiro parágrafo inclui, em princípio, o domingo. Caso condições objetivas, técnicas ou de organização do trabalho o justifiquem, pode ser adotado um período mínimo de descanso de vinte e quatro horas”. Assume esta Diretiva a mesma noção do art. 7º da Convenção nº 106 da OIT, ao consagrar a ideia de um descanso de 24h ininterruptas, por cada sete dias de trabalho e não em cada sete dias. Esta Diretiva foi transposta para o ordenamento nacional com a aprovação do Código do Trabalho pela Lei 99/2003 de 27/08, conforme resulta do seu art. 2º, al. f). As alterações sofridas por aquele diploma comunitário vieram a ser codificadas pela Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4/11/2003, tendo o artigo relativo ao descanso semanal (art. 5º) passado a ter a seguinte redação: “Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam as 11 horas, de descanso diário previstas no artigo 3º. Caso condições objetivas, técnicas ou de organização do trabalho o justifiquem, pode ser adotado um período mínimo de descanso de vinte e quatro horas”. Mantém, pois, a consagração da ideia de 24h de descanso ininterruptas, por cada sete dias de trabalho. O Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02 transpôs para o ordenamento jurídico interno esta última directiva (cfr. art. 2º, al. n) da citada lei 7/2009). É, pois, não só pacífica, como longínqua, a consagração, entre nós, do direito a um dia de descanso semanal obrigatório, em consonância com as convenções internacionais e com a legislação comunitária, relevando, no período a que se reportam os autos, os arts. 205º do C.T. de 2003 e 232º do C.T. de 2009. A autora trabalha por turnos e ré é uma empresa de laboração contínua, pelo que importa ter em consideração o regime estatuído para os turnos no regime de laboração contínua a que se referem os arts. 189º, nº 5 do C.T. de 2003 e o art. 221º, nº 5 do C.T. Segundo tais disposições, cuja redação é idêntica, os turnos no regime de laboração contínua e os dos trabalhadores que assegurem serviços que não possam ser interrompidos, devem ser organizados de modo que aos trabalhadores de cada turno seja concedido, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que o trabalhador tenha direito. Das mesmas não decorre, porém, a obrigatoriedade de a ré organizar os turnos de modo a que os seus trabalhadores só trabalhassem 6 dias consecutivos, descansando ao sétimo. Está, no essencial em causa, saber, se o descanso semanal dos trabalhadores por turnos em regime de laboração contínua pode ser gozado em qualquer momento, ou seja, em qualquer dos dias da semana de calendário (ciclo de sete dias contínuos), sem ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho, caso em que esse período poderia ser superior a seis dias de trabalho, ou se pelo contrário tem de ser gozado sempre após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, ao 7º dia. São conhecidas as posições sobre a questão defendidas pela Prof. Catarina Carvalho, no artigo denominado “A regulamentação nacional do tempo de trabalho e o direito comunitário: omissões e incompatibilidades”, publicado em Questões Laborais, 2006, nº 27, pag. 51 e 52 e pelo Prof. Prof. Liberal Fernandes, em “O Tempo de Trabalho, Coimbra Editora, 2012, pag. 200 a 203, no sentido de que o dia de descanso não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivas de trabalho. Mas tais posições não são, nem nunca foram unânimes ou sequer maioritárias. Na verdade, ainda que no âmbito de vigência do art. 51º, nº 2 da LCT segundo o qual “sendo o trabalho prestado no regime de turnos, estes devem ser organizados de modo que os trabalhadores de cada turno tenham, em sete dias, um dia de descanso” e do art. 27º, nº 5 do DL 409/71 de 27/09, segundo o qual “Os turnos no regime de laboração contínua e dos trabalhadores que assegurem serviços que não possam ser interrompidos, nomeadamente guardas, vigilantes e porteiros, devem ser organizados de modo que aos trabalhadores de cada turno seja concedido pelo menos um dia de descanso em cada semana de calendário, sem prejuízo do período excedente de descanso a que o trabalhador tenha direito”, defenderam os Professores Raúl Ventura e Monteiro Fernandes, em parecer publicado na CJ, ano X, 1985, Tomo 2, pags. 11 a 17, fazendo apelo, além do mais ao “facto de a lei reconhecer a especificidade das características do trabalho organizado por turnos e a necessidade de lhes atender mediante uma fórmula apropriada de efetivação do direito ao descanso semanal”, referindo que “A rotatividade dos turnos (…) implica a flutuação (embora segundo um esquema pré-determinado) do período de descanso semanal, pelo que respeita à sua localização no calendário” que “o princípio do descanso semanal não equivale a um (pretenso) princípio de descanso ao sétimo dia, ou ao fim de seis de trabalho”. Também o professor Antunes Varela, num parecer de 14/03/1984, junto ao processo nº 17/83, que correu termos na 1ª Secção do tribunal de Trabalho de Viana do castelo, citado por Abílio Neto em Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 16ª edição, Set./2000, pags. 294/295 se pronunciou sobre o assunto nos seguintes termos, que pela sua clarividência passamos a transcrever: “Mas há naturalmente que pensar nos casos excecionais das indústrias ou dos estabelecimentos de laboração contínua, que requerem a organização do trabalho por turnos e a rotação do regime dos dias de descanso, para que não suceda que uns descansem sempre e outros não descansem nunca ao domingo. (…) Este sistema de laboração permanente reclama a organização do trabalho por turnos, que não se compadece, naturalmente, sob pena de se agravarem perigosamente as condições económicas e financeiras de exploração das respetivas empresas, com a estrita observância das regras comuns da duração do trabalho e do descanso semanal (…). Assim se explica, aliás, a ressalva que quase todos os diplomas reguladores destas matérias estabelecem para o trabalho organizado por turnos. Não quer isto significar que a tais indústrias de laboração contínua hajam de ser inteiramente sacrificadas as legítimas prerrogativas do trabalhador, muito menos os direitos, as liberdades ou garantias fundamentais de todo o ser humano. Significa apenas que há que adaptar as regras formuladas para o comum das atividades profissionais às necessidades privativas dos tais estabelecimentos de laboração contínua, procurando fórmulas de conciliação capazes de satisfazer as exigências específicas do trabalho por turnos, sem ofenderem as conquistas essenciais dos trabalhadores na sociedade contemporânea. É neste quadro que se inscrevem medidas como a do voluntariado (do trabalhador) na inscrição do regime de turnos, da proibição da mudança de turno sem a aquiescência do trabalhador, da fixação de uma remuneração especial para o trabalho por turnos e, sobretudo, a da fiscalização da duração do trabalho e do descanso semanal por parte das entidades oficiais, mediante a sujeição dos mapas de trabalho de cada empresa à aprovação do respetivo Ministério. E é neste quadro que, em compensação, se tem inscrito também a possibilidade de deslocação do dia de folga para além do 7º dia, após seis ou mais dias consecutivos de trabalho (…)”. Ainda no mesmo sentido se pronunciava Bernardo Lobo Xavier, em Iniciação ao Direito do Trabalho, Verbo, Abril de 1999, pag. 254 ao afirmar que “O caso das empresas que não encerram nunca, como certas explorações fabris, põe o problema do descanso semanal em regime de turnos. A LCT (art. 51º, nº 2 e 3) exige que os trabalhadores de cada turno tenham em cada sete dias um de descanso, o qual deve coincidir periodicamente com o domingo. Entendemos (o problema é muito discutido) que se trata aqui de atribuir um dia de descanso em cada período de sete dias, coincida esse período ou não com a semana de calendário. Significa isto que poderão existir períodos de trabalho superiores a uma semana de calendário, aos quais se seguirão outros de menor duração, havendo acumulação de dois ou mais dias de folga.” Ora, ao contrário do afirmado por Liberal Fernandes e por Catarina Carvalho nos estudos supra citados, não se vislumbra que quer a alteração introduzida no art. 189º, nº 5 do C.T. de 2003 e mantida no art. 221º, nº 5 do C.T., substituindo afinal o supra transcrito art. 27º, nº 5 do DL 409/71 de 27/09, quer as Diretivas comunitárias supra referidas, tenham posto em causa o entendimento deste três últimos insignes professores, que de resto, se tornou maioritário na jurisprudência. Na verdade, o que é consagrado pelas ditas Diretivas, como prescrição mínima nem sequer é o direito a um dia de descanso em cada sete dias de trabalho, mas o direito a um dia de descanso por cada período de sete dias de trabalho (em consonância com o previsto pelo art. 7º da supra referida Convenção da OIT nº 106), o que não é exatamente a mesma coisa. No primeiro caso trata-se de um dia de descanso a gozar durante o período de sete dias de trabalho, e no segundo caso, trata-se de um dia de descanso após sete dias de trabalho. A legislação comunitária impõe, pois, aos Estados-Membros a tomada de medidas para que todos os trabalhadores gozem 24h consecutivas de descanso por referência a cada sete dias de trabalho Tal entendimento é clarificado pelo disposto pelo último parágrafo do art. 16º da Diretiva 2003/88/CE ao prever que “Se o período mínimo de descanso semanal de 24 horas exigido no art. 5º coincidir com o períodos de referência, não será tomado em consideração para o cálculo da média”, o que significa por um lado, que o período mínimo de descanso pode ou não ser gozado durante os sete dias de trabalho (o período de referência) e, por outro lado, que, sendo gozado durante os sete dias, não conta para o cálculo da média. Assim de nenhum preceito das Diretivas resulta a proibição de trabalhar mais de seis dias consecutivos, muito menos a imposição de que o dia de descanso seja gozado ou concedido ao 7º dia de trabalho. Pelo contrário as prescrições mínimas daquelas Diretivas, pelos motivos supra expostos vão exatamente no sentido propugnado pelo entendimento maioritário da jurisprudência e de Raul Ventura/Monteiro Fernandes, Antunes Varela e Bernardo Lobo Xavier nos termos supra mencionados, no âmbito do ordenamento jurídico português anterior ao Código de 2003. O Código de 2003 ao prever no art. 189º, nº 5 o direito dos trabalhadores por turnos em regime de laboração contínua a um dia de descanso em cada período de sete dias, do nosso ponto de vista, foi até mais longe que a imposição comunitária, consagrando não o dia de descanso por cada sete dias de trabalho, mas o dia de descanso em cada sete dias de trabalho e, se clarificou alguma coisa, foi que o período de referência deixou de ter de ser a semana de calendário como antes previsto pelo art. 27º, nº 5 do DL 409/71 de 27/09, passando a ser qualquer período de sete dias. Em bom rigor o Código de 2003 retomou a redação do art. 51º, nº 2 da LCT. Tudo considerado, entendemos que, obrigatoriedade de conceder um dia de descanso em cada sete dias de trabalho, prevista pelos arts. 189º, nº 5 do Código do Trabalho de 2003 e 221º, nº 5 do Código de Trabalho de 2009 não pode, ao contrário do que pretende a autora ser entendida como a obrigatoriedade de conceder um dia de descanso após seis dias de trabalho consecutivo. O que a lei prevê é que os trabalhadores por turnos em regime de laboração contínua, em que o dia de descanso não tem que coincidir com o domingo, gozem, apesar disso um dia de descanso que tem de ser gozado num de entre sete dias de trabalho, sem que a determinação do concreto dia de descanso esteja dependente de um limite de dias de trabalho consecutivo. Como se pode ler no Ac. RP de 07/01/1985, BTE, 2ª série, nº 7-8-9/87, pag. 1150 “Sendo a semana constituída por sete dias, haverá que nela, ou série de sete dias, inserir o dia de repouso. E dado que no trabalho por turnos o dia de descanso pode não coincidir com o domingo, esse dia de descanso tem que se inserir na apontada série de sete dias sem estrita obrigação da respetiva colocação, ou seja, sem interessar o número de dias consecutivos de trabalho que o deverão preceder ou quantos o deverão seguir.” Para cumprimento do disposto pelo citado regime legal, diga-se imperativo, indispensável é que o esquema seguido permita ao trabalhador, em cada período de sete dias, individualmente considerado, usufruir de um dia de descanso, independentemente do número de dias de trabalho consecutivos que precedem ou que se seguem ao período de descanso. Assim, não se pode ter por verificado o pressuposto em que assentava a pretensão da autora e com fundamento no qual formulava o pedido de condenação da ré a pagar-lhe como trabalho suplementar o prestado aos sábados já que do exposto decorre que inexiste qualquer proibição de trabalho consecutivo por mais de seis dias. Dito de outro modo, nada na lei obrigava a ré a organizar os turnos e a sua rotação de modo a que cada um dos seus trabalhadores folgasse ao sétimo dia. Por isso, resultando provado que os turnos eram organizados de segunda a domingo, sendo esse o período de referência e que em cada um dos turnos com a duração de sete dias a autora gozava um dia de descanso semanal que era ou o sábado ou o domingo em semanas alternadas, o trabalho que a autora prestou aos sábados não pode ser considerado trabalho prestado em dia que devia ser de descanso e como tal não pode ser considerado trabalho suplementar, improcedendo a pretensão da autora.». Salvo o devido respeito não comungamos do entendimento perfilhado na sentença recorrida. Na verdade, apesar de reconhecermos a sua elevada fundamentação, o nosso entendimento vai em sentido contrário ao preconizado. Isto porque, Em primeiro lugar não acompanhamos a sentença recorrida no entendimento de que o «conceito operatório de referência para a delimitação do trabalho suplementar é, pois, o conceito de horário de trabalho, e não o conceito de período normal de trabalho». E não acompanhamos porque, «apesar dos artigos 197º/1 do CT/2003 e 226º do CT/2009 determinarem que só é trabalho suplementar aquele que extravasa o horário de trabalho, o certo é que da reação desses artigos também resulta que a noção de período normal de trabalho não foi totalmente ignorada pelo legislador no âmbito e para efeitos do regime do trabalho suplementar, continuando a constituir um referencial para efeitos deste regime e sendo invocada, desde logo, para aferir de tal qualificação do trabalho nos casos em que vigore entre as partes do vínculo um regime de isenção de horário de trabalho (cfr. os números 2 dessas disposições), justificando-se, por isso, que o conceito de período normal de trabalho seja igualmente considerado naquelas situações em que o empregador determine um horário que exceda os limites máximos legais daquele período, qualificando-se como suplementar o trabalho que exceda tais limites. Como se escreveu no acórdão da Relação de Coimbra de 10/9/2015, proferido no processo 790/12.8TTLRA.C1, ao que se crê inédito, “Para determinar a dimensão temporal da prestação do trabalho do autor, nos autos fez-se referência como facto provado ao período normal de trabalho contratualmente acordado, embora não resulte dos factos provados qual era propriamente o horário de trabalho do autor. E assim sucedendo, em nosso entender, no caso presente, para o apuramento do trabalho suplementar não era necessário ter-se estabelecido qual o concreto horário de trabalho do autor. A previsão legal de acordo com a qual “trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho" tem em mente que mesmo nas situações em que o trabalhador não realize prestação de trabalho dentro do horário de trabalho, este deve servir de referência para que o trabalho prestado para além dele seja, em qualquer caso, considerado trabalho suplementar. Situação explicada pela circunstância do trabalhador se obrigar a disponibilizar o seu tempo em função de um horário previamente definido. O que não sucede, por exemplo, nas situações de isenção de horário de trabalho, nas quais o trabalho suplementar é aferido essencialmente pelo excesso de trabalho prestado relativamente ao tempo de trabalho que, apesar disso, tenha sido acordado (v. o art. 197.º do CT/2003). Todavia, o horário de trabalho delimita o período normal de trabalho diário e semanal, nos termos do n.º 2 do art. 159.º do CT/2003 (e antes o art. 11.º n.º 2 do DL n.º 409/71, de 27/9. E, sendo assim, provando-se – como se provou no caso – que as partes tinham acordado em que o autor trabalharia com o período normal de trabalho de 40 horas semanais, distribuídas por 5 dias por semana de calendário” e que “por determinação prévia das RR. e para cumprimento dos objetivos fixados ao A.. transmitida pelos diretos superiores hierárquicos do A. ou com o conhecimento e controlo destes, trabalhou para a R., em datas e horas não concretamente apuradas, para lá das horas semanais referidas” (factos 3. e 10.), cremos estar demonstrado que o autor trabalhou mais horas do que o período normal de trabalho e, sendo este período necessariamente delimitado pelo horário de trabalho, também demonstrado que essas horas excedentes foram prestadas necessariamente fora do horário normal de trabalho. Ou seja, sem indicação do concreto horário de trabalho, podemos concluir da matéria de facto estabelecida que as horas referenciadas na sentença como prestadas em excesso, relativamente ao período normal de trabalho, foram prestadas para além do horário de trabalho e constituem, assim trabalho suplementar. A descrição do concreto horário do autor não se tornava, afinal, necessária face ao que se disse acima, quanto à inevitabilidade da conclusão de que as horas prestadas a mais em relação ao período normal de trabalho excederam também o horário de trabalho. Por esse motivo, em nosso entender, não pode proceder a apelação nesta parte, estando demonstrada a prestação de trabalho suplementar embora em quantidade não apurada.”. Como assim, deve ser qualificado como suplementar todo o trabalho prestado por um trabalhador para lá dos limites máximos dos períodos normais de trabalho diário e semanal.»[4]. Assim, a solução à questão que agora apreciamos depende da resposta que dermos à seguinte interrogação: qual o período máximo de dias de trabalho consecutivos que o empregador pode impor ao trabalhador sem lhe proporcionar o descanso semanal a que este último tem direito? A Diretiva 93/104/CE do Conselho de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, dispunha no seu artigo 5º o seguinte: “Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas às quais se adicionam as onze horas, de descanso diário previstas no artigo 3º. O período mínimo de descanso referido no primeiro parágrafo inclui, em princípio, o domingo. Caso condições objetivas, técnicas ou de organização do trabalho o justifiquem, pode ser adotado um período mínimo de descanso de vinte e quatro horas.”. Esta Diretiva foi transposta para o ordenamento jurídico português com a aprovação do CT/2003 (art. 2º, alínea f, da Lei 99/2003, de 27/8). Nesse enquadramento, dispôs o artigo 205º/1 do CT/2003 que “O trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana.”, acrescentando o artigo 206º/1 que “Pode ser concedido, em todas ou em determinadas semanas do ano, meio dia ou um dia de descanso, além do dia de descanso semanal prescrito por lei.”, e o artigo 207º/1 que “Ao dia de descanso semanal obrigatório adiciona-se um período de onze horas, correspondente ao período mínimo de descanso diário estabelecido no artigo 176.º”. Por sua vez, a Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4/11/2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, prescreveu no seu artigo 5º o seguinte: “Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam as 11 horas, de descanso diário previstas no artigo 3º. Caso condições objetivas, técnicas ou de organização do trabalho o justifiquem, pode ser adotado um período mínimo de descanso de vinte e quatro horas.”. Esta Diretiva veio a ser transposta para o ordenamento jurídico nacional pelo CT/2009 (art. 2º, alínea n, da Lei 7/2009, de 12/02). Nesse enquadramento, prescreveu o artigo 232º/1 do CT/2009, que “O trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana.”, acrescentando o seu nº 3 que “Por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou contrato de trabalho, pode ser instituído um período de descanso semanal complementar, contínuo ou descontínuo, em todas ou algumas semanas do ano.”, o art. 233º/1 que “Devem ser gozados em continuidade o descanso semanal obrigatório e um período de onze horas correspondente ao descanso diário estabelecido no artigo 214º.”, e o seu nº 2 que “O período de onze horas referido no número anterior considera-se cumprido, no todo ou em parte, pelo descanso semanal complementar gozado em continuidade ao descanso semanal obrigatório.” Tudo está agora em saber se o descanso semanal dos trabalhadores por turnos em regime de laboração contínua pode ser gozado em qualquer momento, ou seja, em qualquer dos dias da semana de calendário (ciclo de sete dias contínuos), sem ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho, caso em que esse período poderia ser superior a seis dias de trabalho, ou se pelo contrário tem de ser gozado sempre após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, ao 7º dia. Ora, de acordo com o disposto no nº 5 do artigo 221º do CT, os turnos no regime de laboração contínua e os turnos de trabalhadores que assegurem serviços que não podem ser interrompidos, devem ser organizados de forma a que os trabalhadores de cada turno, gozem, no mínimo, de um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que tenham direito. Desta norma resulta que o dia de descanso do trabalhador por turnos tem de gozar em cada período de sete dias não tem de coincidir com a semana de calendário. E também resulta de forma clara do nº 4 do aludido normativo que, nas situações de turnos rotativos, o trabalhador só pode mudar de turno após o dia de descanso semanal. Descanso esse que pode ser o complementar ou o obrigatório (artigo 232º do CT). Como salienta Liberal Fernandes[5] “[c]om a nova redação do nº 4 [do artigo 221º] (« o trabalhador só pode mudar» em substituição de « o trabalhador só pode ser mudado»), o legislador pretendeu tornar inequívoco o caráter imperativo do regime prescrito e, desse modo, acentuar a indisponibilidade do regime. Tal como já decorrida do no art. 189º, nº 4 do CT de 2003 (cuja natureza imperativa era evidente, dado o tipo de interesses que visava tutelar), a mudança de turno, incluindo nos turnos de rotação rápida (de dois ou três dias), tem de ser precedida de um dia de descanso; as razões de ordem pública relacionadas com a tutela da saúde e segurança no trabalho não permitem que o trabalhador possa consentir na mudança de turno sem ter gozado um dia de descanso”. Por outro lado, como dia de descanso deverá entender-se um dia completo de calendário e não de um período de 24 horas, de forma a permitir que o trabalhador usufrua do período de descanso diário. Isto porque, «[c]om a modificação introduzida no art. 189.°, n.º 5, do CT de 2003 (norma que o atual art. 221.°, n.º 5, mantém) — tratou-se da substituição do segmento «um dia de descanso em cada semana de calendário», contido no art. 27.°, n.º 5, do DL n.º 409/71, de 27-9 pepa expressão «um dia de descanso em cada período de sete dias» (como estipula o art. 5.° da Diretiva n.º 2003/88 e, antes desta, a Diretiva n.° de 23-11, que aquela veio substituir) —, o legislador acabou por clarificar o regime aplicável à colocação do dia de descanso semanal no trabalho por turnos rotativos. De acordo com a posição doutrinal até então dominante, entendia-se que o descanso semanal podia ser gozado cm qualquer do «dias da semana de calendário (ciclo de sete dias contínuos), sem necessidade de se ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho entre dois descansos sucessivos, o que significava esse período de trabalho poderia ser superior a seis dias. Muito embora o conceito de semana de calendário inscrito naquele artigo do DL n.º 409/71 não tivesse um significado jurídico preciso — com efeito, tanto podia designar o período compreendido, por exemplo, entre as zero horas de domingo e as vinte e quatro horas do sábado seguinte, como abranger qualquer série de sete dias consecutivos, indiferentemente do dia do início da prestação de trabalho —, o certo é que, para os defensores daquela interpretação, a inclusão da expressão "semana de calendário" no art. 27.°, n.º 5, do DL n.º 409/71 (operada pelo DL n.º 398/91, de 16-10), significou a consagração do princípio segundo o qual, no regime de turnos, o dia de descanso obrigatório podia ser gozado após sete ou mais dias consecutivos de trabalho, desde que em cada semana de calendário o trabalhador beneficiasse de um dia de descanso, independentemente da respetiva localização nessa série; sobre esta interpretação, cf. Raul Ventura/Monteiro Fernandes, «Trabalho por turnos rotativos/descanso semanal», Coletânea de Jurisprudência, 1985, tomo II, p. 11; Bernardo Xavier, Descanso semanal em regime de turnos», Revista de Direito e de Estudos Sociais, n° 2, 1986, p. 272. Posição divergente era defendida por Jorge Leite, «Descanso semanal e trabalho em regime de turnos rotativos», Revista de Direito e Economia, nºs 10-11, 1987, p. 87; Liberal Fernandes, 1995, 88.”[6] Prosseguindo na análise a este regime jurídico LIBERAL FERNANDES[7] refere ainda que « [c]om a alteração operada pelo CT de 2003, o regime português passou a revelar-se conforme o direito internacional — designadamente, com as Convenções n° 14 e n° 106 da OIT, relativas ao descanso semanal, que consagram, ainda que sob reserva das derrogações nelas previstas, «o direito a um período de descanso semanal de pelo menos 24 horas consecutivas em cada período de sete dias» — e com o direito comunitário, em particular com o regime contido nos arts. 5.° e 17.°, n° 4, alínea a), da Diretiva n° 2003/88. Na verdade, o legislador comunitário pretendeu garantir a todos os trabalhadores dos Estados-membros um "limite máximo para o horário de trabalho semanal" (quinto considerando da Diretiva), cuja garantia reside não só na consagração de um período máximo de horas de trabalho por semana (art. 6.°, alínea b)) como ainda no estabelecimento de um número limite de dias consecutivos de trabalho. Aliás, a fim de assegurar a realização destes objetivos específicos, aquela Diretiva determina que «os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas às quais se adicionam as onze horas de descanso diário previstas no artigo 3.°» (art. 5.°). Acresce que as derrogações admitidas pela mesma Diretiva não afastam o princípio da limitação do número máximo de dias consecutivos de trabalho consagrado no seu art. 5.° É que, com ressalva das situações enumeradas no n° 1 do art. 17.° da Diretiva (cuja natureza limitada é evidente), as exceções aplicáveis ao regime de descanso semanal relativamente aos trabalhadores por turnos restringem-se aos casos em que o «trabalhador mude de equipa e não possa beneficiar de períodos de descanso diário e/ou semanal entre o fim da sua atividade numa equipa e o início da sua participação na seguinte» (art. 17.°, n.º 4, alínea a), da mesma Diretiva), deixando, por isso, incólumes as outras garantias. Por outro lado, o facto de a mudança de turno (e, portanto de equipa) dever ser precedida do gozo do dia de descanso (art. 221º, nº 4), significa igualmente que o legislador nacional não acolheu a derrogação admitida naquela norma da Diretiva n.º 2003/88. Por fim, o facto de o CT ter adotado como período de referência o intervalo de sete dias para determinar a localização do dia de descanso semanal (preterindo assim outro mais alargado, de duração não superior a catorze dias, tal como admite o art. 16.°, alínea a), da mesma Diretiva), traduz uma opção legislativa no sentido da limitação a seis o número consecutivo de dias de trabalho, incluindo para o trabalho por turnos rotativos; assim, Catarina Carvalho, 2006, 52. A alteração introduzida pelo CT de 2003 (e mantida no CT de 2009) colocou os trabalhadores com contrato de trabalho em situação de paridade com os trabalhadores do sector público dos serviços de funcionamento permanente, os quais não podem prestar mais de seis dias consecutivos, de trabalho; cf. o art. 150.°, n.º 5, do Regime anexo à L. n° 59/2008, de 11-9, para os trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, e o art. 20.°, nº 2, alínea b), do DL n° 259/98, de 18-8, que, na sequência do art. 25°, nº 2, da L. 64-A/2008, de 31-12, continuou a estabelecer as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário de trabalho dos trabalhadores da Administração Pública em regime de nomeação». Termina o aludido autor afirmando que «em face do texto do art. 221.°, n° 5, do CT de 2009, o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a atividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório. Aliás, aquela sequência de dias de trabalho apenas poderia ser prolongada sem o referido efeito se o período de referência para a determinação do descanso semanal fosse superior a sete dias, possibilidade que, apesar de admitida pelo direito comunitário a título excecional, o nosso legislador não acolheu». Concordando nós com esta abordagem jurídica a qual é a que se enquadra devidamente não só no espírito da legislação nacional, como na comunitária, atento o teor das diretivas acima aludidas, assumimos a posição de que face ao estatuído no artigo 221.°, n° 5, do CT de 2009, o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a atividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório. No caso em apreço, temos como assente que a Autora praticava um horário por turnos, definidos de segunda a domingo, em regime rotativo nos seguintes termos: 1º turno – das 8h00 às 14h00 de segunda a sexta feira das 8h30 às 13h30 e das 15h30 às 20h30 aos sábados folga ao domingo; 2º turno – das 14h30 às 20h30m de segunda a sexta feira folga ao sábado das 8h30 às 13h30 e das 15h30 às 20h30 ao domingo. Significa isto que, na passagem do 2.º turno para o 1.º turno, a Autora presta trabalho de domingo a sábado, ou seja 7 dias consecutivos. Assim sendo, pelas razões acima aludidas, não podendo a trabalhadora trabalhar mais de seis dias consecutivos sem descansar no sétimo, o trabalho prestado neste terá de ser considerado trabalho suplementar e, como tal, retribuído, porque prestado em dia de descanso. Por estas razões, nesta parte a sentença recorrida terá de ser revogada, condenando-se a ré a pagar à aqui recorrente a pagar o trabalho suplementar por esta prestado nos dias de descanso semanal, na passagem na passagem do 2.º turno para o 1.º turno. Montante esse a determinar em sede de liquidação. ◊◊◊ 3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA As custas da ação e do recurso ficam a cargo de ambas as partes de acordo com o decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à recorrente [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil]. ◊◊◊ IV - DECISÃO◊◊◊ Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora B…, e, em consequência: a) – Revogar a sentença na parte em que absolveu a Ré C…, Lda. do pedido relacionado com o pagamento do trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, condenando a aludida ré a pagar à autora a retribuição correspondente ao trabalho suplementar por esta prestado em dia de descanso na passagem do 2.º turno para o 1.º turno, a determinar em sede de liquidação, acrescida dos respetivos juros de mora. b) – Manter no restante a sentença recorrida. c) – Condenar ambas as partes no pagamento das custas da ação e recurso de acordo com o decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à recorrente [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil]. ◊◊◊ Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.◊◊◊ (Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 131º nº 5 do Código de Processo Civil). Porto, 07 de Novembro de 2016 António José Ramos Jerónimo Freitas Nelson Fernandes _________ [1] MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, 2ª edição, Almedina, p. 241. [2] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.12.05, Revista n.º 2547/01 e de 2005.03.16, Recurso n.º 4125/04, ambos da 4.ª Secção. [3] Acórdão do STJ de 30/03/2006, Processo nº 05S2653, in www.dgsi.pt. [4] Acórdão desta Secção Social de 23/05/2016, Processo nº 1282/15.9T8MTS.P1, in www.dgsi.pt. [5]Francisco Liberal Fernandes, “O Tempo de Trabalho, Coimbra Editora, 2012, pg. 200. [6] Francisco Liberal Fernandes, “O Tempo de Trabalho, Coimbra Editora, 2012, pgs. 200/201. [7] Obra citada, pgs. 202/203. __________ SUMÁRIO – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC. I - As convenções coletivas de trabalho obrigam os empregadores que as subscrevem e os inscritos nas associações signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes – artigo 496º do Código do Trabalho – e o âmbito da aplicação que é traçado no seu texto pode ser estendido, por portaria, a empregadores e trabalhadores “integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento” – artigo 514.º do mesmo Código. II - Face ao estatuído no artigo 221.°, n° 5, do CT de 2009, o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a atividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório. António José Ramos |