Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PEDRO VAZ PATO | ||
Descritores: | PERDÃO DA LEI N.º 38-A/2023 (JMJ) PENA DE MULTA DE SUBSTITUIÇÃO PENA DE PRISÃO PRINCIPAL EXECUÇÃO COERCIVA DA MULTA DE SUBSTITUIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20240605334/20.8PAGDM-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – O artigo 3.º, n.º 2, a), da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, exclui do perdão nela previsto as penas de multa de substituição superiores a 120 dias. II – Estão abrangidas pelo perdão, nos termos da alínea c) desse artigo 3.º, n.º 2, as penas de prisão resultantes do incumprimento dessas penas de multa, mas mantém-se a possibilidade do seu pagamento coercivo através da execução das mesmas. (Sumário da responsabilidade do Relator) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 334/20.8PAGDM-B.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – O Ministério Público veio interpor recurso do douto despacho do Juiz 6 do Juízo Local Criminal do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que não aplicou o perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, à pena de oito meses de prisão, substituídos por duzentos e quarenta dias de multa (por sua vez substituídos por prestação de trabalho a favor da comunidade) em que foram condenados os arguidos AA e BB pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, c), do Regime Jurídico das Armas e Munições. São as seguintes as conclusões da motivação do recurso: «I. Salvo o devido respeito discordamos do entendimento exposto no Doutos Despacho proferidos pelo Mm.º Juiz a quo, uma vez que não nos apoiamos no facto do cumprimento da pena estar a ser efetuado por prestação de trabalho, mas sim entendemos que é aplicável o perdão no caso em concreto, por estarmos perante uma pena de 8 meses de prisão substituída por multa, a qual se enquadra no artigo 3.º n.º1 e 2 alínea a), segunda parte da Lei n.º 38-A/2023, de 3 de Agosto. II. Senão vejamos: os arguidos AA e BB foram, cada um deles, condenados, na pena de 8 meses de prisão, substituídos por 240 dias de multa. III. Após o trânsito em julgado, os arguidos, não procederam ao pagamento da multa aplicada em substituição da prisão e solicitaram a prestação trabalho, nos termos previstos e admitidos pelo artigo 48.º do CP, tendo sido pela DGRSP elaborado o competente relatório de caracterização do Trabalho Plano de Execução, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, indicando-se para execução pelos arguidos, tarefas variadas junto da União de Freguesias de Gondomar, em período e horário a fixar, o que importaria homologar. IV. Contudo, podemos concluir que os arguidos não procederam ao pagamento da multa, falhando o cumprimento do valor da multa aplicada em substituição e só não entraram em incumprimento por terem requerido uma forma de cumprimento da pena de substituição. V. Cumpria segundo o nosso entendimento, proceder à aplicação da Lei do Perdão aprovada pela Lei n.º 38-A/2023, por altura das Jornadas Mundiais da Juventude, com a visita do Papa a Portugal, pois dos autos resulta que, os arguidos, tem menos de 30 anos à data da prática dos factos e foram condenados pela prática de factos a 12 de Outubro de 2020, que configuram um crime de detenção de arma proibida, p., e p., pelo artigo 86.º n.º 1, alínea c), do RJAM, tendo sido aplicada, cada um deles, a pena de 8 meses de prisão substituídos por 240 dias de multa. VI. De acordo com o previsto no artigo 3.º, n.º 2, da Lei 38-A/2023, “são ainda perdoadas: a) As penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão; b) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa; c) A pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; e d) As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova (…)”. VII. A questão sub judice prende-se com a interpretação da alínea a) do artigo 3.º n.º 2, a qual suscita dúvidas na aplicação e interpretação a fazer pelo aplicador e julgador, pois da lei podemos ler que são perdoadas a) As penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão”. VIII. O preceito em análise apenas fixa um limite da pena que pode ser perdoada para a pena de multa a título principal (120 dias), mas da letra da Lei, já não decorre essa fixação para a multa em substituição da pena de prisão. Aliás, caso fosse esse o entendimento do legislador, então da letra da Lei decorria que era perdoada “a multa até 120 dias em substituição de pena de 4 meses de prisão”, o que limitaria a aplicação do perdão apenas para penas até 4 meses de prisão, quando o Legislador previu perdoar para esta faixa etária até um ano de prisão em todas as penas de prisão até aos 8 anos e por outro lado na alínea c) do artigo 3.º n.º2, previu o perdão e qualquer multa de substituição de pena de prisão. IX. Ora o legislador não teria no seu espírito criar normas contraditórias e de aplicação duvidosa. Incumbindo ao intérprete olhar para a Lei no seu todo e para o espírito da Lei, de forma a fazer uma interpretação que se aplique de igual forma a todos os arguidos que pertença àquela faixa etária, ou seja que tenham sido condenados pela prática de crimes antes da Lei quando tinham à data da prática dos 16 anos aos 30 anos de idade. X. Acrescentamos que uma interpretação restritiva da Lei e não unitária, poderá levar a aplicação discricionária da Lei do Perdão e concluímos que perante situações concretas idênticas como a dos autos, podemos alcançar aplicações diversas, porquanto, a ser assim, como entende o Douto Despacho recorrido, podemos obter os seguintes resultados com a mesma situação e a mesma Lei: por um lado, se cumprirem o trabalho ou procederem ao pagamento da pena de multa, não haverá lugar à aplicação da Lei do Perdão aprovada pela Lei n.º 38-A/2023 apesar de todas as demais circunstâncias fácticas verificas; por outro lado, se um dos arguidos incumprir o trabalho e também não proceder ao pagamento da multa, aí beneficiará do perdão previsto pela Lei n.º 38- A/2023. Entendemos que o Legislador não pretendeu com esta Lei, uma aplicação diferenciada da Lei do Perdão, mas uma aplicação uniforme para situações concretas idênticas soluções idênticas. XI. Ou seja, intérprete terá que equacionar a aplicação da Lei perante a situação em concreto, de forma a aplicá-la em situações concretas da mesma forma e na mesma fase de execução da pena, sob pena da mesma beneficiar uns e não outros. XII. Então concluímos que, perante a pena concreta, não estando excecionada diretamente ou seja excluída da sua aplicação em termos globais terá que ser aplicada a todos com a condição resolutiva, de molde a todos aqueles que estejam nas condições legais do artigo 2.º n.º1, da LJMJ, beneficiem do perdão com a condição resolutiva e caso incumpram essa condição então terão de cumprir a pena perdoada em que foram condenados, acrescendo à nova pena aplicada (artigo 8.º n.º1 da Lei n.º 38-A/2023). XIII. Segundo as regras da interpretação, a presente Lei do perdão n.º 38-A/2023, não concretiza a pena de multa de substituição pela pena de prisão, pelo que, não podemos alcançar da letra da Lei, o que o legislador não previu. Ou até interpretar em sentido contrário ao que se previu na Lei uma alínea mais a baixo. XIV. Com efeito, o legislador não excluiu o perdão da pena de prisão substituída por multa, pelo que não poderemos interpretar uma alínea num sentido e outra alínea em sentido diverso, quanto à limitação da quantidade da multa ou prisão. XV. Ao interpretarmos a norma de forma restritiva e ao fazer uma aplicação extensiva da letra da lei, a qual não é permitida em Direito Penal, estamos a violar o previsto pela Lei do Perdão, com uma aplicação aleatória da Lei, o que entendemos ser contrário ao espírito da Lei aprovada na altura das Jornadas Mundiais da Juventude e ao princípio da legalidade. XVI. Diremos que os doutos despachos proferidos violam a Lei do Perdão n.º 38-A/2023, fazendo uma aplicação incorreta da mesma por vicio na interpretação da Lei e no sentido a alcançar com a sua aplicação, o que importa ser alterado com a revogação dos doutos despachos recorridos e com a consequente aplicação da Lei do Perdão. XVII. Acresce ainda que como resulta que os arguidos não procederam ao pagamento da multa de substituição e ao estarem a pedir a prestar de trabalho, concluímos estar incumprida a multa de substituição, por falta de pagamento, e como se alcança, seria de beneficiar os arguidos com a aplicação do perdão previstos pela alínea c) do artigo 3.º n.º2 da Lei n.º 38-A/2023, pelo que, e mais uma vez, concluímos que por aqui também estariam reunidos os pressupostos para a aplicação da Lei do Perdão n.º 38-A/2023, o que o Mm.º Juiz a quo não fez. XVIII. Os Doutos despachos recorridos violaram os artigos 1.º n.º 1; 2.º n.º 1 e 3.º n.º 2, alínea a), segunda parte e alínea c) da Lei n.º 38.º - A/2023, ao não abranger a aplicação do perdão à pena de 8 meses de prisão substituída por 240 dias de multa, o qual deve ser revogado e igualmente revogado deve ser o douto despacho que determinou a prestação das 240 horas de trabalho social, por se alcançar que se deve aplicar o perdão da pena a cada um a dos arguidos, sob a condição de resolutiva prevista no artigo 8.º n.º1, da mesma Lei e tal despacho violar as citadas disposições legais do perdão da pena. XIX. Nesta conformidade, pelas razões expostas e por uma interpretação igualitária para todos os condenados nas mesmas circunstâncias e, por estarem reunidos os pressupostos da aplicação da Lei do perdão, pugnamos pela revogação dos doutos despachos, determinando-se a sua substituição por outro, que declare perdoada a pena na sua totalidade, nos termos do disposto nos artigos 2.º n.º 1; 3.º n.º2 alínea a), 2.ª parte, da Lei n.º 38A/2023, de 2 de agosto, sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor (01.09.2023), caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena perdoada, conforme previsto no artigo 8.º n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023.» O Ministério Público junto desta instância apôs o seu visto. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir. II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se deverá, ou não, ser aplicado o perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, à pena de oito meses de prisão, substituídos por duzentos e quarenta dias de multa (por sua vez substituídos por prestação de trabalho a favor da comunidade) em que foram condenados os arguidos AA e BB pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, c), do Regime Jurídico das Armas e Munições. III- É o seguinte o teor do douto despacho recorrido: «Por sentença proferida nos presentes autos, já transitada em julgado, cada um dos arguidos AA e BB foi condenado na pena de 8 meses de prisão, a qual foi substituída por 240 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática, como coautores materiais, de um crime de detenção de arma proibida. Os arguidos requereram a substituição da multa por trabalho, o que se mostra legalmente admissível em face do disposto no art. 49.º do Código Penal, e em conformidade com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2016, de 21 de março, assim sumariado: «Em caso de condenação em pena de multa de substituição, nos termos do art. 43.º, n.º 1, do CP, pode o condenado, após o trânsito em julgado daquela decisão, requerer, ao abrigo do disposto no art. 48.º, do CP, o seu cumprimento em dias de trabalho, observados os requisitos dos arts. 489.º e 490.º do CPP.». A DGRSP prestou a informação solicitada. O n.º 1, do art.º 48.º, do CP, prevê que “a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. No caso em apreço, o tribunal considera que a prestação de trabalho a favor da comunidade constitui pena adequada e suficiente no sentido da restauração da confiança da sociedade na manutenção da norma violada, bem como para a reintegração do arguido na comunidade. Determina o art. 58.º, n.º 3 do CP, aplicável com as devidas adaptações por via do art. 48.º, n.º 2 do CP, que cada dia de multa fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas. Assim, atento o estabelecido pelo artigo 48.º do Código Penal e considerando a posição assumida pelos arguidos, determino que a multa de 240 dias, determinada em sede de sentença seja substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade, o qual, por se tratar de cumprimento de pena, não é remunerado. Dada a disponibilidade demonstrada pelos arguidos, tal trabalho deverá ser prestado para a União de Freguesias de Gondomar (..., ... e ...), durante os dias úteis, no período que for acordado aquando da reunião de integração, não excedendo estas o limite máximo previsto no n.º 4, do artigo 58.º, “ex vi” do artigo 48.º, n.º 2 do referido diploma. Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 48.º do CP e 490.º do CPP, determina-se que cada um dos arguidos (AA e BB) prestem a favor da comunidade, na União de Freguesias de Gondomar (..., ... e ...), desempenhando tarefas indiferenciadas, 240 (duzentas e quarenta) horas de trabalho, tendo o seu início como data limite a primeira 2.ª feira subsequente ao trânsito em julgado da presente decisão. Notifique, dando conhecimento à instituição referida, bem como ao arguido e comunique à DGRSP, solicitando que oportunamente seja remetido aos autos o respetivo relatório final. * Da não aplicabilidade do perdão à pena de substituição aplicada aos arguidos nos presentes autos:** Conforme foi acima referida, cada um dos arguidos AA e BB foi condenado na pena de 8 meses de prisão, a qual foi substituída por 240 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática, como coautores materiais, de um crime de detenção de arma proibida. Não obstante resulte da referida sentença que os arguidos possuíam menos de trinta anos de idade aquando da prática dos factos e o ilícito em causa não conste do elenco de exclusões do perdão previsto no art. 7.º, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, temos que a pena de substituição aplicada aos arguidos não é suscetível de ser perdoada, total ou parcialmente, atento o disposto no art. 3.º, n.º 2, al. a), do referido diploma, nos termos do qual são somente perdoadas as “penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão”. Acresce que, não obstante tais penas de multa de substituição tenham sido, mediante solicitação dos arguidos, substituídas por dias de trabalho nos termos do art. 48.º do Código Penal, temos que tal não consubstancia uma pena de substituição da pena de multa (o que se encontra legalmente previsto somente no que concerne à prestação de trabalho a favor da comunidade em substituição da pena de prisão, nos termos do art. 58.º do Código Penal), estando por isso arredada a possibilidade de aplicação do perdão nos termos da al. d), do n.º 2, do art. 3.º, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto. De facto, a faculdade prevista no art. 48.º Código Penal (substituição da multa por trabalho), não configura uma verdadeira pena de substituição, mas sim, pelo contrário, uma forma de cumprimento da pena de multa. Neste sentido se pronuncia o próprio Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2016, o qual refere nos seus fundamentos que: “Podemos ainda referir que o entendimento do disposto no artigo 48.º, do CP, como uma "forma de cumprimento da multa" (assim se distinguindo claramente das penas de substituição) é reafirmado pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 13/2013, onde se admitiu o cumprimento da pena de multa em dias de trabalho como sendo uma "possibilidade de cumprimento da pena", uma forma de execução da pena de multa (principal), uma "possibilidade de cumprimento da pena de multa através da prestação de trabalho, não estando portanto ainda a multa dada como incumprida"(47). Sendo, pois, o pagamento da pena de multa em dias de trabalho, previsto no artigo 48.º, do CP, uma forma de execução da pena de multa, e não uma pena de substituição, e sendo uma forma de execução antes de o condenado entrar em situação de incumprimento, é aplicável quer se trate de uma pena de multa principal, quer de uma pena de multa de substituição. E assim se reafirmando que não há qualquer distinção entre a pena de multa principal e a pena de multa de substituição quando estamos perante um caso de cumprimento da pena. Na verdade, só o regime do incumprimento (por motivo imputável ao condenado) deve ser diferente consoante estejamos perante uma pena de multa principal ou uma pena de multa de substituição atenta a natureza desta última.” Consequentemente, uma vez que as penas de multa de substituição aplicadas aos arguidos nos presentes autos excedem os 120 dias, e dada a inexistência de normal similar à prevista no n.º 1, do art. 3.º, para a pena de prisão (que prevê o perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos), consigna-se que, no caso dos autos, não é por ora aplicável a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, motivo pelo qual se indefere a promoção que antecede. Notifique.» IV – Cumpre decidir. Vem o Ministério Público, como recorrente, alegar que deverá ser aplicado o perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, à pena de oito meses de prisão, substituídos por duzentos e quarenta dias de multa (por sua vez substituídos por prestação de trabalho a favor da comunidade) em que foram condenados os arguidos AA e BB pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, c), do Regime Jurídico das Armas e Munições. Não serão obstáculos a essa aplicação nem a idade dos arguidos (inferior a trinta anos à data da prática dos factos, como exige o artigo 2.º, n.º 1, dessa Lei), nem o tipo de crime por que os arguidos foram condenados (não incluído em nenhuma das exceções elencadas no artigo 7.º dessa Lei). Está em causa a interpretação do artigo 3.º, n.º 2, dessa Lei, o qual estatui o seguinte: «São ainda perdoadas: a) As penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão; b) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa; c) A pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; e d) As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.» Alega o recorrente que essa alínea a) exclui do perdão as penas de multa a título principal acima de 120 dias, não as penas de multa em substituição de penas de prisão acima desses 120 dias (quanto a estas últimas não se verifica tal restrição), como as que estão aqui em apreço. Invoca a própria letra da Lei, designadamente porque não se faz referência (como se faria se essa restrição se aplicasse também a penas de multa em substituição de penas de prisão) a penas de multa até 120 dias em substituição de pena de 4 meses de prisão. Alega que não será admissível neste âmbito tal interpretação restritiva. Afigura-se-nos que não assiste razão ao recorrente. A interpretação que sustenta não tem correspondência na letra da Lei (esta admite perfeitamente que a restrição dos 120 dias se aplique quer a penas de multa a título principal, quer a penas de multa resultantes da substituição de pena de prisão, as quais também se traduzem em dias), quer, sobretudo, no seu espírito, na sua ratio. Na verdade, não se vislumbra qualquer motivo razoável para distinguir as duas situações, com um regime mais favorável para a pena de multa em substituição da pena de prisão; desde logo porque esta não é menos grave do que a pena de multa a título principal (antes pelo contrário). Há que ter em conta, desde logo, o a regra lapidar do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil: «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.». A interpretação seguida pelo despacho recorrido a este respeito não representa alguma forma de inadmissível interpretação restritiva. Pode ver-se, neste sentido, o acórdão da Relação de Guimarães de 6 de fevereiro de 2024, proc. n.º 90/23.8PBGMR.G1, relatado por Bráulio Martins, in www.dgsi.pt Invoca, por outro lado, o recorrente a alegada incongruência que decorrerá da interpretação seguida pelo despacho recorrido: no caso em apreço, como noutros semelhantes, beneficiará do perdão quem não pague a multa (superior a 120 dias) em que foi condenado, porque, nos termos da alínea c) do citado artigo 3.º, n.º 2, será perdoada a pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; mas já não beneficiará do perdão quem pague essa multa (ou, como no caso dos autos, quem preste trabalho a favor da comunidade em substituição dessa multa). Essa suposta incongruência também se verificará, porém, no caso de condenação numa pena de multa a título principal superior a 120 dias, pois, nos termos da alínea b) do citado artigo 3.º, n.º 2, nessa situação o condenado que não pague a multa também beneficiará do perdão quanto a pena subsidiária resultante da conversão da pena de multa (pode ver-se, neste sentido, o acórdão da Relação de Guimarães de 6 de fevereiro de 2024, proc. n.º 555/15.5GAEPS-B.G1, relatado por Maria de Fátima Furtado, in www.dgsi.pt). Trata-se, pois, de uma situação irrelevante na perspetiva da suscitada dúvida de interpretação da alínea a) desse artigo 3.º, n.º 2. Mas, verdadeiramente, não se trata de uma incongruência se tivermos presente, como ratio subjacente a todo a Lei em causa, a intenção de estender de forma preferencial o alcance do perdão nela previsto a penas de prisão, com a nocividade que a estas se associa na perspetiva da reinserção social dos condenados (nocividade mais acentuada nos jovens, o que também poderá justificar, mesmo à luz do princípio constitucional da igualdade, a restrição do alcance da Lei a essa faixa etária). Nessa perspetiva, compreende-se que possa ser abrangida pelo perdão uma pena de prisão por não cumprimento de pena de multa de substituição superior a 120 dias (pena de multa não abrangida pelo perdão), como a prisão subsidiária resultante da conversão de pena de multa a título principal também superior a 120 dias (pena de multa também não abrangida pelo perdão). Mas tal não significa retirar total alcance prático a essas restrições do perdão. O alcance pecuniário dessas penas de multa não abrangidas pelo perdão mantém-se (em relação a esse alcance pecuniário, não se suscitam as mesmas questões de nocividade próprias da pena de prisão). Em caso de incumprimento dessas penas de multa, não haverá lugar ao cumprimento de penas de prisão, mas poderá sempre haver lugar ao pagamento coercivo através da execução dessas penas. É também isso que se verifica no caso em apreço. A substituição do pagamento das penas de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade não configura, como se afirma no despacho recorrido, uma pena de substituição (que poderia estar abrangida pelo perdão, nos termos da alínea d) do citado artigo 3.º, n.º 2), mas uma forma de cumprimento dessas penas de multa. O incumprimento dessas penas (por falta de pagamento, ou por falta de prestação de trabalho a favor da comunidade) não acarretará o cumprimento de penas de prisão (que seriam abrangida pelo perdão, nos termos da alínea c) do citado artigo 3.º, n.º 2), mas, como o alcance pecuniário das penas de multa se mantém, poderá sempre haver lugar ao pagamento coercivo através da execução dessas penas. Deve, pois, ser negado provimento ao recurso. Não há lugar a custas (artigo 522.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). V - Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo o douto despacho recorrido. Notifique. Porto, 5 de junho de 2024 (processado em computador e revisto pelo signatário) Pedro Vaz Pato Donas Botto Paulo Costa |