Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
158/18.2T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
TEMPOS DE CONDUÇÃO
PAUSAS
TEMPOS DE REPOUSO
CONTROLO DE UTILIZAÇÃO DE TACÓGRAFOS
TRANSPORTE RODOVIÁRIO
REMISSÃO
APLICAÇÃO DA LEI
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
RESPONSABILIDADE PRESUMIDA
Nº do Documento: RP20181218158/18.2T8VFR.P1
Data do Acordão: 12/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONTRAORDENAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º286, FLS.284-293)
Área Temática: .
Legislação Nacional: LEI N.º 27/2010 DE 30.10
Sumário: I - O art. 25º da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, constitui “norma penal em branco”, sendo válida a remissão dos pressupostos da sua aplicação para regulamentos comunitários, sem necessidade da aprovação da nova lei sempre que estes sejam modificados.
II - A Lei 27/2010 veio consagrar uma das soluções previstas pelo art. 10º, nº 3, do Regulamento nº 561/2006, qual seja uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida.
III - Para excluir essa responsabilidade cabe à empresa demonstrar que pôs à disposição do motorista do seu veículo todos os documentos necessários para que as entidades de fiscalização pudessem aferir da observância ou não das normas dos regulamentos, nomeadamente de documentos demonstrativos da impossibilidade de apresentar escalas de serviço relativas aos 28 dias anteriores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 158/18.2T8VFR.P1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
B…, Lda., com sede na Av. …, …, veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições no Trabalho que a condenou, como reincidente, pela prática de uma contraordenação prevista nos arts. 14º, nº 4, e 25º, nº 1, al. b), da Lei nº 27/2010, de 30-08, na coima de €4.182,00, correspondente a 41UC.
Recebido o recurso, com efeito devolutivo, foi realizada a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença julgando improcedente o recurso e em consequência, mantendo a coima aplicada à arguida.
Inconformada interpôs a arguida o presente recurso,
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II. Factos provados:
1. Em ação de fiscalização realizada no dia 27 de maio de 2016, pelas 17h35m, na EN …, Rotunda …, Acesso AE .. - …, na comarca de Santa Maria da Feira, verificou-se que a arguida mantinha ao seu serviço C…, conduzindo o veículo pesado de passageiros, matrícula .. - .. - VI, propriedade da arguida.
2. Naquela data, hora e local e no ato de fiscalização, verificou o senhor agente autuante que o condutor não se fazia acompanhar de todas as folhas de registo utilizadas no tacógrafo respeitantes aos 28 dias anteriores.
3. O condutor apenas possuía a folha de registo respeitante ao dia da fiscalização.
4. Aquando da fiscalização, o condutor informou que trabalha para a empresa “D…”, empresa de ferro, com sede em Ovar e que já trabalhou para a empresa B… há cerca de três meses.
5. Mais disse que no dia da fiscalização, o responsável pela empresa ligou-lhe para efetuar o serviço, tendo o condutor respondido que sim, uma vez que no seu trabalho foi feita “ponte”.
6. No ato de fiscalização o condutor não apresentou qualquer declaração/documento em como trabalha para a empresa “D…” e que não conduz veículos pesados.
7. O veículo encontrava-se a efetuar um serviço ocasional.
8. O condutor era possuidor de cartão tacógrafo (condutor), porém, nunca o utilizou.
9. À data dos factos, a arguida apresentava registo de condenação em 12 processos de contraordenação laboral (não prescritos) no Registo Nacional de Infratores, organizado por estes Serviços.
10. A arguida foi condenada, nomeadamente, em 20/03/2014, no âmbito do processo de contraordenação laboral nº ………., por violação do artigo 20º, nº 5 c), da Lei 27/2010, a que corresponde contraordenação muito grave, tendo a respetiva infração ocorrido a 20/02/2014 e sido aplicada uma coima de €2.040,00.
11. A arguida foi condenada, nomeadamente, em 06/04/2016, no âmbito do processo de contraordenação laboral nº ………, por violação do artigo 14º, nº 3 a), do Decreto-Lei 237/2007, a que corresponde contraordenação muito grave, tendo a respetiva infração ocorrido a 16/11/2011 e sido aplicada uma coima de €3.998,40.
12. À data dos factos, representavam legalmente a arguida, na qualidade de sócios-gerentes, E…, com o NIF ………. e F…, com o NIF ……….. C…, à data dos factos, era trabalhador dependente da empresa “D…, Lda.”
13. Ao actuar do modo identificado a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada, ao permitir que o referido motorista circulasse com o veículo sem se fazer acompanhar das folhas de registo do tacógrafo, ou de qualquer outro tipo de registo ou declaração, respeitantes aos 28 dias anteriores ou documento que justificasse essa falta, o que podia e devia fazer.
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III. O Direito
1. Inexistência de lei sancionatória
1.1. A propósito considerou-se na sentença sob recurso:
“A arguida vem acusada da prática da contraordenação muito grave, prevista na alínea b) do nº 1 do art. 25º da Lei 27/2010, de 30 de Agosto, por violação do disposto no nº 1 do artigo 36º do Regulamento (EU) nº 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04 de fevereiro, aplicável a partir de 02.03.2016 (como resulta do artigo 48º), com exceção dos artigos 24º, 34º e 45º, disposições aplicáveis desde 02.03.2015 - (este regulamento veio revogar o Regulamento (CEE) 3821/85 do Conselho, de 20 de Dezembro que, no seu nº 7 do artigo 15º, na redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, previa obrigação idêntica).
“E, adiantamos desde já que, o enquadramento legal efetuado na decisão administrativa mostra-se correto, sendo que, ao contrário do sustentado pela recorrente não se verifica qualquer lacuna legal (por não ter sido elaborada qualquer legislação no sentido de estabelecer o regime sancionatório, em território nacional, decorrente da violação das disposições constantes do Regulamento nº 165/2014). – neste sentido e ainda que a propósito de apreciação de questão diversa, se pronunciou o Acórdão TRP de 19.03.2018, in www.dgsi.pt, onde se refere expressamente: (…)
“Com efeito, o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo de utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, aplicável em território nacional, encontra-se previsto na Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, não existindo qualquer vazio legal.”
Insurgindo-se, alega a recorrente que:
O tribunal a quo fez tábua rasa do facto de que:
24. A regulamentação referente à introdução do aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários aconteceu por via do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985.
25. Neste diploma, o legislador estabeleceu no seu artigo 15º que: os condutores de veículos pesados de transporte rodoviário deveriam fazer-se acompanhar de folhas de registo dos grupos de tempos de condução da semana em curso e, em todo o caso, a folha do último dia da semana precedente.
26. Mais tarde, o Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, veio alterar o artigo 15º do Regulamento (CEE) nº 3821/85.
27. Com esta alteração o legislador comunitário estabeleceu que:
a) Até 31 de Dezembro de 2007, sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo qualquer registo manual e impressão efetuados durante a semana em curso e os 15 dias anteriores;
b) Após 1 de Janeiro de 2008, sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e os 28 dias anteriores.
28. Porém, era necessário transpor estas normas e o seu competente regime sancionatório para o ordenamento jurídico nacional, surgindo assim a Lei nº 27/2010. Este diploma legal surge com o seguinte objeto:
A presente lei transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Directivas nº 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro, na parte respeitante a:
a) Regime sancionatório da violação, no território nacional, das disposições sociais constantes do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março;
b) Controlo, no território nacional, da instalação e utilização de tacógrafos de acordo com o Regulamento (CE) nº 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e da aplicação das disposições sociais constantes do regulamento referido na alínea anterior.”
29. Daí o artigo 25º, da Lei nº 27/2010, versar sobre a matéria da apresentação de dados a agente encarregado da fiscalização.
30. Sucede que, anos depois, é publicado o Regulamento (UE) nº 165/2014, do Parlamento e Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014, o qual veio revogar o Regulamento (CE) nº 3821/85, de acordo com o artigo 47º daquele diploma legal.
31. O qual, como não poderia deixar de dizer, refere no seu artigo 44º que: “os Estados-Membros comunicam à Comissão o texto das disposições legislativas, regulamentares e administrativas que adotarem nas matérias reguladas pelo presente regulamento, o mais tardar 30 dias após a data da respetiva adoção e pela primeira vez até 2 de março de 2015”.
32. Uma vez que, o Regulamento apesar de ser diretamente aplicável a todos os Estados membros, necessita, com frequência, de ser concretizado por cada um desses mesmos Estados.
33. A propósito, sublinham João e Luiz Mota Campos: “(...) o regulamento não se apresenta sempre como um acto normativo completo, plenamente aplicável e exequível «per se». Acontece, por vezes, que o regulamento surge como um acto incompleto no sentido de que não figuram no seu dispositivo todas as disposições necessárias à sua boa execução. Nestes casos, cumpre aos Estados-membros prover às omissões verificadas (...).”
34. Contudo, até ao momento, pelo menos que seja do conhecimento da Arguida, não houve qualquer elaboração de lei no sentido de estabelecer o regime sancionatório da violação, no território nacional, das disposições constantes no Regulamento (UE) nº 165/2014.
35. E se houve, certamente não será a Lei nº 27/2010 (elaborada quatro anos antes da publicação deste Regulamento!).
36. Posto isto, parece, na nossa humilde opinião, existir uma omissão legislativa do Estado Português no tocante ao poder-dever de regulamentar o regime sancionatório das infracções ao Regulamento (UE) nº 165/2014.
Contrapõe o Ministério Público:
(...) a Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Directivas nº 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro, na parte respeitante ao regime sancionatório da violação, no território nacional, das disposições sociais constantes do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março e ao controlo, no território nacional, da instalação e utilização de tacógrafos de acordo com o Regulamento (CE) nº 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e da aplicação das disposições sociais constantes do mencionado Regulamento nº 561/2006.
Assim, com a entrada em vigor dessa Lei nº 27/2010, ficou definido no nosso ordenamento jurídico nacional o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes ao tempo de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo de utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário.
A entrada em vigor do Regulamento (EU) nº 165/2014 (e a consequente revogação do Regulamento (CE) nº 3281/85, de 20 de Dezembro), nenhuma consequência tem a esse nível.
Com efeito, tal sucessão normativa ocorreu, por um lado, para conferir uma maior coerência a toda a panóplia de instrumentos legais que haviam entretanto sido criados e, por outro, para adequar a legislação à evolução tecnológica que entretanto havia ocorrido. Porém, no que diz respeito à matéria em causa, nenhuma alteração ocorreu.
E é o próprio Regulamento (EU) nº 165/2014 a esclarecer essa situação ao prever:
- no seu art. 46: Medidas transitórias - Se os atos de execução referidos no presente regulamento não forem adotados de modo a poderem ser aplicados quando este o for, mantém-se transitoriamente em vigor o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, inclusive no seu Anexo I B, até à data de aplicação dos atos de execução referidos no presente regulamento.
- no seu art. 47: Revogação - É revogado o Regulamento (CEE) nº 3821/85. As referências ao regulamento revogado devem entender-se como sendo feitas ao presente regulamento.
Daqui resulta inequivocamente que as referências efectuadas em legislações nacionais ao regulamento revogado devem entender-se como sendo feitas ao regulamento ora vigente. Não há, assim, nenhum vazio legal nem nenhuma necessidade de nova legislação.
Fazendo um pouco o paralelismo é como se, pelo facto de serem alteradas normas legais relativas à construção de edifícios, tivesse que ser alterado o Código Penal quanto à punição pelo crime de infracção de regras de construção. Não tem. A punição está lá, para a violação das regras legais, sejam elas quais forem.
Ainda para mais, no caso concreto, é a própria legislação revogadora a esclarecer que as referências à legislação revogada devem entender-se como sendo feitas à legislação ora em vigor.
Como bem se refere na douta decisão recorrida, esse tem também sido o entendimento dos nossos tribunais superiores, designadamente no acórdão aí referido.
Para sustentar a decisão cita-se na sentença o acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Março de 2018, processo 204/17.8T8MTS.P1, acessível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu, aderindo à fundamentação da sentença ali revidenda: “Os factos em causa nos presentes autos foram praticados no domínio de vigência deste Regulamento nº 165/2014 (aplicável com efeitos a partir de 2 de Março de 2016, e que revogou o Reg. 3821/85), mas ainda no domínio de vigência do Regulamento (CE) nº 561/2006 de 15 de Março (que entrou em vigor em 11 de Abril de 2007 e que viu alterados os seus artigos 3º e 13º por aquele Reg. 165/2014) e do Código de Trabalho na versão aprovada pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro (versão a que respeita as disposições do Código de Trabalho a citar sem outra menção). O Regulamento 165/2014 é relativo à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários. Por sua vez, o Regulamento 561/2006, é relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários. Estes regulamentos comunitários estão transpostos na ordem jurídica interna pela Lei n.º 27/2010, de 30/8, a qual estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário. Como se esclarece no art. 1º do Reg. 165/2014, “o presente regulamento estabelece as obrigações e os requisitos relacionados com a construção, instalação, utilização, ensaio e controlo dos tacógrafos utilizados nos transportes rodoviários para verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n.º 561/2006, da Directiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e da Directiva 92/6/CEE do Conselho”.
Como se vê, embora neste acórdão se julgue aplicável o Regulamento nº 165/1014, para situação idêntica à dos autos, não se toma posição expressa quanto à questão invocada da descriminalização/revogação tácita do art. 25º da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, face à revogação do Regulamento nº 3821/85, operada pelo art. 47º do Regulamento nº 165/2014.
Tampouco o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de Junho de 2017, processo 3793/16.0T8BRR.L1-4, acessível em www.dgsi.pt, ou o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 2010/16.7T8BRR, citado no primeiro e ambos citados pela recorrente, resolvem o problema, porque se referem a situações diversas da aqui analisada.
Ambos os aludidos acórdãos se referem à aplicação analógica das normas contraordenacionais em causa, por não apresentação de um determinado formulário que não se encontrava previsto na legislação nacional (formulário anexo à Decisão 200/230/CE), que é situação distinta da que aqui nos ocupa.
1.2. A resposta, a nosso ver, deve ser encontrada no recurso às chamadas “normas penais em branco”, conforme aflorado pelo Ministério Público nas suas contra alegações ao referir: “Fazendo um pouco o paralelismo é como se, pelo facto de serem alteradas normas legais relativas à construção de edifícios, tivesse que ser alterado o Código Penal quanto à punição pelo crime de infracção de regras de construção. Não tem. A punição está lá, para a violação das regras legais, sejam elas quais forem.”
Efectivamente, estipula-se no nº 1 do art. 25º da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, que “Constitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização: a) De folhas de registo e impressões, bem como de dados descarregados do cartão do condutor; b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efectuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar; c) De escala de serviço com o conteúdo e pela forma previstos na regulamentação comunitária aplicável. (sublinhado nosso)
As disposições das alíneas b) e c), ao remeterem para normas constantes de Regulamentos Comunitários ou outra legislação nacional, que não o próprio diploma em questão, que não os prevê expressamente, constituem “normas penais em branco”.
“Normas penais em branco” são normas “cuja factualidade típica consta de uma norma extrapenal”, conforme Américo Taipa de Carvalho, em Direito Penal – Parte Geral, 2ª edição, 2008, pág. 161. Ou seja, “aquelas que remetem para outras fontes normativas a definição dos seus próprios pressupostos de aplicação” (Simas Santos e Leal Henriques, em Noções Elementares de Direito Penal, 3ª edição, 2009, pág. 18).
Este tipo de normas não viola o princípio da legalidade, conforme pacificamente aceite pela doutrina e jurisprudência. Assim, Figueiredo Dias, em Direito Penal – Parte Geral – Tomo I, 2ª edição, 2007, pág. 185, referindo que as “normas penais em branco, sobretudo abundantes no âmbito do direito penal secundário, que cominam uma pena para comportamentos que não descrevem, mas se alcançam através de uma remissão da norma penal para leis, regulamentos ou inclusivamente para actos administrativos autonomamente promulgados em outro tempo ou lugar. Pressuposto porém, evidentemente, que a norma penal em branco consta de lei formal, não se vêem razões teleológico-funcionais decisivas para considerar em causa, no plano da fonte, o respeito pelo princípio da legalidade.”
Já para Germano Marques da Silva, em Direito Penal Português, Parte Geral I, Introdução e Teoria da Lei Penal, 2ª edição revista, 2001, págs. 234-235 e 250, a legalidade da norma penal em branco depende de a norma de “definição do comportamento proibido ou imposto” seja feita por norma com o mesmo valor hierárquico ou superior.
Em sentido contrário pronunciou-se Taipa de Carvalho, ob. cit., págs. 159-160, o qual aceita a norma penal em brando apenas em “sentido estrito (em que a totalidade, ou parte substancial, da factualidade típica consta de uma norma extrapenal), o que se exige é que a remissão-conexão entre a norma penal e a extrapenal seja clara e inequívoca e que esta seja precisa na descrição da conduta.” Porém, o mesmo entende como aceitável a “norma penal que, entre os seus vários elementos típicos, contém um ou mais elementos normativos, cuja determinação conceitual é realizada por normas extrapenais, sejam jurídicas, consuetudinárias ou técnicas”, que não considera normas penais em branco (ob. cit. pág. 161).
No mesmo sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Novembro de 2011, processo 773/10.2TYLSB.L1-5, acessível em www.dgsi.pt, no qual se pode ler: “além da utilização de elementos vagos e portadores de indeterminação conflituante com os desideratos garantísticos da tipicidade, são frequentes (sobretudo no direito penal secundário e por força da complexidade e da inconstância da regulamentação de algumas actividades submetidas ao direito penal) as normas penais em branco, em que a lei incriminadora remete para uma outra fonte normativa o preenchimento dos seus próprios pressupostos, aquelas normas que cominam penas para comportamentos que não descrevem, mas se alcançam através de uma remissão da norma penal para leis, regulamentos ou mesmo actos administrativos, ou, como mais sinteticamente as define Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código Penal”, 2.ª edição actualizada, UCE, 54), normas que prevêem a sanção, mas omitem a factispecie, remetendo a definição dos elementos do crime para uma norma extra-penal. Quando assim sucede, é óbvio que, em certa medida, o princípio da legalidade é desrespeitado, mas a doutrina tem entendido que, assim mesmo, não é posto em causa pela norma penal em branco, desde que se verifique uma dupla condição: que a norma sancionadora conste de lei ou decreto-lei autorizado e que a norma complementar tenha um carácter, apenas, concretizador, e não inovador, em relação à norma sancionadora (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., 54).”
Mais se considerou no acórdão do Tribunal Constitucional nº 115/2008, de 20 de Fevereiro de 2008, publicado no Diário da República, Série II, de 1 de Abril de 2008: “O princípio da tipicidade implica que a lei especifique suficientemente os factos que constituem o tipo legal de crime (ou que constituem os seus pressupostos) e que efectue a necessária conexão entre o crime e o tipo de pena que lhe corresponde (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, Coimbra, pág. 495). A tipicidade impede, por conseguinte, que o legislador utilize fórmulas vagas na descrição dos tipos legais de crime, ou preveja penas indefinidas ou com uma moldura penal de tal modo ampla que torne indeterminável a pena a aplicar em concreto. É um princípio que constitui, essencialmente, uma garantia de certeza e de segurança na determinação das condutas humanas que relevam do direito criminal (Lopes Rocha, A função de garantia da lei penal e a técnica legislativa, in Legislação – Cadernos de Ciência e Legislação, n.º 6, Janeiro-Março de 1993, pág. 25). Nestes termos, a questão mais importante que a norma penal em branco suscita prende-se com o conhecimento pelo destinatário do comportamento proibido ou imposto (Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. I, Lisboa, 1997, pág. 220). Quando, no entanto, como sucede com a disposição penal agora em apreço, a lei remete para regras técnicas que são regras de carácter profissional tidas como geralmente conhecidas e aplicadas nos trabalhos de construção civil, ou regras a que o agente se encontra vinculado por efeito de estipulações constantes do contrato ou de determinação expressa do dono da obra, não é posta em causa a cognoscibilidade subjectiva desse específico elemento constitutivo do tipo legal. Pode até dizer-se, tal como referem dois autores há pouco citados, que «muitas vezes as remissões para outros instrumentos jurídicos não penais (como regras profissionais ou regulamentos que orientam certas actividades) tornam os regimes vigentes mais acessíveis aos destinatários das normas, pois os instrumentos em causa são, pela sua proximidade empírica em relação aos sujeitos a quem dizem respeito, mais facilmente conhecidos por estes do que as próprias normas incriminadoras» (Teresa Beleza/Frederico de Lacerda Costa Pinto, ob. cit., pág. 40).”
As normas penais em branco, que são, portanto, aceites em direito penal, são igualmente válidas no âmbito das contra ordenações. Importa lembrar que, conforme refere Taipa de Carvalho, (ob. cit.) pág. 126, “Entre nós o entendimento largamente maioritário vai no sentido da distinção qualitativa [entre o direito penal e o contraordenacional]”. (...) “Assim, também, no preâmbulo do Dec.-Lei nº 232/79, lia-se: «a contra-ordenação é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respectivo ilícito e as reacções que lhe cabem não são directamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal».” Acrescentando na pág. 129: “também o direito de ordenação social protege valores ou interesses sociais; e também as condutas qualificadas como contra-ordenações são, em si mesmas, axiológico-socialmente e ético-socialmente, relevantes e censuráveis. Só que, diferentemente do direito penal, uma grande parte dos valores ou bens jurídicos, protegidos pelo direito de ordenação social, não pertencem à estrutura axiológica fundamental da vida comunitária e da realização pessoal (i.é, não atingem a categoria da chamada “dignidade penal”), estrutura que é o objecto próprio do direito penal.” Veja-se ainda Germano Marques da Silva, ob. cit., págs. 156-157.
Conforme refere António Leones Dantas, em Os direitos de audição e de defesa no processo das contra-ordenações, Art. 32º, nº 10 da Constituição da República, Caderno do CEJ, pág. 42, “A autonomia do Direito das Contra-ordenações face ao Direito Penal surge, assim, como uma das justificações da própria existência deste ramo do direito e vai materializar-se na conformação de soluções de natureza substantiva e processual diversas das vigentes naquele”. Acrescentando na pág. 75, “Embora fazendo parte do direito sancionatório público e mantendo relações profundas com o Direito Penal, o Direito das Contra-ordenações não se confunde com aquele, quer na sua dimensão substantiva, quer na componente processual que integra. Ou seja, o processo das contra-ordenações viabiliza a realização daquele direito, disciplinando a sua aplicação no quadro da autonomia de cada um daqueles ramos do direito sancionatório e da especificidade das respectivas soluções processuais.”
1.3. Analisando em concreto:
Desde logo a obrigação da apresentação da escala de serviço incluindo relativamente a um período mínimo que abranja os 28 dias anteriores ao da fiscalização consta do art. 16º, nº 3, do Regulamento nº 561/2006, que se mantém em vigor.
Por outro lado, o Regulamento nº 165/2014, nada alterou neste aspecto o Regulamento nº 3821/85, conforme se pode constar respectivamente do art. 36º, nº 1, i), do primeiro, e do art. 15º, nº 7, al. b), ii), do segundo.
Acresce que, conforme salientado pelo Ministério Público, estipula-se no art. 47º do Regulamento 165/2014, que “As referências ao regulamento revogado devem entender-se como sendo feitas ao presente regulamento.”
Para além disso, não se ignorando a exclusividade da competência penal da legislaão nacional, os regulamentos comunitários não são hierarquicamente inferiores às leis da Assembleia da República.
Face ao exposto, não se pode invocar o desconhecimento das normas por parte da recorrente, até porque se tratam de regulamentos que regulam a sua actividade.
Assim se entende que não viola o princípio da legalidade a aplicação das normas do Regulamento nº 165/2014, definidoras dos documentos a apresentar pelos motoristas de veículos pesados de passageiros, por remissão do art. 25º da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto.
De todo o modo, a entender-se de forma diversa sempre se consideraria em vigor o Regulamento anterior, conforme expressamente estipulado no art. 46º do Regulamento nº 165/2014 (veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de 24 de Maio de 2018, processo 977/17.7T8PTG.E1, acessível em www.dgsi.pt), pelo que sempre improcederia este fundamento do recurso.
Assim, improcede aqui o recurso.
2. Ilegitimidade da recorrente enquanto arguida
2.1. Mais alega a recorrente:
69. No tempo, local e modo citados, a Recorrente solicitou ao motorista em causa (que tem habilitação legal para o fazer) para realizar um serviço ocasional.
70. E solicitou a esse motorista, porquanto o motorista e trabalhador da Recorrente escalado para fazer esses serviços não se apresentou na empresa para o fazer, conforme era sua obrigação.
71. O que obrigou que a Recorrente, como forma de cumprir as suas obrigações legais com o cliente se visse obrigada a solicitar esse serviço ao motorista em causa.
72. Sendo certo que, o motorista apenas prestou serviço à Recorrente no dia da fiscalização. (,,,)
78. A ratio-legis da norma constante da al. b) do nº 1 do art. 25 da Lei 27/2010, é, justamente, a de um trabalhador que exerce atividade em um só empregador ter a obrigação de ter consigo os discos tacógrafos dos últimos 28 dias de trabalho (ao serviço da empresa) por forma a controlar o seu horário de trabalho e descanso.
79. A norma citada e o Diploma Legal a que a entidade administrativa faz alusão, não prevê as situações em que um motorista trabalhe para mais que um empregador ou nos casos em que o motorista é um mero prestador de serviços, como no caso sub judice.
80. O que quer dizer que, se há alguém responsável pela exibição dos discos e declaração, esse alguém é o motorista Sr. C….
81. Assim, nunca pode a empresa ser alvo de uma contraordenação, e condenada ao pagamento de qualquer coima, se está, objetivamente, fora do seu controlo ter discos tacógrafos respeitantes a um motorista que, nos 28 dias que antecederam o auto de notícia. Ora,
82. Nos termos do nº 1 do artigo 551º do CT, o empregador é responsável pelas contraordenações laborais, ainda que prestadas pelos seus trabalhadores no exercício das suas funções.
83. Sendo o motorista um prestador de serviços, e não trabalhador da empresa ora Recorrente, caberá ao motorista a responsabilidade da infracção cometido, ou seja, a falta de apresentação de algum disco referente aos últimos 28 dias ou falta de declaração, conforme o caso, deverá ser imputada exclusivamente ao motorista, por se tratar de um prestador de serviço.
Contrapõe o Ministério Público:
Em nenhum momento foi dado como provado, como alega a recorrente, que o condutor no momento da fiscalização não era trabalhador da ora recorrente e que era um mero prestador de serviços. Pelo contrário, toda a fundamentação da douta decisão ora recorrida vai no sentido de explicar por que razão não foi conferida credibilidade a esta versão. O que conduziu a que fossem dados como não provados os seguintes factos:
- C…, não é, nem nunca foi trabalhador da arguida.
- O condutor só prestou serviço à arguida no dia da fiscalização.
De qualquer forma, sempre se dirá que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, tal situação não reveste carácter decisivo. Na realidade, toda a legislação aplicável está construída em função da figura do condutor, não do funcionário. E, o art. 4º, al. c), do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, define como condutor: qualquer pessoa que conduza o veículo, mesmo durante um curto período, ou que, no contexto da actividade que exerce, esteja a bordo de um veículo para poder eventualmente conduzir.
E, in casu, dúvidas não restam que, naquele dia, àquela hora, o condutor do veículo em causa era o Sr. C… e que o estava a fazer ao serviço da ora recorrente. Conjugada com os demais elementos, esta situação obriga à responsabilização da recorrente pela prática da contra-ordenação em causa.
A questão suscitada desdobra-se em duas vertentes: a primeira consiste em saber se a recorrente pode ser responsabilizada pela infracção no caso de o seu veiculo ser conduzido por pessoa que não seja seu motorista assalariado; a segunda se, neste caso, de o motorista não ser trabalhador da recorrente, poderá ser imputado à mesma a infracção em questão, não ser o motorista portador de escala de serviço relativamente a um período mínimo abrangendo os 28 dias anteriores, uma vez que o motorista não terá trabalhado para o recorrente no aludido período.
2.2. Relativamente à primeira questão entendemos que assiste razão ao Ministério Público. Todas as infrações ao Regulamento praticadas pelos motoristas são, obviamente, actos pessoais destes, ainda que obedecendo a ordens da entidade patronal.
A questão está em determinar se a recorrente providenciou devidamente para que o motorista não cometesse a infracção em causa. Ou seja, a situação aqui invocada nenhuma especialidade tem relativamente às demais que podem gerar a responsabilidade objectiva do empregador.
Nos termos do art. 4º, al. c), do Regulamento 561/2006, «Condutor» é qualquer pessoa que conduza o veículo, mesmo durante um curto período, ou que, no contexto da actividade que exerce, esteja a bordo de um veículo para poder eventualmente conduzir (sublinhado nosso).
Estabelece o art. 13º, nº 1, da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, que a empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional. Acrescentando no seu nº 2, que a responsabilidade da empresa só é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
Daqui se extrai que as empresas passaram a ser responsabilizadas diretamente pelas infrações cometidas pelos motoristas, aliás sujeitos à carga laboral por aquelas determinada (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Setembro de 2013, processo 3327/12.5TTLSB.L1-4, acessível em www.dgsi.pt).
E o que aqui está em causa é precisamente a necessidade de fiscalização do cumprimento dos regulamentos que fixam as cargas horárias do trabalho dos motoristas profissionais.
Ou seja, “a Lei 27/2010 veio consagrar uma das soluções previstas pelo art. 10º, nº 3, do Regulamento [561/2006], qual seja uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida, pois que, consagrando embora a responsabilidade da empresa transportadora com base numa presunção de culpa, veio, contudo, permitir que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento, para o que deverá demonstrar que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Dezembro de 2011, processo 68/11.4TTVCT.P1, acessível em www.dgsi.pt).
Sobre a questão da inconstitucionalidade desta solução pronunciou-se já por diversas vezes o Tribunal Constitucional, de forma unânime pela não inconstitucionalidade da norma do art. 13º, nº 1, da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, quando interpretada no aludido sentido de consagrar uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida. Veja-se os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 45/2014, de 9 de Janeiro de 2014, processo 428/13, nº 107/2014, de 12 de Fevereiro de 2014, processo 640/13, nº 144/2014, de 13 de Fevereiro de 2014, processo 482/13, nº 206/2014, de 3 de Março de 2014, processo 668/13, nº 220/2014, de 6 de Março de 2014, processo 639/13, nº 267/2014, de 25 de Março de 2014, processo 365/13, nº 268/2014, de 25 de Março de 2014, processo 1189/13, nº 33/2014, de 9 de Abril de 2014, processo 1300/13, nº 365/2014, de 6 de Maio de 2014, processo 669/13, e nº 398/2014, de 7 de Maio de 2014, processo 954/13, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
Relativamente à circunstância de o motorista não ser trabalhador subordinado da recorrente, considerou-se no acórdão deste Tribunal de 20 de Novembro de 2017, processo 3917/16.7T8AVR.P1, mesmo colectivo do presente:
“Foi imputada à arguida a prática de uma contraordenação prevista nos arts. 14º, nº 1 e 4, al. a), e 25º, nº 1, al. b), da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, que estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, transpondo a Directiva nº 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Directivas nº 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro.
“Resulta do articulado da Lei, nomeadamente dos arts. 2º e 3º, que a mesma se aplica aos condutores, não distinguindo se estes são meros trabalhadores, ou gerentes da empresa.
“Efectivamente, conforme se refere na sentença, a Directiva nº 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, visa não apenas uma harmonização das condições de trabalho na Comunidade e para a promoção de regras homogéneas, mas igualmente, se não essencialmente, combater a fadiga dos condutores, assim conduzindo a uma maior segurança rodoviária, bem como salvaguardar a livre concorrência entre as empresas, conforme consta dos considerandos nº 4 e 5 da Directiva. Veja-se a propósito o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Setembro de 2013, processo 3327/12.5TTLSB.L1-4, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Dezembro de 2009, processo 748/08.1TTOAZ.P1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
“Assim, é irrelevante a posição do condutor na empresa, nenhuma relevância assumindo a questão suscitada pela recorrente da coincidência entre a relação de sócio gerente e trabalhador.
“A entender-se de outro modo, como se salienta na sentença, estaria aberta a possibilidade de violação da concorrência, uma vez que se permitiria que os sócios gerentes de uma empresa pudessem conduzir sem as mesmas restrições das que têm apenas trabalhadores a conduzir os seus veículos.”
2.3. Quanto à segunda vertente da questão, considerou-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8 de Novembro de 2017, processo 1523/15.2T8BJA.E1, acessível em www.dgsi.pt: “Não sendo apresentadas todas ou alguma(s) das aludidas folhas de registo, deve o condutor apresentar um documento comprovativo que justifique a ausência das folhas de registo em relação aos dias em falta, pois só por esta via, o agente encarregado da fiscalização pode concluir que todas as folhas existentes com referência ao período temporal imposto pela norma, lhe foram apresentadas ou não e, nesta última situação, autuar o agente infrator. Neste sentido, v.g. Acórdão da Relação do Porto de 05/12/2011, P. 68/11.4TTVCT.P1 [Paula Leal de Carvalho]; Acórdão da Relação de Guimarães, de 20/10/2016, P.1154/15.7T8BCL.G1 [Alda Martins]; e, Acórdão da Relação de Lisboa, de 16703/2016, P. 196/15.7T8BRR.L1.4 [José Eduardo Sapateiro].”
Conforme se refere no acórdão ainda o Tribunal da Relação de Évora de 1 de Outubro de 2015, processo 77/15.4T8STC.E1, ainda acessível em www.dgsi.pt:
“Como já se deixou analisado, nos termos do Regulamento (CE) 561/2006, mais concretamente do seu artigo 10.º, n.º 2, as empresas de transportes são responsáveis por qualquer infracção cometida pelos condutores da empresa.
“E compreende-se que assim seja: por um lado, como bem se assinala na sentença recorrida, «amiúde a razão do trabalhador violar regras de direito estradal e laboral e de correr riscos – e pôr o restante tráfego em perigo – radica no volume desproporcionado de trabalho que lhe é cometido e na respectiva organização.
“Note-se que são as empresas, de ordinário, que tem interesse no resultado daquela conduta do trabalhador e não este»; por outro lado, cometendo-se às empresas de transportes a obrigação de estas cumprirem a disposto no regulamento e de darem instruções adequadas aos condutores e efectuarem controlos regulares (n.º 2 do artigo 10.º do Regulamento 516/2006), essas instruções e controlo não podem deixar de abranger o que se refere à necessidade dos condutores se fazerem acompanhar dos documentos necessários com vista às entidades de fiscalização aferirem da observância ou não das normas do regulamento.
“E é nesta mesma linha que se deverá interpretar o disposto no artigo 13.º, n.º 2, da Lei n.º 27/10, de 30-08, ao prescrever que a responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85 e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006: sublinhe-se, está em causa a necessidade do cumprimento pela empresa não só do disposto no capítulo II do Regulamento 561/2006, como também do Regulamento 3821/85.
“Ora, a obrigatoriedade da apresentação dos documentos encontra-se especificamente prevista neste regulamento, embora com a redacção introduzida pelo artigo 26.º do Regulamento 561/2006.
“Por isso, quer do artigo 10.º do Regulamento 516/2006, quer do Regulamento 3821/85, resulta a responsabilidade da empresa pela infracção.
“Para excluir essa responsabilidade caberia então à empresa demonstrar que pôs à disposição do trabalhador todos os documentos necessários para que as entidades de fiscalização pudessem aferir da observância ou não das normas dos regulamentos, sendo da exclusiva responsabilidade do condutor não se ter feito acompanhar de tais documentos e/ou da sua não apresentação àquelas entidades.
“Porém, tal prova não se mostra efectuada, pelo que é de afirmar que a recorrente/arguida cometeu a contra-ordenação em causa.”
No caso, não provou a recorrente que o motorista fosse portador de documentos necessários à demonstração da impossibilidade de se fazer portador das escalas de serviço em falta.
Assim, não tendo a arguida/recorrente demonstrado factos necessários à exclusão da aludida responsabilidade objectiva, é igualmente improcedente este fundamento do recurso.
IV Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

Porto, 18 de Dezembro de 2018
Rui Penha
Jerónimo Freitas