Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
649/13.1GBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
TRABALHADOR
INDEMNIZAÇÃO
ESPERANÇA MÉDIA DE VIDA
Nº do Documento: RP20170222649/13.1GBVFR.P1
Data do Acordão: 02/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 709, FLS 145-176)
Área Temática: .
Sumário: I – O conceito de trabalhador previsto no artº 152º B, CP ultrapassa o conceito qualificativo de uma relação laboral típica, sendo suficiente que na ocasião a vitima esteja no cumprimento de ordens e desenvolvendo uma actividade no interesse exclusivo da pessoa ou entidade que está obrigado a observar a necessidade de implementar as regras de segurança necessárias para o cabal desempenho da tarefa em execução e por ele solicitada.
II – Na determinação do valor indemnizatório por danos patrimoniais, deve atender-se à “ esperança média de vida” e não “ termo da vida activa”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum colectivo 649/13.1 GBVFR da Comarca de Aveiro, Santa Maria da Feira, Instância Central, 2.a Secção Criminal – J1

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto – José Piedade

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Efectuado o julgamento foram condenados os arguidos,

parte criminal:
- B… e C…, pela prática, em autoria material, de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.°-B/1, 2, e 4, alínea b) C Penal, conjugado com os artigos 1.°, 44.°, 45.° e 54.° do Decreto 41825/58, de 11.08, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período, mediante regime de prova, que contemplará medidas de interiorização, pela mesma, da necessidade de adopção, no futuro, das regras de segurança que as obras a seu cargo imponham e,
- D…, Lda., pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelos artigos 11.°/2 alínea a) e 4, 152.°-B/1, 2, e 4 aIínea b) C Penal, conjugados com os artigos 1.°, 44.°, 45.° e 54.° do Decreto 41825/58, de 11.08, na pena de 420 dias de multa, à razão diária de € 100,00, perfazendo o montante global de € 42.000,00;

parte cível:
na parcial procedência do pedido de indemnização civil, a pagar solidariamente,

- a quantia de € 20.000,00 à demandante E…, acrescida dos respectivos juros de mora, calculados à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento, vencidos e vincendos desde a data desta decisão até integral pagamento;
- a quantia de € 20.000,00 ao demandante F…, acrescida dos respectivos juros de mora, calculados à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento, vencidos e vincendos desde a data desta decisão até integral pagamento;
- a quantia de € 74.755,20 à demandante G…, acrescida dos respectivos juros de mora, calculados à taxa legal dos juros civis em vigor em cada momento, vencidos e vincendos desde a data desta decisão até integral pagamento;
- absolvendo-os do demais peticionado.
I. 2. Inconformados com o assim decidido, recorrem, quer os arguidos, quer, subordinadamente, a demandante, sustentado aquilo que qualificam como conclusões, mas que, como tal não podem ser entendidas, no sentido comummente aceite de resumo das razões do pedido, pelo que aqui se não transcrevem, apenas se enunciando as questões aí suscitadas.
E que são, respectivamente.

- por parte dos arguidos:

a nulidade da sentença;
erros de julgamento;
a violação do princípio in dubio pro reo;
a subsunção dos factos ao direito e,
o quantum da indemnização;

- por parte da demandante:

o quantum da indemnização, reportado aos danos de natureza patrimonial.

I. 3. Nas respostas que apresentaram, a Magistrada do MP e a assistente, defendem o não provimento do recurso interposto pelos arguidos e, estes, por sua vez, defendem o não provimento do recurso interposto por esta última.

II. Subidos os autos a este Tribunal a Exma. Sra. PGA, invocando o facto de o recurso se limitar à parte cível, limitou-se a apor o visto.
No exame preliminar o relator deixou exarado o entendimento de que nada obstava ao conhecimento dos recursos, que, por sua vez, haviam sido admitidos com o regime de subida adequado.
Seguiram-se os vistos legais.
Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.

III. Fundamentação

III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, as questões suscitadas nos presentes, são as de saber se,

- recurso dos arguidos:

a nulidade da sentença;
erros de julgamento;
a violação do princípio in dubio pro reo;
a subsunção dos factos ao direito e,
o quantum da indemnização;

- recurso da demandante:

o quantum da indemnização, reportado aos danos de natureza patrimonial.

III. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

Factos provados

a) Da acusação e do pedido de indemnização civil:

1. A sociedade arguida D…, Lda. tem por objecto social o fabrico, comercialização, importação e exportação de gruas e outras máquinas e equipamentos para a indústria da construção civil; prestação de serviços conexos, nomeadamente de assistência técnica e aluguer.
2. A arguida B… consta do Registo Comercial como gerente da sociedade arguida desde 6.01.2005.
3. A arguida B… é casada com o arguido C….
4. H… é filho dos arguidos B… e C….
5. A sociedade arguida tem os serviços de Segurança no Trabalho na modalidade de serviços externos, sendo a sociedade "I…, Lda." a entidade contratada para assegurar estes serviços.
6. No dia 24 de Abril de 2014, o arguido C… teve um traumatismo facial e craniano grave, após acidente de trabalho com martelo pneumático, apresentando, como consequência, síndrome cerebral orgânico, o que lhe provoca grande prejuízo da sua capacidade de entendimento, discernimento e autodeterminação, pelo que, a partir dessa data, passou o seu filho H… a participar, também, da gestão da sociedade arguida.
7. Desde, pelo menos, os dias 23 de Janeiro de 1995 e 6 de Janeiro de 2005 até ao dia 24 de Abril de 2014, eram os arguidos C… e B…, respectivamente, quem detinha o poder de decisão na sociedade arguida, no domínio da gestão comercial e financeira, cabendo a estes os actos de gestão.
8. No âmbito da actividade profissional indicada em 7), nos períodos aí indicados, os arguidos C… e B… eram os únicos responsáveis pela direcção dos trabalhos que, a título de empreitada ou subempreitada, a sociedade arguida realizava, sob o ponto de vista técnico e sob o ponto de vista organizacional e operacional, eram quem definia o quadro de trabalhadores ao serviço daquela, recrutando-os, distribuindo-os e definindo as tarefas a executar por cada um deles, cabendo-lhes, também, o aprovisionamento dos equipamentos necessários à boa execução dos trabalhos.
9. O ofendido J… foi trabalhador da sociedade arguida desde o dia 1 de Março de 1994 até ao dia 30 de Abril de 2000.
10. Desde, pelo menos, o ano de 2012, o ofendido J… prestava serviços de fabricação, montagem e desmontagem de equipamentos de elevação para a sociedade arguida, na qualidade formalmente designada de "trabalhador independente".
11. O ofendido J… celebrou com a Companhia de Seguros K… um acordo de seguro denominado "Seguro Acidentes de Trabalho ­Gerentes e Administradores, Profissões Liberais e Trabalhadores Independentes", mediante a apólice nº…….., que produziu efeitos desde 12.12.2011 até 30.11.2013, tendo por pessoa segura o referido tomador de seguro e com a cobertura de riscos traumatológicos, incluindo risco de trajecto.
12. Na segunda semana do mês de Setembro de 2013, o arguido C… ordenou que o ofendido J…, acompanhado dos trabalhadores da sociedade arguida, L… e M…, procedesse à limpeza e impermeabilização das caleiras do pavilhão industrial da sociedade arguida, sita na Rua …, em …, concelho de Santa Maria da Feira.
13. Alguns dos instrumentos e utensílios e maquinaria utilizados na obra referida em 12) eram pertença da sociedade arguida.
14. A cobertura do pavilhão onde estavam a ser executados aqueles trabalhos é constituída por dois tipos de placas: a) placas de fibra (translúcidas): com uma largura de 10S0 mm, caracterizadas por não terem resistência de carga, quebrando-se com facilidade; e b) placas de ferro: com uma largura de 1500 mm, caracterizadas por terem alguma resistência à carga.
15. Cada placa de fibra alterna com quatro placas de metal.
16. Os trabalhadores identificados em 12) conheciam as características da cobertura e estavam conscientes do risco associado às placas de fibra, sabendo que teriam de apoiar-se nas placas de ferro.
17. Dado que a manipulação da tela tem de ser realizada em toda a sua extensão, inclusive nos espaços onde se encontram as placas de fibra, os trabalhadores apenas podem apoiar-se e caminhar sobre a viga longitudinal.
18. Os arguidos não fixaram qualquer prazo para que os trabalhadores identificados em 12) procedessem à conclusão dos trabalhos, podendo realizar os mesmos calmamente e interromper com pausas frequentes.
19. No dia 17 de Setembro de 2013, cerca das 15:50 horas, L…, M… e o ofendido J… encontravam-se a proceder ao estiramento da tela de impermeabilização na caleira da cobertura, manipulando-a, em simultâneo, em três locais distanciados uns dos outros, de forma a garantir que a tela ficasse bem esticada.
20. O ofendido J… estava no meio, M… estava na extremidade norte e o L… estava na extremidade sul.
21. M… afirmou perante os colegas que a tela deveria estar mais chegada à extremidade, tendo o ofendido J… se levantado e começado a andar sobre a viga longitudinal para verificar o que o colega estava a afirmar.
22. Enquanto o ofendido J… caminhava, passou por uma placa de fibra, deu um passo em falso e com o seu peso, a placa de fibra partiu-se, provocando a queda daquele para o interior do pavilhão, a uma altura de cerca de 7 metros.
23. Como consequência directa e necessária da queda referida em 22), o ofendido J… sofreu lesões traumáticas crânio-meníngeo­encefálicas e lesões torácicas, as quais foram causa directa da sua morte, ocorrida imediatamente.
24. Os arguidos B… e C… sabiam que os mencionados trabalhos estavam a ser executados sem qualquer equipamento de protecção contra quedas em altura.
25. Apesar de saberem que a execução de trabalhos em altura expõe os trabalhadores a riscos elevados, particularmente quedas, frequentemente com consequências graves para os sinistrados e que representam uma percentagem elevada de acidentes de trabalho, os arguidos B… e C… não procederam à avaliação dos riscos associados à execução daquela obra, não definiram as medidas de prevenção adequadas aos trabalhos a realizar, não elaboraram fichas de procedimentos de segurança, apesar de aqueles trabalhos implicarem riscos especiais, nem asseguraram que os trabalhadores dependentes e independentes tivessem conhecimento das mesmas.
26. Os arguidos B… e C… sabiam que, quando não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e em condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento apropriado para evitar quedas em altura.
27. Os arguidos B… e C… mais sabiam que, na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, deveriam ter dado prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
28. Os arguidos B… e C… mais sabiam que, em trabalhos de curta duração, deveriam ter instituído a utilização de equipamento de protecção anti-quedas, tais como andaimes, plataformas robustas e apoiadas em locais sólidos, no sentido de distribuir o peso do trabalhador por uma maior superfície e impedir que o mesmo se apoie em pontos frágeis, colocação de guarda-corpos e tábuas de pé na periferia da cobertura, quando os trabalhos se desenvolvam neste local, sinalizar e delimitar as aberturas com guarda-corpos.
29. A queda descrita em 22) foi consequência da ausência, na execução da obra referida em 12), de equipamentos de protecção destinados a prevenir as quedas em altura.
30. A morte do ofendido J… foi consequência da inexistência, na execução da obra referida em 12), de tal equipamento de segurança, o qual sempre evitaria a queda em altura e os consequentes traumatismos que o vitimaram.
31. Os arguidos B… e C… tinham o dever e capacidade pessoal de acompanhar a obra e garantir a execução desta em segurança, mediante a utilização dos referidos equipamentos de protecção, e, não obstante, nada fizeram.
32. Os arguidos B… e C… representaram que, em consequência da ausência dos referidos equipamentos de protecção, estavam a ser violadas regras de segurança dos trabalhadores e que, consequentemente, poderiam colocar em perigo a vida e a integridade física daqueles que se encontravam a executar a mencionada obra.
33. Porém, os arguidos B… e C… confiaram que tal perigo não se iria verificar.
34. Os arguidos B… e C… agiram livre, voluntária e conscientemente.
35. Os arguidos B… e C… sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
36. A demandante E…, nascida em 16.06.1987, é filha de J….
37. O demandante F…, nascido em 4.08.1980, é filho de J….
38. A demandante G… nasceu em 5.11.1958
39. J… nasceu em 21.08.1955.
40. A demandante G… casou-se com J… em 29.12.1979, tendo o casamento sido dissolvido por morte daquele.
41. Desde meados de 2012 até à data indicada em 19), J… prestou os serviços referidos em 10) em local indicado pela sociedade arguida, fossem as respectivas instalações ou outro local.
42. À data indicada em 19), J… obtinha, como contrapartida dos trabalhos executados para a sociedade arguida, um rendimento mensal médio de cerca de 1.000 €.
43. J… utilizava parte da quantia indicada em 42) no pagamento das despesas do quotidiano do seu agregado familiar, composto por si e pela demandante G…, relacionadas com o consumo de água, luz, gás e telefone, seguros, manutenção e conservação da habitação e impostos.
44. J… executava tarefas de manutenção e montagem de gruas com auxílio de funcionários da sociedade arguida.
45. J… prestava serviços à sociedade arguida de Segunda a Sexta-feira e durante 8 horas por dia, no período compreendido entre as 8.00 e as 17.00 horas.
46. Quando tinha de se deslocar para fora das instalações da sociedade arguida, ao serviço desta, para executar as suas tarefas, era aquela que tratava de todos os procedimentos de logística, nomeadamente transportes.
47. J… utilizava instrumentos de trabalho pertencentes à sociedade arguida, quando necessitava.
48. J… recebia mensalmente da sociedade arguida a quantia relativa aos trabalhos que executava para aquela no respectivo mês.
49. Em consequência da morte de J…, os demandantes sentiram e continuam a sentir tristeza e angústia, em virtude de existir entre eles uma forte ligação afectiva.
50. Os demandantes viviam na habitação de J… e efectuavam refeições diárias com este.
51. A demandante G… e J… tinham uma relação de cumplicidade e partilhavam entre si todos os momentos da vida, fossem de alegria ou de dificuldades e angústia.
52. Na data indicada em 19), a demandante G… auferia o vencimento mensal de cerca de 505 €, o que se mantém.

b) Da contestação:

53. Se J… não tivesse dado um passo em falso sobre uma placa de fibra como descrito em 22), o mesmo não teria morrido.
54. Os arguidos B… e C… são pessoas trabalhadoras, respeitadas e bem conceituadas por todos quantos com eles convivem e no meio social onde habitam.
55. O registo, pela sociedade arguida, das horas de serviços prestadas por J… destinava-se a controlo interno e contabilização de pagamentos.

c) Mais se provou que:

56. A arguida B… frequentou o ensino até ao 9° ano de escolaridade, em Angola, e, posteriormente, em Portugal, frequentou um curso de secretariado e relações públicas, que lhe deu equivalência ao 11° ano de escolaridade.
57. A arguida B… exerce funções de gerência e na área da contabilidade e secretariado na sociedade arguida, auferindo o vencimento mensal de cerca de 1.000 €.
58. O arguido C… aufere uma pensão de reforma, no valor mensal de cerca de 800 €.
59. Os arguidos B… e C… residem numa moradia arrendada, a que corresponde a renda mensal de 250 €, suportada pela filha do casal, que, juntamente com o respectivo cônjuge, com eles reside e é técnica administrativa na sociedade arguida.
60. Actualmente, a sociedade arguida labora com 20 a 30 funcionários e, no final de cada exercício, tem obtido lucro, em montante que não foi possível apurar em concreto.
61. Do certificado do registo criminal da sociedade arguida nada consta.
62. Do certificado do registo criminal da arguida B… nada consta.
63. Do certificado do registo criminal do arguido C… nada consta.

Factos não provados

Da acusação e do pedido de indemnização civil:

a) Os arguidos sabiam que deveriam ter elaborado um plano de segurança e saúde que previsse medidas adequadas a prevenir os riscos especiais para a segurança e saúde dos trabalhadores, decorrentes de trabalhos que os exponham a risco de queda em altura, particularmente agravados pela natureza da actividade ou dos meios utilizados, ou do meio envolvente do posto, ou da situação de trabalho.
b) Os arguidos tinham o dever jurídico de planear a obra.
c) Os arguidos representaram que, em consequência de não planearem a obra, pudessem ser violadas regras de segurança dos trabalhadores e que, desse modo, colocavam em perigo a vida e a integridade física de todos aqueles que se encontravam no pavilhão.

Do pedido de indemnização civil:

d) Desde meados de 2012 até à data indicada em 19), J… trabalhou em exclusivo para a sociedade arguida.
e) Desde 2012 até à data indicada em 19), J… auferiu um rendimento mensal exclusivamente proveniente dos trabalhos executados para a sociedade arguida.
f) J… trabalhava para além do horário indicado em 45), a solicitação, por conta e sob as ordens da sociedade arguida, indo efectuar manutenção e reparação de gruas a obras e locais clientes daquela.
g) Todos os instrumentos de trabalho de J… eram pertença da sociedade arguida.
h) Em consequência da perda do rendimento indicado em 42), a demandante G… ficou privada de bens, de dar passeios e de gozar férias.

Da contestação:

i) J… prestou os serviços referidos em 12) à sociedade arguida mediante acordo com esta celebrado enquanto empresário em nome individual.
j) J… não cumpria um horário de trabalho fixo.
k) Quaisquer outros factos, designadamente constantes da acusação, do pedido de indemnização civil e da contestação, que não se encontrem descritos como provados ou que sejam contraditórios em relação aos mesmos, sendo a demais matéria alegada irrelevante, conclusiva ou de direito.

Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica do conjunto das provas examinadas e/ou produzidas em audiência de julgamento.
A certidão permanente a fls. 103-108 comprova o objecto social da sociedade arguida e que, à data dos factos, só a arguida B… figurava como gerente da mesma, mas já não o arguido C…, que cessou - embora em termos meramente formais, como veremos adiante - tais funções pelo menos em 15.02.2012, mediante renúncia, o que conduziu aos factos julgados provados sob os n.ºs 1 e 2.
A certidão de assento de nascimento a fls. 292 comprova a filiação de H… (facto provado sob o n.º4).
O documento a fls. 167-168 confirma o acidente de trabalho sofrido pelo arguido C… em 24.04.2014, com sequelas graves (traumatismo craniano grave), o que também decorre dos relatórios periciais a fls. 216-218 e 232-233, datados de 16.04.2015 e 18.06.2015, respectivamente, motivo pelo qual se julgou provado o facto sob o n.º 6, no correspondente segmento.
A arguida B… não presenciou a queda de J…, pelo que nada pôde esclarecer sobre tal facto, embora tenha revelado ter, à data, perfeito conhecimento do tipo de trabalho que estava a ser executado, em que condições e por quem (J… e os funcionários L… e M…, aqui testemunhas). Sustentou que, à data do sucedido, J… não era funcionário da sociedade arguida, tendo sido contratado por esta, por intermédio do arguido C…, seu marido, para executar os trabalhos em causa, sendo que aquele sempre prestou serviços na qualidade de trabalhador independente nos anos de 2012 e 2013, diariamente e durante 8 horas por dia. A arguida afirmou desconhecer se, nesse período, J… trabalhou para outras empresas. Ressalvou que J… não queria fazer parte dos quadros da empresa. Declarou, igualmente, que, apesar de os materiais para a obra em apreço terem sido fornecidos pela sociedade arguida, as ferramentas de trabalho pertenciam a J… (por exemplo, o arnês e pequenas ferramentas), o qual, caso faltasse algum instrumento, solicitava à dita empresa, sendo que era aquele quem dizia o que era necessário para a execução dos trabalhos, embora, neste particular trabalho, nada tivesse solicitado. Nesta matéria, a arguida fez uma distinção, referindo que os funcionários da sociedade arguida trabalhavam com ferramentas por esta fornecidas e sem que as mesmas fossem objecto de adjudicação pessoal. A arguida mais afirmou que J… "picava o ponto" (como documentado a fls. 573 a 574) unicamente para controlo das horas de serviço que o mesmo prestava, na medida em que este facturava os trabalhos executados à hora e em valor fixo, sendo que, embora não constasse das facturas por aquele emitidas qualquer menção às horas de trabalho prestadas, o mesmo preenchia folhas com essas horas (quanto a estas folhas, a arguida declarou desconhecer se as mesmas ainda existem). A arguida declarou, ainda, que os trabalhos realizados por J… em causa nos autos foram facturados, conforme documento a fls. 565, já pelos filhos daquele, em nome individual do mesmo. Referiu, igualmente, que, à data do acidente, o arguido C…, seu marido, não geria a sociedade arguida, apenas comandava a produção (relacionada com o fabrico e montagem de gruas) e dava a sua concordância para a encomenda de matérias-primas, competindo à arguida as cobranças aos clientes. Ora, destas declarações da arguida extrai-se que tanto ela como o arguido C… eram quem, à data dos factos, efectuava a gestão da sociedade arguida, de estrutura familiar, na medida em que ambos dirigiam sectores fulcrais da mesma, tendo em conta o respectivo objecto social. Em consonância, julgou-se provada a factualidade sob os n.ºs 6 a 8.
A arguida confirmou os factos sob os n.ºs 5 e 18.
Do documento a fls. 101 decorre que a sociedade arguida foi entidade empregadora de J… desde 1.03.1994 até 30.04.2000, pelo que se julgou provado o facto sob o n.º 9.
Conforme consta da certidão a fls. 541-544, J… constituiu uma sociedade comercial (N…, Lda.) em 25.07.2001, a qual perdurou até 11.10.2013. Por outro lado, dos documentos a fls. 545-549 e 550 resulta que aquela sociedade foi fornecedora da sociedade arguida entre 28.02.2005 e 12.01.2010, existindo nesta última uma conta-corrente em que J… figura como fornecedor da mesma, entre 30.07.2010 e 17.09.2013, aí se enumerando as facturas e os correspondentes meios de pagamento (cheques). Os documentos a fls. 59 a 62 e 557 a 572 indicam que J… facturou, na qualidade formal de «trabalhador independente», à sociedade arguida os serviços a esta prestados em Janeiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2013 (esta última emitida por pessoa diversa), sem aí se contabilizarem as horas de trabalho, mas mencionando-se "deslocações", recebendo por meio de cheque no mês dos serviços prestados. Os documentos a fls. 551 a 556 reflectem a prestação de serviços por J… a O…, Lda. ao longo dos anos de 2010, 2011 e 2012, o que afasta, neste período, a prestação de serviços à sociedade arguida em regime de exclusividade. Ora, esta documentação reflecte claramente o facto sob o n.º 10, razão pelo qual foi julgado provado.
Os documentos a fls. 19 e 666 a 671 comprovam que J… era titular e beneficiário de um contrato de seguro de acidentes de trabalho desde 12.12.2011, na qualidade de «trabalhador independente», o que conduziu ao facto provado sob o n.º11.
Analisemos, agora, a prova produzida quanto ao modo e condições em que J… estava a executar os alegados trabalhos de limpeza e impermeabilização das caleiras do pavilhão industrial da sociedade arguida.
A testemunha M…, funcionário da sociedade arguida há cerca de 32 anos, de forma que se nos afigurou sincera, porquanto espontânea e coerente, descreveu o modo como estava a decorrer a obra, os cuidados de segurança que esta exigia e como se deu a queda de J…, nos termos descritos sob os n.ºs 14, 15, 16, 17, 19 a 22 e 29. Mais afirmou que, enquanto o próprio depoente trabalhava com um conjunto de ferramentas pertencente à sociedade arguida, J… trabalhava com ferramentas, cinto de segurança e arnês próprios. Referiu, ainda, que J… também executava trabalhos para a "O…", empresa pertencente ao irmão do arguido C…, embora não tenha logrado precisar o período temporal em que tal ocorreu.
A testemunha L…, funcionário da sociedade arguida há cerca de 4 anos, evidenciou ser o outro empregado desta que também estava a participar dos ditos trabalhos e descreveu-os, assim como a queda de J… em termos coincidentes com os do relato da testemunha M…. Aludiu, igualmente, ao facto de J… utilizar sempre as suas próprias ferramentas na execução dos trabalhos, apesar de fazer uso de ferramenta da empresa quando necessitava. Esta testemunha, tal como a antecedente, referiu que J… efectuava uma pausa no trabalho desde as 12.00 às 14.00 horas, para ir tratar de seu pai, o qual se encontrava doente/acamado, acrescentando, que, nos dias em que não havia necessidade desse apoio, o mesmo cumpria um horário de trabalho idêntico ao dos funcionários da sociedade arguida: das 8.00 às 12.30 horas e das 13.30 às 17.00 horas. Esta testemunha mencionou, ainda, que J…, à data dos factos, trabalhava "a tempo inteiro" na sociedade arguida e recebia ordens do arguido C…, sendo que J… permanecia na empresa até ao final daquele horário, mesmo que o trabalho fosse concluído mais cedo. Quanto ao trabalho em causa nos autos, esta testemunha afirmou que o arguido C… questionou-o, assim como J…, sobre se os mesmos conseguiriam efectuá-lo, na sequência do que lhes responderam positivamente e, nesse medida, deram início à obra. Esta abordagem simultânea do arguido C… revela que não se tratou da encomendada de um serviço a J… e não houve sequer lugar a acerto prévio de preços e prazo de duração da obra.
As testemunhas M…, L… e H… foram unânimes em referir que os trabalhos em apreço estavam a ser executados sem qualquer estrutura de segurança.
A demandante civil E…, filha do falecido J…, apesar de residir com este, afirmou desconhecer o regime em que o mesmo trabalhava para a sociedade arguida e mencionou um serviço prestado pelo seu pai àquela, em Angola, para onde o mesmo viajou de avião, com bilhete comprado pela dita empresa. A declarante referiu, ainda, desconhecer o motivo de o pai trabalhar como empresário em nome individual, apesar de ser do seu conhecimento pessoal que este emitia facturas e recibos.
A testemunha H…, filho dos arguidos, evidenciou não ter presenciado a queda de J…, embora tenha sido quem chamou os socorros ao local. Esta testemunha afirmou que era o seu pai quem dava as ordens no que respeita à execução de trabalhos. Referiu, igualmente, que J…, nos dias em que trabalhava para a sociedade arguida - pois nem sempre trabalhava de 2a a 6a feira, tal dependendo da disponibilidade daquele e das necessidades da empresa -, cumpria um determinado horário (das 8.00 às 12.00 horas e das 14.00 às 17.00 horas), variando a hora do almoço em função do tempo de que aquele necessitava para cuidar do pai, acamado.
A testemunha J…, funcionário da sociedade arguida há cerca de 4 anos, mostrou ter chegado ao local quando J… já se encontrava sem vida. Apesar de não laborar com J…, referiu que este trabalhava para a sociedade arguida por conta própria, na medida em que tal facto foi-lhe transmitido pelo próprio J…, o qual, não obstante, costumava deixar as instalações da empresa na hora de saída dos funcionários desta. Mais declarou que J… tinha material próprio, embora utilizasse material da sociedade arguida quando necessitava.
A testemunha P…, inspectora do trabalho, efectuou, em Junho de 2013, uma inspecção à sociedade arguida, para detecção de falsos recibos verdes, no âmbito da acção nacional "Trabalho Dissimulado", tendo apurado o que consta do documento a fls. 601-602. Referiu que, nessa ocasião, falou com J… e dessa entrevista resultou que o mesmo seria, efectivamente, um trabalhador independente, pois, de acordo com a sua indagação, não estava vinculado a um horário de trabalho fixo e trabalhava com equipamento próprio, ainda que também utilizasse equipamentos da sociedade arguida. Segundo esta testemunha, J…, nessa conversa, assumiu-se claramente como trabalhador independente, sendo que, com base em tal entrevista e nos documentos que colheu, não conseguiu concluir pela existência de uma relação de trabalho dependente entre J… a sociedade arguida.
Por sua vez, a testemunha Q…, sobrinho dos arguidos, revelou conhecer J… há mais de 15 anos, no âmbito da sua actividade profissional (sócio-gerente da sociedade 'O…, Lda."), mostrando tê-lo conhecido inicialmente como sócio da "N…, Lda." e, depois, como trabalhador independente. Sustentou que J… "picava o ponto" porque a respectiva remuneração era contabilizada à hora, pelo que, assim, era necessário efectuar o controlo do número de horas de trabalho prestadas. A mesma testemunha aludiu ao facto de J… utilizar ferramentas próprias e algumas pertencentes à sociedade arguida. Contudo, no final do seu depoimento, acabou por evidenciar desconhecer quais as concretas funções que J… executava na sociedade arguida em 2013.
As fotografias a fls. 7 e 8 retratam o local da queda, nas quais não se observa qualquer medida de protecção para a execução de trabalhos em altura.
Os documentos a fls. 83-87 e 690 a 693 reflectem o inquérito de acidente de trabalho realizado pela ACT, na sequência da morte de J…. Aí, dá-se conta da existência de risco de queda para o interior do pavilhão durante a execução do tipo de trabalho em curso. Claro que, se J… não tivesse pisado a placa de fibra, não teria caído por essa via e, logicamente, não teria morrido nas circunstâncias apuradas, motivo pelo qual se julgou provado o facto sob o n.º 53.
Ora, sopesando as declarações da arguida B…, os testemunhos acima indicados e a prova documental supra referenciada, o Tribunal concluiu que J… e a sociedade arguida tinham um acordo, porventura estabelecido no interesse de ambas as partes, quanto ao regime de trabalho prestado pelo primeiro à segunda: aparente e formalmente, J… era um (apelidado) "empresário em nome individual", mas, na prática e na realidade, e pelo menos em 2013, estava subordinado às ordens e instruções dos arguidos B… e C…, no que concerne ao concreto tipo de trabalhos que executava para a sociedade arguida. Aliás, a inexistência de um vínculo formal entre J… e a sociedade arguida não preclude necessariamente a prestação de serviços pelo mesmo sob as ordens e instruções dos gerentes daquela. E, no caso concreto, ainda que não tenha resultado da prova produzida a existência de uma relação de total subordinação de J… à estrutura empresarial da sociedade arguida (pois o mesmo laborava com ferramentas e acessórios de segurança próprios, tinha um seguro de acidentes de trabalho próprio e não pertencia aos quadros da empresa, antes lhe facturando os serviços prestados), o facto é que também resultou da prova produzida que o mesmo, à data dos factos, trabalhava pelo menos primacialmente para a sociedade arguida, na medida em que ali laborava diariamente e cumprindo um horário em tudo semelhante ao dos funcionários da empresa. E aqui recordando as palavras da testemunha L…, o arguido C… tratava de modo igual os funcionários da empresa e J…, pelo que o Tribunal concluiu que, pelo menos no que concerne aos trabalhos em causa neste processo, aquele executou-os sob as instruções directas do arguido C… (que simultaneamente abordou tanto o funcionário L… como J… para a realização da obra) e com a supervisão de ambos os arguidos, sendo certo que a arguida B… estava a par da obra e das condições em que esta estava a ser executada.
Deste modo, julgaram-se provados os factos sob os n.ºs 12, 13, 24, 41, 44 a 48 e 55 e não provados os factos sob as alíneas d) a g), i) e j).
As lesões sofridas por J…, causadoras da sua morte, resultam do teor do relatório de autópsia a fls. 89-92 e 94, encontrando-se aquele decesso provado com base na certidão do respectivo assento de óbito a fls. 296. Em consonância, julgou-se provada a factualidade sob os n.ºs 23 e 30.
A factualidade sob os n.ºs 25 a 28 e 31 a 35 decorre não só das regras da experiência comum no que tange às condições de segurança básicas exigidas para a execução de trabalhos em altura, em que é evidente e elevado o risco de quedas fatais, como também da área de conhecimentos associada ao ramo da actividade profissional exercida pelos arguidos B…, C… - em que, à data dos factos, laboravam há já longa data -, relacionada com o fabrico e comercialização de gruas, que também impõe o conhecimento de regras de segurança e a colocação em prática desses cuidados.
A filiação dos demandantes E… e F… decorre das certidões dos respectivos assentos de nascimento a fls. 379-380 e 381-382; a data de nascimento da demandante G… está provada com base no documento a fls. 383-384; a data de nascimento de J… funda-se na certidão do respectivo assento de nascimento a fls. 385-386; e o casamento entre este e a última demandante, bem como o fundamento da sua dissolução assenta na certidão a fls. 388. Em consonância, julgaram-se provados os factos sob os n.ºs 36 a 40, respectivamente.
O facto sob o n042 extrai-se dos documentos a fls. 59 a 62 e 557 a 572, relativos à facturação de serviços prestados por J…, como «trabalhador independente», à sociedade arguida, em Janeiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2013, recebendo por meio de cheque, no mês em que os serviços eram prestados.
As testemunhas S… (cunhada da demandante E…, cônjuge do demandante F… e nora da demandante G…), C… (primo de J…), T… (namorado de longa data da demandante E…) e U… (tio dos demandantes E… e F… e cunhado da demandante G…) evidenciaram ter conhecimento pessoal e directo da relação afectiva e estreita que existia entre J… e a sua mulher e filhos, bem como da dinâmica familiar em termos de economia doméstica (neste aspecto, somente a testemunha S…). Em consonância, julgaram-se provados os factos sob os n.ºs 43 e 49 a 51.
A testemunha S… indicou que a demandante G… auferia e aufere o salário mínimo nacional, fundando o conhecimento de tal facto na circunstância de também trabalhar na empresa em que aquela labora. Ora, o vencimento mensal do cônjuge de J… resulta das declarações de IRS a fls. 96­100, 441-447 e 448-453 e do recibo de vencimento a fls. 454, pelo que se julgou provado o facto sob o n.º 52.
Relativamente às condições pessoais e sacio-económicas dos arguidos e à actual situação económico-financeira da sociedade arguida (factos provados sob os n.ºs 3, 54 e 56 a 60), atendeu-se ao teor da informação a fls. 480-481 e do relatório social a fls. 483-487, cujo teor não resultou infirmado por qualquer outro meio probatório, bem como às declarações da arguida B… que, nesta matéria, se mostraram inteiramente credíveis. As testemunhas V… e W…, amigos de longa data dos arguidos B… e C…, depuseram em abono destes, referenciando-os como pessoas trabalhadoras, honestas e bem conceituadas no local onde residem, sendo certo que, pela espontaneidade e segurança dos respectivos depoimentos, o Tribunal convenceu-se da veracidade dos mesmos.
No que tange aos antecedentes criminais da sociedade arguida e dos restantes arguidos (factos provados sob os n.ºs 61 a 63), o Tribunal baseou-se exclusivamente nos correspondentes certificados do registo criminal, a fls. 421, 423 e 422, respectivamente.
Quanto aos demais factos dados como não provados, os mesmos foram assim julgados por não se ter produzido, quanto a eles, qualquer meio de prova ou meio de prova cabal.
Os factos sob as alíneas a) a c) não obtiveram adesão probatória, desde logo porque ao dever imputado aos arguidos não corresponde qualquer previsão legal.
O facto sob a aIínea h) não foi corroborado por qualquer dos meios probatórios produzidos.
Os documentos a fls. 279-285, 684 a 689, 693 a 705 e 741 a 743 respeitam ao processo contra-ordenacional dirigido à sociedade arguida, por violação do artigo 20.°, alínea a) do Decreto Lei 273/03, de 29.10, dos quais não compete extrair qualquer ilação relevante para este processo.
Dos documentos a fls. 241-242 e 265-278, 678 v., 681 e 706-711, obtidos do processo de acidente de trabalho relativo a J…, também não se extraem elementos pertinentes para o presente processo.

III. 3. Apreciando, os fundamentos dos recursos pela ordem da sua precedência lógica e processual - do que resulta o conhecimento da totalidade dos fundamentos do recurso dos arguis e, depois, a par do conhecimento do seu último segmento, atinente com a questão do pedido cível, se conhecerá das razões do fundamento da demandante cível.

III. 3. 1. A nulidade da sentença

III. 3. 1. 1. As razões dos arguidos.

Neste particular defendem os arguidos que na decisão recorrida se julgou como provada matéria diversa relativamente à qualificação da relação profissional existente entre o sinistrado e a sociedade arguida no sentido da sua caracterização como uma relação de subordinação (cfr., designadamente, pontos 41. a 48. dos factos provados), circunstância que determina a sua nulidade, nos termos do disposto no artigo 379.°/1 alínea b) C P Penal – ou mesmo que assim se não entendesse, afigurando-se tais factos essenciais para a boa decisão do processo, sempre se impunha ao Tribunal a promoção dos procedimentos previstos no artigo 359.° C P Penal.
Isto porque entendem que a sua responsabilização criminal com recurso a factos trazidos fora do contexto acusatório constitui uma patente violação do seu direito de defesa.
Estruturam esta sua asserção no seguinte raciocínio:
no artigo 10.º da acusação é afirmado que "desde pelo menos o ano de 2012, que o ofendido J… era trabalhador independente, prestando serviços de fabricação, montagem e desmontagem de equipamentos de elevação para a sociedade arguida 'D…, Lda.";
em nenhum momento, é ali feita referência à existência de uma relação de (maior ou menor) subordinação entre as partes nem tão pouco alegado qualquer facto que permitisse demonstrar ou indiciar essa mesma relação de domínio (do agente) e dependência (da vítima) - ou, nas palavras da decisão recorrida, a existência de um qualquer "domínio do facto" da sociedade arguida ou dos seus legais representantes;
e, foi neste pressuposto que os arguidos apresentaram a respectiva defesa e foi apenas relativamente aos factos constantes da acusação que tiveram a oportunidade de se pronunciar;
a imputação da responsabilidade criminal e a defesa à mesma dirigida tiveram por paradigma a realização dos trabalhos em causa efectuada por um prestador de serviços a solicitação da sociedade arguida;
já em sede de contestação ao PIC foi destacada pelos arguidos a contradição entre os fundamentos da acusação e do PIC (cfr., designadamente, artigos 28. a 33. da contestação), uma vez que este último (fora do contexto da acusação assentava na existência, à data dos factos, de uma relação de trabalho dependente entre o ofendido e a sociedade arguida (cfr., designadamente, artigos 6. a 25. do PIC).

III. 3. 1. 2. Atentemos.

A posição os arguidos traduz-se no facto de alegadamente se ter procedido a uma alteração dos factos descritos na acusação, que lhes não comunicada.
Atentemos desde logo, na questão, também suscitada pelos arguidos, da alteração da qualificação jurídica.

Como resulta da acusação, os arguidos foram acusados em co-autoria pela prática, em concurso aparente, pela prática de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, p. e p. pelo artigo 277.º/1 alínea a), 2 e 285.º C Penal, ex vi artigo 1.º, 44.º e 54.º do Decreto 41821/58, de 11.08 (Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil) e artigos 7.º alínea a), 20.º e 25.º/3 alínea c) do Decreto Lei 273/2003, de 29.10.
Não é, assim, totalmente, correcta nem rigorosa a afirmação que fazem no ponto 2 das conclusões, de que, a acusação lhes imputa a prática de dois crimes de violação de regras de segurança - indicando entre parêntesis os artigos 277.º/1 alínea a) e 2, 285.º e 152.º-B/1, 2 e 4 b) C Penal.
Finda a produção da prova, foi proferido despacho a comunicar uma alteração da qualificação jurídica, nos seguintes termos:
"de acordo com o disposto no artigo 358.º/1 e 3 C P Penal, em função da prova produzida em audiência de julgamento, o Tribunal comunica aos sujeitos processuais aqui presentes a seguinte alteração da qualificação jurídica dos factos descritos da acusação de fls. 299 a 313, com relevo para a decisão da causa:
atendendo às condições de segurança não observadas na execução da obra a que ali se alude, a conduta dos arguidos é susceptível de integrar a prática, em autoria material, de crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.º-B/1, 2 e 4 alínea b) C Penal, em conjugação não só com os artigos 1.º, 44.º e 54.º do Decreto 41825/58, de 11/08, mas também com o artigo 45.º deste último diploma legal”.
Isto é, considerou o Tribunal que a conduta dos arguidos era susceptível de integral a prática do crime de violação de regras de segurança, previsto no artigo 152.º-B C Penal, mas, no que respeita aos artigos do Decreto 41825/58, entendeu ainda, e para além dos indicados na acusação, ser aplicável ainda o seu artigo 45.º.
No que resulta que a dita alteração da qualificação jurídica se limitou a acrescentar a referência a mais uma norma do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil que não constava da acusação.
A final foram os arguidos,
condenados pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.°-B/1, 2 4 alínea b) C Penal, conjugado com os artigos 1.°, 44.°, 45.º e 54.º do Decreto 41825/58, de 11.08 e,
absolvidos pela prática de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 277.°/1 alínea a) 2 e 285.° C Penal, 1.°, 44.° e 54.º do Decreto 41821/58, de 11.08 e artigos 7.° aIínea a), 20.° e 25.°/3 alínea c) do Decreto Lei 273/03, de 29.10;
Não é, por isso, desde logo, verdadeira a afirmação feita no ponto 5 das conclusões de que a condenação teve por base a qualificação jurídica entretanto efectuada.
Isto porque o crime pelo qual foram os arguidos condenados constava, inequivocamente, da acusação – em concurso aparente, de resto - apenas se tendo precisado, aditado, acrescentado, que o era também, por referência a uma outra norma regulamentar.

E, agora atentemos na alegada condenação por factos diversos dos descritos na acusação.
Nos termos do artigo 379.º/1 alínea b) C P Penal, é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação … fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358.º e 359.º.

Afirmam igualmente os arguidos que,
o MP na acusação, no artigo 10.º, descreveu a relação entre o ofendido e os arguidos como um contrato de prestação de serviços, sendo o ofendido um trabalhador independente e que em nenhum momento enquadrou a relação como sendo de subordinação ou de domínio do agente sobre a vítima e,
que foi em relação a este facto que apresentaram a sua defesa, sendo a questão da existência de uma relação de trabalho dependente entre o ofendido e a sociedade arguida, foi introduzida apenas no pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes.
Assim, e em seu entender, ao dar como provada diversa matéria relativa à qualificação da relação profissional existente entre o ofendido e a sociedade arguida (designadamente os pontos 41. a 48. dos factos provados), utilizando-os para a responsabilização criminal dos arguidos fora do contexto acusatório, sem que tenha dado promoção ao mecanismo previsto no artigo 359.º C P Penal, o Tribunal violou os seus direitos de defesa, importando a nulidade da sentença de acordo com o previsto no artigo 379.º/1 alínea b) do mesmo diploma legal.
Antes de ser ordenada a subida dos autos conheceu-se, de resto, ao abrigo do disposto no artigo 414.º/4 ex vi do artigo 379.º/2 C P Penal desta questão, tendo-se decidido que se não verificava a apontada nulidade, no entendimento de que “do confronto dos factos narrados na acusação com os julgados provados e não provados, extrai-se que a factualidade que resultou provada não consubstancia, em momento algum, uma alteração substancial – tal como se encontra definida no artigo 1.º/ alínea f) C P Penal - ou não substancial dos factos descritos na acusação, pelo que o tribunal não devia, nem podia, aplicar o disposto no artigo 359.º e 358.º/1 C P Penal.
Com efeito, os factos com base nos quais os arguidos foram condenados pela prática do crime de que vinham acusados – de violação de regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.º-B/1, 2, e 4 alínea b) C Penal – e absolvidos do crime de infracção de regras de construção, danos em instalações e perturbação de serviços, p. e p. pelo artigo 277.º/1 alínea a) e 2 C Penal, de cuja prática vinham acusados em concurso aparente, são os que já constavam da acusação, ou em alguns pontos, menos do que aí narrado, (vg. o ponto 10, onde se precisou que a vítima prestava serviços para a sociedade arguida na qualidade somente formal designada como “trabalhador independente”, rejeitando-se a expressão “tout court”, de trabalhador independente, constante da acusação, porquanto o tribunal entendeu não ter sido produzida prova bastante que lhe permitisse definir, com a segurança necessária - e, por isso, não definiu - o concreto vínculo que intercedia entre a vítima e a sociedade arguida: contrato de prestação de serviços ou contrato de trabalho.
Aliás ao contrário do alegado pelos recorrentes, na acusação é-lhes imputada a responsabilidade criminal com base no facto de o ofendido, apesar de prestar serviços à sociedade arguida como trabalhado independente, se encontrar, no momento em que ocorre a situação que o vitimou, sob as ordens do arguido C…, que por sua vez, as emitiu na qualidade de gerente, de facto, daquela, cfr, pontos 2, 7, 8, 10 e 12 da acusação.
Por outro lado, decorre da fundamentação de facto e de direito do acórdão que a condenação em matéria penal não se baseou em factos que resultaram provados no âmbito do pedido cível e que não constassem da acusação: os factos exclusivamente alegados neste pedido (não comuns à acusação) que foram dados como provados são os elencados sob os n.ºs 36 a 52, nunca invocados no enquadramento jurídico-penal, que se efectuo da conduta dos arguidos, precisamente por não lhe terem servido de base.“

Vejamos, então.
Dizia-se na acusação:
“no âmbito da sua actividade profissional, os arguidos C… e B… eram os únicos responsável pela direcção dos trabalhos que a título de empreitada ou subempreitada realizam, seja sob o ponto de vista técnico, seja sob o ponto de vista organizacional e operacional e são também eles quem se reserva a definição do quadro de trabalhadores ao seu serviço, recrutando-os, distribuindo-os e definindo as tarefas a executar por cada um deles, cabendo-lhes também o aprovisionamento dos equipamentos necessários à boa execução dos trabalhos.
o ofendido J… foi trabalhador da sociedade arguida "D…, Lda." desde o dia 01 de Março de 1994 a 30 de Abril de 2000.
Desde pelo menos o ano de 2012, que o ofendido J… era trabalhador independente, prestando serviços de fabricação, montagem e desmontagem de equipamentos de elevação para a sociedade arguida "D…, Lda.".
o ofendido J… estava segurado na Companhia de Seguros K…, apólice n.º ……...
Na segunda semana do mês de Setembro de 2013, o arguido C… ordenou que o ofendido J…, acompanhado dos trabalhadores da sociedade arguida "D…, ida. ", L… e M…, procedessem à limpeza e impermeabilização das caleiras do pavilhão industrial da sociedade arguida, sita na Rua …, em …, concelho de Santa Maria da Feira.
Todos os instrumentos e utensílios e maquinaria da obra eram propriedade da sociedade arguida "D…, Lda.”.
Como também, se dizia - pese embora, se referisse ser o ofendido trabalhador independente, prestando serviços – que,
“os arguidos se reservavam a definição do quadro de trabalhadores ao seu serviço, recrutando-os, distribuindo-os e definindo as tarefas a executar por cada um deles. Cabendo-lhes também, o aprovisionamento dos equipamentos necessários à boa execução dos trabalhos; - que no período compreendido entre 1994 e 2000, o ofendido foi trabalhador da sociedade arguida;
- que na segunda semana do mês de Setembro de 2013, o arguido C… ordenou que o ofendido J…, acompanhado dos trabalhadores da sociedade arguida "D…, Lda. ". L… e M…, procedessem à limpeza e impermeabilização das caleiras do pavilhão industrial da sociedade arguida;
- que todos os utensílios e maquinaria da obra eram propriedade da sociedade arguida”.
Ora, da mera leitura e confronto da factualidade descrita na acusação e depois da julgada com provada na decisão recorrida, resulta não existir qualquer alteração dos factos ali descritos. Nem substancial, na noção contida na alínea f) do artigo 1.º C P Penal - como aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Nem não substancial, de resto.
Curiosamente, os arguidos discordam do facto de se ter entendido que um trabalhador independente se contém no âmbito da previsão da norma legal que prevê e sanciona o crime pelo qual foram condenados – pugnando por que o entendimento de que a vítima recebia ordens, desvirtuaria tal posição jurídica, quando afinal aquela posição inicial, sem nuances, desde logo, estaria prevista na norma - como a decisão recorrida, em termos de fundamentação de direito, dá devida nota.
Isto é, no lógico procedimento da decisão recorrida não teria justificação a invocada alteração dos factos descritos na acusação pois, que se entendia que um trabalhador independente - como literalmente consta da acusação - sempre estaria contido na previsão da norma legal incriminatória.
Seja como for, nenhuma alteração existe – isto apesar de na causa de pedir atinente com o PIC assumir outros contornos, jurídicos, que não de factos, essenciais – pois que aqui se trata a vítima como assalariado, sendo que os factos a ela reportados vieram a ser julgados como provados, cfr. pontos 41 a 48.
Factos, que no entanto não são mais, do que, meramente, instrumentais – dos descritos na acusação - que permitem contextualizar o facto, essencial, aqui alegado, de que a tarefa em causa foi ordenada, pelo arguido, ao ofendido e aos dois trabalhadores que com ele a iniciaram.
A realidade é contudo uma e, só uma - a existência de um trabalho ordenado, a efectuar, pela vítima, como trabalhador independente, conjuntamente com trabalhadores, com recurso a instrumentos, utensílios e máquinas da sociedade.
E esta estava definida, sem subterfúgios, na acusação, desde logo.
Esta alegada esquizofrenia foi acertadamente traduzida na decisão recorrida, no que se entendeu precisar que apenas formalmente a vítima seria trabalhador independente - conceito de direito, desde logo, conclusivo (que sempre se teria que ter como não escrito, por isso – e, ademais, a necessitar de ser preenchido de acordo com dados de facto, extraídos da realidade dos factos provados - que como se refere no despacho que conheceu a invocada nulidade, se é menos do que o alegado na acusação, é, contudo (não, um mais em relação à real situação descrita na acusação) seguramente, uma forma mais ajustada e adequado à realidade concretamente apurada nos autos – onde, recorde-se, resulta que a vítima executava uma tarefa ordenada por um dos arguidos acompanhado por trabalhadores da sociedade arguida e com recurso a utensílios e maquinaria desta.
Estes, é que são os contornos decisivos para qualificar a situação jurídica da vítima. E, não o facto de contextualização jurídico-formal, haver colectado como empresário em nome individual (como outros, constituem uma sociedade) para prestar serviços da sua actividade profissional, porventura por entender ser mais vantajoso, em termos fiscais ou de segurança social.
Donde e, em resumo, carece, manifestamente de fundamento a invocada nulidade, pois que os arguidos não foram, de todo, condenados por factos diversos dos descritos na acusação.
Não foram surpreendidos com factos novos, que ali não estivessem descritos.
Não foi, preterido o seu direito de defesa e de exercício do contraditório, em relação a quaisquer dos factos julgados como provados - como, de resto, os autos evidenciam, à saciedade.
Com efeito, a factualidade típica integradora da norma incriminatória, constava já da acusação - não tendo ocorrido qualquer alteração dos factos ali descritos, muito menos, relevante, que carecesse de ser comunicada.
Questão diversa, naturalmente e, a ser abordada mais adiante, será a de saber se os factos descritos na acusação - e por decorrência, os julgados como provados – e, desde logo a questão atinente com a posição jurídica da vítima no contexto do acidente, está ou não prevista na norma incriminatória.
Donde, manifestamente que carece de fundamento a invocada nulidade.
Improcede, pois, este primeiro segmento do recurso, no entendimento de que não foi cometida a nulidade prevista no artigo 379.º/1 aIínea b) C P Penal.

III. 3. 2. Recurso sobre a matéria de facto.

III. 3. 2. 1. Erros de julgamento

III. 3. 2. 1. 1. As razões dos arguidos.

Consideram os arguidos desde logo, que andou mal a decisão recorrida, em sede de julgamento da matéria de facto, por se não ter valorizado, não só, prova testemunhal, como igualmente, documental - que, a ser devidamente concatenada, ponderada e avaliada, seria susceptível de revelar mérito suficiente para imporem uma decisão diversa da proferida.
De resto, consideram os arguidos que se trilhou um caminho para a decisão final, tendo por base uma prévia convicção da qual se não conseguiu desapegar - que foi preponderante para a decisão condenatória.
Concretamente.
Defendem os arguidos que,

- o ponto 10. dos factos provados, na parte em que introduz a expressão "formalmente designada de trabalhador independente", apesar de expressar uma conclusão - e não um facto – se revelou decisivo para a condenação;
assim se entendeu que "J… e a sociedade arguida tinham um acordo, porventura estabelecido no interesse de ambas as partes, quanto ao regime de trabalho prestado pelo primeiro à segunda: aparente e formalmente, J… era um (apelidado) "empresário em nome individual", mas, na prática e na realidade, e pelo menos em 2013, estava subordinado às ordens e instruções dos arguidos B… e C…, no que concerne ao concreto tipo de trabalhos que executava para a sociedade arguida";
para efeitos de preenchimentos dos elementos tipo do crime em causa, avançou-se para a qualificação do vínculo contratual existente entre os arguidos e a vítima, considerando-o como um vínculo aparentemente ou formalmente autónomo, mas materialmente como de subordinação;
desconsiderando-se,
- o documento de fls. 601/2 dos autos, emanado pela ACT (Autoridade para as Condições de trabalho) denominado "Informação n.º 2113500193-1", subscrito pela Inspectora P…, testemunha chamada a depor nos autos, que resultou de uma visita inspectiva realizada à sociedade arguida em 03/06/2013, ou seja, 3 meses antes do fatídico acidente, no âmbito de uma acção nacional denominada "Trabalho Dissimulado", constitui um elemento de prova relevante e que não foi considerado, como devia - dele constando, terem sido recolhidas declarações à vítima, enquanto colaborador independente identificado pela sociedade arguida, tendo o mesmo prestado os seguintes esclarecimentos:
a) presta serviços para aquela empresa já há uns anos num regime de 3 dias por semana;
b) nem sempre que a empresa o solicita pode prestar os serviços requeridos uma vez que a sua disponibilidade não é total devido a questões familiares;
c) apesar de cobrar à empresa mensalmente os serviços prestados, o valor cobrado varia muito em função do número de horas trabalhadas;
d) em relação aos equipamentos de trabalho referiu que os EPl's que utiliza foram adquiridos por ele e para a execução dos trabalhos, utiliza ferramentas dele e da empresa;
e) em relação ao horário de trabalho, referiu que os horários que pratica têm que coincidir com os horários de funcionamento da empresa e que regista numa folhinha as horas que faz em cada dia;
f) está inscrito na Segurança Social e nas Finanças como trabalhador independente e tem seguro de acidentes de trabalho";
concluindo aí, a Inspectora que "dadas as circunstâncias, considera-se não haver elementos suficientes para a existência de um contrato de trabalho, cabendo às partes a negociação da forma, da prestação de serviços";
- o depoimento prestado pela dita Inspectora, que transcrevem,
"em relação ao trabalho dependente ou independente, o que eu verifiquei em relação a esse trabalhador em particular foi o mesmo que eu verifiquei em relação aos outros ... e da conversa que eu tive com ele resultou que ele seria um trabalhador independente, na medida em que a sua disponibilidade era condicionada ... não tinha um horário de trabalho fixo, porque tinha uma disponibilidade muito condicionada, por motivos pessoais ... esta va ali num regime que tinha sido acordado com a empresa para funcionar naqueles termos ... os equipamentos que ele tinha eram equipamentos dele, sem prejuízo de poder também utilizar equipamentos da empresa para o desenvolvimento dos serviços que tinha que fazer ... ";
"da conversa que tivemos ali, das perguntas que eu lhe fui fazendo, ficou claro que ele se assumia como um trabalhador independente, não como um trabalhador da empresa ... era um trabalhador que tinha uma relação já de longa data com aquela entidade empregadora, que prestava serviços em determinados períodos, que havia alturas em que não podia trabalhar e que não o fazia, havia alturas em que trabalhava ... em que podia trabalhar e que, portanto, trabalhava ... trabalhava nas instalações da empresa e no horário de funcionamento da empresa, mas porque tinha que ser assim, não é? Ou seja, não podia ser de outra maneira ... era um trabalho que ele tinha que fazer naquelas instalações e se as instalações abriam naquele horário era naquele horário que ele também lá estava ... e, em relação a essa situação específica, ficou mesmo claro que ele se assumia como trabalhador independente ... e eu, como Inspectora ... dos indícios que eu recolhi, das declarações do trabalhador, dos documentos que analisei no âmbito da acção inspectiva, não consegui demonstrar que havia uma relação clara de dependência laboral"
"considerando eu que o trabalhador não era um trabalhador da empresa, que era um prestador de serviços ... ";
de resto, entendem os arguidos, ainda, que a conclusão quanto à qualidade em que o falecido prestava serviços à sociedade arguida é ainda corroborada por diversos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, nomeadamente os constantes dos respectivos pontos 11, 13, 18, 44, 47 e 55 e, assim – quando, curiosamente, invocam que os factos contidos nos pontos 41 a 48, resultando do PIC, não podiam ser utilizados para a qualificação da relação, para efeitos criminais,
a redacção conferida ao aludido ponto 10. subverte a realidade extraída da prova produzida no processo, pelo que - a considerar-se como facto sujeito a demonstração – deverá ser afirmado, nos termos constantes da acusação deduzida:
"desde pelo menos o ano de 2012 que o ofendido J… era trabalhador independente, prestando serviços de fabricação, montagem e desmontagem de equipamentos de elevação para a sociedade arguida 'D…, Lda.”;

- no ponto 12 dos factos provados, ficou a constar que "o arguido C… ordenou que o ofendido J…" - a implicar a subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho por conta de outrem, uma posição de supremacia e domínio do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador,
quando, resulta evidente que só se poderia entender que, na situação concreta e em causa nos autos a vítima desenvolvia aquelas tarefas sob a autoridade e direcção da sociedade arguida se se considerasse que esta havia dado ordens nesse sentido;
tendo-se incorrido, para a afirmação deste ponto, em patente contradição na motivação, nomeadamente quando se mencionou que a testemunha L…, afirma que "quanto ao trabalho em causa nos autos, ... o arguido C… questionou-o, assim como J…, sobre se os mesmos conseguiriam efectuá-lo, na sequência do que lhes responderam positivamente e, nesse medida, deram início à obra";
invocando, assim,
- o depoimento desta testemunha que transcrevem:
mandatário dos assistentes: "E o Sr. C… chegou à vossa beira e disse 'agora quero que vós ides fazer aquele trabalho ali' .. foi assim? Estou a perguntar eu ... "
testemunha: "Se nós somos capazes de ir fazer aquele serviço ... nós fomos ver o serviço, nós fomos lá acima, vimos ... somos capazes."
testemunha: "E ele, o Sr. J…, estava sempre a dizer 'Cuidado' para nós não calcarmos as chapas transparentes ... "
Meritíssima Juiz: "Quem é que dizia isso, desculpe?"
testemunha: "O Sr. J… ... o senhor falecido ... J… ... sempre a dizer ... era o homem mais cuidadoso ... estava sempre a dizer 'Cuidado com as chapas, cuidado com as chapas"
testemunha: "Ele até ... houve uma altura que ele foi lá acima ... o Sr. patrão, o Sr. J… ... e o Sr. C… foi logo a correr à beiJ;a do Sr. C… para ter cuidado para não calcar as chapas ... e o Sr. C… já nem foi lá abaixo .. ficou na parte de cima do telhado";
bem como o da testemunha M…, que igualmente, transcrevem:
testemunha: "A gente tem de saber que não pode lá meter os pés."
Digníssimo Procurador-Adjunto: "E sabiam disso?"
testemunha: "Sabia, porque ele até, no dia anterior do acidente, o meu patrão foi lá acima ... e ele foi logo a correr IÓ Sr. C…, você não venha ... não venha para aqui ... não venha para aqui para as chapas que você não está habituado a andar cá em cima, você pode cair' ... e aquilo ... tanto azar, tanto azar que foi ele que caiu ... "
Mandatária dos arguidos: "A preocupação do Sr. J… era constante relativamente ao ... ?"
testemunha: "Era, era, era ... estava sempre a dizer
'Epá, cuidado com as chapas, cuidado com as chapas' "
Mandatária dos arguidos: "Mas que chapas?"
testemunha: "As chapas de vidro … as sandwich a gente pode caminhar bem em cima delas ... as outras não podemos … ninguém pode pôr o pé nelas ... e ele estava sempre com esse cuidado ... sempre, sempre, sempre, sempre, sempre ... "
Mandatária dos arguidos: "Ele insistia nessa situação?"
testemunha: "Sempre ... estava sempre a olhar para nós, sempre ali atento, sempre ... porque ... não se pode meter lá o pé ... não convém lá meter o pé ... ";
para daqui concluir que os depoimentos das 2 pessoas que auxiliaram o falecido na realização do trabalho em causa, revelam, claramente, que,
o trabalhador falecido só se mostrou disponível para o executar o trabalho em causa porque se considerava capaz de o fazer;
não foi no âmbito de uma relação de domínio, de autoridade, direcção ou de supremacia da sociedade arguida para com o falecido que este acedeu a executar o trabalho em causa, até porque o mesmo se situava fora do âmbito da actividade daquela;
não só a vítima revelou capacidade técnica, como, o próprio conhecimento que tinha da obra em si, e dos respectivos riscos - razão pela qual o Tribunal fez constar do ponto 16. dos factos provados que "os trabalhadores identificados em 12. conheciam as características da cobertura e estavam conscientes do risco associado às placas de fibra, sabendo que teriam de apoiar-se nas placas de ferro";
não houve nem uma ordem/imposição quanto à realização da tarefa em causa, nem uma supervisão da execução de tal tarefa por parte de qualquer dos arguidos;
se assim não fosse, nenhum sentido faria ter existido quer as constantes chamadas de atenção aos colegas para não pisarem as chapas frágeis que compunham aquela cobertura, quer o cuidado em não permitir a subida do arguido C… à cobertura, face aos riscos inerentes;
para assim concluir por que, por se encontrar em frontal contradição com a prova produzida, deve a redacção do ponto 12. ser alterada, passando a constar do mesmo que:
"na segunda semana do mês de Setembro de 2013, o arguido C… solicitou ao ofendido J… que, acompanhado dos trabalhadores da sociedade arguida, L… e M…, procedesse à limpeza e impermeabilização das caleiras do pavilhão industrial da sociedade arguida, sita na Rua …, em …, concelho de Santa Maria da Feira";

- pontos 13 e 47 – defendem os arguidos que ao fazer constar nestes pontos de facto que o falecido J… se servia de instrumentos de trabalho pertença da sociedade arguida quando necessitava, se visou, tão-só, indiciar a existência de uma pretensa relação de subordinação entre o falecido J… e a sociedade arguida, quando o certo é que dos excertos dos depoimentos em que a decisão recorrida se baseou para fundamentar tal afirmação, nenhuma das testemunhas se referiu, em concreto, aos instrumentos de trabalho em uso na obra referida no anterior ponto.
Com efeito, a este propósito, na motivação de facto, foi destacado, a respeito das ferramentas e equipamentos de segurança usados pelo falecido, que:
- a testemunha M… afirmou que, enquanto o próprio depoente trabalhava com um conjunto de ferramentas pertencente à sociedade arguida, o J… trabalhava com ferramentas, cinto de segurança e arnês próprios;
- a testemunha L… aludiu, igualmente, ao facto de o J… utilizar sempre as suas próprias ferramentas na execução dos trabalhos, apesar de fazer uso de ferramenta da empresa quando necessitava";
- a testemunha X… declarou que o J… tinha material próprio, embora utilizasse material da sociedade arguida quando necessitava”;
- a testemunha P…, inspectora do trabalho, referiu que, nessa ocasião, falou com J… e dessa entrevista resultou que o mesmo seria, efectivamente, um trabalhador independente, pois, de acordo com a sua indagação, não estava vinculado a um horário de trabalho fixo e trabalhava com equipamento próprio. ainda que também utilizasse equipamentos da sociedade arguida";
- a testemunha Q… aludiu ao facto de o J… utilizar ferramentas próprias e algumas pertencentes à sociedade arguida",
entendem os arguidos, resultar cristalino destes depoimentos - prestados por testemunhas que de tal facto tinham conhecimento directo - que os instrumentos com que o falecido J… laborava eram sua propriedade, e não da sociedade arguida, tendo-se omitido, em absoluto, na factualidade tida por provada, aquilo que mais foi realçado a este propósito em todos os depoimentos - que o falecido J… possuía e trabalhava com ferramentas próprias e,
assim, concluem, que, por manifesta ausência de prova nesse sentido, deverá ser eliminado o ponto 13. do elenco dos factos provados, devendo por sua vez ser alterada a redacção dada ao ponto 47., nos seguintes termos:
"J… utilizava instrumentos de trabalho e equipamentos de segurança individual próprios, socorrendo-se de ferramentas da sociedade arguida quando necessitava";
- pontos 25 a 28 – neste segmento entendem os arguidos que a decisão recorrida verteu considerações necessárias ao preenchimento dos elementos típicos do crime por que veio a condenar os arguidos, fazendo alusão ao conhecimento que os mesmos arguidos teriam quanto às condições de execução dos trabalhos referenciados em 12., socorrendo-se apenas das regras da experiência comum, e em total desconsideração da prova produzida nos autos.
Com efeito, se se pode supor que os arguidos possuíam conhecimentos em relação às regras de segurança aplicáveis aos trabalhos que cabem no objecto social da empresa arguida ("fabrico, comercialização, importação e exportação de gruas e outras máquinas e equipamentos para a indústria da construção civil; prestação de serviços conexos, nomeadamente de assistência técnica e aluguer' - cfr. ponto 1. dos factos provados), nunca poderia daí ter extrapolado a prova de que os arguidos dominavam as regras e técnicas de segurança adequadas à execução de trabalhos de construção civil em altura, como eram os trabalhos solicitados ao falecido J… – pelo que, atenta a manifesta ausência de prova quanto ao concretamente afirmado nestes pontos, deverá o aí afirmado ser tido como não provado;

- ponto 29 – ao se afirmar que "a queda descrita em 22. foi consequência da ausência, na execução da obra referida em 12., de equipamentos de protecção destinados a prevenir as quedas em altura", entendem os arguidos que, não só, se descreve uma conclusão - e não um facto - como a mesma não tem correspondência com o facto dado como provado no ponto 53., “se J… não tivesse dado um passo em falso sobre uma placa de fibra como descrito em 22., o mesmo não teria morrido";
e, assim, se por um lado, a queda nunca teria acontecido se a vítima não tivesse dado um passo em falso - independentemente da (in)existência de medidas de protecção - por outro resulta evidente que a existência de medidas de protecção não evitaria o evento da queda, podendo ter prevenido, tão-só, o respectivo resultado - a morte;
para concluírem por que o facto contido no ponto 29., porque conclusivo e sem sentido face ao vertido no ponto 53., deverá ser retirado da lista dos factos tidos por provados nos autos;

- pontos 31 a 35 - foram tidos por provados com base na consideração das regras da experiência comum, tendo-se o Tribunal eximido a indagar se, no caso concreto, tais considerações se achavam efectivamente demonstradas por recurso a qualquer meio de prova;
os trabalhos solicitados ao falecido J… consistiam em trabalhos de construção civil, cfr. ponto 12., que extravasam o objecto da actividade dos arguidos, cfr. ponto 1. e, assim, o âmbito dos respectivos conhecimentos técnicos;
nada nos autos indicia que os arguidos fossem detentores das competências técnicas adequadas a prevenir e garantir a segurança na execução da obra;
da prova produzida resultou que o sinistrado era trabalhador independente, mostrou-se habilitado a promover tais trabalhos - como se refere na fundamentação da decisão recorrida - razão pela qual os arguidos não tinham porque duvidar que o mesmo, na execução da empreitada que lhe foi confiada, zelaria pela observância de todas as regras de segurança impostas in casu;
as afirmações constantes dos aludidos pontos de facto encontram-se na necessária dependência de uma conclusão que consubstancia - salvo melhor entendimento - matéria de direito que, enquanto tal, não deveria integrar a lista da factualidade provada, devendo ser analisada em sede de apreciação jurídica da causa;
para assim concluírem porque estes factos deverão ser excluídos da enumeração dos factos tidos por provados.

Finalizam por salientar que na contestação invocaram um conjunto de factualidade relacionada com a prestação de serviços a que se dedicava o falecido J… - que, apesar de documentalmente demonstrada, foi ignorada e/ou desvalorizada pelo Tribunal recorrido, que não os fez constar dos factos provados, pra assim, concluírem por que a condenação assenta na pretensa existência de uma subordinação do sinistrado face à sociedade arguida, razão pela qual os factos constantes dos artigos 34. a 37., 47. a 52., 55. e 56. da contestação, conjugados com os docs. n.ºs 1 a 33 com a mesma juntos - porque discutidos e comprovados em sede de julgamento (por força do PIC deduzido) - deverão constar dos factos provados com a redacção supra exposta.

III. 3. 2. 1. 2. A questão suscitada pelos arguidos tem subjacente o controlo sobre a admissibilidade e valoração dos meios de prova de que depende em última análise, a fixação dos factos materiais da causa.
Antes de avançarmos na consideração mais aprofundada desta temática, justifica-se fazer um breve parêntesis aos poderes conferidos às Relações em termos de modificação da matéria de facto apurada em 1.ª instância.
É que não se trata, como à primeira vista poderia resultar de uma leitura mais imediata dos correspondentes preceitos processuais, de poderes que traduzam um conhecimento ilimitado dessa mesma factualidade.
Para isso concorre, essencialmente, a concepção adoptada no nosso ordenamento adjectivo que concebe os recursos como “remédio jurídico” para os vícios de julgamento, ou se se quiser, o seu entendimento como juízos de censura crítica e não como “novos julgamentos”, bem como ainda, as decorrências do princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º C. P Penal e bem assim o natural privilegiamento que compreensivelmente se há-de conferir à decisão que foi proferida numa relação de maior imediação e proximidade com a sua própria produção.
Havendo versões diferentes e mesmo antagónicas sobre os factos, inexistindo a possibilidade de a final se chegar a uma solução intermédia, pois que ambas as teses em confronto, mutuamente se excluem, apenas uma delas se poderá ter como “verdadeira”, entendendo-se por esta expressão, uma versão processualmente estabelecível por meios probatórios válidos.
Por via de regra, o tribunal de recurso não vai à procura de uma convicção autónoma fundada na sua própria interpretação da prova, mas antes verificar se a factualidade definida na decisão em apreciação se mostra adequadamente ancorada na análise crítica efectuada das provas.
Da mesma maneira, a alteração solicitada em recurso de um qualquer facto só é de proceder, quando de forma clara e convincente o juízo alternativo apresentado sobre a sua definição como provado ou não provado, evidencie o seu melhor fundamento em relação ao apresentado pela instância.
A questão, suscitada por todos os recorrentes, nesta sede, tem, desde logo, subjacente o controlo sobre a admissibilidade e valoração dos meios de prova de que depende em última análise, a fixação dos factos materiais da causa.
À pergunta sobre o que significa, negativa e positivamente, a livre apreciação da prova, ou, o que é o mesmo, valoração discricionária ou valoração da prova segundo a livre convicção do julgador, responde o Prof. Figueiredo Dias, “(…) significa, negativamente, ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova; mas qual o seu significado positivo? Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma motivação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida; se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionaridade (como já dissemos que a tem toda a discricionaridade jurídica) os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados; a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo, possa embora a lei renunciar à motivação e o controlo efectivos”. [1]
“Livre apreciação da prova não é, portanto, livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela objectivável e motivável; já se vê, assim, que sendo a dúvida que legitima a aplicação do princípio in dubio pro reo, obviamente, a que obsta à convicção do juiz, tal dúvida não pode ser puramente subjectiva, antes tem de, igualmente, revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável”. [2]
“Embora os meios de prova produzidos não estejam sujeitos a qualquer regime de prova legal, mas antes à livre apreciação do tribunal, artigo 127º C P Penal, a verdade é que livre apreciação não significa pura convicção subjectiva, mas sim “convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. E uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável; não se tratará, pois, de uma mera opção voluntarista pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos “a posteriori” tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”. [3]
A circunstância de o tribunal, perante duas versões distintas, dar crédito a uma em detrimento da outra, tem a ver com o exercício do princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º C P Penal, segundo o qual o julgador deve proceder à avaliação e ponderação dos meios de prova sem vinculação a um quadro pré-definido de valoração das provas, sujeito apenas às regras da experiência comum e ao dever de dar explicação concisa das razões da relevância atribuída à cada prova e do percurso racional que levou à decisão tomada.
Se assim é, se o Tribunal da Relação não procede a um segundo julgamento de facto, pois que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, não pressupõe a reanálise pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzida, mas tão-só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido mencionados no recurso e das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas, sugiram ou permitam) decisão diversa, estamos perante uma reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o mesmo entende incorrectamente julgados e às razões dessa discordância.
Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível).
De resto, a consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, pode vir a transformar o julgamento na 2ª instância, num jogo de palavras vazio do pulsar da vida, da percepção dos sentidos e sentimentos.
Na verdade, não podemos esquecer que, ao apreciar a matéria de facto, o Tribunal da 2ª instância está condicionado pelo facto de não ter com os participantes do processo, aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão. Só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabeleceu-se com o Tribunal de 1ª instância e daí que a alteração da matéria de facto fixada, deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação.
Apreciemos então, o que afinal se reconduz, a uma diversa valoração do sentido da prova pessoal produzida.
A este propósito convém, então, referir que, nos termos do artigo 127º C P Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A maior parte das vezes, os recursos, quanto a esta concreta questão, de impugnação da credibilidade dos elementos de prova, demonstram um evidente equívoco - o da pretensão de equivalência entre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e o exercício, juridicamente ilegítimo, por irrelevante, do que corresponde ao princípio da livre apreciação da prova, exercício, este que, para ser legítimo, logo juridicamente relevante, por imposição do artigo 127º C P Penal, somente ao tribunal, entidade competente, notoriamente, incumbe.
Não pode é, a convicção do recorrente sobrepor-se à do julgador.

III. 3. 2. 1. 3. Apreciando.

Discordam os arguidos do julgamento firmado sobre a matéria de facto contida nos pontos 10., 12., 13., 25. a 28., 29., 31. a 35. e 47.
Que são do seguinte teor.
10. desde pelo menos o ano de 2012, que o ofendido J… era trabalhador independente, prestando serviços de fabricação, montagem e desmontagem de equipamentos de elevação para a sociedade arguida 'D…, Lda.;
12. na segunda semana do mês de Setembro de 2013, o arguido C… ordenou que o ofendido J…, acompanhado dos trabalhadores da sociedade arguida "D…, Lda. ", L… e M…, procedessem à limpeza e impermeabilização das caleiras do pavilhão industrial da sociedade arguida, sita na Rua …, em …, concelho de Santa Maria da Feira;
13. todos os instrumentos e utensílios e maquinaria da obra eram propriedade da sociedade arguida "D…, Lda.;
25. apesar de saberem que a execução de trabalhos em altura expõe os trabalhadores a riscos elevados, particularmente quedas, frequentemente com consequências graves para os sinistrados e que representam uma percentagem elevada de acidentes de trabalho, os arguidos não procederam à avaliação dos riscos associados à execução daquela obra, nem definiram as medidas de prevenção adequadas aos trabalhos a realizar, nem elaboraram as fichas de procedimentos de segurança - apesar daqueles trabalhos implicarem riscos especiais - e nem asseguraram que os trabalhadores dependentes e independentes tivessem conhecimento das mesmas;
26. os arguidos sabiam que quando não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado o equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras;
27. mais sabiam que na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, deveriam ter dado dar prioridade a medidas de pretecção colectiva em relação a medidas de protecção individual, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo;
28. os arguidos sabiam que deveriam ter elaborado um plano de segurança e saúde que previsse medidas adequadas a prevenir os riscos especiais para a segurança e saúde dos trabalhadores decorrentes de trabalhos que os exponham a risco de queda em altura, particularmente agravadas pela natureza da actividade ou dos meios utilizados, ou do meio envolvente do posto, ou da situação de trabalho;
29. A queda descrita em 22) foi consequência da ausência, na execução da obra referida em 12), de equipamentos de protecção destinados a prevenir as quedas em altura;
31. Os arguidos B… e C… tinham o dever e capacidade pessoal de acompanhar a obra e garantir a execução desta em segurança, mediante a utilização dos referidos equipamentos de protecção, e, não obstante, nada fizeram;
32. os arguidos tinham o dever jurídico de agir, impedia sobre eles o dever pessoal de garante, no sentido de planear e acompanhar a obra e assim garantir a sua segurança, mesmo assim nada fizeram, apesar de ter possibilidades e capacidade para agir;
33. os arguidos representaram que, em virtude de não planearem a obra, pudessem ser violadas regras de segurança por parte dos trabalhadores e, consequentemente, que colocavam em perigo a vida e a integridade física de todos aqueles que se encontravam no pavilhão;
34. porém confiaram que tal perigo não se iria verificar;
35. os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente";
47. J… utilizava instrumentos de trabalho pertencentes à sociedade arguida, quando necessitava.

Vejamos.
Ponto 10.
Como de resto acertadamente assinalam os arguidos nem a expressão da acusação “trabalhador independente” nem a utilizada na sentença, “apenas formalmente trabalhador independente”, constituem factos – enquanto pedaços da vida real sobre os quais se possa produzir prova.
Antes, pelo contrário constituirão, ambas, expressões conclusivas e consubstanciado matéria de direito, que deverão ser preenchidas pelo conjunto da factualidade concreta provada.
Daí que se deva ter como não escrita, a que agora aqui releva, constante da decisão recorrida.
Igualmente, em relação aos pontos 29. e 31., onde se afirma, respectivamente, que, a queda descrita em 22) foi consequência da ausência, na execução da obra referida em 12), de equipamentos de protecção destinados a prevenir as quedas em altura e que, 30. A morte do ofendido J… foi consequência da inexistência, na execução da obra referida em 12), de tal equipamento de segurança, o qual sempre evitaria a queda em altura e os consequentes traumatismos que o vitimaram – este, apesar de não impugnado pelos recorrentes.
Com efeito em todas estas afirmações atinentes com o nexo de causalidade entre a violação das normas de segurança no trabalho e a produção do acidente, seno que tal nexo implica uma avaliação de natureza jurídica, e sede de aplicação do princípio da causalidade adequada aí convocável, como se tem geralmente defendido, cfr. neste sentido, Acórdão STJ de 9.12.2010, in CJ, S, III, 267.
Donde, nem se pode afirmar – como fazem os arguidos – que, a conclusão contida no ponto 29. não tem correspondência com o facto dado como provado no ponto 53., “se J… não tivesse dado um passo em falso sobre uma placa de fibra como descrito em 22., o mesmo não teria morrido";
E, muito menos se pode afirmar – como também fazem os arguidos - que, a queda nunca teria acontecido se a vítima não tivesse dado um passo em falso - independentemente da (in)existência de medidas de protecção – ou que, a existência de medidas de protecção não evitaria o evento da queda, podendo ter prevenido, tão-só, o respectivo resultado - a morte.

Ponto 12.
Discordam os arguidos do facto de se ter julgado como provado que, "o arguido C… ordenou que o ofendido J…" fosse efectuar o trabalho em cuja execução veio a sofrer o acidente que o vitimou – no que consideram, acertada e lucidamente, é certo, que tal implica a subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho por conta de outrem, uma posição de supremacia e domínio do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador.
E invocam a sustentar o seu inconformismo, os depoimentos de 2 testemunhas, que com a vítima estavam a executar a dita tarefa – a evidenciar, desde logo, para a afirmação deste ponto, em patente contradição na motivação, nomeadamente quando se mencionou que a testemunha L…, afirma que "quanto ao trabalho em causa nos autos, ... o arguido C… questionou-o, assim como J…, sobre se os mesmos conseguiriam efectuá-lo, na sequência do que lhes responderam positivamente e, nesse medida, deram início à obra",
sendo que o primeiro disse que,
o Sr. C… lhes perguntou se eram capazes de ir fazer aquele serviço, fomos ver o serviço, fomos lá acima, vimos ... somos capazes; ele, o Sr. J…, estava sempre a dizer 'cuidado' para nós não calcarmos as chapas transparentes; era o homem mais cuidadoso ... estava sempre a dizer 'cuidado com as chapas, cuidado com as chapas; ele até ... houve uma altura que ele foi lá acima ... o Sr. patrão, o Sr. C…. ... e o Sr. J… foi logo a correr à beira do Sr. C… para ter cuidado para não calcar as chapas ... e o Sr. C… já nem foi lá abaixo .. ficou na parte de cima do telhado;
e, o segundo que,
a gente tem de saber que não pode lá meter os pés; sabia, porque ele até, no dia anterior do acidente, o meu patrão foi lá acima ... e ele foi logo a correr ó Sr. C…, você não venha ... não venha para aqui ... não venha para aqui para as chapas que você não está habituado a andar cá em cima, você pode cair ... e aquilo ... tanto azar, tanto azar que foi ele que caiu ...; a preocupação do Sr. J… era constante relativamente ao ... ; estava sempre a dizer 'Epá, cuidado com as chapas, cuidado com as chapas, as chapas de vidro … as sandwich a gente pode caminhar bem em cima delas ... as outras não podemos … ninguém pode pôr o pé nelas ... e ele estava sempre com esse cuidado ... sempre, sempre, sempre, sempre, sempre ...; ele insistia; sempre ... estava sempre a olhar para nós, sempre ali atento, sempre ... porque ... não se pode meter lá o pé ... não convém lá meter o pé ...;
para daqui concluir que os depoimentos daquelas 2 testemunhas que auxiliaram o falecido na realização do trabalho em causa, revelam, claramente, que,
o trabalhador falecido só se mostrou disponível para o executar o trabalho em causa porque se considerava capaz de o fazer;
não foi no âmbito de uma relação de domínio, de autoridade, direcção ou de supremacia da sociedade arguida para com o falecido que este acedeu a executar o trabalho em causa, até porque o mesmo se situava fora do âmbito da actividade daquela;
não só a vítima revelou capacidade técnica, como, o próprio conhecimento que tinha da obra em si, e dos respectivos riscos - razão pela qual o Tribunal fez constar do ponto 16. dos factos provados que "os trabalhadores identificados em 12. conheciam as características da cobertura e estavam conscientes do risco associado às placas de fibra, sabendo que teriam de apoiar-se nas placas de ferro";
não houve nem uma ordem/imposição quanto à realização da tarefa em causa, nem uma supervisão da execução de tal tarefa por parte de qualquer dos arguidos;
se assim não fosse, nenhum sentido faria ter existido quer as constantes chamadas de atenção aos colegas para não pisarem as chapas frágeis que compunham aquela cobertura, quer o cuidado em não permitir a subida do arguido C… à cobertura, face aos riscos inerentes;
para assim concluir por que, por se encontrar em frontal contradição com a prova produzida, deve a redacção do ponto 12. ser alterada, passando a constar do mesmo que:
"na segunda semana do mês de Setembro de 2013, o arguido C… solicitou ao ofendido J… que, acompanhado dos trabalhadores da sociedade arguida, L… e M…, procedesse à limpeza e impermeabilização das caleiras do pavilhão industrial da sociedade arguida, sita na Rua …, em …, concelho de Santa Maria da Feira";.
A questão aqui cremos, ser de natureza semântica – onde o tribunal entendeu considerar que o arguido ordenou, os recorrentes entendem que o arguido solicitou.
Saliente-se, como recordam os arguidos, que esta tarefa não fazia parte do âmbito do objecto social da arguida – onde por decorrência, por outro lado, se enquadraria o âmbito dos trabalhos que a vítima, usual e habitualmente, para si executaria.
Se, bem vistas as coisas nenhum relevo assume aquela questão de natureza gramatical, já, pelo contrário, se revela de primacial importância, esta última vertente.
Desde logo porque o arguido se estava a dirigir a 3 pessoas - 2 assumidamente seus trabalhadores, a quem por esse facto podia dar ordens concretas – bem como, à própria vítima – a quem, em princípio, na tese dos arguidos, tal não aconteceria.
E, o arguido não fez qualquer distinção entre uns e outros na forma como se lhes dirigiu.
A uns e a outros dirigiu-se da mesma forma, sem que ele próprio haja interiorizado haver qualquer distinção no tratamento e na abordagem.
E, se assim o fez, foi, seguramente, porque desde logo, na sua perspectiva e visão da natureza das coisas, não existia, porque não existia, de facto, diferença no tratamento, no quotidiano da relação entre a sociedade arguida e a vítima - pelo menos, naquele preciso e concreto pedaço da realidade – inserida no apontado contexto – que é o que aqui releva.
Porventura, diversamente, seria retratada a realidade da forma de o arguido se dirigir à vítima, se o arguido estivesse a executar tarefa compreendida e enquadrada na sua actividade de montador de gruas.
Ora “solicitar” aos 2 trabalhadores quando na óptica da distinção feita pelos arguidos, em relação a eles, poderia “ordenar”, é susceptível de traduzir que a distinção nenhum interesse prático tem.
Isto é, significa rigorosamente o mesmo, solicitar a 3 pessoas – quando em relação a 2 delas se pode dar ordens - ou ordenar, quando entre eles estaria 1, a quem não se poderia dar ordens.
Improcede, assim, esta pugnada alteração, pois que se não evidencia, antes pelo contrário – que exista algum erro de julgamento, sendo certo, mesmo que, os depoimentos das 2 apontadas testemunhas são o exemplo claro, inequívoco e definitivo do acerto do julgamento.
Da mesma forma, nem se diga que a vítima não foi executar aquela tarefa a mando do arguido, porque afinal foi primeiro ver qual era a natureza do trabalho e se achou capaz de a fazer. Isto apenas teria alguma virtualidade se o tivesse assumido num contexto de amizade e de altruísmo, vg. se o arguido tivesse ido ao café pedir a alguém que o ajudasse a levar a cabo a tarefa, por amizade ou favor, desinteressadamente.
Com feito, o que aqui releva, é o facto de a tarefa estar a ser executada no interesse e por ordem do arguido C…, nas instalações da própria arguida, sob a direcção deste – atente-se que ele próprio, se deslocou ao local, e com cuja presença a vítima verbalizou estar preocupada, precisamente, por questões de segurança.

Pontos 13 e 47.
Defendem os arguidos que, por manifesta ausência de prova nesse sentido, deverá ser eliminado o ponto 13 - todos os instrumentos e utensílios e maquinaria da obra eram propriedade da sociedade arguida "D…, Lda. - do elenco dos factos provados, devendo por sua vez ser alterada a redacção dada ao ponto 47 – J… utilizava instrumentos de trabalho pertencentes à sociedade arguida, quando necessitava - nos seguintes termos:
"J… utilizava instrumentos de trabalho e equipamentos de segurança individual próprios, socorrendo-se de ferramentas da sociedade arguida quando necessitava".
Curiosamente, os arguidos impugnam o afirmado neste derradeiro ponto, apesar de terem invocado a nulidade da decisão, porque se teria dado como provada matéria relativa à qualificação da relação profissional existente entre o ofendido e a sociedade arguida (designadamente os pontos 41. a 48. dos factos provados), para além da descrita na acusação, sendo utilizada para a sua responsabilização criminal - fora do contexto acusatório.
Defendem, então, os arguidos que ao fazer constar nestes pontos de facto que o falecido J… se servia de instrumentos de trabalho pertença da sociedade arguida quando necessitava, se visou, tão-só, indiciar a existência de uma pretensa relação de subordinação entre o falecido J… e a sociedade arguida, quando o certo é que dos excertos dos depoimentos em que a decisão recorrida se baseou para fundamentar tal afirmação, nenhuma das testemunhas se referiu, em concreto, aos instrumentos de trabalho em uso na obra referida no anterior ponto.
Com efeito, a este propósito, na motivação de facto, foi destacado, a respeito das ferramentas e equipamentos de segurança usados pelo falecido, que:
- a testemunha M… afirmou que, enquanto o próprio depoente trabalhava com um conjunto de ferramentas pertencente à sociedade arguida, o J… trabalhava com ferramentas, cinto de segurança e arnês próprios;
- a testemunha L… aludiu, igualmente, ao facto de o J… utilizar sempre as suas próprias ferramentas na execução dos trabalhos, apesar de fazer uso de ferramenta da empresa quando necessitava;
- a testemunha J… declarou que o J… tinha material próprio, embora utilizasse material da sociedade arguida quando necessitava;
- a testemunha P…, inspectora do trabalho, referiu que, nessa ocasião, falou com J… e dessa entrevista resultou que o mesmo seria, efectivamente, um trabalhador independente, pois, de acordo com a sua indagação, não estava vinculado a um horário de trabalho fixo e trabalhava com equipamento próprio. ainda que também utilizasse equipamentos da sociedade arguida;
- a testemunha Q… aludiu ao facto de o J… utilizar ferramentas próprias e algumas pertencentes à sociedade arguida.
Entendem os arguidos, resultar cristalino destes depoimentos - prestados por testemunhas que de tal facto tinham conhecimento directo - que os instrumentos com que o falecido J… laborava eram sua propriedade, e não da sociedade arguida, tendo-se omitido, em absoluto, na factualidade tida por provada, aquilo que mais foi realçado a este propósito em todos os depoimentos - que o falecido J… possuía e trabalhava com ferramentas próprias.
Ora, também, neste segmento ressalta o equívoco de os arguidos olvidarem, ou fazerem por isso, que a tarefa que o arguido estava a executar na ocasião, não se enquadrava no âmbito daquela que usual e habitualmente desempenhava para a arguida - seja no âmbito da sua actividade de manobrador de gruas.
Se aqui naturalmente que se poderia com facilidade e, atentas as regras da experiência comum, no contexto formal em que desenvolvia a sua actividade, que os instrumentos, as ferramentas de trabalho e o equipamento de segurança lhe pertencesse, já o mesmo se não verifica aquando do desenvolvimento, afinal, de uma tarefa, para mais, conjuntamente com outros 2 (estes sim, inquestionavelmente, trabalhadores, assalariados, por conta da arguida).
O que de toda a forma, apenas releva em termos de indício que, a par de outros, permite a caracterização da relação contratual, mas que nenhum relevo assume, em termos de descaracterização do acidente, ou de repartição de culpa na sua ocorrência - pois que em causa está a falta de utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo – cuja utilização em concreto, nem os arguidos defendem que seria da responsabilidade da vitima – ou já agora, de qualquer um dos outros 2 trabalhadores que o acompanhavam.

Pontos 25 a 28 – neste segmento entendem os arguidos que a decisão recorrida verteu considerações necessárias ao preenchimento dos elementos típicos do crime por que veio a condenar os arguidos, fazendo alusão ao conhecimento que os mesmos arguidos teriam quanto às condições de execução dos trabalhos referenciados em 12., socorrendo-se apenas das regras da experiência comum, e em total desconsideração da prova produzida nos autos.
Com efeito, se se pode supor que os arguidos possuíam conhecimentos em relação às regras de segurança aplicáveis aos trabalhos que cabem no objecto social da empresa arguida ("fabrico, comercialização, importação e exportação de gruas e outras máquinas e equipamentos para a indústria da construção civil; prestação de serviços conexos, nomeadamente de assistência técnica e aluguer” - cfr. ponto 1. dos factos provados), nunca poderia daí ter extrapolado a prova de que os arguidos dominavam as regras e técnicas de segurança adequadas à execução de trabalhos de construção civil em altura, como eram os trabalhos solicitados ao falecido J… – pelo que, atenta a manifesta ausência de prova quanto ao concretamente afirmado nestes pontos, deverá o aí afirmado ser tido como não provado;
Ora, como parece medianamente evidente, afirmar-se que,
apesar de saberem que a execução de trabalhos em altura expõe os trabalhadores a riscos elevados, particularmente quedas, frequentemente com consequências graves para os sinistrados e que representam uma percentagem elevada de acidentes de trabalho, os arguidos não procederam à avaliação dos riscos associados à execução daquela obra, nem definiram as medidas de prevenção adequadas aos trabalhos a realizar, nem elaboraram as fichas de procedimentos de segurança - apesar daqueles trabalhos implicarem riscos especiais - e nem asseguraram que os trabalhadores dependentes e independentes tivessem conhecimento das mesmas;
os arguidos sabiam que quando não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado o equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras;
mais sabiam que na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, deveriam ter dado dar prioridade a medidas de pretecção colectiva em relação a medidas de protecção individual, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo;
os arguidos sabiam que deveriam ter elaborado um plano de segurança e saúde que previsse medidas adequadas a prevenir os riscos especiais para a segurança e saúde dos trabalhadores decorrentes de trabalhos que os exponham a risco de queda em altura, particularmente agravadas pela natureza da actividade ou dos meios utilizados, ou do meio envolvente do posto, ou da situação de trabalho;
com base, apenas, nas regras da experiência comum, nenhum erro evidencia, por um lado e, por outro podemos mesmo afirmar, que o contrário, constituiria flagrante, evidente e crasso erro notório na apreciação da prova, precisamente por violação das mencionadas regras da experiência comum atinentes com a derivada da actividade profissional dos arguidos, desenvolvida na área onde se inseriam os trabalhos em causa, donde dificilmente seria compreensível que se pudesse afirmar que os arguidos careciam de competências técnicas adequadas a prevenir e garantir a segurança na execução da obra.
Isto por um lado e, por outro, apesar de invocado pelos arguidos que a afirmação destes factos foi feita em total desconsideração da prova produzida nos autos, o certo é que tal prova não se evidencia qual seja, tão pouco, os arguidos a especificam, porventura por a não terem vislumbrado – como nós, também, a não vislumbramos.

Pontos 32 a 35 – neste particular defendem os arguidos que constituem factos que foram julgados provados com base na consideração das regras da experiência comum, tendo-se o Tribunal eximido a indagar se, no caso concreto, tais considerações se achavam efectivamente demonstradas por recurso a qualquer meio de prova.
Ora, também, em relação a estes factos,
os arguidos tinham o dever jurídico de agir, impedia sobre eles o dever pessoal de garante, no sentido de planear e acompanhar a obra e assim garantir a sua segurança, mesmo assim nada fizeram, apesar de ter possibilidades e capacidade para agir;
os arguidos representaram que, em virtude de não planearem a obra, pudessem ser violadas regras de segurança por parte dos trabalhadores e, consequentemente, que colocavam em perigo a vida e a integridade física de todos aqueles que se encontravam no pavilhão;
porém confiaram que tal perigo não se iria verificar;
os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente;
se não pode deixar de concluir como em relação aos antecedentes pontos de facto.
Nenhuma repercussão pode assumir, de resto, na sua afirmação - como pretendem os arguidos - o apurado contexto contratual em que a vítima, habitual e usualmente, desenvolvia tarefas no âmbito da sua actividade profissional, para a arguida – sendo certo, desde logo, que as desenvolvidas no momento do acidente, nenhuma conexão tinham com aquela, a não ser a coincidência de ter ocorrido no tempo e no local de trabalho e a pedido do arguido.
Tão pouco, como dissemos já, se pode repercutir no julgamento de tais factos, mormente no sentido de se impor o seu julgamento como não provados, o facto de a vítima se haver mostrado habilitado a levar a cabo a tarefa, no desenvolvimento da qual veio a cair e assim, a falecer.
Tal facto não é susceptível de traduzir um relaxamento na obrigação dos arguidos, de dispensar a observância das regras de segurança, até porque, desde logo, a mesma estava a ser levada a cabo ainda por 2 assalariados, em relação aos quais, os arguidos tinham a obrigação de ter adoptado procedimentos de segurança e, não obstante, não o fizeram.
Muito menos, em confiar, que tal incumbência ficaria a cargo da vítima, apenas e tão só pelo facto de se ter considerado habilitado a executar a tarefa. E ainda, mas remotamente, que a vítima a tivesse assegurado.
Tudo o mais, com acertadamente defendem os arguidos, se resume à análise e aplicação das regras de direito, tendo presente o conjunto da materialidade provada.
Nenhuma injustificada extrapolação ou ilegítimo excesso se revela na afirmação de todos estes factos, tanto mais que estamos perante condições de segurança básicas para a execução de trabalhos a ser levados a cabo em altura – o que se relaciona directa e necessariamente, com a operação de gruas, que por definição e pela própria natureza das coisas, se insere na área da actividade da arguida.

E isto é assim, apesar de os arguidos entenderem que alegaram, na contestação, factos susceptíveis de descaracterizar a alegada relação laboral, que, no entanto, não foram julgados como provados, a saber:
- após ter cessado, em 2000, a relação laboral que havia mantido até essa data com a sociedade arguida, o sinistrado prosseguindo o exercício da respectiva actividade profissional como prestador de serviços;
- o que fez, inicialmente, por intermédio da sociedade comercial que, no ano de 2001, constituiu para o efeito - a sociedade N…, Lda., com o NIPC ………;
- e, posteriormente - até à data do seu decesso -, como empresário em nome individual;
- entre 2001 e 2013, o sinistrado prestou serviços não apenas à sociedade arguida mas também a outras entidades, conciliando as referidas prestações e os rendimentos das mesmas decorrentes;
- os valores pagos pela sociedade arguida ao sinistrado no ano de 2013 eram variáveis e irregulares, não respeitando, sequer, uma periodicidade mensal;
- enquanto a prestar serviços à sociedade arguida no ano de 2013, o sinistrado não cumpria qualquer horário de trabalho fixo nem prestava serviço todos os dias da semana;
- no ano de 2013 (e previamente ao falecimento do sinistrado) a sociedade arguida foi objecto de uma inspecção por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho, a qual, destinando-se a detectar eventuais irregularidades na prestação dos trabalhadores independentes que àquela prestavam serviços, terá concluído pela sua inexistência, verificando e avalizando o regime da prestação - entre outros - do sinistrado e concluindo pela sua perfeição.
Facto que foram julgados como não provados, na sua essência, como consta da fundamentação da decisão recorrida, sem que a análise da prova, documental em que se sustenta a sua assertividade, tenha a virtualidade de demonstrar, da mesma forma, qualquer erro de julgamento e, muito menos imponha decisão de sentido diverso, como acabamos de ver.

Improcede assim, este segmento do recurso, com excepção dos apontados factos contidos nos pontos 10, 29 e 31 do elenco dos provados – que se devem, afinal ter como não escritos.

III. 3. 2. 2. A violação do princípio in dubio pro reo.

Neste capítulo, depois de questionarem se é legítimo, perante os elementos carreados para os autos, concluir, sem mais averiguações, estarmos perante uma relação de subordinação jurídica entre a vítima e a sociedade arguida e, entendendo, mesmo que, todos os elementos existentes nos autos revelam indícios de que os serviços prestados por aquele, o eram no âmbito de uma relação de trabalhado independente e, voltando a questionar se é legítimo que perante a existência de insanáveis dúvidas (que não foram contrariadas nem pelo próprio A.C.T.), se condene os arguidos, invocam a violação do princípio geral da prova em processo penal, in dubio pro reo, pois que defendem que, ainda que permanecessem dúvidas quanto à caracterização da relação profissional existente, dever-se-ia com base em tal princípio, decretar a sua absolvição - atenta toda a factualidade tida por provada a tal propósito, que claramente indicia a existência de uma relação de trabalho independente.
E, assim, concluem por que, ainda que permanecessem dúvidas quanto à caracterização da dita relação profissional, deveriam ter sido absolvidos com base naquele princípio geral da prova em processo penal.

Como é sabido, o princípio in dubio pro reo, enquanto expressão ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico de presunção de inocência, se traduz na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido - a dúvida resolve-se a favor do arguido.
“Em processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração constitucional, artigo 32°/2 da Constituição da República Portuguesa e ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “cuja primeira grande incidência, assenta fundamentalmente, na inexistência de ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido; um princípio in dubio pro reo; e ainda que o arguido não é mero objecto ou meio de prova, mas sim um livre contraditor do acusador, com armas iguais às dele.
Na verdade, e em primeiro lugar, o princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual parece imposta (ou ficcionada) pela lei, o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.
Em segundo lugar, do referido princípio da presunção de inocência do arguido - embora não exclusivamente dele - decorre um princípio in dubio pro reo, princípio que procurando responder ao problema da dúvida na apreciação do caso criminal (não a dúvida sobre o sentido da norma, mas a dúvida sobre o facto) e, partindo da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, determina que na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova feita, o arguido seja absolvido”, cfr. Rui Patrício, in “ O princípio da presunção de inocência do arguido na fase do julgamento no actual processo penal português”, Ass. Académica da FDL, 2000, 93/94.
O princípio do in dubio pro reo é, assim, uma imposição dirigida ao juiz, segundo o qual, a dúvida sobre os factos favorece o arguido.
Quer isto dizer, que a sua verificação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador. A simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo – como pretende a recorrente.
Se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo (não o recorrente, naturalmente) chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido, há que concluir pela violação de tal princípio.
Não consta, manifestamente, que o Tribunal de 1ª instância tenha ficado na dúvida, ou a tenha sequer enunciado, em relação a qualquer facto, essencial e relevante, para a verificação da factualidade típica – no caso quanto à caracterização da relação contratual - e, que, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra os arguidos, pelo que não se verificando esta hipótese, há que concluir pela não violação do apontado princípio do in dubio pro reo.
Obviamente que a conclusão afirmada pelos arguidos tem subjacente a sua própria, subjectiva, interessada e parcial, valoração do conjunto da prova produzida.
No entanto, “quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”, cfr. Acs. RP de 29.9.2004, in CJ, IV, 210 e da RC de 6.3.2002, in CJ, II, 44, circunstância, que no caso concreto, não se verifica, de todo.
Improcede, pois, também, este segmento do recurso.

E, assim, se tem que ter a matéria de facto supra definida como definitivamente assente, pois que também se não verifica a existência de qualquer um dos vícios - imperfeitamente sugeridos pelos arguidos, com a invocação de contradição e de insuficiência da matéria de facto provada - do conhecimento oficioso, de resto, previstos no n.º 2 do artigo 410.º C P Penal.

III. 3. 3. Recurso sobre a matéria de direito.

III. 3. 3. 1. A subsunção dos factos ao direito

III. 3. 3. 1. 1. Os fundamentos da decisão recorrida.

“O artigo 152.°-B, introduzido pela Lei 59/07, de 4.09, preceitua: "1 - Quem, não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 - Se o perigo previsto no número anterior for criado por negligência o agente é punido com pena de prisão até três anos. 3 - Se dos factos previstos nos números anteriores resultar ofensa à integridade física grave o agente é punido: a) Com pena de prisão de dois a oito anos no caso do n.º 1; b) Com pena de prisão de um a cinco anos no caso do n.º 2.4 - Se dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 resultar a morte o agente é punido: a) Com pena de prisão de três a dez anos no caso do n.º 1; b) Com pena de prisão de dois a oito anos no caso do n.º 2”.
Os bens jurídicos protegidos por este tipo legal de crime são a vida e a integridade física (cf. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, 2008, p. 411).
O crime de violação de regras de segurança constitui um crime de perigo concreto, na medida em que pressupõe "a sujeição do trabalhador a uma situação de perigo concreto para a vida, o corpo ou a saúde, com violação das disposições legais ou regulamentares vigentes à data do facto" - Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 411 - e de resultado, pois a sua consumação exige a "(efectiva) "sujeição" do trabalhador à realização da actividade fora das indispensáveis condições de segurança", embora não exija a lesão dos bens jurídicos tutelados - Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial, I, 2a ed. Coimbra, 2012, p. 544.
Trata-se de um crime específico próprio, pois, como a doutrina refere, "pressupõe e exige uma relação de subordinação laboral, sendo o agente do crime "a pessoa que detém uma posição de "domínio" sobre o trabalhador, no âmbito da actividade (trabalho) por este exercida, e sobre a qual recai a obrigação de garantir as condições de segurança no trabalho, previstas pelas respectivas disposições legais, regulamentares ou técnico­-profissionais" - cf. Taipa de Carvalho, cit., I, p. 543. Sujeito passivo ou vítima é o respectivo trabalhador/empregado. Por outras palavras, este crime "pressupõe que o autor possua uma determinada qualidade, fundando-se numa relação de vigilância entre trabalhador e empregador, estando obrigado à observância das regras legais, regulamentares", "sendo necessário que o agente exerça uma das funções previstas na norma incriminadora, não decorrendo a sua responsabilidade da mera titularidade de um cargo" - cf. Ac. da ReI. de Évora, de 4.04.2013, proc. 58/08.4GCSTB-E1, in www.dgsi.pt.
Porém, a Jurisprudência também esclarece que, "atentos os bens jurídicos protegidos em sede penal, a expressão "trabalhador" contida na tipicidade do ilícito agora em apreço, ultrapassa, sem dúvidas, o recorte jurídico da figura enquanto qualificativa de uma relação laboral típica, apurada em sede da jurisdição do trabalho, sendo suficiente, para o preenchimento da tipicidade que, na ocasião, a vítima esteja no cumprimento de ordens, desenvolvendo uma actividade no interesse exclusivo, ou seja, sem qualquer altruísmo ou amizade ou qualquer outra motivação psicológica de cariz voluntário daquele que está obrigado a observar a necessidade de implementar as regras de segurança necessárias para o cabal desempenho da tarefa que solicitou", "bastando-se, para o preenchimento da tipicidade objectiva, com a prova da prestação de uma actividade por parte da vítima a mando e por conta do agente obrigado a observar as regras de segurança" - cf. Ac. da ReI. do Porto, de 17.02.2016, 169/12.1 GBVNG.P1, in www.dgsi.pt.
Quer isto significar que este ilícito penal não se cinge à relação entre o agente e a vítima emergente de um contrato de trabalho, tal como este se encontra definido no Código do Trabalho, bastando que a vítima esteja, na prática, a executar um trabalho sob as ordens e por conta do agente, em que este tem o domínio do facto, tal como sucede no caso concreto. Com efeito, apesar de J… estar a executar os trabalhos numa época em que não tinha qualquer vínculo laboral formal com qualquer dos arguidos nem com a sociedade arguida, relacionando-se com esta, em termos meramente formais, como um prestador de serviços, o facto é que, no circunstancialismo apurado, estava a desenvolver um trabalho sob as ordens emanadas do arguido C…, o qual, à data, e a par da arguida B…, exercia a gerência de facto da sociedade arguida e, neste contexto, tendo encarregado aquele de executar a obra, juntamente com funcionários desta, impendia sobre si um dever de vigilância/de garante das condições de segurança daquele (cf. factos provados sob os n.ºs 2,7 a 10 e 12).
Por outro lado, para o preenchimento dos elementos objectivos do tipo de crime sob análise, basta provar a sujeição do trabalhador à prática da actividade perigosa e a não observância das condições em que essa actividade deve ser exercida, o que já constitui um efectivo perigo - Taipa de Carvalho, cit., I, p. 544”.

III. 3. 3. 1. 2. As razões dos arguidos.

Discordam os arguidos do entendimento sufragado na decisão recorrida, que, pese, embora tenha considerado que o crime previsto no artigo 152.º-B C Penal configura um "crime específico próprio, pois, como a doutrina refere, 'pressupõe e exige uma relação de subordinação laboral', sendo o agente do crime 'a pessoa que detém uma posição de "domínio" sobre o trabalhador, no âmbito da actividade (trabalho) por este exercida, e sobre a qual recai a obrigação de garantir as condições de segurança no trabalho, previstas pelas respectivas disposições legais, regulamentares ou técnico-profissionais"', interpretou a norma no sentido de ser aplicável sempre que se verifique uma relação de domínio (do agente) e dependência (da vítima), ou seja, sempre que a vítima esteja, na prática, a executar um trabalho sob as ordens e por conta do agente.
E, no caso concreto da obra que se encontrava a ser executada quando sucedeu o acidente em causa nos autos - e não obstante todo o precedente existente - considerou-se na decisão recorrida que os arguidos estavam posicionados numa situação de domínio e supremacia perante o falecido J…, a quem tinham dado ordem para a execução de tal tarefa: porque a ordem tinha sido dada, a obra correspondia a uma actividade perigosa, e era executada por conta dos arguidos, teriam os arguidos o dever de prover à adopção de medidas de segurança adequadas e legalmente previstas enquanto empregador.
Assumiu a decisão recorrida que se estava perante uma daquelas situações em que, por razões de conveniência entre as partes – que tantas vezes reproduz a realidade – a vítima se apresentava formalmente como trabalhador independente, quando na verdade, pelo menos, no caso dos autos era dependente.
Ora, consideram os arguidos que nos autos não se encontra comprovada qualquer relação de dependência do tipo a que ali se faz referência, para justificar a condenação, tendo-se caído em excesso ao condenar os arguidos com base nesse pressuposto.
E, desde logo, os princípios da legalidade e da tipicidade – consagrados no artigo 1.° C Penal e com a garantia constitucional dada pelo disposto no artigo 29.°/1 e 4 CRP - obrigam a que se afira da correspondência estrita entre a conduta sob apreciação e a previsão legal cuja aplicação se cogita, abstendo-se de interpretações analógicas, extensivas e/ou correctivas da vontade expressa pelo legislador, importa verificar se o sinistrado poderia - ou não - ser tido como "trabalhador' para efeitos da aplicação do artigo 152.°-B C Penal.
Assim, defendem que a qualidade do ofendido integrando a tipicidade objectiva do crime previsto no artigo 152.°-B C Penal, implica que o mesmo deve ser trabalhador daquele que, afinal, não observou as disposições legais.
Mais defendem que a questão da aferição da existência de subordinação laboral não pode ser escalpelizada de forma atomista, ou seja, considerando apenas um elemento ou faceta da relação contratual, e muito menos tal aferição pode ser levada a cabo por referência a cada tarefa que o sujeito leve a cabo;
a qualificação jurídica da relação - se se está ou não perante uma relação de verdadeiro trabalho subordinado - mostra-se de suprema relevância para a subsunção da situação em causa nos autos à norma incriminadora - tarefa que a decisão recorrida, ao abrigo do princípio da suficiência consignado no artigo 7.º C Penal, podia e devia ter levado a cabo - e não o tendo feito, de modo algum poderia considerar preenchido o elemento objectivo do tipo de crime em causa e, em consequência, determinar a condenação dos arguidos.
Os arguidos invocam a favor da sua tese e da exclusão do âmbito da norma incriminatória – que entendem dever ser interpretado no sentido de exigir uma determinada relação de subordinação entre o agente e a vítima - o facto de,
- a vítima ter celebrado um contrato de seguro, denominado "Seguro Acidentes de Trabalho - Gerentes e Administradores, Profissões Liberais e Trabalhadores Independentes", tendo por pessoa segura o referido tomador de seguro e com a cobertura de riscos traumatológicos, incluindo risco de trajecto";
- a vítima há muito se comportava, quer perante a sociedade arguida, quer perante entidade externas (segurança social, finanças e outros clientes) como um verdadeiro trabalhador independente;
- assim, reunindo em si, a vítima, a dupla qualidade de empregador e de trabalhador, mormente no que às regras de segurança no trabalho concerne, estava obrigado à observância das regras de segurança do trabalho, ou seja, sobre o mesmo se impunha o dever de implementar as medidas necessárias à sua implementação;
- daí que lhe sejam aplicáveis as regras de segurança no trabalho, quer as respeitantes aos trabalhadores por conta de outrem, quer as respeitantes às entidades empregadoras;
- a vítima ter o domínio do facto (disponibilizou-se para a sua execução por se sentir capaz),
- para assim, concluírem por que jamais se poderiam considerar preenchidos os elementos típicos do crime em causa, já que a omissão havida e o perigo criado foram concretizados pela própria vítima que, nomeadamente, apesar de dispor de equipamentos de protecção individual próprios (cinto de segurança e arnês), não teve o cuidado de os utilizar como forma de prevenção do dramático resultado que teve lugar e assim, não observou o disposto nas regras regulamentares relativas a trabalhos em altura.

III. 3. 3. 1. 3. Apreciando.

III. 3. 3. 1. 3. 1. O artigo 152.°-B C Penal, sob a epígrafe de “violação das regras de segurança” dispõe que,
1 - Quem, não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - Se o perigo previsto no número anterior for criado por negligência o agente é punido com pena de prisão até três anos.
3 - Se dos factos previstos nos números anteriores resultar ofensa à integridade física grave o agente é punido:
a) Com pena de prisão de dois a oito anos no caso do n.º 1;
b) Com pena de prisão de um a cinco anos no caso do n.º 2.
4 - Se dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 resultar a morte o agente é punido:
a) Com pena de prisão de três a dez anos no caso do n.º 1;
b) Com pena de prisão de dois a oito anos no caso do n.º 2”.

Na decisão recorda entendeu-se que,
este crime não se cinge à relação entre o agente e a vítima emergente de um contrato de trabalho, tal como este se encontra definido no Código do Trabalho, bastando que a vítima esteja, na prática, a executar um trabalho sob as ordens e por conta do agente, em que este tem o domínio do facto, tal como sucede no caso concreto. Com efeito, apesar de J… estar a executar os trabalhos numa época em que não tinha qualquer vínculo laboral formal com qualquer dos arguidos nem com a sociedade arguida, relacionando-se com esta, em termos meramente formais, como um prestador de serviços, o facto é que, no circunstancialismo apurado, estava a desenvolver um trabalho sob as ordens emanadas do arguido C…, o qual, à data, e a par da arguida B…, exercia a gerência de facto da sociedade arguida e, neste contexto, tendo encarregado aquele de executar a obra, juntamente com funcionários desta, impendia sobre si um dever de vigilância/de garante das condições de segurança daquele e que,
por outro lado, para o preenchimento dos elementos objectivos do tipo de crime sob análise, basta provar a sujeição do trabalhador à prática da actividade perigosa e a não observância das condições em que essa actividade deve ser exercida, o que já constitui um efectivo perigo.
Como vimos já, a questão primária e pressuposto da operação de subsunção dos facos ao direito, é a da qualificação da relação contratual entre a sociedade arguida e a vítima.
Realidade, que, como se viu, há-de resultar da articulação e ponderação de todos os factos – enquanto pedaços da vida real - provados que a possam traduzir.
E, apenas depois num segundo momento, se deve passar à escalpelização da norma incriminatória a fim de se perceber qual o estatuto da vítima que a mesma pressupõe.
Assim, com relevo para apurar e determinar qual a realidade envolvente e para se fazer operar a qualificação jurídica da relação contratual que ligava a sociedade arguida ao ofendido, há que atentar na realidade definida na decisão recorrida.

III. 3. 3. 1. 3. 2. Vejamos então a realidade envolvente, apurada com interesse e relevo para a questão, que é traduzida pela ponderação e articulação dos factos provados - enquanto pedaços da vida real.
- a sociedade arguida D…, Lda. tem por objecto social o fabrico, comercialização, importação e exportação de gruas e outras máquinas e equipamentos para a indústria da construção civil e prestação de serviços conexos, nomeadamente de assistência técnica e aluguer;
- a sociedade arguida contratou os serviços de Segurança no Trabalho na modalidade de serviços externos à sociedade "I…, Lda.";
- a arguida B…, casada com o arguido C…, consta do Registo Comercial como gerente da sociedade arguida desde 6.01.2005;
- desde, pelo menos, os dias 23 de Janeiro de 1995 e 6 de Janeiro de 2005 até ao dia 24 de Abril de 2014, eram os arguidos C… e B…, respectivamente, quem detinha o poder de decisão na sociedade arguida, no domínio da gestão comercial e financeira, cabendo a estes os actos de gestão;
- no âmbito da apontada actividade profissional, nos períodos indicados, os arguidos C… e B… eram os únicos responsáveis pela direcção dos trabalhos que, a título de empreitada ou subempreitada, a sociedade arguida realizava, sob o ponto de vista técnico e sob o ponto de vista organizacional e operacional, eram quem definia o quadro de trabalhadores ao serviço daquela, recrutando-os, distribuindo-os e definindo as tarefas a executar por cada um deles, cabendo-lhes, também, o aprovisionamento dos equipamentos necessários à boa execução dos trabalhos;
- o ofendido J… foi trabalhador da sociedade arguida desde o dia 1 de Março de 1994 até ao dia 30 de Abril de 2000;
- desde, pelo menos, o ano de 2012, o ofendido J… prestava serviços de fabricação, montagem e desmontagem de equipamentos de elevação para a sociedade arguida, na qualidade formalmente designada de "trabalhador independente";
- o ofendido J… celebrou com a Companhia de Seguros K… um acordo de seguro denominado "Seguro Acidentes de Trabalho ­Gerentes e Administradores, Profissões Liberais e Trabalhadores Independentes", mediante a apólice ……., que produziu efeitos desde 12.12.2011 até 30.11.2013, tendo por pessoa segura o referido tomador de seguro e com a cobertura de riscos traumatológicos, incluindo risco de trajecto;
- na segunda semana do mês de Setembro de 2013, o arguido C… ordenou que o ofendido J…, acompanhado dos trabalhadores da sociedade arguida, L… e M…, procedesse à limpeza e impermeabilização das caleiras do pavilhão industrial da sociedade arguida, sita na Rua …, em …, concelho de Santa Maria da Feira;
- alguns dos instrumentos e utensílios e maquinaria utilizados na referida obra eram pertença da sociedade arguida;
- os arguidos não fixaram qualquer prazo para que os trabalhadores identificados, procedessem à conclusão dos trabalhos, podendo realizar os mesmos calmamente e interromper com pausas frequentes;
- no dia 17 de Setembro de 2013, cerca das 15.50 horas, o L…, o M… e o ofendido J… encontravam-se a proceder ao estiramento da tela de impermeabilização na caleira da cobertura, manipulando-a, em simultâneo, em três locais distanciados uns dos outros, de forma a garantir que a tela ficasse bem esticada;
- o ofendido J… estava no meio, o M… estava na extremidade norte e o L… estava na extremidade sul;
- o M… afirmou perante os colegas que a tela deveria estar mais chegada à extremidade, tendo-se o ofendido J… levantado e começado a andar sobre a viga longitudinal para verificar o que o colega estava a afirmar;
- enquanto o ofendido J… caminhava, passou por uma placa de fibra, deu um passo em falso e com o seu peso, a placa de fibra partiu-se, provocando a queda daquele para o interior do pavilhão, a uma altura de cerca de 7 metros.

III. 3. 3. 1. 3. 3. Será, então perante esta factualidade que importa analisar se a vítima pode, ou não, ser considerada como "trabalhador' para efeitos do preenchimento da previsão do crime de violação das regras de segurança, contida no artigo 152.°-B C Penal.
Parece medianamente evidente que a evolução sofrida no mercado de trabalho, no actual contexto do que vulgarmente se designa como de capitalismo selvagem, ou liberalismo económico, se encarregou de fazer estilhaçar a tradicional – já de si, de difícil percepção - distinção entre, por um lado, contrato de trabalho e, por outro contrato de prestação de serviços.
Distinção que academicamente assenta em dois elementos essenciais: no objecto do contrato (prestação de actividade, no primeiro; obtenção de um resultado, no segundo); e no tipo de relacionamento entre as partes (subordinação jurídica, no primeiro; autonomia, no segundo).
E a acrescida dificuldade de qualificação da realidade começou, na nossa realidade económica, com os contratos a prazo, depois com o trabalho temporário, que foi evoluindo para as mais diversas formas de precariedade no trabalho, vg. através de estágios remunerados, ou não, de formação profissional, com a vulgarização de o assalariado ser remunerado através de recibos verdes, tudo a traduzir um padrão – a diminuição de responsabilidades, encargos e de investimento por parte de quem recebe o trabalho - até que chegou ao actual estado em que, no interesse de ambos, naturalmente, desde logo por força da necessidade de sobrevivência, das leis do mercado e, concretamente da oferta e da procura, quem presta o trabalho o faz enquadrado ou como trabalhador por conta própria, ou como empresário individual, ou enquanto titular de uma empresa constituída para o efeito.
No que se prende, com benefícios e vantagens de ordem económica, as mais das vezes com vantagens em termos de tributação, em termos de segurança social, pelo menos no imediato, na percepção de quem presta o trabalho e, outras, a juntar a estas, para a obtenção de subsídios estatais ou comunitários.
E assim, chegamos ao presente momento, com a redobrada dificuldade em termos de qualificação das mais variadas situações da vida real, de extrema complexidade e, desde logo, para o preenchimento do elemento da subordinação jurídica por contraponto com a autonomia na execução do trabalho, para o que há que recorrer aos mais diversos contornos e índices que a situação real evidencia – no que se vem entendendo como método indiciário ou de aproximação tipológica.
Isto porque nem sempre a qualificação se alcança, sequer, através da análise e da interpretação da própria vontade das partes.
Mas sempre tendo presente que o seu elenco não é rígido, por um lado e, por outro, a verificação de nenhum deles, só por si, ou a sua ausência, é susceptível de assumir relevância decisiva e, finalmente, se não exige que todos apontem no mesmo sentido.
Sem preocupação de esgotar o tema, podemos aqui enunciar os índices que se podem ter como essenciais.
- ocupação exclusiva a favor da contraparte;
- dependência económica da contraparte – vg. tarefa paga à hora (dependendo a contrapartida monetária do número de horas efectivamente prestado);
- concessão de férias pagas e direito o respectivo subsídio, bem como, ao de Natal;
- sujeição do trabalhador a um horário de trabalho:
- a existência de supervisão do seu trabalho;
- o controlo de assiduidade;
- a sujeição ao poder disciplinar de quem recebe o trabalho;
- utilização de equipamentos, próprios, ou não, no exercício da actividade;
- a contrapartida do trabalho ser paga através dos denominados recibos verdes;
- a possibilidade de quem presta o trabalho se poder fazer substituir por outrem, no exercícios das suas funções;
- a existência de seguro celebrado pelo trabalhador.

III. 3. 3. 1. 3. 4. Que o tribunal criminal pode, atento o princípio da suficiência do processo penal, decidir sobre a verificação da natureza dos vínculos entre quem recebe e quem presta determinada actividade profissional - quando tal seja relevante para a decisão da causa, nomeadamente quando a inerente qualidade seja elemento constitutivo essencial do crime imputado ao arguido - decidiu já este Tribunal, nos Acórdãos de 13.2.2008 e de 17.2.2016, ambos consultados no site da dgsi.
Isto – como se refere neste último - atento o princípio da suficiência do processo penal, consignado no artigo 7.º C Penal - que traduz um regime de discricionaridade juridicamente vinculada, assentando em critérios de “necessidade” e de “conveniência”.
Isto é, o processo penal deve ser promovido independentemente de qualquer outro e mostra-se apto a resolver todas as questões que interessarem à boa decisão da causa, contudo, este princípio não se revela absoluto, pois, conforma resulta do nº 2 do preceito em causa, a suspensão do processo penal é uma possibilidade que o Tribunal penal tem para devolver o conhecimento da questão prejudicial ao Tribunal competente quando conclua que a questão não penal não pode ser convenientemente resolvida no processo penal, devendo essa questão prejudicial revelar-se “necessária” para a apreciação do preenchimento da tipicidade criminal e, cumulativamente, ser “conveniente” a sua apreciação pelo Tribunal competente atenta ou a sua complexidade ou a inexistência de elementos que habilitem o Tribunal penal a uma decisão.
Se o processo penal contiver todos os elementos para uma decisão final, essa “conveniência” não se revelará e a questão haverá de ser decidida pelo Tribunal Criminal com toda a propriedade.
Importa referir que atentos os bens jurídicos protegidos em sede penal, a expressão “trabalhador” contida na tipicidade do ilícito agora em apreço, ultrapassa, sem dúvidas, o recorte jurídico da figura enquanto qualificativa de uma relação laboral típica, apurada em sede da jurisdição do trabalho, sendo suficiente, para o preenchimento da tipicidade que, na ocasião a vitima esteja no cumprimento de ordens, desenvolvendo uma actividade no interesse exclusivo ou seja sem qualquer altruísmo ou amizade ou qualquer outra motivação psicológica de cariz voluntário daquele que está obrigado a observar a necessidade de implementar as regras de segurança necessárias para o cabal desempenho da tarefa que solicitou.

O crime de violação de regras de segurança é um crime de perigo concreto, específico, omissivo e de violação de dever de garante que que recai sobre a pessoa a quem incumbe directamente evitar a violação do bem jurídico penalmente protegido, cfr. acórdão da RE de 4.4.2013, in site da pgdl.
Para o preenchimento da tipicidade objectiva, basta a prova da prestação de uma actividade por parte da vitima a mando e por conta do agente obrigado a observar as regras de segurança, sendo suficiente, para o preenchimento da tipicidade que, na ocasião a vitima esteja no cumprimento de ordens, desenvolvendo uma actividade no interesse exclusivo ou seja sem qualquer altruísmo ou amizade ou qualquer outra motivação psicológica de cariz voluntário daquele que está obrigado a observar a necessidade de implementar as regras de segurança necessárias para o cabal desempenho da tarefa que solicitou, cfr. neste sentido, o Acórdão deste Tribunal de 17.2.2016, in site da dgsi – de resto, invocado na decisão recorrida e na resposta da assistente.

E, assim, cremos bem que a situação fáctica apurada nos autos permite, exige, à saciedade, a consideração desta concreta vítima, como sujeito passivo do crime de violação das regras de segurança, pois que, não obstante,
- a existência de um período longo anterior, até ao ano de 2012, de relação de natureza laboral;
- a existência de uma conta-corrente na sociedade arguida em nome do ofendido, com facturação de serviços prestados;
- estar inscrito como trabalhador independente nas Finanças;
por si só não afasta a existência de uma relação de subordinação jurídica.
Com efeito, a ela somos conduzidos, pois que,
- à data dos factos, o ofendido trabalhava primacialmente para a sociedade arguida, laborando ali diariamente e cumprindo um horário em tudo semelhante ao dos funcionários, permanecendo na empresa até ao final daquele horário mesmo que o trabalho terminasse mais cedo;
- utilizava sempre na execução dos trabalhos ferramentas próprias, apesar de fazer uso da ferramenta da empresa quando necessitava;
- o arguido C… tratava de igual modo os seus assalariados e o ofendido J…;
- em relação àquela concreta obra na cobertura, não houve qualquer encomenda de um serviço, com o prévio acerto prévio de preços, condições e prazo de duração da obra;
- os materiais para a obra em apreço foram fornecidos pela sociedade arguida;
- a abordagem ao ofendido para a realização do trabalho foi feita em simultâneo e nos mesmos termos que ao funcionário L…;
- da declaração de IRS junto aos autos, todo rendimento de 2013 auferido pela vítima tem como entidade pagadora a sociedade arguida.
E. ademais e decisivamente, em relação à tarefa que a vitima estava a desenvolver aquando da queda.
Independentemente da natureza da relação contratual existente, no que se refere à manutenção e montagem de gruas, o certo é que, estamos perante algo que ultrapassa, extravasa, excede, vai além, da típica actividade, normalmente e com habitualidade, desenvolvida, relacionada com a montagem de gruas.
E, não de limpeza, reparação e impermeabilização de edifícios ou de telhados.
Esta a vítima, indiscutivelmente, a levar a cabo trabalhos, diferentes dos habituais, com absoluta e total subordinação, sob orientação e no interesse da arguida, emanados de uma ordem, precedida, é certo, pela cerimónia de auscultação sobre a capacidade, habilitação, aptidão, para a levarem, todos os 3, a cabo – o que, de todo, pode ter a virtualidade de descaracterizar a subordinação jurídica.
O certo, então, decisivamente, é que, no momento do acidente estava a prestar um trabalho, que não pode deixar de se ter - como aqui releva - em absoluto regime de subordinação jurídica (sem qualquer autonomia da sua parte) em relação a quem lho solicitou, a ser prestado em igualdade de circunstâncias conjuntamente com 2 trabalhadores/assalariados da arguida, nas suas próprias instalações e no tempo de serviço.
E entendemos tal, com base em critérios estritamente jurídicos (como, de resto, é suposto, ao intérprete e aplicador do direito), atentos os interesses jurídicos que a norma pretende tutelar e, de acordo, com a sua previsão fáctica, naturalmente, tendo presente a concreta materialidade apurada.
Isto sem qualquer preconceitos ou qualquer juízo de valor, ou de qualquer campanha a favor da protecção das vítimas em situações que tais - mormente no, ainda assim, massacrado, sector de actividade ligada à construção civil.

Improcede pois, também este segmento do recurso.

III. 3. 3. 4. O quantum da indemnização.

III. 3. 3. 4. 1. Os fundamentos da decisão recorrida.

“Ficou demonstrado, em sede de responsabilidade penal, que da conduta (omissiva) dos arguidos B… e C… resultou a morte de J…, sendo certo que a vida constitui um bem supremo, tutelado como direito fundamental no artigo 24.° da Constituição da República Portuguesa.
Trata-se de um direito absoluto, e que, como tal, impõe a todos um dever geral de respeito e de abstenção da prática de actos lesivos do mesmo.
Está igualmente comprovado que dessa lesão resultaram danos morais e patrimoniais, 'os primeiros traduzidos na dor sofrida pelos demandantes pela perda do seu ente querido e os segundos na perda dos rendimentos que previsivelmente J… obteria até ao final da sua vida activa.
Como já se anteriormente se concluiu, face à factualidade provada e analisada em sede de responsabilidade criminal, os arguidos actuaram ilícita e culposamente.
No respeita ao nexo de causalidade entre a conduta dos arguidos e os danos apurados, deve atender-se ao artigo 563.° do Código Civil, que estabelece que lia obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão". Consagra-se a «doutrina da causalidade adequada», segundo a qual "determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar" (cf. Gaivão Telles, apud Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil anotado, I, Coimbra, 1987, p. 578).
Ora, estabelecido que se encontra o nexo causal entre a conduta dos dois arguidos e os danos apurados, cumpre, agora, determinar a obrigação de indemnizar.
Em consequência da sua queda, por ausência de equipamentos de protecção, J… sofreu determinadas lesões, as quais determinaram a sua morte no local (factos provados sob os n.ºs 29 e 30).
A morte envolve três tipos de danos não patrimoniais, de acordo com o disposto no artigo 496.°/2 e 3 C Civil: o dano pela perda do direito à vida, o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte e o dano sofrido pela vítima antes de morrer (cf. Ac. do STJ, de 30.01.2003, proc. n002P4219, in www.dgsi.pt).
O dano pela perda do direito à vida cabe aos familiares da vítima referidos no n.º 2 do artigo 496.° C Civil, pela ordem aí indicada. Como a jurisprudência e a doutrina maioritárias têm defendido (cf. Ac. do STJ, de 9.05.1996, in BMJ n0457, p. 2S0; Ac. do STJ, de 30.04.2015, proc. 1350/13.3T2AVR.C1.S1, in www.dgsi.pt; Antunes Varela, Direito das Obrigações, vol, I, sa ed., Coimbra, 1994, pp. 621 e 625-628), trata-se de um direito de indemnização próprio desses familiares mais próximos, adquirido directa e originariamente, que não lhes advém pela via sucessória.
Todavia, os demandantes não peticionaram qualquer indemnização por este dano, pelo que, em observância do princípio do pedido, consagrado no artigo 609.°/1 C P Civil, ex vi artigo 4.° C P Penal, não lhes será atribuída qualquer quantia a este título.
Quanto ao dano, próprio, sofrido pelo cônjuge e pelos filhos, derivado da perda do marido e pai, respectivamente, há que atender ao concreto sofrimento de cada um deles (cf. Ac. do STJ, de 15.04.1997, in BMJ n0466, p. 456).
Encontra-se demonstrado que os demandantes sentiram e continuam a sentir tristeza e angústia em consequência da morte de J… (facto provado sob o n049). Perante este quadro factual, não existem dúvidas de que os demandantes experimentaram um sério e profundo sentimento de dor e tristeza causado pela morte inesperada de J…, entre os quais predominavam fortes laços familiares e de afectividade (cf. factos provados sob os n.ºs 36, 37, 40 e 49).
Destarte e em virtude de não ter resultado provado qualquer facto que permita distinguir o grau de proximidade afectiva entre cada um dos demandantes filhos com J…, afigura-se justo fixar a compensação de cada um deles no montante de 20.000 €. Ao demandante cônjuge fixa-se a compensação no valor de 30.000 €,realçando-­se, neste ponto, a objectiva longevidade da relação amorosa, com mais de 33 anos, que se mantinha entre o casal (facto provado sob o n.º 51).
Relevam, ainda, os danos sofridos pela própria vítima no período de tempo que decorre entre o facto lesivo e a sua morte, ligados às dores físicas que sentiu e à angústia derivada da consciência do seu estado de saúde crítico e da proximidade da morte (artigo 496.°/3, 2a parte C Civil).
Ora, os demandantes não peticionaram qualquer indemnização por este dano, pelo que, em observância do princípio do pedido, consagrado no artigo 609.°/1 C P Civil, ex vi artigo 4.° C P Penal, não lhes será atribuída qualquer valor a este título.
Quanto aos danos patrimoniais futuros peticionados pela demandante civil G…, fundados na perda dos rendimentos da vítima, há que atender aos termos conjugados dos artigos 562.°, 563.°, 564.° e 566.° C Civil, de molde a efectuar o respectivo cálculo, que não obedece a critérios estritamente matemáticos (cf. Ac. do STJ, de 30.01.2003, supra citado), embora estes possam funcionar como indicadores para apurar o capital justo.
Para a determinação deste dano, futuro e previsível, é essencial o recurso à equidade, sem prejuízo de, para procurar atingir a justiça do caso concreto, se convocar um critério matemático que, tal como vem sendo utilizado pela jurisprudência comummente aceite, quanto à indemnização a pagar pela frustração do ganho, permita representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no final do período em que os referidos beneficiários aufeririam, a título de alimentos, dos proventos do falecido (cf., neste sentido, o Ac. do STJ, de 8.05.2008, proc. N.º 08B726, in www.dgsi.pt).
Os danos futuros assumem uma natureza exclusivamente patrimonial, porquanto somente devem englobar os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultaram para os lesados (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do facto ilícito de que foi vítima, assim como os prejuízos que resultem da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos prolongado e que poderá corresponder, nalguns casos, ao tempo de vida laboral útil do lesado (cf. o estudo do Sr. Juiz Conselheiro Joaquim José de Sousa Dinis, «Dano corporal em acidentes de viação», in CJSTJ, 2001, I, p. 6).
De qualquer modo, cumpre salientar que a referida demandante, cônjuge sobrevivo, apena goza do direito de indemnização por perda de rendimentos futuros derivados da morte de J…, decorrentes da privação de alimentos que este, não fora a ocorrência do evento, por certo lhe viria a prestar, conforme preceituado no artigo 495.°/3 C Civil, conjugado com o artigo 2009.°/1 aIínea a) C Civil, a calcular com observância do princípio actualista consagrado no artigo 566.°/2 C Civil e seguindo um critério de equidade, nos termos do n.º 3 do citado artigo 566.°.
O n.º 3 do artigo 495.° C Civil constitui uma excepção ao princípio segundo o qual só o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado tem direito a indemnização, e não os terceiros que só reflexa e mediatamente sejam prejudicados, pelo que não podem, por princípio, fora das hipóteses em tal preceito contempladas, ser peticionados outros danos patrimoniais por morte da vítima, cuja personalidade cessou com esta, não sendo reconhecido o correspondente direito por lei nem à vítima e, consequentemente, aos seus herdeiros, nem directamente a estes - cf. Ac. do STJ, de 28.11.2013, proc. 177/11.0TBPCR.S1, in www.dgsi.pt.
Por outro lado, o exercício do direito de indemnização excepcionalmente reconhecido pelo artigo 495.°/3 C Civil àqueles que podiam exigir alimentos ao lesado "não depende da prova em concreto de que, ao tempo da verificação do facto danoso, estivessem a recebê-lo", "sendo suficiente, para tal efeito, a demonstração de que, à data do facto danoso, se estava em situação de legalmente exigir os alimentos" -- cf. Ac. do STJ, de 28.11.2013, supra citado - o que ocorre in casu, em virtude do dever conjugal de assistência (cf. artigos 1672.°,1675.°/1 e 1676.° C Civil).
Ora, tem direito a alimentos a pessoa que não pode integralmente prover à sua subsistência, incluindo esta tudo o que é indispensável à alimentação, habitação e vestuário do alimentando (cf. artigos 2003.°/1 e 2004.°/1 e 2 C Civil). Por conseguinte, aquele que pretende obter alimentos deve "alegar e provar a sua necessidade e a impossibilidade de, por si, os obter, provando que não pode trabalhar o bastante para o seu sustento e que não tem bens com que ocorra às suas necessidades" - cf. Ac. do STJ, de 28.11.2013, supra citado.
Revertendo ao caso concreto, verifica-se que J… contribuía com o produto do seu trabalho para os encargos da vida familiar, ou seja, participava no pagamento das despesas do quotidiano do seu agregado familiar, composto por si e pela sua mulher (cf. facto provado sob o n.º 43).
A factualidade assente é, pois, bastante para concluir que a demandante G… estava em condições de legalmente exigir alimentos a J…, tendo ainda em conta o seu parco vencimento mensal (505 € -- facto provado sob o n.º 52).
De acordo com as regras da experiência comum, é plausível que a vítima despendesse nas suas despesas pessoais unicamente 1/3 do seu rendimento (cf., neste sentido, o estudo do Sr. Juiz Conselheiro Joaquim José de Sousa Dinis, «Dano corporal em acidentes de viação», in CJSTJ, 2001, I, p. 9).
Tal significa que a demandante G…, em consequência da morte do cônjuge, ficou privada de 2/3 do respectivo rendimento mensal (1.000 € - facto provado sob o n.º 42), no qual assim quinhoaria em cerca de 666 €.
Em princípio, a referida demandante teria direito a essa verba mensal (666 €) até que a vítima, seu marido, atingisse, pelo menos, os 65 anos de idade (idade que teremos por referência, como limite da vida activa, em face do pedido delimitado nesses termos), o que significa que beneficiaria desse rendimento durante 7 anos (84 meses), tendo em conta que J… faleceu com 58 anos de idade (cf. factos provados sob os n.º 39 e 19).
Assim, temos para esta demandante a perda de um rendimento no valor global de 55.944 € (666 € x 84 meses).
Esta quantia deveria ser actualizada, tendo em conta a depreciação monetária anual (de cerca de 3%), bem como a normal evolução do vencimento mensal do falecido cônjuge.
Por outro lado, deve atender-se a que a demandante irá receber esta indemnização de uma só vez, pelo que deve deduzir-se ao respectivo montante uma percentagem correspondente aos juros que o mesmo poderia obter se depositasse tal montante numa instituição bancária, sob pena de a lesada enriquecer ilegitimamente (cf., neste sentido, o estudo do Sr. Conselheiro Sousa Dinis, supra citado, p. 9).
Na quantificação do desconto em equação, a Jurisprudência tem considerado uma redução variável entre os 10% e os 33% - cf. Ac. do STJ, de 25.11.2009, proc. n0397/03.0GEBNV.S1, in www.dgsi.pt.
Nesta conformidade, e ponderando a evolução mais recente das taxas de juro do depósito a prazo, decide-se efectuar o desconto na proporção de 1/5 (20%).
Deste modo, o montante indemnizatório, a título de lucros cessantes, que cabe à demandante G… fixa-se em 44.755,20 €(55.944 € - 1/5 [11.188,80 €]).
Os demandantes civis peticionaram juros de mora, à taxa legal, calculados desde a "citação" (notificação) dos demandados para contestar até integral pagamento.
Ora, as indemnizações fixadas pelos danos não patrimoniais e quanto ao dano futuro patrimonial (lucros cessantes) apurados, foram objecto de cálculo actualizado nos termos do artigo 566.°/2 C Civil, pelo que vencerão juros de mora, à luz dos artigos 804.° e 805.º/2 aIínea b) C Civil, à taxa legal em vigor em cada momento, somente a partir desta decisão actualizadora - e não a partir da citação -, por efeito do disposto nos artigos 805.º/3 2.a parte, (este interpretado restritivamente) e 806.°/1 C Civil (cf. Jurisprudência n.º 4/2002, de 9.05.2002, in DR, I Série - A, de 27.06.02; e Ac. do STJ, de 20.05.2003, proc. N.º 03A1149, in www.dgsi.pt).
A taxa legal de juro anual aplicável é, por ora, de 4%, em vigor desde 1.05.2003 até ao presente momento (cf. Portaria 291/03, de 8.04, ex vi artigos 559.° e 806.°/2 C Civil).
Todos os juros de mora ora reconhecidos são devidos até integral pagamento.
Atento o disposto nos artigos 483.º/1, 497.º/1, 562.°, 563.°, 165.°, 998.°/1 C Civil, todos os arguidos/demandados encontram-se solidariamente obrigados a indemnizar os lesados”.

III. 3. 3. 4. 2. Neste segmento coincide a discordância quer dos arguidos/demandados, quer da assistente/demandante.

Como vimos, foram os arguidos, demandados condenados a pagar à assistente G…, viúva do decesso J…, a quantia de € 74.755,20, sendo a quantia de € 44.755,20 a título de danos patrimoniais e € 30.000,00 a título de dano moral.
Defendem os primeiros desde logo, que ambos os valores atinentes, quer, com a indemnização para reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes civis, quer o fixado a título de danos patrimoniais são exacerbados, devendo ser reduzidos, para montantes mais moderados:
- o primeiro para o patamar de € 10.000,00 para cada um dos demandantes e,
- o segundo para o valor de € 15.000,00, a repartir pelos 3 demandantes.
O claro exagero dos montantes indemnizatórios fixados decorre, na perspectiva dos arguidos demandados,
desde logo, do facto de que estes valores foram fixados tendo como base, tão só, a gravidade dos danos. Pois que nada mais foi ponderado na decisão recorrida, designadamente as suas situações económicas – apenas se tendo constatado que a arguida B… aufere um vencimento de cerca de € 1.000,00 e o arguido C… recebe uma pensão de reforma no valor mensal de € 800,00.
Circunstâncias, estas, que se tivessem sido levadas em conta, não teriam conduzido á fixação da indemnização por danos não patrimoniais no valor global de € 70.000,00,
bem como, da factualidade genericamente tida por provada, in casu, quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes civis - essencialmente, os factos previstos nos pontos 36., 37., 40., 49. e 51.
Perante a qual, por respeito dos danos morais sofridos por cada um dos demandantes civis e no que respeita à situação económica dos arguidos, defendem, então, que as indemnizações não podem ser fixadas, com justiça e de forma equitativa, em montante superior a € 10.000,00 para cada um dos demandantes.
E que, quanto à indemnização fixada a título de danos patrimoniais futuros, o cálculo efectuado pelo Tribunal a quo padece de um claro vício de raciocínio, na medida em que tem como pressuposto que a demandante esposa da vítima seria a beneficiária de toda a "contribuição para os encargos da vida familiar” que do sinistrado proviesse no futuro;
sendo certo que a "contribuição para os encargos da vida familiar' consubstancia uma prestação de que todos os elementos do agregado familiar beneficiam, e tendo ficado provado que o agregado familiar em apreço incluía, para além do próprio falecido e sua esposa, os filhos do casal - os quais, do que indiciam os factos provados, também beneficiavam dos rendimentos do sinistrado, cfr. ponto 50. - deveria o Tribunal, na ponderação do crédito previsível da demandante esposa, ter considerado a repartição da contribuição do sinistrado por todos os elementos que integram o dito agregado;
e, assim - tendo por base o resultado final do cálculo levado a cabo na decisão recorrida - esse mesmo resultado deverá ser repartido pelos três membros do agregado sobrevivas, assim se definindo como crédito da demandante esposa, a título de danos patrimoniais futuros, a quantia aproximada de € 15.000,00, em que, assim, e por recurso à equidade, deverá ser fixado o crédito indemnizatório em apreço.
Finalmente defendem os arguidos que existindo concorrência de culpas na produção dos danos a indemnizar nos autos, importar apurar as respectivas proporções, com vista a fixar a responsabilidade dos demandados em conformidade.
Isto porque, tendo presente que o sinistrado era trabalhador independente, possuía equipamentos de segurança individual próprios, conhecia os perigos associados à realização dos trabalhos e, ainda assim, se furtou de utilizar os meios de segurança de que dispunha, outra conclusão não pode retirar-se senão a de que o mesmo contribuiu, de forma decisiva, para a criação do perigo cuja concretização teve o resultado fatal aqui apreciado.
Com efeito, vem provado que "se J… não tivesse dado um passo em falso sobre uma placa de fibra como descrito em 22., o mesmo não teria morrido", o que obriga a concluir que a iniciativa do arguido foi absolutamente determinante, também, para desencadear o acidente, sendo que, na ausência de tal conduta, o sinistro não se teria verificado.
E, assim, se na concorrência de culpas para efeitos de fixação da responsabilidade indemnizatória, o que releva é a influência da conduta do lesado na produção do sinistro, conduta essa que, ainda que meramente negligente, tem de ser considerada na apreciação da responsabilidade dos demandados, então, face à factualidade apurada em sede de audiência de julgamento - acima destacada - dúvidas não podem restar de que o sinistrado teve, ele próprio, uma conduta negligente - quer ao excluir a utilização dos seus equipamentos de segurança, quer ao pisar a placa que sabia não poder ser pisada - conduta essa que, nos termos reconhecidos no ponto 53., foi essencial à produção do acidente e dos danos do mesmo decorrentes;
e, assim, impõe-se a fixação da proporção da culpa do sinistrado – pugnando pela sua fixação em valor não inferior a 50% - na ocorrência dos danos a indemnizar, por forma a que se proceda à adequação da condenação no pedido cível em conformidade.

Por outro lado entende a demandante G… que o valor da indemnização a pagar, no seu global, deveria ser em quantia nunca inferior a € 155.000,00, sendo, € 30.000,00 a título de dano moral, como efectivamente foi e € 125.000,00 a título de dano patrimonial.
Neste segmento, defende que erradamente se entendeu na decisão recorrida que a demandante havia delimitado o seu pedido cível, como limite de vida activa para a vítima, a idade de 65 anos e como tal, no cálculo do valor a atribuir a título de dano patrimonial apenas se considerou essa idade, quando o certo é que o não fez.
Efectivamente, conforme decorre do pedido cível, cfr. artigos 100 e 105, formulado pela demandante, peticionou que fosse atribuído o valor de € 130.000,00 a título de dano patrimonial pela perda de rendimento em virtude do falecimento do seu marido, valor esse calculado de acordo com salário que auferia, considerando que 2/3 seria para gastos na economia comum, idade do falecido à data do óbito (58 anos) e esperança média de vida;
ora, esperança média de vida para os homens, facto notório, é por volta dos 78 anos;
no entanto, seguindo o raciocino e cálculos constantes da decisão recorrida, considerou-se a idade de vida activa, 65 anos e, não, a idade de 78 anos, correspondente à esperança média de vida,
assim concluindo por que, na decisão recorrida, erradamente se calculou o valor da indemnização a título de danos patrimoniais, com base na idade de 65 anos e não, de 78 anos.
donde, seguindo o cálculo efectuado, por forma a ser contabilizada a perda de um rendimento no valor global de € 55.944,00 (€ 666 (2/3 rendimento mensal) *84 meses) aplicando um desconto de 20%, fixando-se o valor de € 44.755,20 deve dar lugar a outro - € 666 (2/3 rendimento mensal) * 240 meses (€ 159.840,00) - 20% (€ 31.968,00), o que confere o valor final de € 127.872,00, a título de indemnização por danos patrimoniais pela perda de rendimentos;
a decisão recorrida ao considerar, no cálculo de indemnização por danos patrimoniais a atribuir á viúva do decesso J… a idade de 65 anos e não a esperança média de vida, fez uma erra interpretação do pedido cível formulado nos autos, incorrendo em erro no calculado valor da indemnização e uma errada aplicação do direito, violando o disposto nos artigos 564.º e 566.º C Civil.

III. 3. 3. 4. 3. Vejamos.

Enquanto a razão da discordância da demandante se situa num alegado erro de interpretação da causa de pedir em que assenta a sua pretensão, ou melhor no facto de ter alegado que no cálculo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros, se devia atender à esperança média de vida, no caso ao 78 anos e idade e que, na decisão recorrida afinal, se atendeu que tinha invocado, neste segmento, o fim da vida activa da vítima, 65 anos, no que resulta num alargamento em mais de 13 anos que ficaram de fora do cálculo, que redundou na fixação do valor de € 44.755,20, quando se deveria, afinal ter sido atingido o valor de € 127.872,00.
Já por outro lado os arguidos entendem que a existência de tal eventual lapso não só não pode contender com o resultado final, que, consabidamente deve ser fixado com base na equidade e aqui, ao contrário de outras situações em que é possível que a vítima pode prolongar os seus rendimentos para além da idade da reforma, até ao limite esperado da sua vida, nada permite concluir por que tal pudesse acontecer no caso concreto, desde logo, ao mesmo nível de rendimentos – nem por recurso às regras da experiência comum – e assim se possa afastar a regra de que os rendimentos do trabalho apenas perduram até ao termo da vida activa.
O que necessariamente, defendem os arguidos, afasta a razoabilidade da fixação da indemnização por referência à esperança média de vida do sinistrado.
Mas, decisivamente defendem os arguidos que a demandante ao pretender que a indemnização seja fixada com base num cálculo estritamente matemático, esquece a necessidade de se fazer operar a equidade – como se fez, de resto, já, na decisão recorrida, não se podendo, contudo, presumir que continuasse a fazer assentar a respectiva decisão no mesmo critério se o resultado fosse, aproximadamente, o triplo do valor indemnizatório, tudo levando, de resto, a crer que, moderaria substancialmente o resultado do cálculo.
Até porque, invocam os arguidos o facto de que o cálculo da indemnização a título de danos patrimoniais futuros, padece, também, na sua perspectiva, de um claro vício de raciocínio.
Isto porque, importaria esclarecer, para o referido cálculo, quem seriam, no sermos do artigo 495.º/3, os credores da indemnização e em que medida beneficiavam das contribuições do falecido. E, no entanto, só a viúva formulou pedido a este propósito, tendo-se decidido - porque seria ela a beneficiária de toda a "contribuição para os encargos da vida familiar” que do sinistrado proviesse no futuro - atribuir-lhe, como tal, uma indemnização cujo cálculo baseou num contributo de 2/3 do rendimento do falecido - tudo o que não era gasto nas suas despesas pessoais, quando o certo é que aquela "contribuição para os encargos da vida familiar' consubstancia uma prestação de que todos os elementos do agregado familiar beneficiam.
E, assim, concluem por que, devem, este, bem como, o valor da indemnização por danos não patrimoniais, ser reduzidos, no valor absoluto, desde logo e, depois pela verificação de concorrência de culpa da vítima na produção do evento.
Começaremos, logicamente, por aqui.

III. 3. 3. 4. 3. 1. Para apreciação da matéria da culpa importa convocar o que nesta matéria resulta provado.
- na segunda semana do mês de Setembro de 2013, o arguido C… ordenou que o ofendido J…, acompanhado dos trabalhadores da sociedade arguida, L… e M…, procedesse à limpeza e impermeabilização das caleiras do pavilhão industrial da sociedade arguida, sita na Rua …, em …, concelho de Santa Maria da Feira;
a cobertura do pavilhão onde estavam a ser executados aqueles trabalhos é constituída por dois tipos de placas: a) placas de fibra (translúcidas): com uma largura de 10S0 mm, caracterizadas por não terem resistência de carga, quebrando-se com facilidade; e b) placas de ferro: com uma largura de 1500 mm, caracterizadas por terem alguma resistência à carga;
- cada placa de fibra alterna com quatro placas de metal;
- os trabalhadores identificados em 12) conheciam as características da cobertura e estavam conscientes do risco associado às placas de fibra, sabendo que teriam de apoiar-se nas placas de ferro
- dado que a manipulação da tela tem de ser realizada em toda a sua extensão, inclusive nos espaços onde se encontram as placas de fibra, os trabalhadores apenas podem apoiar-se e caminhar sobre a viga longitudinal;
- no dia 17 de Setembro de 2013, cerca das 15:50 horas, L…, M… e o ofendido J… encontravam-se a proceder ao estiramento da tela de impermeabilização na caleira da cobertura, manipulando-a, em simultâneo, em três locais distanciados uns dos outros, de forma a garantir que a tela ficasse bem esticada;
- o ofendido J… estava no meio, M… estava na extremidade norte e o L… estava na extremidade sul;
- M… afirmou perante os colegas que a tela deveria estar mais chegada à extremidade, tendo o ofendido J… se levantado e começado a andar sobre a viga longitudinal para verificar o que o colega estava a afirmar;
- enquanto o ofendido J… caminhava, passou por uma placa de fibra, deu um passo em falso e com o seu peso, a placa de fibra partiu-se, provocando a queda daquele para o interior do pavilhão, a uma altura de cerca de 7 metros;
- os arguidos B… e C… sabiam que os mencionados trabalhos estavam a ser executados sem qualquer equipamento de protecção contra quedas em altura;
- apesar de saberem que a execução de trabalhos em altura expõe os trabalhadores a riscos elevados, particularmente quedas, frequentemente com consequências graves para os sinistrados e que representam uma percentagem elevada de acidentes de trabalho, os arguidos B… e C… não procederam à avaliação dos riscos associados à execução daquela obra, não definiram as medidas de prevenção adequadas aos trabalhos a realizar, não elaboraram fichas de procedimentos de segurança, apesar de aqueles trabalhos implicarem riscos especiais, nem asseguraram que os trabalhadores dependentes e independentes tivessem conhecimento das mesmas;
- os arguidos B… e C… sabiam que, quando não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e em condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento apropriado para evitar quedas em altura;
- os arguidos B… e C… mais sabiam que, na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, deveriam ter dado prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo;
- os arguidos B… e C… mais sabiam que, em trabalhos de curta duração, deveriam ter instituído a utilização de equipamento de protecção anti­quedas, tais como andaimes, plataformas robustas e apoiadas em locais sólidos, no sentido de distribuir o peso do trabalhador por uma maior superfície e impedir que o mesmo se apoie em pontos frágeis, colocação de guarda-corpos e tábuas de pé na periferia da cobertura, quando os trabalhos se desenvolvam neste local, sinalizar e delimitar as aberturas com guarda-corpos;
- os arguidos B… e C… tinham o dever e capacidade pessoal de acompanhar a obra e garantir a execução desta em segurança, mediante a utilização dos referidos equipamentos de protecção, e, não obstante, nada fizeram;
- os arguidos B… e C… representaram que, em consequência da ausência dos referidos equipamentos de protecção, estavam a ser violadas regras de segurança dos trabalhadores e que, consequentemente, poderiam colocar em perigo a vida e a integridade física daqueles que se encontravam a executar a mencionada obra;
- porém, os arguidos B… e C… confiaram que tal perigo não se iria verificar;
- os arguidos B… e C… agiram livre, voluntária e conscientemente;
- os arguidos B… e C… sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

III. 3. 3. 4. 3. 2. A culpa.

Como se sabe não há responsabilidade sem culpa.
Para que o facto possa ser imputado ao agente é necessário que exista certo nexo psicológico entre o facto e a vontade do lesante.
Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou a censura do direito.
E a conduta do lesante é reprovável quando pela sua capacidade e em face das circunstâncias do caso concreto, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.
Culpa que, por outro lado, se tem que ter como indiciariamente verificada quando o agente viola regras jurídicas que pretendem, desde logo, evitar, o evento, que afinal se veio a verificar.
Diga-se, a este propósito, desde já, que nenhum fundamento colhe na prova produzida o fundamento para a alegação feita pelos arguidos de que, o sinistrado sempre chamou a si a responsabilidade de zelar pela segurança da obra.
Com efeito nem tal se pode concluir - como pretendem os arguidos – do facto, de, por um lado, a vítima ter alertado os trabalhadores que consigo trabalhavam para os perigos representados pelas placas de fibra e, por outro, impedir o arguido C… de se aproximar do local dos trabalhos, por motivos de segurança.
Da mesma forma não é pelo facto de estar provado que se a vítima não tivesse dado um passo em falso sobre uma placa de fibra, não teria morrido, que se lhe pode assacar culpa na produção do evento.
Pelo contrário, o que daqui se pode afirmar é que mesmo que desse o passo em falso, se existisse protecção, não cairia.
Isto é que é decisivo.
Obviamente que se não desse o passo em falso, não cairia, como, da mesma forma se para ali não subisse, ou se não estivesse a trabalhar, nessa tarde.
O que releva no entanto, nesta matéria é pela teoria da causalidade adequada, o nexo que de tal forma se possa, ou não, estabelecer entre o facto e o dano.
E se é certo que a vítima, apesar de ciente do perigo, pisou uma placa de fibra, desconhece-se, contudo, o que o levou a pisar a dita placa.
Desde logo - o que aqui seria relevante e decisivo - se por groseira omissão do dever de cuidado e precaução, que devia colocar na execução da tarefa. Donde, não se pode concluir pela imputação subjectiva (culposa) na queda.
Nem se pode – como pretende os arguidos – ver a culpa da vítima no facto de, não estar a utilizar os seus próprios equipamentos de segurança e, por outro lado, ter pisado uma placa que sabia não poder ser pisada.
A objectiva e naturalística contribuição, “iniciativa” da vítima - lhe chamam os arguidos - ao dar o primeiro passo – o passo em falso - para o desfecho fatal da sua queda, em altura, não permite só por si, contudo, sem mais, lhe possa ser imputado, a título de culpa.
E desde logo, é certo e seguro, que a vítima não contribuiu para a criação do perigo a que foi exposto, derivado do facto de os arguidos não terem providenciado, como lhes competia, pela montagem do equipamento antiqueda – o que seria de molde a garantir a segurança dos 3 trabalhadores que estavam a executar os trabalhos.
Aqui reside, incontornavelmente, a causa culposa, do acidente, imputável em exclusivo aos arguidos.
E, então agora sim assume relevo a materialidade conclusiva, tida como não escrita, constante dos pontos 29. e 30. do elenco dos factos provados.
Seja que, a queda da vítima foi consequência da ausência, na execução da obra, de equipamentos de protecção destinados a prevenir as quedas em altura e que, a sua morte, foi consequência da inexistência, na dita obra, de tal equipamento de segurança, o qual sempre evitaria a queda em altura e os consequentes traumatismos que o vitimaram.
E, assim, o que temos, com relevo, é que a vítima deu um passo em falso, precisamente porque no havia protecção.
Donde, a conduta da vítima, ainda que com relevância para a produção do evento, não exclui a omissão relevante por violação desse dever de garante, ao não lhe terem sido fornecidos os meios necessários e exigíveis para o evitar, cfr, o já citado Acórdão da RE.
Muito embora a morte tenha derivado do passo em falso dado pela própria vítima, o resultado de perigo de morte surge como consequência adequada, directa e necessária, somente da conduta dos arguidos, sendo que esse resultado de perigo como o processo causal, ainda que nos seus traços essenciais, eram objectivamente previsível para ambos.
E, então, se na concorrência de culpas, o que releva é a influência da conduta do lesado na produção do sinistro, conduta essa que, ainda que meramente culposa, então, no caso concreto, a mesma não se verifica “in casu”.
Donde o acidente apenas pode ser imputado a culpa única e exclusiva dos arguidos.

III. 3. 3. 4. 3. 3. A fixação da indemnização.

Antes de entrarmos, especificamente, nesta matéria, devemos salientar que tem fundamento a causa de irresignação da demandante, no tocante à forma de cálculo, às premissas, em que assentou o cálculo da indemnização por danos patrimoniais.
Com efeito, como é sabido, o tribunal não pode condenar além do pedido. Esta proibição reporta-se, no entanto, não aos valores parcelares, mas em relação ao valor global do pedido, resultante da soma das várias parcelas, se for o caso.
E se o tribunal não está limitado ao valor de uma determinada parcela, de entre as que compõem o podido total, no caso concreto, a questão reporta-se a um dos factores a que a jurisprudência vem, unanimemente, entendendo, ser de atender no cálculo da indemnização, no que se reporta à indemnização pela perda de rendimentos futuros, por via da morte do lesado.
Com efeito, como se sabe vigora entre nós, nesta matéria, o princípio “iura novit cura.”
A parte tem o ónus de alegar factos, que constituam a causa de pedir e que assenta o seu pedido. E a matéria em causa não pode ser qualificada como tal.
Donde independentemente do facto - que no caso não ocorre, sequer (devendo-se o entendimento sufragado na decisão recorrida a um mero lapso e menor cuidado e atenção na leitura do requerimento do pedido cível) – de a demandante poder ter tido em consideração, no cálculo (que nem sequer era obrigada a efectuar e a explicitar) que a indemnização devia levar em conta o factor “termo da vida activa” e não “esperança média de vida”, que o tribunal, por força do que se vem, unanimemente, entendendo, estivesse impedido, limitado, na determinação do valor da indemnização, de reportar a mesma a este último dado.
Assim, adiante se atenderá a este termo a quo, como, invariavelmente, se vem decidindo, sem brechas, naturalmente que limitado ao valor total do pedido – que não poderá em cas algum ser ultrapassado.

III. 3. 3. 4. 3. 3. 1. De acordo com o princípio geral plasmado no artigo 483.º/1 C Civil [4] “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
A função da obrigação de indemnizar é remover todo o dano real à custa do lesante, só assim se cumprindo o princípio programático previsto no artigo 562.º, de reconstituição da situação em que o lesado se acharia se não fosse a lesão, podendo o tribunal atender aos danos futuros desde que previsíveis, artigo 564.º/2. O meio por que o legislador manifesta preferência na fixação da indemnização é o da restauração natural, havendo casos em que por tal não ser possível, se lança mão, então, para fins indemnizatórios, da atribuição de uma quantia em dinheiro, intervindo a equidade, se não puder ser determinado o exacto quantitativo, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados, artigo 566.º/3.

No que ao caso interessa, estão em causa, por um lado, os danos patrimoniais futuros a título de lucros cessantes, de quem se viu privado do rendimento que o falecido auferia e com que contribuía para o sustento do agregado familiar e, por outro, os danos de natureza não patrimonial sofridos pela mulher e pelos filhos da vítima.

III. 3. 3. 4. 3. 3. 2. Quanto aos primeiros.

Se é certo que em princípio só o titular do direito violado ou do interesse atingido pela infracção da norma legal que o protege tem direito a indemnização – artigo 483.º, excepcionalmente, porém, a lei concede tal direito a terceiros; e o artigo 495.º/3, ao estatuir que em caso de morte do lesado “têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”, constitui, justamente, um desses casos excepcionais - direito que, a inferir do elemento literal, deve entender-se como um direito próprio da família do falecido e não como um direito da vítima que, por via sucessória, se lhe transmita.
Esta norma não significa que tenham direito a indemnização de quaisquer danos patrimoniais aqueles que tinham direito de alimentos contra o lesado, mas apenas e tão só que estes têm direito de indemnização do dano da perda de alimentos.
Antunes Varela, in Direito das Obrigações, I, 9ª edição, 501, defende que “o prejuízo a ter em conta é o que advém (para a pessoa carecida de alimentos) da falta da pessoa lesada”, sendo “por este prejuízo que a indemnização se mede”; daí que o lesante não possa “ser condenado em prestação superior (seja no montante, seja na própria duração) àquela que provavelmente o lesado suportaria, se fosse vivo”.
De qualquer modo, parece certo que o exercício do direito de indemnização excepcionalmente reconhecido pelo artigo 495.º/3, não depende da prova em concreto de que ao tempo da verificação do facto danoso se estava a receber alimentos, bastando demonstrar que nesse momento se estava em situação de legalmente os exigir; e é esse, evidentemente, o caso de que aqui se trata, pois do núcleo irredutível do dever de assistência a que os cônjuges estão reciprocamente vinculados faz parte, como se disse, a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar – artigos 1672.º e 1675.º, incluindo-se no poder paternal o dever dos pais, no interesse dos filhos, velarem pela segurança e saúde destes, proverem ao seu sustento e dirigirem a sua instrução e educação – artigo 1878.º/1, 1879.º e 2003.º.
Não pode, contudo, ir-se até ao ponto de conceder uma indemnização cuja medida concreta exceda aquela a que normalmente se chegará quando se tenha em conta, como a lei manda, o lapso temporal por que perduraria o dever de prestar alimentos a cargo da vítima. A razão é clara: à luz do pensamento legislativo que subjaz à norma do artigo 495.º/3, quando interpretada em conjugação com os restantes textos legais citados, torna-se objectivamente impossível falar a partir desse momento em danos previsíveis. E não é de igual modo viável, por idêntico motivo, atribuir uma indemnização que não só deixou já de filiar-se no crédito de alimentos do titular do direito, como também, bem vistas as coisas, não radica em termos de causalidade adequada no facto gerador da responsabilidade civil.
A fixação do montante da indemnização pelos danos sofridos pela demandante e filhos, privadas da contribuição do marido e pai, assume contornos delicados, exactamente porque há que lidar com o incerto, visto que a morte trouxe a incerteza no que respeita à sua capacidade de ganho futuro - apenas se sabendo o que a vítima auferia ao tempo do seu decesso, no caso - sendo certo que a indemnização deve cobrir os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
É extremamente delicado fixar com justeza a indemnização a este título, desempenhando, por isso, a equidade um papel corrector e de adequação da indemnização decretada às circunstâncias do caso, nomeadamente quando, como é frequente, os tribunais recorrem a “cálculos matemáticos e a tabelas financeiras”.
Esse recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade.
Por outro lado, equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.
A lei não dá qualquer conceito de equidade, mas, tem-se aceite a mesma desde longa data como a consideração prudente e acomodatícia do caso, e, em particular, a ponderação das prestações, vantagens e inconvenientes que concorram naquele.
A indemnização por danos futuros decorrentes da morte deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir e que se extinga no final do período provável de vida activa, que seja susceptível de garantir, durante essa vida, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido, para cujo cômputo entram factores tais como a idade da vítima, suas condições de saúde, bem como à esperança média de vida da vítima, (por corresponder ao horizonte temporal durante o qual contribuiria, previsivelmente, para os encargos da vida familiar e para as despesas do cônjuge) natureza do trabalho que realizava, salário auferido – deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social – dispêndio relativo a necessidades próprias, depreciação da moeda, evolução dos salários, taxas de juro do mercado financeiro, perenidade ou transitoriedade de emprego, progressão na carreira profissional, desenvolvimento tecnológico e índices de produtividade.
Critério que é válido quer na situação em que o lesado perde, por morte ou incapacidade total permanente, a sua capacidade de trabalho, quer na situação em que vê diminuída a sua capacidade laboral em consequência do facto lesivo.
Circunstâncias, qualquer delas, que originam a perda de um rendimento que se repercute em prejuízos a sofrer pelo lesado ou por aqueles que com ele viviam na sua dependência económica.

III. 3. 3. 4. 3. 3. 3. Quanto aos danos de natureza não patrimonial.

Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve-se ter em consideração as normas contidas nos artigos 494.º e 496.º/3.
Com efeito, é no artigo 496º/1, que se consagra a indemnizibilidade dos danos não patrimoniais, ainda que limitada àqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
No seu nº. 3, estabelece-se que a reparação obedecerá a juízos de equidade, havendo por isso que ter em consideração, as circunstâncias do caso concreto, referidas no artigo 494° – grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso – entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos - não devendo esquecer-se, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência ou as flutuações do valor da moeda.
Valor este, que deve ser actual, aplicando-se aqui igualmente a regra do artigo 566.º, que manda atender à data mais recente em que o facto é apreciado pelo Tribunal.
Como anota, Antunes Varela e Pires de Lima, C Civil anotado, I, 4ª ed., 501, os juízos de equidade significam o uso das regras da boa prudência, do senso comum, da justa medida das coisas e da ponderação atentas as realidades da vida.
O quantum indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, sempre, “segundo critério de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular do direito à indemnização, aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda”, cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I vol., 7ª ed., 601.
Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podendo ser reintegrados, mesmo por equivalência, ou seja, não visam reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar o lesado pelas dores e também sancionar a conduta do lesante.
A norma orientadora, artigo 494.°/1 fornece elementos suficientes, ao julgador. A equidade funda-se, em suma, em razões de conveniência, de oportunidade e, principalmente de justiça concreta.
Equidade não é sinónimo de arbitrariedade pura e simples, mas sim um critério para a correcção do direito em ordem a que se tenha em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.
Como é sabido – facto a que não é estranho os constantes aumentos do valor do capital no seguro obrigatório do ramo automóvel – a jurisprudência tem, igualmente evoluído no sentido de considerar que a indemnização ou compensação deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo por isso, confinar-se a uma dimensão miserabilista.
A compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496.º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.
Em matéria de danos de natureza não patrimonial situam-se todos os prejuízos de ordem biológica, espiritual, ideal ou moral, como seja o caso de perda da saúde, temporária ou permanente, das dores e incomodidades físicas, dos sofrimentos, constrangimentos e desgostos morais e efectivos, dos complexos e frustrações de ordem estética e psicológica, etc.
Tudo, em suma, prejuízos insusceptíveis de avaliação económica e em que a indemnização não pode deixar de proporcionar lenitivo bastante ao mal causado.
Pode por isso dizer-se que esta indemnização reveste, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, não lhe e estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civil e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente, mas além desse carácter sancionatório, o objectivo da reparação dos danos morais, é o de proporcionar ao lesado, através do recurso à equidade, uma compensação ou benefício de ordem material, a única possível, que lhe permita obter prazeres ou distracções, porventura de ordem puramente espiritual, que de algum modo, atenuem a sua dor, não consistindo num pretium doloris, mas antes numa compensação doloris.

III. 3. 3. 4. 3. 3. 4. Descendo ao caso concreto, atentemos nos factos provados com relevo nesta matéria.
“A demandante E…, nascida em 16.06.1987, é filha de J….
O demandante F…, nascido em 4.08.1980, é filho de J….
A demandante G… nasceu em 5.11.1958
J… nasceu em 21.08.1955.
A demandante G… casou-se com J… em 29.12.1979, tendo o casamento sido dissolvido por morte daquele.
À data, J… obtinha, como contrapartida dos trabalhos executados para a sociedade arguida, um rendimento mensal médio de cerca de 1.000 €.
J… utilizava parte desta quantia no pagamento das despesas do quotidiano do seu agregado familiar, composto por si e pela demandante G…, relacionadas com o consumo de água, luz, gás e telefone, seguros, manutenção e conservação da habitação e impostos.
Em consequência da morte de J…, os demandantes sentiram e continuam a sentir tristeza e angústia, em virtude de existir entre eles uma forte ligação afectiva.
Os demandantes viviam na habitação de J… e efectuavam refeições diárias com este.
A demandante G… e J… tinham uma relação de cumplicidade e partilhavam entre si todos os momentos da vida, fossem de alegria ou de dificuldades e angústia.
À data, a demandante G… auferia o vencimento mensal de cerca de € 505,00, o que se mantém.
A arguida B… frequentou o ensino até ao 9° ano de escolaridade, em Angola, e, posteriormente, em Portugal, frequentou um curso de secretariado e relações públicas, que lhe deu equivalência ao 11° ano de escolaridade.
A arguida B… exerce funções de gerência e na área da contabilidade e secretariado na sociedade arguida, auferindo o vencimento mensal de cerca de 1.000 €.
O arguido C… aufere uma pensão de reforma, no valor mensal de cerca de 800 €.
Os arguidos B… e C… residem numa moradia arrendada, a que corresponde a renda mensal de 250 €, suportada pela filha do casal, que, juntamente com o respectivo cônjuge, com eles reside e é técnica administrativa na sociedade arguida.
Actualmente, a sociedade arguida labora com 20 a 30 funcionários e, no final de cada exercício, tem obtido lucro, em montante que não foi possível apurar em concreto”.

III. 3. 3. 4. 3. 3. 5. Diga-se desde já que se é certo que na fixação da indemnização se deve atender, além do mais, à situação sócio-económica do lesado e do autor da lesão, já nenhuma consideração dá o legislador - donde nenhum merecimento se pode atribuir à alegação feita nesse sentido, por estes últimos – ao facto de que não têm, nem terão capacidade para suportar o valor da indemnização – irrestritamente, seja ele qual for – raciocínio que os arguidos sustentam na consideração do facto de que a sociedade arguida foi condenada, ainda, a uma pena de multa no valor de € 42.000,00 e o conjunto dos arguidos ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais futuros no valor de € 44.755,20.
E, assim.
A título de indemnização por danos patrimoniais futuros, da viúva – que acertadamente foi a única que os pediu pois que em relação aos filhos vem-se entendendo que tal direito (por correspectivo da obrigação de alimentos) cessa no fim da normal idade de formação académica, (no caso já atingida por ambos os filhos) ponderando o facto de que,
- à data, a vítima tinha acabado de perfazer 58 anos – então, ainda com 20 anos até atingir o patamar da esperança média de vida,
- obtinha, como contrapartida dos trabalhos executados para a sociedade arguida, um rendimento mensal médio de cerca de € 1.000,00,
- utilizava parte desta quantia no pagamento das despesas do quotidiano do seu agregado familiar, composto por si e pela demandante G…, relacionadas com o consumo de água, luz, gás e telefone, seguros, manutenção e conservação da habitação e impostos,
- à data, a demandante auferia o vencimento mensal de cerca de € 505,00, o que se mantém e,
nada havendo a censurar à utilização de tabelas e à introdução das correcções habitualmente citadas na jurisprudência, para fixar o valor da indemnização devida por danos patrimoniais futuros, nem ao entendimento de que a vítima despenderia consigo próprio cerca de 1/3 do rendimento que auferia do seu trabalho (a este nível de rendimentos mensais, desde logo) tão pouco, que sobre o montante apurado, atendendo ao recebimento imediato da totalidade da indemnização por uma só vez, possibilitará a rentabilização do capital recebido, se mostra ajustado aplicar uma redução de acordo com uma taxa na ordem de 1,5% (e não outra) por constituir facto notório que no momento presente, são baixos os valores das remunerações resultantes do capital,
por conseguinte, será de fixar o montante indemnizatório deste dano patrimonial futuro, “ex aequo et bono” no valor de € 120.000,00.

E, a título de indemnização por danos não patrimoniais, ponderando todo o exposto, enquadramento legal e factualidade apurada, no que se traduz que,
- à data do decesso, a viúva estaca casada há 33 anos com a vítima e de que os filhos tinham ela, 26 anos de idade e ele, 33 anos,
- os demandantes viviam na habitação de J… e efectuavam refeições diárias com este,
- em consequência da morte de J…, os demandantes sentiram e continuam a sentir tristeza e angústia, em virtude de existir entre eles uma forte ligação afectiva,
- a demandante G… e J… tinham uma relação de cumplicidade e partilhavam entre si todos os momentos da vida, fossem de alegria ou de dificuldades e angústia,
- a culpa é exclusiva dos arguidos e,
- a mediana condição sócio-económica de todos,
cremos bem, que se mostram adequadas e ajustadas, as parcelas fixadas na decisão recorrida, de € 30.000,00 para a viúva e € 20.000,00, para cada um dos filhos, que nenhum censura merecem, mormente a de serem excessivas ou exorbitantes, como pretendem os arguidos, carecendo de fundamente razoável, desde logo, a redução, de cada uma delas, para o patamar de € 10.000,00.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os juízes que compõem este tribunal em,

- negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos, B…, C… e D…, Lda. e, assim, confirmar a decisão recorrida no segmento impugnado;

– conceder, parcial provimento, ao recurso subordinado interposto pela demandante cível, G…, em função do que se altera o valor da indemnização a título de danos patrimoniais futuros, para € 120.000,00, a pagar solidariamente por todos os arguidos,
mantendo-se em tudo o mais o constante da decisão recorrida.

Taxa de justiça, individual, por cada um dos arguidos, que decaíram totalmente, no recurso que interpuseram, que se fixa em 4 UC,s.
Não se tributa o recurso subordinado interposto pela demandante, pois que obteve parcial provimento.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o signatário.


Porto, 2017.Fevereiro.22
Ernesto Nascimento
José Piedade
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[1] In Direito Processual Penal, 202/203.
[2] No dizer do Ac. STJ de 4NOV1998, in CJ, S, III, 209.
[3] Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 125.
[4] Diploma a que pertencerão as normas adiante citadas sem indicação de origem.