Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2904/23.3T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: DANO DE PRIVAÇÃO DE USO AUTOMÓVEL
EQUIDADE
JUROS
INÍCIO DA CONTAGEM
Nº do Documento: RP202506262904/23.3T8VLG.P1
Data do Acordão: 06/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - É adequado e equitativo fixar a valoração do dano de privação de uso automóvel marca mercedes modelo ..., com matrícula francesa, em montante diário e atualizado à data da decisão, de 25.00 euros diários.
II - Havendo lugar a indemnização por equidade e sendo a mesma expressamente atualizada na decisão, os juros vencem-se apenas a partir da data em que a mesma foi proferida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 2904/23.3T8VLG.P1

Sumário
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ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO´

AA, instaurou a presente ação declarativa de condenação, que segue a forma de processo comum, contra A..., S.A pedindo a condenação desta a pagar ao Autor:
1. a título de indemnização pela privação do uso do veículo, a quantia de 40,00 € (quarenta euros) por dia, estando já vencida, num total de 195 dias até à data da instauração da ação (em 31.08.2023) a quantia de 7.800,00 € (sete mil e oitocentos euros), acrescida de juros vincendos à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
2. a titulo de indemnização pela reparação da viatura, a quantia de 15.000,00 € (quinze
mil euros), acrescido de juros vincendos, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
3. a título de despesas de parqueamento já vencidas e devidas à oficina B..., S.A., com sede na ..., a quantia de 3.000,00 € (três mil euros), acrescida de juros vincendos, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
4. as despesas de parqueamento vincendas devidas à oficina B..., S.A., com sede na ..., até efetiva entrega do veículo;
5. a título de indemnização pelos danos não patrimoniais do Autor, a quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros).
Funda-se a ação em responsabilidade civil emergente de acidente de viação.
A Ré contestou e apresentou em 08.07.2024, articulado superveniente, invocando a perda total da viatura
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A SENTENÇA DECIDIU:
1. condeno a Ré A..., S.A., a pagar ao Autor AA:
1.1. 18.550,26 € (dezoito mil quinhentos e cinquenta euros e vinte e seis cêntimos) a título de indemnização pela reparação do veículo automóvel, marca Mercedes com a matrícula francesa ..-..-RZ;
1.2. 7.800,00 € (mil setecentos e vinte euros) a título de indemnização pela privação do uso do veículo;
1.3. Juros de mora sobre as quantias referidas em 1.1 e 1.2, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal civil.
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É a seguinte a fundamentação de facto constante da sentença:
A) Factos provados
1. O Autor é proprietário do veículo automóvel, marca Mercedes, modelo ..., com matrícula francesa ..-..-RZ.
2. No dia 16 de fevereiro de 2023, pelas 20:30 horas, a viatura com a matrícula ..-..-RZ circulava perto do entroncamento da Rua ... com a Rua ..., em ..., município de Valongo
3. Esta viatura era conduzida pelo filho do proprietário, BB, portador da licença de condução ....
4. A viatura de marca Mercedes, com a matrícula ..-..-VR circulava na Rua ... e virou à esquerda para entrar na Rua ....
5. Esta viatura (..-..-VR) era conduzida pelo Sr. CC titular da licença de condução ....
6. A viatura com a matrícula ..-..-RZ estava prestes a mudar de direção para a direita dentro da sua faixa de rodagem.
7. A viatura com a matrícula ..-..-VR ao mudar a direção da Rua ... para a Rua ..., para a sua esquerda, invadiu a faixa de rodagem do ..-..-RZ, tendo embatido na frente e lado esquerdo da viatura com a matrícula ..-..-RZ.
8. O local onde o embate ocorreu é um entroncamento,
9. Sem obstáculos à visibilidade dos condutores.
10. Em consequência do embate, o veículo do autor sofreu danos na parte frente esquerda.
11. Danos esses que impediram a viatura do Autor de circular.
12. O condutor do veículo de matrícula ..-..-VR de imediato assumiu a responsabilidade do sinistro e ambos os condutores procederam ao preenchimento da declaração amigável.
13. A viatura do Autor foi encaminhada para as oficinas da B..., S.A., com sede na Estrada ..., ..., ....
14. À data de instauração da presente ação, a viatura permanecia nessa oficina, por não ter sido reparada.
15. À data de instauração da presente ação, a Ré ainda não havia ordenado a reparação do veículo do autor.
16. Em consequência do embate, o Autor continua impossibilitado de utilizar o seu veículo automóvel desde o dia do acidente.
17. A viatura do Autor era habitualmente utilizada por este e pelos membros do seu agregado familiar, designadamente o seu filho.
18. O autor e os seus familiares estão, desde a data do acidente, sem a viatura que permitia ao seu agregado familiar deslocar-se em viatura própria.
19. Por contrato de seguro, a C..., UNIPESSOAL LDA., NIPC ..., proprietária da viatura, com sede na Rua ..., ..., ... ..., Felgueiras, transferiu para a Ré a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação do veículo ..-..-VR, através apólice n.º ....
20. A reparação dos danos causados à viatura do Autor por força do sinistro em causa importa um custo de 18.550,26 € (dezoito mil quinhentos e cinquenta euros e vinte e seis cêntimos).
21. A B..., S.A. notificou o Autor para proceder ao levantamento da viatura até ao dia 07.07.2024, data a partir da qual passaria a cobrar o parqueamento da mesma pelo valor diário de 50,00 € (a que acresce IVA).
22. O Autor sofreu transtornos com o acidente em causa nos presentes autos.
23. O valor do salvado do veículo é de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros).
B) Factos não provados
1. A hemifaixa de rodagem onde ocorreu o embate descrito nos factos provados tem largura superior a 8 metros de largura.
2. Em virtude do embate descrito nos factos provados, o rodado dianteiro esquerdo da viatura do Autor ficou bloqueado.
3. O filho do Autor reside na Rua ..., ..., ..., e viu-se forçado a solicitar ajuda dos familiares para se poder deslocar para os seus estudos ou teve de recorrer a transportes públicos.
4. O Autor sofreu e continuar a sofrer, diariamente, angústia por não ver o seu carro reparado, bem como o de assistir a toda a passividade da Ré como se nada tivesse acontecido.
5. Autor não disponibilizou o seu veículo para a realização da avaliação de danos por parte da Ré, não obstante a insistência da Ré para o efeito.
6. Somente na data da anterior à sessão de julgamento, dia 18.06.2024, é que o Autor, através do seu mandatário, autorizou a Ré a avaliar os danos verificados no veículo em causa nos presentes autos.
7. O valor venal do veículo, antes do sinistro, era de 5.500,00 € (cinco mil e quinhentos euros).
DESTA SENTENÇA APELOU A RÉ TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
Impugnação da matéria de facto:
Deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos não provados:
“5. Autor não disponibilizou o seu veículo para a realização da avaliação de danos por parte da Ré, não obstante a insistência da Ré para o efeito
6. Somente na data da anterior à sessão de julgamento, dia 18.06.2024, é que o Autor, através do seu mandatário, autorizou a Ré a avaliar os danos verificados no veículo em causa nos presentes autos.
7. O valor venal do veículo, antes do sinistro, era de 5.500,00 € (cinco mil e quinhentos euros). ”
6 Do depoimento prestado pela Testemunha DD, resulta, de forma clara, escorreita, e sem margem para dúvidas que, até data da propositura desta ação, não foi possível para Recorrente proceder à avaliação de danos do veículo automóvel, dado que o Recorrido nunca chegou a disponibilizar aquela viatura para esse mesmo efeito (…)
7. Na verdade, a Recorrente tratou de informar, o Recorrido, por via de e-mail datado de 10 de Maio de 2023, “que o processo se encontra definitivo, porém, não efectuou avaliação de danos do seu veículo. Assim, ou remete relatório de peritagem que já efectuou, ou efectua marcação de peritagem”.
8. Sendo certo que se não acusou qualquer resposta à presente comunicação.
9. Veja-se que o sobredito e-mail, junto aos presentes autos, sob documento n.º4, em sede de Contestação apresentada, vem corroborar o depoimento prestado pela Testemunha DD, conferindo-se uma maior credibilidade.
10.Aliás, do sobredito depoimento, resulta, ainda, que o Recorrido informou a Recorrente que não estaria interessado em agendar uma peritagem, pelo que voltaria a entrar em contacto apenas se tal se revelasse necessário.
11.Sendo que só no passado dia 18.06.2024, já no decorrer dos presentes autos, é que o Recorrido, através do seu Mandatário, autorizou a Recorrente a proceder à avaliação dos danos verificados no veículo em questão.
12.O que foi confirmado pela Testemunha EE (…)
13.Nesse seguimento, o Tribunal a quo sempre deveria ter dado como provado que o Recorrido não disponibilizou o seu veículo à Recorrente, com vista à realização da respetiva avaliação de danos, sendo que apenas autorizou tal avaliação, através do seu Mandatário, no passado dia 18.06.2024, já na pendência da presenta ação.
(…) A Testemunha EE, no que diz respeito ao valor venal do sobredito veículo em momento anterior ao sinistro sub judice afirmou, de forma escorreita, peremptória, e sem margem para qualquer dúvida, que um veículo com características idênticas ao veículo sinistrado, tem um valor venal no mercado francês de €5.500,00 esclarecendo, ainda, que tratando-se de um veículo de matrícula francesa, sempre se teria de consultar o mercado francês, ao invés do mercado nacional, sob pena se de concluir por um valor manifestamente desproporcional.
21.Sucede, ainda, que, os anúncios de venda de veículos idênticos à viatura em apreço, juntos aos presentes autos pela Recorrente por Requerimento datado de 28.06.2024, vêm atestar a posição assumida pela Testemunha EE, conferindo-lhe uma maior credibilidade.
22.Motivo pelo qual, sempre deveria ter sido dado como provado, in casu, que valor venal do veículo do Recorrido, em momento anterior ao sobredito sinistro, era de €5.500,00.
29. Termos em que se impõe a alteração da matéria dada como provada e não provada, nos seguintes termos: os factos n.º 5, 6 e 7 dos factos dados como não provados deverão ser dados como provados.
14.Efetivamente, o Recorrido violou, de forma dolosa e grave, os seus deveres de diligência, obstando, de forma consciente, à realização das diligências necessárias para a efetiva reparação do veículo sinistrado.
15.É, assim inevitável aferir que existe culpa do lesado, de harmonia com a interpretação conjugada do disposto nos art. 487º/2 e 570º/1 do CC.
16.A alegada privação do uso, a ter efetivamente, existido, apenas se deveu à conduta do Recorrido.
17.Pelo que não pode ser imputada à Ré qualquer responsabilidade pela actuação culposa do Recorrido, devendo a mesma ser absolvida do pedido formulado quanto à indemnização pela privação do uso.
23.Nesse sentido, e considerando que o valor estimado para a reparação dos danos do respetivo veículo (€18.555,26), adicionado ao valor do salvado (€2.500,00), ultrapassa, em mais de 120%, o valor venal da viatura sinistrada, dúvidas não subsistem que estamos perante uma situação de perda total.
24.Em bom rigor, cumpre sempre salientar que a possibilidade de peticionar o “custo de reparação”, a título indemnizatório, não se encontra prevista no nosso ordenamento jurídico.
25.Considerando que não assistia ao Recorrido o direito de exigir o pagamento de qualquer quantia, a título de indemnização pela reparação do veículo sinistrado, sempre andou mal o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente nesse sentido
26.Não obstante, a ser a Recorrente responsável pelos danos causados à viatura do Recorrido, o que se concebe por hipótese meramente académica, apenas poderá aquela ser condenada no pagamento da quantia de €3.000,00 (três mil euros)., a título de indemnização por perda total do veículo, nos termos do art. 41º/1, al. c) e n.º 3 do DL n.º 291/2007.
30.Sem prejuízo (…) a quantia arbitrada à Recorrida, a título de privação do uso do veículo sinistrado, é manifestamente excessiva.
31.Sendo certo que tal indemnização sempre deveria ter sido arbitrada em valor, à razão diária, não superior a €10,00 (dez euros).
32.Finalmente, sempre se deverá dizer que os juros de mora, respeitantes à quantia a que Recorrente foi condenada a título de privação do uso do veículo automóvel, com fundamento na equidade, apenas poderão ser calculados desde a data da Sentença proferida, e nunca desde a citação, nos termos disposto no art. 566º/2 do CC.
Deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, e, consequentemente:
Os factos n.º 5, 6 e 7 dos factos dados como não provados devem ser dados como provados.
Assim como, Deve a Sentença recorrida ser substituída por outra que absolva a Recorrente dos pedidos formulados, a título do custo da reparação da referida viatura e, bem assim, a título da alegada privação do uso desse mesmo veículo.
Caso assim não se entenda, deve a Sentença recorrida ser substituída por outra que condene a Recorrente no pagamento da quantia de €3.000,00 (três mil euros)., a título de indemnização por perda total do veículo.
Sem prescindir,
Sempre deverá o montante arbitrado ao Recorrido, a título de privação do uso do veículo, ser revisto, porquanto se revela manifestamente excessivo e, consequentemente, ser fixado um valor, à razão diária, não superior a €10,00 (dez euros).
Assim como, sempre deverão os juros de mora, respeitantes à quantia a que Recorrente foi condenada a título de privação do uso do veículo automóvel, serem calculados desde a data da Sentença proferida, até efetivo e integral pagamento.
Nada obsta ao mérito
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O OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes:
1- Impugnação da matéria de facto.
2- Culpa do lesado. Indemnização. Privação de uso do veículo. Critério. Juros de mora. Vencimento.
3- O MÉRITO DO RECURSO:
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
I.1
Requer a recorrente a alteração de «não provado» para «provado» dos seguintes pontos de facto não provados:
“5. Autor não disponibilizou o seu veículo para a realização da avaliação de danos por parte da Ré, não obstante a insistência da Ré para o efeito
6. Somente na data da anterior à sessão de julgamento, dia 18.06.2024, é que o Autor, através do seu mandatário, autorizou a Ré a avaliar os danos verificados no veículo em causa nos presentes autos.
7. O valor venal do veículo, antes do sinistro, era de 5.500,00 € (cinco mil e quinhentos euros)”.
Adita a favor da sua pretensão a prova testemunhal produzida, o teor do email de 10-05-2023.
I.1.1
Por sua vez a sentença fundamenta a não prova desta factualidade pela seguinte forma:
O depoimento da testemunha BB, filho do Autor e condutor da viatura sinistrada (…) revelou consistência, pormenor e objetividade que lhe conferiu total credibilidade. Explicou que (…)tentaram, por mais do que uma vez, o contacto com a seguradora aqui Ré para que a viatura fosse reparada, porém, nunca obtiveram uma resposta cabal.
Este depoimento é corroborado, no (…) que concerne aos contactos com a Ré Seguradora pelos elementos documentais juntos pela própria seguradora Ré donde resulta que o Autor, por si ou por intermédio de algum familiar, procurou obter informação junto da Ré sobre o estado do processo, sem que, todavia, o processo fosse resolvido ou acelerado. Desses elementos documentais resulta que a Ré tinha conhecimento que a seguradora do veículo do Autor também estava envolvida, como, aliás, habitualmente acontece nas situações de preenchimento da declaração amigável, por força de protocolos celebrados entre as seguradoras, a que os proprietários dos veículos sinistrados são totalmente alheios.
A testemunha referiu ainda que escolheu a oficina para a qual a viatura foi rebocada, mas após autorização da sua seguradora.
(…) No que concerne ao custo de reparação dos danos da viatura, o Tribunal considerou o relatório de avaliação de danos remetido aos autos em 28.05.2024 pela D..., entidade que interveio no processo de regularização do sinistro em virtude de a seguradora do veículo do Autor ser uma seguradora estrangeira.
(…)No que concerne aos factos dados como não provados atinentes à não disponibilização pelo Autor do veículo para efeitos de averiguação e avaliação de danos pela Ré, foram contrariados pela prova produzida, analisada à luz das regras do normal acontecer. Perante o procedimento habitual de entrega das declarações amigáveis às respetivas seguradoras que entre si, por força de protocolo celebrado entre seguradoras, diligenciam pela regularização do sinistro, não era exigível, nem sequer expectável, que o Autor procedesse de modo diverso daquele que procedeu (envio da viatura para a oficina que escolheu, após autorização da sua seguradora). Acresce que, conforme já referido, perante o pedido de informação do Autor à Ré sobre o estado do processo de regularização do sinistro, a própria Ré, em resposta, incute a ideia de que está em contacto com a entidade que representa a congénere seguradora estrangeira (conforme decorre da documentação junta pela Ré com a contestação), o que é suscetível de criar no Autor a convicção de que não é esperada de si diferente atitude ou diligência. A prova testemunhal produzida pela Ré, concretamente, o depoimento da testemunha DD, gestora de sinistros, também não contrariou a prova documental, antes foi de encontro à mesma. Confirmou que logo após a comunicação do sinistro houve assunção de responsabilidade pela Ré, o que foi comunicado à D... uma vez que a viatura do Autor era estrangeira. Confirmou igualmente os pedidos de informação sobre o estado do processo de regularização. Não explicou o motivo pelo qual não houve mais insistências perante a D... para apurar da realização e/ou resultado da peritagem ao veículo.
Relativamente ao facto atinente ao valor venal do veículo, antes do sinistro, o Tribunal deu tal facto como não provado por não ter sido produzida prova consistente acerca do mesmo. Não obstante os depoimentos das testemunhas EE que, de forma espontânea e assertiva, referiu que foi feita uma pesquisa de viaturas equivalentes em França, o valor apresentado pela Ré (5.500,00 €) difere em muito larga medida, sem que qualquer explicação tenha sido aventada, do valor venal inscrito no relatório de avaliação apresentado pela D... (17.643,00 €), já referido, e cuja objetividade não nos suscita qualquer dúvida.
I.I.2.Vejamos.
No que respeita aos pontos 5 e 6 dos factos não provados o depoimento da testemunha DD invocado pela recorrente no sentido de que “Não, foi feita peritagem nenhuma porque nunca nos foi disponibilizado o veículo para isso ou o senhor quis marcar peritagem connosco” foi pela mesma esclarecido que “essa era a informação que constava do processo que nunca foi interlocutora “, pelo que tal depoimento não habilita a uma resposta positiva a este ponto de facto dado que, se, por um lado a testemunha não teve qualquer contacto direto com o sinistrado, por outro lado nenhum elemento documental atesta uma efetiva recusa de realização da perícia ao veículo, ao que acresce, que a versão da recorrente não resiste à mera confrontação com o facto provado de que a viatura estava impedida de circular desde o sinistro (fto 11), tendo sido encaminhada para as oficinas B... onde ficou (fto 13 e 14), do que resulta que nada impedia a ré de no local onde a mesma estava depositada verificar os danos e efetuar a sua peritagem, ou ter insistido diretamente mesma junto da D..., cuja vistoria foi efetuada em março de 2023, como consta do seu relatório junto, sendo que tais meios de prova não confirmam de que tendo a ré requerido e diligenciado pela peritagem a mesma lhe foi negada.
Tão pouco o depoimento da testemunha EE abona a versão dos factos reclamada pela ré, porquanto em nenhum momento declara ter-se apresentado a realizar a perícia, a pedido da ré e não ter sido autorizado.
Não colhe deste modo a censura feita à resposta a estes pontos da matéria de facto confirmando-se o juízo valorativo da prova constante da motivação de facto que se secunda sem reservas.
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No que respeita ao ponto 7 dos factos não provados, reclama a ré a alteração deste ponto de facto convocando para o efeito o depoimento da testemunha EE, que depôs ter feito pesquisa no mercado francês e que “Havia veículos mais caros, havia veículos mais baratos, procuramos com carros em boas condições e com os quilómetros aproximados àqueles que seriam o veículo (…) tendo encontrado um valor médio, referido ao mercado francês (que se fosse no mercado português este valor seria uma exorbitância ”.
Certo é que a disparidade existente entre este valor atribuído ao veiculo e o valor atribuído pela D..., (17.643,00 €) sempre conduziriam pelo menos à duvida sobre o mesmo e como tal à não prova do facto alegado pela ré, isto sem prejuízo de a ré não ter sequer impugnado as conclusões do relatório. Pelo que se secunda também aqui o julgamento de facto efetuado pelo tribunal recorrido.
II.FUNDAMENTAÇÂO JURIDICA.
II.1
Mantendo-se intocada a sentença no que toca à fundamentação da matéria de facto, decai a recorrente no segmento do recurso em que vem defender a perda total do veículo, por carência de pressupostos de facto.
II.2
Valoração do dano privação de uso do veículo.
Sustenta ainda a recorrente que a indemnização atribuída ao dano privação do uso é exagerada defendendo que não deveria ultrapassar o montante diário de 10,00 euros.
Elenca diversos acórdãos que atribuem a este dano valores próximos deste montante os quais essencialmente datados de 2010 e 2012.
A sentença por sua vez fundamenta a indemnização arbitrada pelo seguinte modo: “O Autor pediu o valor diário de 40,00 € pela privação do uso do veículo, que se considera adequado atendendo às características da viatura e ao preço de mercado de aluguer de veículos automóveis”.
No que respeita à valoração deste dano pronunciou-se no sentido do seu ressarcimento à média de 20,00 euros diários, o recente acórdão deste tribunal da Relação, datado de 09-01-2023 (FATIMA ANDRADE) processo 8408/18.9TVNG.P1, in dgsi com a seguinte fundamentação:
“(…)não estando apurados factos que permitam demonstrar o exato valor dos danos, há que recorrer a critérios de equidade, tal como o prevê o artigo 566º nº 3 do CC, assente na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas.
E uma vez fixado este valor, o mesmo apenas deverá ser alterado quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares. Assim foi decidido no Ac. do STJ de 04/06/2015, Relatora Maria dos P. Beleza e reafirmado no Ac. STJ de 22/02/2017, Relator Lopes do Rego in www.dgsi.pt/jstj, onde se pode ler que o juízo de equidade porque “alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, (…) deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adotado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualista, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adoção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.”
(…)
A redução que assim decide resulta da análise e ponderação das seguintes decisões jurisprudenciais: Ac. TRL de 11/12/2019, nº de processo 3088/19.7YRLSB-2, a indemnização do dano de privação do uso de veículo ligeiro foi fixado em € 9,00 diários; Ac. TRP de 08.10.2018 nº de processo 4031/15.8T8MTS.P1 no qual a relatora interveio como 1ª adjunta, foi fixado o valor indemnizatório pela privação de veículo ligeiro em € 15,00 diários; Ac. TRP de 13/10/2022, nº de processo 12374/20.2T8LSB.P1 foi mantido o valor indemnizatório pela privação de veículo ligeiro em € 10,00 diários; Ac. TRP de 13/09/2022, nº de processo 216/22.9YRPRT, foi mantido o valor indemnizatório pela privação de veículo ligeiro em € 30,00 diários; Ac. TRP de 08/06/2022, nº de processo 2638/19.3T8OAZ.P1, foi mantido o valor indemnizatório pela privação de veículo em € 20,00 diários; Ac. TRP de 10/03/2022, nº de processo 1858/20.2T8PRD.P1, foi fixado o valor indemnizatório pela privação de veículo ligeiro em € 25,00 diários; Ac. TRL de 03/12/2020, nº de processo 500/19.9T8AMD.L1-2, foi fixado o valor indemnizatório pela privação de veículo ligeiro em € 25,00 diários, todos in www.dgsi.pt”
Por nós e reponderando a valoração do dano sub iudice à luz dos critérios/ valores fixados nos acórdãos mencionados e atenta a data do sinistro, o tipo de veiculo sinistrado, entendemos ser equitativo o valor atualizado à presente data de 25.00 euros diários pela privação do uso o que equivale a uma indemnização global de 25,00 euros x 195 dias no valor global de 5.850,00 euros.
II.3
Da contagem dos juros quanto ao valor atribuído ara ressarcimento do dano privação de uso.
Quanto a esta questão importa refletir que o AUJ n.º 4/2022, de 27 de junho, fixou a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.”
Diz-se na sua fundamentação que: “Trata-se de interpretar a segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º, na sua ligação sistemática com o artigo 566.º, n.º 2, ambos do Código Civil, diploma a que pertencerão os normativos que se venham a indicar sem referência da origem. Na verdade, conforme se adote uma ou outra das orientações em confronto, adquirida que esteja a atribuição de uma indemnização atualizada, ou seja, objeto de correção monetária, também o sentido do artigo 805.º, n.º 3, no seu segmento final, na sua necessária articulação com o artigo 566.º, n.º 2, terá que obedecer a uma interpretação literal ou restritiva.”.
Donde que, havendo lugar a indemnização por equidade como é o caso da indemnização, ora, atribuída ao dano privação de uso e sendo a mesma expressamente atualizada neste acórdão, como é o caso o presente, a mesma vence juros, apenas, a partir da presente data, de acordo com a jurisprudência do referido AUJ.
SEGUE DELIBERAÇÃO PROVIDO PARCIALMENTE O RECURSO.
REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA. ATRIBUI-SE AO DANO PRIVAÇÃO DE USO DO VEÍCULO O VALOR GLOBAL DE 4.875,00 EUROS, ACRESCIDOS DE JUROS DE MORA A PARTIR DA PRESENTE DATA.
NO MAIS VAI CONFIRMADA A SENTENÇA
Custas pelo recorrente e recorrido na proporção do decaimento

Porto, 26 de junho, de 2025
Isoleta de Almeida Costa
Judite Pires
António Paulo Vasconcelos