Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PINTO DOS SANTOS | ||
| Descritores: | PROCESSO CIVIL JUNÇÃO DE FOTOGRAFIAS PROVA OBTIDA ILICITAMENTE | ||
| Nº do Documento: | RP202510281013/25.5T8PRT-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O direito à prova não é absoluto ou ilimitado. Seja por aplicação analógica do que o art. 32º nº 8 da CRP estatui para o processo penal, seja por aplicação indireta do que prevê o art. 417º nº 3 do CPC, seja com recurso ao que estabelecem os arts. 1º, 2º, 16º, 18º, 24º, 25º, 26º e 34º da CRP, existem limitações ao direito à prova no processo civil, não sendo, em princípio, admissíveis provas ilícitas. II - As provas ilícitas são de dois graus: as absolutamente ilícitas e as relativamente ilícitas. No primeiro grupo cabem as provas obtidas mediante tortura, coação e ofensa da integridade física ou moral das pessoas; no segundo estão compreendidas as violações dos outros direitos fundamentais, entre os quais o direito à reserva da vida privada e do domicílio. III - As provas relativamente ilícitas podem ser admitidas se, à luz da ponderação de interesses, se mostrar compreensível a intromissão na vida privada ou no domicílio para, assim, se obter prova necessária à pretensão da parte que as apresentou e se tal intromissão for efetuada de um modo proporcionado, requisitos que aqui não se verificam no que diz respeito aos registos fotográficos efetuados no interior do armazém/fábrica arrendado à ré sem autorização ou assentimento desta. IV - A não admissão de registos fotográficos que não foram obtidos de modo ilícito [efetuados no exterior do armazém/fábrica da ré, em espaço que não lhe está reservado] não pode assentar exclusivamente na circunstância de não consubstanciarem, por si só, prova bastante para os efeitos pretendidos com a sua apresentação, bastando, para a sua admissão, que os mesmos possam, em conjugação com outras provas admitidas e/ou de que o tribunal possa lançar mão oficiosamente, vir a adquirir relevância para apuramento da factualidade visada com a sua junção aos autos. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. 1013/25.5T8PRT-A.P1 – 2ª Secção Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Raquel Lima Alexandra Pelayo * * * Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:1. Relatório: Na ação declarativa comum instaurada por AA, residente no Porto, contra A..., LDA., com sede no Porto, na qual aquela pede que se declare «resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre as partes» e que a ré seja condenada «a fazer a entrega do locado à A., livre de pessoas e bens, por não uso há mais de um ano» e, ainda, que, «[e]m caso de atraso na entrega» a ré seja «condenada em sanção pecuniária compulsória», foi, após a apresentação de contestação pela ré [na qual concluiu pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido], proferido despacho saneador [com indicação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova] e foram admitidos ou rejeitados os meios de prova oferecidos pelas partes. Neste âmbito [pronúncia sobre os meios de prova arrolados] exarou-se ali, no que para aqui interessa, o seguinte [mantem-se o negrito original]: «Relativamente aos registos fotográficos que foram instruídos com a petição inicial sob a designação de Docs. n.ºs 7 a 25, e relativamente aos quais a R. pugnou pelo seu desentranhamento: A A. juntou com a sua petição inicial uma série de registos fotográficos, pretendendo com essa junção demonstrar o elevado grau de decadência, desuso e ruína em que se encontra o locado. Sucede que tais registos fotográficos não revestem aptidão probatória para esclarecer tais factos desde logo porque se desconhece as circunstâncias de tempo em que foram colhidas, não consubstanciando os próprios registos fotográficos, só por si, prova bastante dessas circunstâncias (dada a falibilidade e possibilidade de manuseamento do tipo de equipamento utilizado). Aliás, a prova com aptidão probatória para esclarecer tais factos sempre seria a prevista no art. 490.º do CPC – inspeção judicial ao locado -, a qual, inclusivamente pode ser realizada por iniciativa oficiosa do tribunal, sempre que o julgue conveniente. Certo é que os documentos apresentados não se mostram aptos a demonstrar a realidade fáctica, controvertida entre as partes, pretendida demonstrar. Assim se entendendo, isto é, não se reputando relevância e com pertinência para o esclarecimento dos factos controvertidos em litígio, e, por outro lado, na medida que os mesmos retratam o interior de um espaço que não está aberto ao público – o interior da fábrica arrendada à R. -, verificando a oposição expressa do titular protegido pela proteção de dados subjacente à sua publicitação e utilização processual de tais registos fotográficos no âmbito de um processo de natureza cível – a aqui R. -, tudo visto e ponderado, e por se entender ser legalmente inadmissível a sua apresentação nos termos antes explanados, determina-se o seu oportuno desentranhamento e a sua devolução à respetiva apresentante. Notifique, sendo-o a autora para, no prazo de 10 dias, identificar o autor das fotografias do interior da fábrica arrendada e em que data tirou as mesmas, nos termos requeridos pela R. na parte final do articulado de contestação, e a fim de esta última poder requerer o que tiver conveniente em procedimento próprio.». Inconformada com este despacho, interpôs a autora o presente recurso de apelação [com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo], cujas alegações culminou com as seguintes conclusões: «1. O presente recurso deve ser admitido por estar verificado o regime legal do justo impedimento. Impedimento esse que resultou da falha de eletricidade geral ocorrida no nosso país no dia 28 de Abril de 2025, dia correspondente ao 3.º dia útil posterior ao termo do prazo legal para recorrer da decisão em causa. 2. O douto despacho saneador proferido nos autos, do qual vem interposto o presente recurso, está ferido de ilegalidade e portanto não poderá manter-se na nossa ordem jurídica. 3. In casu, está em causa determinar, e julgar correspondentemente, se as fotografias tiradas pela Autora de um imóvel da sua propriedade e que apresentava, do exterior, sinais latentes de abandono, podem ser desconsiderados e desentranhados do processo por não se conseguir comprovar a sua validade, a data e o modo em, que foram tiradas. 4. Questão que tem de ser apreciada tendo em conta o circunstancialismo e justificação da junção das fotografias e o objeto da ação, o despejo do arrendatário por abandono e não uso do locado há mais de um ano. 5. A decisão da 1.ª Instância (1) desconsiderou os meios que tem à sua disposição para conceder fiabilidade às fotografias tiradas e (2) desconsiderou os motivos pelos quais a Autora apresentou as fotografias – violando assim o disposto nos artigos 411.º e 413.º do Código de Processo Civil. 6. Isto porque tinha à sua disposição poderes e meios legais para ordenar, por exemplo, uma perícia às fotografias ou ao aparelho que as tirou para de lá extrair todos os dados que necessita para confirmar a sua veracidade. 7. Além disso, não valorou as várias afirmações da Ré na sua Contestação (Artigos 28.º, 31.º e 32.º) onde admitiu que as mesmas reportavam-se ao imóvel objeto de contrato de arrendamento. 8. Por outra ordem de razão, tal como adiantado no Requerimento da Autora de 07/04/2025 (referência citius n.º 42136458), a Ré, após ter tido conhecimento desta ação e de a ter contestado, procedeu à limpeza e arrumação da situação que se verifica nas fotografias juntas – em clara violação e abuso do princípio da cooperação e do dever de boa-fé processual que a prende como parte neste processo. 9. Assim, a presente decisão é violadora dos artigos 411.º e 413.º do CPC, na medida em que o princípio da aquisição processual obriga a que a resolução do litígio seja comportado com provas atuais e verdadeiras, o mais próximas da real situação possível, e o acima descrito em nada isso garante aos sujeitos processuais. 10. Entende, portanto, a Autora que a 1ª Instância devia ter, em primeiro lugar, ter utilizado dos poderes concedidos pelo artigo 411.º do CPC, ordenando perícia às fotografias, e não desentranha-las. 11. Correndo o risco de, numa futura inspeção judicial ao locado, encontrar o imóvel em situação distinta à descrita na Petição Inicial. 12. Pelo que se requer que a decisão constante no Saneador seja prontamente revogada e alterada por outra que admita a junção das fotografias denominadas Documentos n.º 7 a 25 da Petição Inicial, porquanto a decisão em vigor é violadora dos artigos 411.º e 413.º do Código de Processo Civil. Termos em que se requer a revogação do douto despacho saneador sob censura, na parte requerida, de modo que seja feita inteira e sã justiça!» [negrito original]. Não houve contra-alegações. Foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos. * * * 2. Questões a decidir:Em atenção à delimitação constante das conclusões das alegações da recorrente, que, salvo ocorrência de exceções de conhecimento oficioso, fixam o thema decidendum deste recurso [arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 als. a) a c) do CPC], as questões a decidir são as seguintes: - Se o recurso deve ser admitido, por verificação de justo impedimento; - Se os registos fotográficos mandados desentranhar podem/devem ser admitidos. * * * 3. Apreciação jurídica:3.1. Admissão do recurso, por justo impedimento. A recorrente começa por pugnar pela admissão do recurso, não obstante ter sido apresentado no dia seguinte ao 3º dia posterior ao termo do prazo legalmente fixado, invocando situação de justo impedimento, nos termos dos arts. 139º nº 4 e 140º do CPC, na medida em que a não apresentação daquele no 3º dia posterior ao termo do prazo legal se deveu a falha geral de eletricidade [apagão] que ocorreu no nosso país no dia 28 de abril de 2025. De acordo com o art. 140º do CPC, «[c]onsidera-se ‘justo impedimento’ o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato» - nº 1, acrescentando os nºs 2 e 3, respetivamente, que «[a] parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou» e que «[é] do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o nº 1 constitua facto notório, nos termos do nº 1 do artigo 412º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo». Trata-se de figura jurídica que tem por base uma ideia de justiça material que funciona como válvula de escape à rigidez estabelecida na lei para a prática de determinados atos, atendendo a ocorrências estranhas e não imputáveis ao obrigado à prática do ato. Segundo Lopes do Rego [in Comentários ao Código de Processo Civil, 2005, Almedina, pg. 125], “[o] que deverá relevar decisivamente para a verificação do «justo impedimento» – mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do ato – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo perentório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no nº 2 do art. 487º do CC (…)”. Também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa [in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., reimpr., 2025, pg. 184] salientam que “[e]m lugar de assentar na imprevisibilidade e na impossibilidade de prática do ato, como já esteve previsto, o instituto está agora centrado na ideia da culpabilidade das pessoas, dos seus representantes ou dos mandatários, aqui se incluindo também as pessoas que desempenham funções acessórias (cfr. RC 30-6-15, 39/14). Refere, com propriedade, Paula Costa e Silva, Acto e Processo, p. 314, que o justo impedimento funciona como uma cláusula geral de salvaguarda contra os efeitos das omissões voluntárias». Como se diz no Acórdão desta Relação do Porto de 05.03.2018 [proc. 4021/16.3T8AVR-A.P1, disponível em www.dgsi.pt/trp] “[a] aferição dos pressupostos do justo impedimento envolve um ‘juízo de censura’ em cuja avaliação não podemos prescindir do critério enunciado no n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil, de acordo com o qual a culpa é o não cumprimento de um dever jurídico: o dever de diligência, de conteúdo indeterminado, mas determinável em cada situação concreta: «a diligência juridicamente devida é a que teria um bom pai de família colocado nas circunstâncias concretas em que se encontrava o agente»” [no mesmo sentido, Acórdãos desta Relação do Porto de 10.07.2025, proc. 15267/23.8T8PRT-C.P1 (em que o aqui relator foi 2º adjunto), disponível no mesmo sítio da dgsi e da Relação de Guimarães de 18.01.2018, proc. 6018/16.4T8GMR-B.G1, disponível in www.dgsi.pt/jtrg, de cujos sumários consta, respetivamente, o seguinte: “Para que se considere verificada uma situação de justo impedimento é necessário que a prática atempada do ato tenha sido impedida por um evento não imputável à parte nem aos seus representes ou mandatários. Para que o justo impedimento tenha relevância processual, conduzindo à admissão da prática do ato fora do prazo, a lei exige que a parte o suscite logo que cesse o impedimento. Para que o justo impedimento possa ser verificado é ainda necessário que o requerente ofereça logo a respetiva prova.” (1º acórdão) e “No juízo de «não imputabilidade do evento à parte ou aos seus representantes» a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto (art. 487º, nº 2 do C.C.)”]. O justo impedimento tem, assim, como pressupostos: (i) a existência de um evento que obsta à prática atempada do ato e (ii) a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário na ultrapassagem de prazo perentório. Cabe, por isso, à parte que invoca o justo impedimento a alegação e prova destes pressupostos: que não praticou [ele, o seu representante ou o seu mandatário] atempadamente o ato e que isso, conforme as circunstâncias concretas, não se deveu a culpa, negligência ou imprevidência da sua parte [ou do seu representante ou mandatário]. Além disso, tem de, simultaneamente, proceder à prática do ato e apresentar as respetivas provas, a fim de permitir ao julgador, após observância do contraditório, a aferição das circunstancias em que o ato ocorreu, tendo por referência o grau de diligência que um «bom pai de família» teria adotado nas concretas circunstâncias em que a situação se verificou, de modo a poder concluir se aquele [ou o seu representante ou mandatário] agiu ou não com culpa. Se não lhe for imputável culpa, o ato fica a coberto do justo impedimento e a parte [seu representante ou mandatário] é admitido a praticá-lo; se, pelo contrário, o evento for imputável a culpa daquele(s) ou se o(s) mesmo(s) contribuiu(íram), por qualquer modo, para que o ato se produzisse, está vedado o recurso a tal figura jurídica. Feitos estes breves considerandos, reportemo-nos então ao caso em análise, cuja solução se apresenta de evidente simplicidade. Com efeito, é facto notório [facto do conhecimento geral] que no dia 28 de abril do corrente ano um apagão nas redes elétricas portuguesa e espanhola deixou às escuras [sem eletricidade] a totalidade do território português e grande parte do de Espanha e que tal apagão se manteve por várias horas [em alguns locais durante mais de 12 horas], só sendo a corrente elétrica restabelecida em muitas zonas a altas horas da noite daquele dia e até nas primeiras horas do dia seguinte. Como aquele dia coincidia, no caso, com o último de que a ora recorrente dispunha para interpor e motivar o presente recurso, considerando já a dilação de três dias a que alude o nº 5 do art. 139º do CPC [isto porque a notificação do despacho recorrido teve lugar em 25.03.2025 (data do envio da notificação), considerando-se a mesma efetuada no dia 28.03.2025, pelo que o prazo de 15 dias para interposição do recurso terminou no dia 22.04.2025 (o último dia, o dia 12.04., coincidiu com um sábado a que se seguiram as férias judiciais da Páscoa até ao dia 21.04.2025) e, com a dilação dos referidos três dias úteis, expirou a 28.04.2025], não há dúvida de que a recorrente podia interpor o presente recurso no dia útil imediatamente seguinte ao do referido apagão, ou seja, no dia 29.04.2025, como aconteceu. Inexistindo culpa da autora e/ou do seu ilustre mandatário pela não apresentação do recurso e respetiva motivação no dia 28.04.2025, antes sendo manifesto que tal se deveu a circunstâncias totalmente imprevistas, e tendo o mesmo, como já se disse, sido interposto e motivado no dia útil imediatamente seguinte, mostram-se verificados os pressupostos do justo impedimento invocado, sendo, por isso, de admitir a prática do ato e, consequentemente, o presente recuso, tanto mais que a recorrente pagou também a multa prevista na al. c) do nº 5 do art. 139º do CPC. * 3.2. Admissão dos registos fotográficos.* Está em causa a não admissão, pelo tribunal a quo, de 19 (dezanove) registos fotográficos que a autora juntou com a petição inicial e que, na alegação desta [com aceitação da ré nos arts. 26º e segs. da contestação], se reportam ao armazém e trato de terreno anexo que os antepassados da autora, enquanto proprietários [agora é ela a proprietária], arrendaram à ré. Desses registos fotográficos, os primeiros 6 (seis) [docs. 7 a 12 juntos com a p. i.] são registos feitos no/do exterior do armazém [desconhecendo-se se as fotos foram tiradas do dito trato de terreno ou se de outra parte do prédio da autora, não arrendada à ré, sendo que, mesmo na primeira situação, como a ré refere no art. 13º da contestação, a autora tinha livre acesso a esse trato de terreno]; os restantes 13 (treze) registos fotográficos são do interior do armazém arrendado à ré e o registo foi feito no interior deste. Todos os 25 (vinte e cinco) registos fotográficos foram mandados desentranhar no despacho sob recurso, pelos seguintes motivos: (i) por não revestirem aptidão probatória, na medida em que dos mesmos não consta, nem decorre, as circunstâncias de tempo em que foram colhidos, não consubstanciando tais registos, por si só, prova bastante dessas circunstâncias [dada a falibilidade e possibilidade de manuseamento do tipo de equipamento utilizado] e (ii) por os mesmos retratarem o interior de um espaço que não está aberto ao público [o interior do armazém/fábrica arrendado] e a ré se opor à publicitação e utilização processual de tais registos. O primeiro motivo diz respeito à utilidade e relevância probatória dos registos fotográficos. O segundo reconduz-se à problemática da prova ilícita e à sua admissão no caso em apreço. Comecemos por esta última. Está, nesta parte, em questão o direito à prova e o âmbito do seu exercício. Na análise a que vamos proceder seguiremos de perto, na parte aplicável, o acórdão desta Relação do Porto de 25.02.2025 [proc. 1342/24.5T8VNG-A.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp], relatado pelo também aqui relator. O enquadramento nuclear do direito à prova consta do art. 20º da CRP, na medida em que o mesmo surge como um dos corolários do direito de acesso aos tribunais previsto no nº 1. O direito à prova, que é expressão do processo justo e equitativo, traduz-se, em termos genéricos, no direito de a parte utilizar todas as provas de que dispõe, de forma a demonstrar a verdade dos factos em que assenta a sua pretensão [Carlos Castelo Branco, in A Prova Ilícita – Verdade ou Lealdade?, Almedina, 2019, reimpressão, pg. 29]. Ou, numa outra forma de dizer, “o direito à prova significa que as partes conflituantes, por via da ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentaram em tribunal” e confere “ainda, a possibilidade de as partes conflituantes utilizarem para prova de um facto ou factos, o meio de prova que mais lhes convier, o que é determinado pela sua vontade (…)” [Rui Rangel, in O Ónus da Prova no Processo Civil, Almedina, 3ª ed., pg. 75, citado pelo Autor e na Obra atrás mencionados, pg. 29, nota 71]. No direito à prova estão compreendidos o direito de alegação de factos, o direito de provar ou infirmar [conforme a posição processual das partes] os factos alegados, o direito de participação na produção das provas, o direito de aquisição das provas produzidas [independentemente destas terem sido produzidas pela parte onerada ou pela parte contrária – art. 413º do CPC], o direito de contradizer as provas e o direito à valoração, por parte do juiz, das provas oferecidas/adquiridas no processo [cfr. Carlos Castelo Branco, ob. cit., pgs. 32-34]. Como refere o art. 341º do CCiv., as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. O direito à prova não é, no entanto, absoluto ou ilimitado; tem limites, na medida em que “[e]m sede de prova, o direito ao processo equitativo implica a inadmissibilidade de meios de prova ilícitos, quer o sejam por violarem direitos fundamentais, quer porque se formaram ou obtiveram por processos ilícitos” [Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, Gestlegal, 2013, pgs. 107-108]. Ou seja, para que o processo seja justo e equitativo, só devem ser admitidas provas obtidas ou constituídas por meios legais e leais, pois, “[a] prova ilícita traduz um desvalor na formação da prova, a qual, sem afetar a sua natureza extrínseca ou a finalidade probatória da mesma, foi produzida (extraprocessualmente) ou ingressou no processo, por meios ilegais ou ilegítimos, colidindo com valores e direitos protegidos, via de regra, pela própria Constituição, ou seja, violando ou postergando princípios fundamentais ou normas de direito material” [Carlos Castelo Branco, ob. cit., pg. 87]. Os limites à prova podem ser intrínsecos [inerentes à atividade probatória] ou extrínsecos [relativos a requisitos legais de proposição probatória], sendo que os primeiros “deduzem-se da tutela constitucional de diversos direitos fundamentais e concretizam-se naqueles pressupostos ou condições que, por natureza, devem ser observados por qualquer prova, podendo reconduzir-se à pertinência e à licitude da prova”, enquanto os segundos “derivam do carácter processual do direito à prova e concretizam-se na observância das formalidades processuais imprescindíveis para o seu exercício” [assim, Carlos Castelo Branco, ob. cit., pg. 83 e Acórdão da Relação de Lisboa de 15.04.2021, proc. 705/18.0T8CSC-A.L1-2, disponível in www.dgsi.pt/jtrl]. No âmbito do processo penal, quer o art. 32º nº 8 da CRP, quer os arts. 125º e 126º do CPP fixam limites à obtenção [e produção] da prova, prescrevendo como nulas, entre outras, as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada e no domicílio, aqui se incluindo a abusiva intromissão de terceiros no interior das sedes, fábricas e armazéns das sociedades/empresas. No Código de Processo Civil não existe norma semelhante. Nele vale como princípio o que consta do art. 413º que dispõe que «o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (…)». Mas também aqui tem que haver, necessariamente, limites à prova, particularmente quando esteja em causa prova obtida de modo ilícito ou até de forma desleal. Segundo parte significativa da doutrina e da jurisprudência, a solução da questão passa pela aplicação analógica daquele art. 32º nº 8 da CRP também ao processo civil, face à omissão, no CPC, de norma expressa sobre a proibição de provas ilícitas. É este, entre outros, o entendimento de Paulo Mota Pinto [in A Proteção da Vida Privada e a Constituição, BFDUC, ano 2000, vol. LXXVI, pgs. 189-190] e de Isabel Alexandre [in Provas Ilícitas em Processo Civil, Almedina, 1998, pgs. 233 e segs]. O primeiro Autor diz expressamente o seguinte: “[o]utra questão é a de saber se estas proibições de prova devem ser aplicadas ao processo civil”; “a favor de uma resposta positiva, poderá mesmo invocar-se um argumento «a fortiori», considerando que o processo civil visa a realização de interesses privados – e não do interesse público que motiva a ação e o processo penal (…)”; e conclui que “o direito, garantido pela Constituição, à reserva sobre a intimidade da vida privada deve, assim, impor-se igualmente no processo civil, com proibição das provas obtidas em sua violação”. A segunda Autora refere que “a ligação estreita entre o art. 32º nº 8 da CRP e os direitos fundamentais permite concluir que o preceito, sendo embora, em primeiro plano, apenas uma garantia do indivíduo face ao Estado, essencialmente destinada a tutelar a sua liberdade e segurança (…), funciona também como garantia dos direitos, liberdades e garantias em geral” e a “esses direitos, liberdades e garantias estão vinculados, não só as entidades públicas, mas também as entidades privadas (art. 18º nº 1 CRP)” (pg. 238). Mais adiante acrescenta que a interpretação do citado normativo “conforme à máxima eficácia dos direitos fundamentais leva a considerar nulas, não só as provas obtidas pelas entidades públicas, mediante violação dos mesmos, mas também as obtidas pelas entidades privadas” (pg. 239) e que “a consideração das provas como nulas, quando obtidas mediante violação de certos direitos fundamentais, não parece (…) contrariar nenhum princípio geral de direito: nem o princípio da investigação da verdade, nem os princípios decorrentes do direito à prova”, concluindo depois que “o preceito é de aplicar analogicamente ao processo civil”, uma vez que “no caso omisso procedem as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (art. 10º nº 2 CC)” e “não existem motivos para restringir o preceito ao âmbito do processo penal, já que a lesão desses direitos não é menor pela circunstância de as provas se destinarem ao processo civil” (pg. 240) [no mesmo sentido pronuncia-se, ainda, Teixeira de Sousa, in As Partes, o Objeto e a Prova na Acão Declarativa, Lisboa, Lex, 1995, pg. 230 e in A prova ilícita em processo civil: em busca das linhas orientadoras, RFDUL, ano XLI, 2020, nº 2, pgs. 18-22]. Na jurisprudência, seguiram este entendimento, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 15.04.2010 e de 06.01.2009 [procs. 10795/08.8TBVNG-A.P1 e 0825375 (este relatado pelo aqui relator), disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp], da Relação de Lisboa de 28.11.2013 e de 07.05.2009 [procs. 618/11.6TMLSB-A.L1-6 e 2465/08.2, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrl], da Relação de Guimarães de 07.05.2015 [proc. 329/13.8TBAMR.G1, disponível in www.dgsi.pt/jtrg] e da Relação de Évora de 11.05.2017 [proc. 8346/16.0T8STB.E1, disponível in www.dgsi.pt/jtre]. Contra este entendimento pronunciam-se, nomeadamente, Salazar Casanova [in Provas ilícitas em processo civil. Sobre a admissibilidade e valoração de meios de prova obtidos pelos particulares, Revista Direito e Justiça, vol. XVIII, Tomo I, 2004, pg. 118] e Carlos Castelo Branco [ob. cit., pgs. 214-217], que consideram que o art. 32º nº 8 da CRP não é passível de aplicação analógica ao processo civil, pelos seguintes motivos: “1- Não se deve interpretar a lei como se existisse um princípio geral de proibição da obtenção de prova em desrespeito de direitos fundamentais, concluindo que, nos vários anos de vigência da Constituição, nunca se procedeu, no plano civil, à introdução de outras limitações que não fossem as resultantes do vigente art. 413.º do CPC, sendo que, no âmbito do processo penal, há uma regulamentação completa das situações de ilicitude na obtenção de determinados meios probatórios (…); 2- A lei estabelece soluções diferentes, no plano processual civil (onde está em causa a proteção de interesses privados) e penal (onde está em causa a repressão da criminalidade e os poderes coercivos do Estado), para os mesmos problemas, o que não se compreenderia se se entendesse o art. 32º n.º 8 como uma norma de aplicação imediata a todos os ramos processuais; 3 - Não basta para a aplicação analógica a existência de um caso não regulado (podem certas situações não estar reguladas porque assim não foi desejado ou porque foi considerado desnecessário), sendo que, no caso da prova ilícita em processo civil, a mesma não tem recebido resposta idêntica nas várias legislações; 4 - A lei processual civil não considerou que a utilização de métodos proibidos de prova com influência no resultado do pleito assumisse uma gravidade tal que a parte pudesse, uma vez transitada em julgado a decisão, requerer a sua revisão com fundamento na utilização de elemento probatório obtido por método proibido, pelo que, se a lei pretendesse obstar sempre à admissibilidade de meio de prova que desrespeitasse direitos fundamentais, seria lógico que tivesse previsto esse fundamento para a revisão da decisão, o que não sucedeu.”. Concluem, assim, que “não se consegue, de facto, encontrar no artigo 32.º, n.º 8, da CRP fundamento bastante para vedar a admissibilidade de provas no âmbito de um processo civil, consequência probatória que ali é prevista apenas para o processo penal”. Este entendimento de exclusão da aplicação analógica do art. 32º nº 8 da CRP ao processo civil não é, contudo, aceite por um dos Autores atrás citado [Teixeira de Sousa, in A prova ilícita em processo civil: em busca das linhas orientadoras, pg. 19], que considera que o mesmo “tem dois inconvenientes: é perigoso sob o ponto de vista prático e inconsequente na perspetiva da construção doutrinária”. Quanto ao primeiro, refere que “[n]um quadro constitucional manifestamente favorável à proteção de direitos fundamentais, a excecionalidade nunca pode referir-se a uma norma – como é a que se contém no art. 32º, nº 8, CRP – destinada a essa mesma proteção” e que, ainda que, hipoteticamente, se considere este preceito excecional, “importa ter presente que uma regra jurídica só é insuscetível de aplicação analógica se for substancialmente excecional e que essa excecionalidade substancial impõe um argumento ‘a contrario sensu’” e que “se o art. 32º, nº 8, CRP não é suscetível de aplicação analógica porque contém uma regra substancialmente excecional, então, ‘a contrario sensu’, não há no ordenamento jurídico português provas ilícitas fora do campo do processo penal”, pois, “[u]ma regra que é substancialmente excecional é uma regra que contraria um princípio fundamental do ordenamento jurídico e que, por isso, só pode valer no seu estrito campo de aplicação” e “[f]ora deste, tem de valer precisamente o contrário do que se estabelece na regra materialmente excecional”, concluindo depois que “[c]omo facilmente se compreende, esta conclusão não é aceitável, nomeadamente atendendo às devastadoras consequências que dela decorrem” e “[n]ão faz sentido que toda e qualquer prova que seja qualificada como ilícita na área do processo penal tenha de ser qualificada como lícita fora do campo deste processo, designadamente nas áreas do processo civil, (…)”. E relativamente aos inconvenientes doutrinários, esclarece que “é inconsequente afastar uma regra constitucional relativa à prova ilícita e ter que procurar alternativas aos critérios que constam do art. 32º, nº 8, CRP”, tanto mais que os critérios neste estabelecidos “são operacionais fora do processo penal”, não havendo justificação alguma para que, designadamente, “a intromissão abusiva na privacidade não deva ser relevante em matéria probatória no âmbito do processo civil”, até porque “[n]ão só não se consegue encontrar qualquer fundamento para, quanto à ilicitude da prova, se ser menos exigente no processo civil do que no processo penal, como até, atendendo aos interesses públicos dominantes no processo penal e aos interesses privados prevalecentes no processo civil, a haver alguma diferença entre ambos os processos, essa teria de ser no sentido do reforço da tutela da privacidade no processo civil, dado que, tal como a parte afetada pela intromissão abusiva na sua privacidade, também a parte onerada com a prova se encontra em juízo defendendo interesses próprios e privados” [Autor e estudo citados, pgs. 19-21]. Além disso, não obstante a ausência de norma no CPC que proíba expressamente a prova ilícita, pensamos que o art. 417º nº 3 do CPC, na redação vigente [dada pela Lei n.º 41/2013, de 26.06], permite, ainda assim, numa interpretação a contrario e a fortiori, uma leitura no sentido dessa proibição no âmbito do processo civil, embora comportando diversos graus. Este art. 417º, que tem como epígrafe «[d]ever de cooperação para a descoberta da verdade», começa por estabelecer, no nº 1, o dever de todas as pessoas, sejam partes ou não na causa, colaborarem com o tribunal na descoberta da verdade [designadamente, facultando o que for requisitado ou praticando os atos que forem determinados], consagra depois, no nº 2, as sanções a aplicar a quem não colabore com o tribunal [multa ou outros meios coercitivos possíveis e, caso o recusante seja parte, a livre apreciação da sua recusa para efeitos probatórios e a possibilidade de inversão do ónus da prova] e acrescenta, no nº 3, que: «A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: a) Violação da integridade física ou moral das pessoas; b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações; c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.». [Há, ainda, o nº 4 que regula o procedimento a adotar quando estiver em causa o disposto na al. c) do nº 3 e se imponha aferir a legitimidade da escusa ou a dispensa do dever de sigilo]. Consagrando o nº 3 deste preceito um direito de recursa à colaboração com o tribunal quando esteja em questão alguma das situações contempladas nas suas alíneas, afigura-se legítimo questionar se, numa outra perspetiva e com recurso a argumentos a contrario e a fortiori, não prevê também, ainda que por via indireta, um princípio de inadmissibilidade da prova quando esta tenha sido obtida em violação dos direitos fundamentais ali previstos [sobretudo os das als. a) e b)]: direito à integridade física e moral das pessoas; direito à reserva da vida privada e familiar, à reserva do domicílio, da correspondência e das telecomunicações e direito ao sigilo profissional e segredo de Estado. Se qualquer pessoa tem legitimidade de recusar a sua colaboração com o tribunal caso esta importe a violação/inobservância dos indicados direitos, então, por maioria de razão e reforçadamente, por se tratar de órgãos de soberania que aplicam o direito e estarem em causa direitos fundamentais com respaldo constitucional, também os tribunais não deverão admitir a prova que assim tiver sido obtida [em violação daqueles direitos] e que a parte ou o terceiro apresentante pretendam juntar aos autos, por se tratar de prova ilícita. O que significa que, embora por via indireta, o atual CPC acaba por consagrar um princípio estrutural de proibição da prova ilícita no processo civil [neste sentido, Teixeira de Sousa, in A prova ilícita em processo civil: em busca das linhas orientadoras, já citada, pg. 21, que refere que “causa alguma estranheza que, por vezes, se afirme que o disposto no art. 417º, nº 3, CPC nada tem a ver com a temática da prova ilícita”, impondo-se antes “o entendimento contrário, dado que, (…), o fundamento da recusa de colaboração da parte ou do terceiro é a ilicitude da prova que seria produzida sem essa recusa da parte ou do terceiro”, ou, dito de outro modo, “a ilicitude da prova justifica, segundo o disposto no art. 417º, nº 3, al. a) e b), CPC, a legitimidade da recusa de colaboração”, sendo tal preceito igualmente aplicável a provas pré-constituídas”; idem, José João Abrantes, in Prova Ilícita, Revista Jurídica, nº 7, 1986, AAFDL, pg. 35]. Em conclusão, seja por aplicação analógica do que o art. 32º nº 8 da CRP estatui para o processo penal, seja por aplicação indireta do que prevê o art. 417º nº 3 do CPC, seja com recurso ao que estabelecem os arts. 1º, 2º, 16º, 18º [que consagram a defesa da dignidade da pessoa humana e o respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais], 24º, 25º [que prescrevem a inviolabilidade da vida humana e da integridade moral e física das pessoas], 26º [que, além de outros, reconhece os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à imagem, à palavra e à reserva da intimidade da vida privada e familiar] e 34º [que fixa a inviolabilidade do domicílio e do sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada] da mesma Lei Fundamental, a realidade é que também existem limitações ao direito à prova no processo civil, não sendo, em princípio, admissíveis provas ilicitamente obtidas. Contudo, na combinação da defesa/proteção dos direitos fundamentais com as exigências e necessidades da prova, nem toda a prova ilicitamente obtida deve ser rejeitada in limine, existindo, quanto a ela, dois graus de exigência: as provas absolutamente ilícitas e as provas relativamente ilícitas. No primeiro grupo cabem as provas obtidas mediante tortura, coação e ofensa da integridade física ou moral das pessoas – com estribo no art. 32º nº 8 da CRP, para quem defende a aplicação desta norma ao processo civil por analogia; com arrimo na al. a) do nº 3 do art. 417º do CPC, para quem considera que, por via indireta, este preceito postula a proibição da prova ilícita; e com recurso ao que dispõem os arts. 1º, 2º, 16º, 18º, 24º e 25º da CRP, para quem afasta as duas soluções anteriores. No segundo grupo estão compreendidas as violações dos outros direitos fundamentais, entre os quais o direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito à imagem, quer de pessoas singulares, quer de sociedades/empresas e dos seus funcionários, que tem consagração no art. 26º da CRP e na al. b) do nº 3 do art. 417º do CPC. Relativamente a este segundo grupo [provas ilícitas relativas], “o consentimento do titular já é relevante em termos de retirar ilicitude ao ato lesivo”, na medida em que, “[n]este campo, já se imporá, face à colisão de direitos fundamentais, proceder a uma ponderação concreta dos interesses em jogo (não se encontra predeterminada a ilicitude absoluta da prova, a qual, em função das circunstâncias concretas, será ou não valorada pelo Tribunal)”, o que significa que “se for compreensível, à luz da ponderação de interesses”, a intromissão na vida privada e/ou no direito à imagem [que são os que aqui estão em apreço], “para, deste modo, obter prova necessária à sua pretensão e se tal intromissão for efetuada de um modo proporcionado, a prova assim obtida deve ser admitida” [assim, Carlos Castelo Branco, ob. cit., pgs. 231-232 e Acórdão da Relação de Lisboa de 15-04-2021, atrás citado]. No caso destes direitos, ponderados os interesses em questão [através da chamada «teoria da ponderação dos interesses» que compreende os subprincípios da adequação, da necessidade e da justa medida], o consentimento livre e esclarecido do titular dos bens jurídicos tutelados pelos referidos artigos da CRP e do CPC retira a ilicitude da obtenção da prova e permite que esta seja admitida e valorada no processo [para maiores desenvolvimentos sobre a teoria da ponderação de interesses e seus subprincípios, veja-se Carlos Castelo Branco, obra citada, pgs. 292-303]. Feito este breve trajeto pela prova ilícita e sua inadmissibilidade, como princípio, mas que comporta restrições/limitações no processo civil, regressemos ao caso sub judice. Como começámos por assinalar, entre os 19 (dezanove) registos fotográficos que estão em questão, os primeiros 6 (seis) foram realizados no exterior do armazém/fábrica que está arrendada à ré, ao passo que os outros 13 (treze) foram levados a cabo no interior de tal armazém/fábrica. Como também se disse, para a realização fotográfica destes últimos a autora teria que obter o assentimento da ré, antes de tirar as fotografias ou, pelo menos, no momento em que esta apresentou a sua defesa/contestação nos autos. Isto porque apesar da autora ser proprietária do armazém/fábrica, o mesmo está arrendado à ré e esta, de acordo com o disposto no art. 1037º nº 2 do CCiv., não pode ser perturbada no exercício do seu direito de locatária, podendo usar contra a locadora dos meios facultados ao possuidor nos arts. 1276º e segs. do mesmo Código. Mas não só não obteve o consentimento prévio da ré para a realização da dita reportagem fotográfica, como esta veio opor-se, na contestação, à junção de tais registos aos autos. Não há, assim, dúvida de que estes 13 (treze) registos fotográficos configuram prova obtida ilicitamente. Mas esta conclusão, como decorre do que já se afirmou, não constituiu, por si só, obstáculo intransponível à admissão de tais registos fotográficos, já que não se trata de provas absolutamente ilícitas, mas sim de provas relativamente ilícitas. Já voltaremos a esta questão. Mas no que concerne aos 6 (seis) primeiros registos não se está perante prova ilicitamente obtida, já que se trata de reportagem fotográfica levada a cabo no exterior no armazém/fábrica, em local a que a autora tinha livre acesso, como, aliás, a ré parece aceitar no art. 13º da contestação [quer se trate do trato de terreno também integrado no contrato de arrendamento que tem a ré como locatária, quer de outra parte do imóvel neste não incluído, pertencente à autora]. Nesta parte não houve qualquer violação do direito de arrendatária da ré. Por isso, quanto a estes 6 (seis) registos fotográficos não colhe o segundo argumento – prova legalmente inadmissível – em que a decisão recorrida se estribou para determinar o seu desentranhamento. Voltando aos 13 (treze) registos fotográficos que constituem prova relativamente ilícita. Na ausência de consentimento da ré para a sua junção aos autos, cabia ao tribunal a quo aferir se estes registos eram ou não de admitir, procedendo para tal à ponderação dos interesses em jogo – de um lado, a tutela do direito da ré [resultante da titularidade do arrendamento sobre o armazém/fábrica] e, do outro, a relevância das provas em questão para a descoberta da verdade quanto ao fundamento da resolução do contrato invocado pela autora [o não uso do locado por mais de um ano], sopesando, para tal, as exigências de adequação dessas mesmas provas [se relevam para o fim em vista], da sua necessidade [se a admissão dos aludidos registos constitui o meio menos lesivo/intrusivo no direito à reserva da vida/atividade da ré no interior do espaço que lhe estava arrendado] e da justa medida [se a lesão dos referidos direitos é ou não desmedida relativamente aos benefícios que podem advir da admissão e valoração das provas]. Não há dúvida que os referidos registos fotográficos podem relevar, ainda que conjugados/complementados com outra prova, para demonstração do fundamento invocado pela autora com vista à resolução do contrato de arrendamento que peticiona. Também é inequívoca a tutela do direito da ré à inviolabilidade do interior do armazém/fábrica que lhe está arrendado [e onde os seus trabalhadores exercem a atividade laboral]. Questão é se a conjugação destas duas realidades legitima a admissão, para oportunamente ser valorada, de tal prova ilicitamente obtida. Isto porque não basta, na ponderação dos interesses em conflito, que os registos em apreço relevem para o fim em vista – subprincípio da adequação da prova. É, ainda, necessário, que os mesmos constituam o meio menos lesivo ou menos intrusivo da/na esfera do legítimo interesse da ré – subprincípio da necessidade dessa prova – e que não exista uma desmedida desproporção entre os benefícios que podem advir da admissão e valoração daqueles e a lesão do referido direito da demandada – subprincípio da justa medida da prova. Ora, é por causa destes dois últimos elementos/subprincípios da teoria da ponderação de interesses que não podemos aceitar a pretensão da autora, pois aqueles 13 (treze) registos fotográficos não só não constituem o meio menos intrusivo na esfera do direito da ré, como a sua admissão nos autos, para valoração pelo tribunal – livre apreciação dos mesmos no contexto e em conjugação com outros meios de prova oferecidos e/ou de que o tribunal possa vir a lançar mão –, não justifica a desmedida desproporção entre a lesão dos direitos da ré e os benefícios que podem advir da admissão e valoração destes registos. Isto porque existem outros meios de prova de que o tribunal a quo poderá socorrer-se – designadamente prova por declarações de parte ou testemunhal, ou por inspeção ao local – para aferição do pressuposto do direito que a autora quer ver declarado nos autos. Neste ponto, ou seja, no que diz respeito aos 13 (treze) registos fotográficos obtidos no interior do armazém/fábrica da ré, bem andou a decisão recorrida ao não ter admitido a sua junção e ao determinar o seu desentranhamento. E quanto aos restantes 6 (seis) registos fotográficos? Já vimos que não se trata de prova ilicitamente obtida e que, quanto a eles, a não admissão da sua junção aos autos não pode fundar-se em tal circunstância. Resta então o primeiro motivo indicado no despacho recorrido: desconhecimento das «circunstâncias de tempo» em que foram colhidos e não consubstanciarem, por si só, prova bastante do que a autora pretende demonstrar com eles. Concordamos que estes registos [aliás como também os restantes] não contêm indicação da(s) data(s) em que foram obtidos [data(s) em que as fotos foram tiradas] e que, por via disso, não são, por si só, suficientes para demonstrarem o que a parte que os juntou pretende [prova do estado de abandono do armazém/fábrica e consequente não uso do mesmo por mais de um ano]. Mas não está afastada, à partida, a possibilidade de, conjugados com outras provas – declarações do legal representante da ré, depoimentos testemunhais e prova por inspeção ao local –, os mesmos virem a adquirir relevância para apuramento da factualidade pertinente à procedência da pretensão da demandante. E isso basta para que não possa considerar-se que estamos perante meios de prova inócuos ou inúteis. O que significa que, neste segmento, não acompanhamos o despacho recorrido. Há, assim, que alterar este despacho, admitindo a junção dos registos fotográficos que constituem os docs. 7 a 12 apresentados com a petição inicial, mas mantendo a rejeição dos demais e o seu ordenado desentranhamento. O recurso procede, pois, em parte. As custas deste recurso ficam, assim, a cargo de recorrente e recorrida, na proporção de 2/3 para a primeira e 1/3 para a segunda – arts. 527º nºs 1 e 2, 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC. * Síntese conclusiva:* ……………………………… ……………………………… ……………………………… * * * 4. Decisão:Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º. Julgar o recurso parcialmente procedente e alterar o despacho recorrido, admitindo-se a junção aos autos dos registos fotográficos que constituem os docs. nºs 7 a 12 juntos com a petição inicial e mantendo-se o mais nele decidido [não admissão e desentranhamento dos restantes registos fotográficos]. 2º. Condenar ambas as partes nas custas deste recurso, na proporção de 2/3 para a recorrente e 1/3 para a recorrida. Porto, 28.10.2025 Pinto dos Santos Raquel Correia de Lima Alexandra Pelayo |