Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0212158
Nº Convencional: JTRP00035831
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: ABANDONO DE TRABALHO
FALTAS POR DOENÇA
SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RP200302100212158
Data do Acordão: 02/10/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T TRAB MAIA
Processo no Tribunal Recorrido: 610/01
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: .
Decisão: .
Área Temática: .
Legislação Nacional: DL 398/83 DE 1983/11/02 ART2 N1 ART3 N1.
DL 64-A/89 DE 1989/02/27 ART40 N2.
CPT99 ART77 N1.
Sumário: I - Estando o trabalhador de baixa por doença, o contrato suspende-se decorrido que seja um mês.
II - A partir da suspensão, o trabalhador deixa de ser obrigado a comunicar o motivo das ausências.
III - As faltas dadas no decurso do período de suspensão do contrato não constituem presunção de abandono do trabalho.
IV - A prestação de serviços a terceiros, durante a suspensão do contrato, não permite concluir pela intenção de abandono do trabalho por parte do trabalhador.
V - As nulidades da sentença têm de ser arguidas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de não se conhecer do recurso nessa parte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação do Porto:

1. Américo ..... propôs a presente acção, no tribunal do trabalho da M....., contra T....., Ld.ª, pedindo: a) que a sua ausência ao serviço, por motivo de doença, no período de 3.4.2001 a 12.12.2001, fosse declarada justificada; b) que fosse declarada a nulidade do seu despedimento, por inexistência de justa causa e de abandono do trabalho; c) que fosse declarado que faz parte dos quadros de pessoal da ré, d) que, uma vez terminada a sua situação da baixa, a ré fosse condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria, antiguidade e retribuição, salvo se ele vier a optar pela indemnização de antiguidade.

Alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré em 14 de Março de 2000, para exercer as funções de Chefe de Oficina de reparações de material rodoviário pesado, auferindo actualmente a quantia de 164.000$00 por mês, acrescida de 17.000$00 de prémio de assiduidade e 19.000$00 de subsídio de alimentação; que em 3.4.2001 entrou de baixa médica e que nessa situação se tem mantido ininterruptamente até à presente data; que quando entrou de baixa comunicou tal facto à ré, o mesmo tendo acontecido com as sucessivas prorrogações da mesma; que, através de carta datada de 5.9.2001 e com carimbo do correio de 7.9.2001, a ré comunicou-lhe que o seu contrato de trabalho havia cessado por abandono, por não ter comunicado o motivo da sua ausência a partir de 14.7.2001 e por ter sido visto a trabalhar noutra oficina.

A ré contestou, alegando que a última situação de baixa comunicada pelo autor, antes da carta da rescisão por abandono, foi a correspondente ao período de 14 de Junho a 13 de Julho de 2001 e que durante aquele período ele foi visto a trabalhar noutra oficina.

Em articulado superveniente, o autor veio alterar o pedido formulado nas alíneas a) e d) do pedido inicial, alegando que teve alta médica em 7.1.2002 e que no dia seguinte, pelas 8h30, apresentou-se no seu local de trabalho, acompanhado de duas testemunhas, tendo então sido informado pelo gerente Nuno ..... que estava proibido de retomar o trabalho. Pediu, então, em síntese, que fosse declarada a ilicitude do seu despedimento e que a ré fosse condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e a pagar-lhe as retribuições que se vencerem desde 8.1.2002 até à data da sentença, 200.000$00 das férias vencidas em 1.1.2001, igual quantia de subsídio das referidas férias e ainda juros de mora desde a citação.
Mais pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a sanção compulsória de 5.000$00 por cada dia de atraso na reintegração e no pagamento das quantias que vier a ser condenada.

A ré não respondeu ao articulado superveniente.

Notificado para optar, querendo, pela indemnização de antiguidade, o autor veio dizer que optava pela referida indemnização (fls. 94).

No despacho saneador, o Mmo Juiz conheceu do mérito da causa, tendo condenado a ré a pagar ao autor a importância de 11.987,20 euros, sendo 3.558,09 retribuições vencidas até à data da sentença, 1.805,65 de retribuição e subsídio das férias vencidas em 1.1.2002, 1.715,37 de proporcionais e 4.908,17 de indemnização de antiguidade.
Inconformada com a decisão, a ré interpôs recurso, por entender que a fazer-se a prova do alegado na contestação (não comunicação do motivo da ausência a partir de 13.7.2001 e a prestação de serviço noutra oficina) estariam reunidos os pressupostos do abandono do trabalho.

O autor também recorreu, subordinadamente, pedindo que a ré fosse condenada a pagar juros de mora e a sanção pecuniária compulsória.

Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso da ré e, relativamente ao recurso interposto pelo autor, limitou-se a dizer que não podia nem devia contestar a posição assumida pelo seu mandatário.
As partes não usaram do direito de resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
a) O autor foi admitido ao serviço da ré em 14.3.2000.
b) Exercia as funções de chefe de oficina de reparação de material rodoviário pesado.
c) Funções que sempre exerceu na sede da ré, a qual tem por objecto o comércio, importação e exportação, fabrico e transformação de veículos e equipamentos, acessórios e peças, componentes mecânicos, básculas, reboques e semi-reboques, equipamentos de vanguarda, prestação de serviços de manutenção, reparação e serviços conexos.
d) Auferia mensalmente 164.000$00, a que acrescia o prémio mensal de assiduidade de 17.000$00 e um subsídio fixo mensal de alimentação de 19.000$00.
e) O autor encontra-se de baixa médica desde a data de 3.4.2001 até à data da propositura da acção e posteriormente, sucessivamente prorrogada em 15 de Abril, 15 de Maio, 14 de Junho, 14 de Julho e 13 de Agosto de 2001, tendo-lhe sido dada alta médica em 7.1.2002.
f) O autor comunicou à ré a baixa médica até, pelo menos, à situação correspondente ao período compreendido entre 14 de Junho a 13 de Julho de 2001.
g) Com data de 5.9.2001 e com carimbo do correio de 7.9.2001, a ré dirigiu ao autor uma carta do seguinte teor:
“Desde 14/7/2001 que V. Exa. não comparece no seu local de trabalho nesta empresa.
A referida ausência, que dura há mais de 30 dias, foi acompanhada do absoluto silêncio de V. Exa., que jamais comunicou o motivo da mesma, bem como de factos que revelam, com toda a probabilidade, a sua intenção de não retomar o trabalho, pois foi esta empresa informada por clientes que o viram a prestar serviço noutra oficina.
Por tudo o exposto serve a presente para informar V. Exa. Que cessou, por rescisão, o contrato de trabalho que o vinculava a esta sociedade, rescisão essa motivada pelo abandono do trabalho.”
h) À referida carta respondeu o autor, por carta de 12.9.2001, junta a fls. 25 e aqui dada como reproduzida.
i) Tal carta nenhuma resposta obteve da ré.
j) Com data de 26.9.2001, o autor dirigiu à ré a carta junta a fls. 35 e aqui dada como reproduzida.
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A matéria de facto não foi impugnada e não há razões para a alterar, por não enfermar dos vícios referidos no art. 712.º do CPC. Mantém-se, por isso, nos seus precisos termos.

3.1 Do recurso da ré
Como resulta da matéria de facto provada, a ré fez cessar o contrato de trabalho através da carta de fls. 23, datada de 5.9.2001. Fê-lo alegando que o autor tinha abandonado o trabalho, por ter deixado de comunicar o motivo da ausência ao serviço, a partir de 14.7.2001 e por ter sido visto por clientes a trabalhar noutra oficina.

O Mmo Juiz entendeu que os factos invocados pela ré não configuravam uma situação de abandono do trabalho, com o fundamento de que o contrato de trabalho estava suspenso desde 4.5.2001, não estando, por isso, o autor obrigado a comunicar a justificação das faltas a partir daquela data e com o fundamento de que a eventual prestação de serviço a terceiros configuraria uma violação do dever de lealdade, susceptível de constituir justa causa de despedimento, mediante a instauração do respectivo disciplinar.

A ré discorda, por entender que da não justificação das faltas e da prestação de trabalho noutra oficina não podia retirar-se outra conclusão que não fosse a do abandono do trabalho por parte do autor.

Salvo o devido respeito, a ré não tem razão. Vejamos porquê.
Nos termos do n.º 1 do art. 3.º do DL n.º 398/83, de 2/11, o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente por doença, determina a suspensão do contrato de trabalho. Por sua vez, nos termos do n.º 1 do art. 2.º do mesmo DL, durante a suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho.

Isso quer dizer que o trabalhador, durante a suspensão do contrato, não está obrigado a cumprir com os deveres referentes à obrigação da efectiva prestação de trabalho. A assiduidade é um desses deveres e a comunicação e justificação das faltas é outro. No caso em apreço, o autor entrou de baixa por doença em 3.4.2001 e nessa situação se manteve ininterruptamente até ao dia 7.1.2002. Por isso, o seu contrato de trabalho ficou suspenso em 4.5.2001. A partir daí não era obrigado a comunicar à ré as prorrogações da baixa. Apesar disso, fê-lo, pelo menos até 13.7.2001. Por isso, mesmo que se viesse a provar que deixou de o fazer a partir daquela data, tal facto não permitiria concluir pela presunção de abandono do trabalho prevista no n. 2 do art. 40.º da LCCT (regime jurídico aprovado pelo DL n.º 64-A/89, de 27/2), como tem sido pacificamente decidido pela jurisprudência (vide por todos o acórdão do STJ de 20.1.2000, in CJ, I, 257).

Relativamente à alegada prestação de serviços noutra oficina, trata-se de um facto irrelevante para a boa decisão da causa, uma vez que, estando o autor de baixa por doença, qualquer prestação de trabalho seria ilegal. Além disso, tal facto, no caso em apreço, nunca poderia caracterizar um comportamento que fizesse presumir a intenção de o autor abandonar o trabalho, exactamente por ele estar de baixa. Com efeito, não estando obrigado à prestação de trabalho, nunca poderíamos concluir pela intenção de abandono do trabalho. Ao contrário do que a ré defende, a conjugação daqueles dois factos (a ausência por doença e prestação de serviços noutra oficina) não permitiriam concluir que o autor tinha a intenção de não retomar o trabalho. Tal conclusão só seria eventualmente possível, se o autor não estivesse de baixa por doença.
Face ao exposto, improcede o recurso da ré.

3.2 Do recurso subordinado do autor
O recurso do autor tem por objecto os juros de mora e a sanção pecuniária compulsória. Como já foi referido, no articulado superveniente o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar juros de mora à taxa legal de 7% a partir da citação e na sanção pecuniária compulsória de 5.000$00 por cada dia de atraso na efectivação da reintegração ou por cada dia de atraso no pagamento do montante em que viesse a ser condenada. Todavia, a decisão recorrida é totalmente omissa a respeito daqueles pedidos. Certamente por lapso, o Mmo Juiz não se pronunciou sobre eles.

O autor pretende, agora, que a sentença seja revogada nessa parte, mas tal pretensão não pode proceder. Vejamos porquê.

Nos termos do n.º 2 do art. 660.º do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução da a outras. A violação de tal obrigação torna a sentença nula, nos termos do art. 668.º, n.º 1, al. c), do CPC.
No caso em apreço foi isso o que aconteceu. A sentença é nula, por não ter conhecido dos referidos pedidos. Todavia, para que se pudesse conhecer dessa nulidade era necessário que o autor a tivesse arguido expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, nos termos do n.º 1 do art. 77.º do CPT. Tal arguição não foi feita (nem no requerimento nem nas alegações), o que impede que conheça do recurso.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso da ré e não tomar conhecimento do recurso do autor.
Custas por ambas as partes, na proporção do vencido.

PORTO, 10 de Fevereiro de 2003

Manuel Joaquim Sousa Peixoto
João Cipriano Silva
Adriano Marinho Pires